Capítulo Único
O sangue em meu nariz era um sinal mais do que claro de que tudo estava passando dos limites. Morgana estava sendo arrastada para o outro lado do cômodo enquanto passava a mão por sua boca ensanguentada.
- Você é uma vaca, ! - A voz de Morgana ecoou longe antes de fecharem a porta completamente. Procurei por , mas eu não o reconheci entre as vozes. Será que ele teria ido atrás de Morgana?
- Ok, já acabou, . - Senti uma forte dor ao tentar respirar pelo nariz e resolvi apenas me manter quieta. Meu vestido estava rasgado nas mangas e meu sapato possuía pequenas manchas de sangue salpicadas no cadarço.
Mamãe iria me matar, com certeza.
- E-eu preciso sair daqui. - Murmurei e desvencilhei-me dos braços da pessoa que me segurava, completamente atordoada pela música ainda alta e os efeitos luminosos lúdicos. Andei rapidamente até o banheiro e fechei a porta atrás de mim juntamente com toda a algazarra que havia trazido junto para aquela estúpida festa.
Perfeito, a última memória de todo o último ano da escola seria
e Morgana em um duelo pelo coração de um príncipe que, diga-se de passagem, não é tão encantado assim. Além disso, o verdadeiro “príncipe” se mostrou um sapo, porque me deixou para ir atrás dela.
Balancei meus ombros e encarei-me no espelho, completamente assustada com o reflexo selvagem que encontrei ali.
Há pouco menos de um ano, não sonharia com nenhum dos cenários que se passava ao meu redor. Em pouco tempo vi minha vida escolar passar de cômica, porém triste, para um carrinho de mão desgovernado em plena ladeira abaixo sem previsão alguma de voltar a subir.
Resolvi escrever neste caderno que me deu há algumas semanas - não havia outra opção senão eu e a teria escolhido, acredite - os eventos que levaram até esta fatídica noite quando a bruxa tentou me atacar. Eu sei, Morgana e bruxa são uma piada ultrapassada, mas até aí, boa parte de minhas piadas são ultrapassadas. Caso a polícia venha a me interrogar, sei que vou ficar assustada e confusa demais para falar, vou deslizar então o meu caderninho com desenhos de sushis de carinhas sorridentes em capa dura para o(a) policial e permanecer quieta até a presença do meu advogado, meu tio.
Portanto, meu querido(a) policial - espero que você seja mulher, com toda a sinceridade, odiaria ver as caras e bocas que um homem bossal faria ao ler esse manuscrito -, aproveite as próximas páginas, não acredito que seja algo completamente inédito nos capítulos adolescentes da cidade de San Andrés, mas é a minha história.
- Você é uma vaca, ! - A voz de Morgana ecoou longe antes de fecharem a porta completamente. Procurei por , mas eu não o reconheci entre as vozes. Será que ele teria ido atrás de Morgana?
- Ok, já acabou, . - Senti uma forte dor ao tentar respirar pelo nariz e resolvi apenas me manter quieta. Meu vestido estava rasgado nas mangas e meu sapato possuía pequenas manchas de sangue salpicadas no cadarço.
Mamãe iria me matar, com certeza.
- E-eu preciso sair daqui. - Murmurei e desvencilhei-me dos braços da pessoa que me segurava, completamente atordoada pela música ainda alta e os efeitos luminosos lúdicos. Andei rapidamente até o banheiro e fechei a porta atrás de mim juntamente com toda a algazarra que havia trazido junto para aquela estúpida festa.
Perfeito, a última memória de todo o último ano da escola seria
e Morgana em um duelo pelo coração de um príncipe que, diga-se de passagem, não é tão encantado assim. Além disso, o verdadeiro “príncipe” se mostrou um sapo, porque me deixou para ir atrás dela.
Balancei meus ombros e encarei-me no espelho, completamente assustada com o reflexo selvagem que encontrei ali.
Há pouco menos de um ano, não sonharia com nenhum dos cenários que se passava ao meu redor. Em pouco tempo vi minha vida escolar passar de cômica, porém triste, para um carrinho de mão desgovernado em plena ladeira abaixo sem previsão alguma de voltar a subir.
Resolvi escrever neste caderno que me deu há algumas semanas - não havia outra opção senão eu e a teria escolhido, acredite - os eventos que levaram até esta fatídica noite quando a bruxa tentou me atacar. Eu sei, Morgana e bruxa são uma piada ultrapassada, mas até aí, boa parte de minhas piadas são ultrapassadas. Caso a polícia venha a me interrogar, sei que vou ficar assustada e confusa demais para falar, vou deslizar então o meu caderninho com desenhos de sushis de carinhas sorridentes em capa dura para o(a) policial e permanecer quieta até a presença do meu advogado, meu tio.
Portanto, meu querido(a) policial - espero que você seja mulher, com toda a sinceridade, odiaria ver as caras e bocas que um homem bossal faria ao ler esse manuscrito -, aproveite as próximas páginas, não acredito que seja algo completamente inédito nos capítulos adolescentes da cidade de San Andrés, mas é a minha história.
Capítulo 1 - Morceguinhos
Para início, nada disso teria acontecido se a minha escola não estivesse de sacanagem em um período de plena crise nacional.
- Você vai mudar de turno? A diferença de mensalidade é tão grande assim para você ir se juntar com eles? - Angélica franziu o cenho.
- Pois é. O dono da escola acha que nossos pais já não ralam o suficiente ao deixarem de dormir por estarem preocupados demais com contas massivas para pagar. - Resmunguei enquanto preparava um copo de limonada para minhas amigas. Havia combinado uma reunião em minha casa após mais de duas semanas tentando combinar as agendas, para que o anúncio fosse feito. Angélica me subornou com Kit Kat, portanto foi a primeira a saber. Eu nem mesmo estou arrependida por ter cedido tão facilmente.
- Acho que só conhecemos duas pessoas que estudam no turno da tarde, não é? O Adriel e o Magal. Também tem aquela amiga do Adriel, a Virgínia. - Assenti fracamente enquanto media cuidadosamente a porção de açúcar na bebida.
- Você, mais do que ninguém, deveria saber que eu não tenho contato com ninguém do turno da tarde! As únicas pessoas que mantém contato com aquele pessoal são as que vieram da tarde para a manhã, e eu não troquei mais de duas palavras com Morgana e Virgínia.
- A Virgínia foi para a manhã? Brincou. Ela é incrível. Sempre quis conversar com ela. - Arqueei a sobrancelha para minha amiga que apenas deu de ombros - você vai se adaptar, , eu sei que vai. Você tem toda essa pose nervosa, mas acaba fazendo amizade com todos. Quem sabe até não arranje um consagrado, hein? - Revirei os olhos descaradamente para Angélica.
- Nem mesmo um arqueólogo conseguiria achar uma raridade chamada homem decente naquela sala.
O som da campainha ecoou por todo o apartamento. Ares levantou-se imediatamente do sofá e voou até a porta de entrada, esperando ansiosamente a manada feminina que passaria pela porta para lhe dar atenção. Ao destrancar a porta, tomei o cuidado de tirar meu filho dali antes que as meninas entrassem apressadas.
- Oi, . - Tiê me cumprimentou com um sorriso e correu para a cozinha, sentindo o cheiro de biscoitos que mamãe havia deixado no forno. Os cabelos rosados foram o único vestígio de que eu realmente havia visto minha amiga entrar.
- Ela passou o dia inteiro sem comer só para vir aqui. - Margarida comentou ao entrar logo após a irmã gêmea. Sorri para a menina de cabelos negros e a abracei com força.
- Estava com saudades. - Margarida sorriu e foi atrás da irmã.
- Cara, eu esqueci toalha, não tem problema, tem? - Letícia entrou carregando uma enorme bolsa de viagem. Ela só iria passar o final de semana aqui, pelo amor de Deus!
- Relaxa. Vamos dar um jeito. Falta só a Luana, não é? - Letícia assentiu e deixou sua bagagem ao lado do sofá.
- Qual é a notícia que você queria nos dar? - Tiê nem mesmo escondeu ter devorado quase metade da forma de biscoitos com gotas de chocolate. Sua blusa branca estava cheia de farelos.
- Bom, primeiramente, gostaria de agradecer o milagre de ter vocês na minha humilde residência. - As quatro reviraram os olhos - E a notícia é a seguinte: vou me mudar para o turno da tarde.
Agora, em minha cabeça, eu havia dito que estaria mudando apenas o horário das minhas aulas. Ao invés de estudar das 7h15 ao 12h40, eu estaria estudando do 12h50 até 18h30, entretanto creio que minhas amigas entenderam que eu estaria de mudança definitiva para uma ilha deserta apenas com lagartos assassinos.
- Você está doida?! - Marília foi a primeira a se posicionar, calma e gentil como sempre.
- E a gincana? Os projetos sociais? Como vamos fazer se você vai estar em outra turma? - Letícia foi um pouco mais abrangente ao perguntar e parecia realmente preocupada com os projetos, não com os lagartos assassinos metafóricos.
- Gente, pelo amor de Deus! Eu ainda tenho celular, WhatsApp, Facebook, Instagram, e vocês vão me ver todos os dias! - Cecília franziu o cenho e mordeu o canto dos lábios - E o pessoal da tarde não pode ser tão ruim assim…
- Sabe quando aprendemos no quinto ano sobre os homens das cavernas e sobre como eles arrastavam as mulheres pelos cabelos pelos cantos? - Marília começou a desenvolver o pensamento.
- Isso passava nos Flintstones! - Defendi-me rapidamente - Há, refutada! Próximo argumento contra os Morceguinhos.
Outra informação necessária. A rixa, se ainda não ficou clara ao leitor, entre as turmas da manhã e da tarde é bem antiga. Creio que desde o oitavo ano, ambas as turmas decidiram se odiar ao ponto de um aluno da tarde ser expulso por tentar colocar uma bombinha dentro da bolsa de uma aluna da manhã, mas o plano deu errado e a bomba explodiu ao lado da sala da coordenação.
Morceguinhos é o apelido que a turma da manhã deu à turma da tarde em referência a falta de sono perturbadora dos alunos ao ficarem acordados até seis da manhã todos os dias e dormirem durante as aulas da tarde. Em minha defesa, nunca disse que minha sala era criativa.
- Eu não tenho nada. Sempre achei nossa briga bem estúpida, mas não dá pra negar que nossa sala é bem mais incrível que a deles. - Letícia diz com um dar de ombros.
- A tendência é das salas da manhã serem melhores que as da tarde. Vou montar um estudo sobre isso no meu TCC. - Margarida comentou com um sorriso convencido.
- Vamos nos focar primeiro em passar em uma faculdade, depois pensamos nisso. - A voz da razão, diga-se, Letícia, determinou e caímos em silêncio.
- Vou sentir sua falta. - Tiê sorriu e me abraçou fortemente. Logo todas já me esmagavam em um grande abraço de urso. Suspirei e abracei minhas melhores amigas de volta.
- O que pode acontecer demais? Só vou ter mais tempo para dormir! E além do mais, eles não devem ser tão diferentes de nós! Somos todos humanos, poxa!
*
As últimas duas semanas de férias passaram voando, no mínimo. Quando me permiti perceber, já estava parada na frente da escola sem a mínima coragem de entrar. Cheguei em cima da hora, a escola não era novidade alguma, apenas minha nova sala.
Acenei para o porteiro e subi a rampa de entrada correndo, quase tirando meus pés do chão para chegar na sala antes do sinal bater. Passei pelo corredor das janelas e suspirei ao ver minha antiga sala sendo desinfetada pelas moças da limpeza. Uma delas sorriu para mim e retribui com um sorriso ainda maior.
- ! Tudo bom? - Virei-me assustada para encarar o ser de cabelos azuis que me encarava com um sorrisinho de lado, o menino de uniforme estilizado com um suspensório preto e all star amarelo me encarava com suas sardinhas realçando ainda mais seu sorriso - Sou o Adriel, você realmente passou para a nossa turma? - Hã, sim. Passei. Não sabia que você me conhecia. - Ele deu de ombros e sorriu novamente.
- Todos nos conhecemos, não é uma escola tão grande. - Adriel tinha razão. Por mais que eu não fosse conhecida no cubículo social em que estávamos enfurnados, eu conhecia muita gente. O ramo da popularidade não é exatamente uma via de mão dupla. Ser popular não significa conhecer a todos, da mesma forma que não ser popular não o torna um alienado.
- É verdade. Prazer falar com você pela primeira vez. Eu trabalhava ano passado, então nunca ficava nos eventos da tarde para resolver nada.
- Ah, eu sei. O Zé vivia falando para todos sobre a carga horária de um estagiário e te usava como exemplo. - Zé, apelido de nosso professor de geografia, foi um grande apoio quando comecei a trabalhar para ajudar mamá a pagar minha meia bolsa.
- A sala ainda é a mesma? - Desconversei tentando manter a conversa. Obviamente eu sabia a localização da sala, mas Adriel não precisava saber disso.
- Sim! Vamos lá. Acho que você vai gostar dessa mudança de ares. - Ele comentou como se escondesse um segredo de mim. Quis virar e sair correndo. Não queria que explodissem uma bombinha em mim também - Ei, relaxa! Não somos selvagens apesar do que sua turma e os professores insistem em dizer. - Senti um leve tom de julgamento da parte de Adriel, mas não pude deixar de notar que ele se retratou a mim como alguém de outra sala. Ótimo começo.
Quando adentrei no espaço estudantil, senti que estava em outra dimensão. Nada me parecia reconhecível. A turma era menor, então mais cadeiras estavam à disposição para serem usadas como mesa afim de fazer sanduíches.
Todos os olhares se voltaram para mim quando Adriel me acompanhou até meu assento, ao lado do dele. Tentei dar um sorriso, mas devo ter parecido estar com dor de barriga. E estava, na realidade. Eu queria muito ir fazer cocô naquele momento.
- E aí, ? - Levantei meu olhar da mesa rabiscada e encarei uma menina, que eu sabia ser Virgínia, a amiga de Adriel. Sorri e tentei mascarar meu nervosismo.
- Oi, tudo bem? - Ela assentiu e se sentou na cadeira à minha frente.
- Seja bem-vinda. - Piscou para mim e empertiguei-me na cadeira ao ver o professor de espanhol adentrar na sala. Pisquei algumas vezes, ainda atordoada demais com a situação.
Ao meu redor, havia dezessete alunos. Doze meninos e apenas cinco meninas, agora seis, se contar comigo. O verdadeiro inferno na terra, como dizia Srta. Tebí.
Tentei controlar a sensação de nervosismo ao sentir os olhos de pousados em mim. Eu sabia que não conseguiria me dirigir a ele nunca. Mas ele também nunca se importou em falar comigo, então por que haveria de me importar? Ele e os amigos sentavam ao meu lado direito, ocupando oito cadeiras. Ao meu lado esquerdo, os outros quatro meninos restantes sentavam misturados às meninas, dando risadas e tentando acertar o lixo com bolinhas de papel. E ali no meio, Adriel e Virgínia, e claro, eu. Os três formavam a fileira divisora, não que importasse.
Todos na escola invejavam a união daquela turma que, apesar de infernal, era extremamente unida. Ouvi dizer que eles foram os responsáveis pela demissão de um professor que foi acusado por uma das alunas de tentar mandar mensagens impróprias para ela após o dia da fantasia, quando ela veio de enfermeira. Supostamente, homens não resistem a enfermeiras. Eu acho estupidez e espero que aquele homem nunca mais arrume um emprego.
- ? - Encarei o professor de espanhol bobamente. Ele riu e apontou para o quadro - Sei que estávamos mais adiantados na turma da manhã, então se importa em resolver esses exercícios, já que seus colegas ainda não conseguiram?
Tentei controlar a ânsia de vômito.
- Hm, eu não sei essa matéria. - Tentei desvencilhar-me da condenação moral a qual o professor me colocava.
- Como não? Você é uma das minhas melhores alunas. Venha, vamos. - Levantei-me da cadeira com um suspiro. Subi o pequeno palanque para chegar à lousa. A diretoria gostava de colocar os professores um patamar acima dos alunos, para nos fazer ter a impressão de poder e autoridade.
De costas para a turma, resolvi as sentenças e organizei os verbos. Ao virar-me para descer as escadinhas, percebi que um dos meninos tinha a câmera voltada para mim. Um sorriso tão sombrio e sacana que senti meu corpo inteiro arrepiar só de imaginar o que poderia estar fazendo.
Desci e voltei ao meu lugar rapidamente.
- Ei, eu sei que não somos amigos nem nada, mas achei que precisava ver isso. - Adriel me cutucou e me mostrou uma foto. Havia um rabo de burro em minha bunda quando estava virada para resolver os exercícios na lousa. Engoli em seco e suspirei. Eu sabia que eles nos odiavam, mas não ao ponto daquilo.
- Obrigada por me mostrar. Isso só prova a fama deles. - Torci o nariz e Adriel arqueou a sobrancelha.
- Não somos todos assim.
- Eu não duvido. Mas o estereótipo não escolhe suas vítimas. - Argumentei e Adriel deu de ombros.
- Você faz parte dele agora, então se acostume com ele também. - Ele desconversou e voltou a prestar atenção na aula.
Considerei minhas opções. Precisava me enturmar com eles ou passaria o último semestre da escola sofrendo nas mãos de garotos de intelecto baixo e testosterona altíssima. Qual a melhor forma de lidar com uma situação daquelas?
*
E é aqui, dona policial, que as coisas começaram a se desenvolver. Veja bem, eu sei como adolescentes funcionam. Eu sou uma delas. Eu estou infiltrada na minha própria tribo. Mas eu não sei ser como um Morceguinho.
As semanas seguintes à minha mudança foram tenebrosas. - já falo dele, não é relevante o suficiente para ser mencionado - e Morgana decidiram que a melhor chance de me receber era com constantes cortes e debates no meio da aula. Morgana chegou a dizer que o liberalismo econômico era a chave contra o racismo. Eu não deveria esperar nada diferente vindo de alguém daquela escola. discordou dela, mas disse que a saída centro esquerda parecia mais correta. Eu estava prestes a concordar com ele quando ele finalizou seu argumento com:
- A solução mais óbvia é o sexo.
Senti meus olhos pararem atrás da minha nuca. Sério, no meio de um debate ele diz aquilo? Morgana esqueceu nossa discussão aflorada.
Adriel estava mais próximo de mim, já que Virgínia havia ido para o período matutino. E eu havia feito algumas amizades na sala, tecnicamente, mas eu ainda não estava enturmada. Eu queria me enturmar, nem que para isso precisasse dizer que a solução mais óbvia para a crise econômica era o sexo. Hm, na verdade, não, não faria isso. Eu jamais faria isso. O ponto é que eu precisava de uma brecha, de algo para me conectar com aqueles animais selvagens.
Minhas amigas não sabiam sobre minhas intenções, elas ainda acreditavam que eu seria uma verdadeira Matutina até o fim do semestre. E era meu objetivo, na realidade, até uma semana atrás, quando falamos sobre racismo em sala.
- A verdade é que vocês todos são racistas. - Cristo, um menino de pele negra comentou. A turma inteira, formada por brancos, tirando apenas eu e ele, permaneceu calada. Depois disso, começaram a perguntar o que poderiam fazer para ajudar. Cristo pediu minha ajuda e ambos conversamos com a turma inteira. Eu não me senti estranha ali. Senti-me acolhida por alguns minutos, e foi muito mais do que eu já havia sentido na turma da manhã, em que todos sabiam tudo. Ali eles não tinham medo de admitir a ignorância, e aquilo fez diferença.
E por isso, senhora policial, eu soquei a cara da Morgana. Ela não é nenhuma grande vilã, vou dizer, ela só é uma garota estúpida. Assim como eu, assim como a senhora já foi algum dia, não é?
sentou ao meu lado dois dias atrás, os olhos verdes brilhando e um sorriso lindo após ter tirado os aparelhos no ano passado.
- Por que você está aqui? - Perguntei com uma careta.
- Eu não te dei boas-vindas ainda. - Ele piscou seus olhos com seus cílios graciosos. Uma vez, quando tínhamos doze anos, eu havia cometido o sacrilégio de dizer a ele que os cílios dele eram muito grandes e lindos. Desde aquele dia, ele se empenha em piscar o mais forçadamente seus cílios pomposos e nojentos perto de mim.
- Eu não quero suas boas-vindas, de verdade. Some daqui. - Voltei a encarar meu caderno de desenhos e suspirei quando ele colocou sua mão sobre o desenho, mas sem encostar na tela.
- Não é porque somos inimigos, como você coloca, que eu não deva ser educado. - Encarei-o mais uma vez e balancei a cabeça.
- Da última vez que você veio com esse papo, eu acabei perdendo uma prova de cálculo porque você me trancou na sala e não me tirou de lá a tempo. - Arqueei a sobrancelha.
O evento fatídico havia ocorrido no nono ano, quando ainda estudávamos juntos no matutino. era meu maior concorrente em tudo. Nas aulas, na vida, até nos esportes! Nossos pais eram amigos de infância, então conviver um com o outro havia sido extremamente comum desde que éramos pequenos, mas quando chegamos aos doze anos, simplesmente decidimos que seríamos inimigos porque as minhas notas eram maiores que as dele. Ou algo do tipo. Não lembro exatamente como isso começou. Mas parou de ir aos encontros que nossos pais faziam. A mãe de dizia que ele estava passando pela “aborrecência”. Eu não poderia concordar mais.
E quando ele se mudou para a turma dos Morceguinhos e suas notas aumentaram, alguma parte minha queimou de raiva. Ele havia conseguido chegar ao topo do ranking de melhores atletas da escola na natação. Eu havia conseguido no futebol. E, de alguma maneira, parecia insuficiente.
Ao acertarmos o acordo mútuo e silencioso de não nos odiarmos, mas apenas ignorarmos a existência um do outro, senti um vazio imenso que foi preenchido rapidamente por atividades extras após a escola. Mamá dizia que eu iria me sobrecarregar, mas eu não havia colapsado até agora, então estava tudo bem. Colapsar não era opção.
- Isso faz muito tempo, . - Ele argumentou - Além do mais, já ficou cansativo ser tão melhor que você. Resolvi fazer uma trégua. - Soltei uma risada falsa.
- Essa sua frase está tão errada que mal sei por onde começar.
- Eu não vou discutir com você. Nem temos mais idade para isso. - Ele provocou com um dar de ombros. Mordi o interior da bochecha com força. Há bons quase três anos que ele não me irritava daquela maneira.
- Você começou essa brincadeira de mau gosto. - Revidei - Você sempre cutuca a onça com vara curta e quando eu explodo, você tenta sair como o certo da história. Eu cansei disso. Não temos mais aquela idade mesmo, especialmente você, então por que não assume de vez as merdas das suas provocações e briga comigo igual gente grande? - Finalizei e respirei fundo. Disse tudo sem pausa, ele parecia até confuso. Tentei controlar o sorriso quando percebi que ele estava desestabilizado.
- Você quer brigar igual gente grande? - Sua voz ficou um pouco mais baixa, parecia reflexivo. Senti meu coração acelerar perigosamente, não sabia se era devido à situação, se era devido ao seu tom de voz ou se era porque a expectativa da briga estava ali. Gritaríamos um com o outro e eu poderia xingá-lo como nos velhos tempos. Ah, como eu queria voltar a xingá-lo.
- Sim, igual gente grande. - Respondi - Quero que você olhe nos meus olhos e se responsabilize por suas palavras. Você é cheio de pompa para falar, não é? Então vamos, fale comigo. - Fitei seu perfil até que ele finalmente voltou seu olhar para mim.
Minhas mãos estavam suadas e meu corpo inteiro voltava a bombear o que estava adormecido desde que paramos de nos falar e passamos a nos ignorar.
O rosto de estava mais bronzeado, as espinhas haviam sumido (ouvi dizer que ele fazia tratamento em uma dermatologista) e seu cabelo estava cheio. Surpreendi-me com o quanto ele não parecia mais uma criança.
- Eu gosto disso. - Senti meu corpo congelar quando ele apoiou seu braço mais perto do meu. Encarei sua mão com o cenho franzido - Gosto de pensar que podemos nos xingar sem medo, parece algo que você quer desesperadamente fazer, não é? - Eu não gostava da direção daquela conversa. Encarei os olhos ele, pensando que quebraria um ovo em minha cabeça e que diria algo para me machucar. Ele já havia feito isso uma vez. A sensação de medo tomou-me por completa. Agora eu é quem queria sair correndo igual uma bebê. tirou seu olhar do meu rosto e piscou, parecendo estar ciente da bolha em que estávamos - Bem, pode me xingar o quanto quiser - ele pigarreou - só não espere retorno menos do que merecido só porque você é mulher. - Revidou com um sorriso novamente, não parecendo ter sustentado seu olhar no meu alguns segundos atrás.
- Você é clinicamente insano ou só muito irritante? - Fechei meus cadernos.
- Eu não sei, provavelmente os dois.
- Queima no inferno. - Falei entredentes e sorriu.
- Duvido que você vai querer minha companhia por lá. - Preparei-me para xingá-lo quando Adriel apareceu.
- Estou atrapalhando? - Perguntou o menino de cabelos azuis com um olhar desconfiado.
- Não. - Respondi rapidamente - Por favor, não.
- Ah, bem, já que os dois estão aqui, vou falar de uma vez. É saliva a menos gasta - torceu o nariz - O Cristo anunciou uma festa de aniversário. Vai ser na casa do tio dele. Pelo visto o único responsável vai ser o irmão mais velho dele, que vai levar a namorada. Ou seja, um dia de bebida liberada. - Adriel anunciou com um sorriso.
- E eu fui convidada?
- Claro, . - Ele revidou e cruzou os braços - É sua chance de fazer amizade com o pessoal. - Abri um sorriso diante da perspectiva e esqueci-me de sentado ao meu lado.
- Você vai nisso de verdade? - Perguntou incrédulo - Você vai se submeter a essa festa regada de capitalismo e patriarcado? - O sarcasmo escorria por suas palavras.
- Cala a boca, Cólon! - Disse exasperada - Dios mio, que pasa. ¡Eres inaguantable! - Comentei com sotaque forçado. Apenas o usava quando estava realmente estressada. Adriel segurou a risada.
- Então, confirmo os dois? - Questionou Adriel com um sorriso.
- Sim! - Exclamei ao mesmo tempo que . Encarei-o com um sorriso mordaz. Estava considerando seriamente colocar algo na bebida dele. Talvez laxante. Ou ketchup. Ou pimenta. As possibilidades eram infinitas.
- Você está me encarando como uma louca. - comentou com os olhos cerrados.
- Estou imaginando como seria te prender em uma sala. - revirou os olhos.
- Não tenho nada contra, mas eu preferia que você me prendesse em algum outro lugar. - Encarei-o seriamente. Adriel havia saído para confirmar nossa presença. A sala estava novamente vazia na hora do intervalo e eu não entendia o que estava acontecendo. Encarei seus lábios rapidamente, voltando meu olhar para os olhos dele - Um quarto me parece uma boa ideia. - Ele sussurrou próximo ao meu ouvido. Fechei os olhos momentaneamente, uma onda de pressão correndo por minhas coxas e meus ombros, tensionando meu pescoço. Quando abri os olhos de novo, ele me encarava seriamente - Bons estudos, Morceguinho.
*
No dia da festa, pensei em desistir vinte vezes. Pelo menos vinte vezes. Encarei meu espelho com um sorriso triste.
Minhas roupas não serviam para a ocasião. Olhei ao redor, para as paredes gastar e para minha cama velha. Nada daquilo servia para a escola em que eu estudava. Engoli em seco e lembrei de mamãe, que agora fazia turnos duplos para pagar meu último ano. Ela havia feito com que eu me demitisse para que pudesse focar em meus estudos no último ano da escola. Encarei a palma de minhas mãos e senti lágrimas pesadas escorrerem por minha bochecha. Mesmo com a bolsa, eu ainda precisava pagar uma quantia relativamente pequena, mas que, para mim e para mamá, não era nada pequena. Suspirei pesadamente e senti o desânimo me sobrecarregar. Não queria sair. Não queria andar novamente para um ambiente no qual seria lembrada de não pertencer.
Talvez aquela fosse a verdadeira razão para que eu não sentisse tanta falta das pessoas do matutino quanto achei que sentiria. E talvez fosse a mesma razão pela qual eu havia começado a gostar tão rapidamente dos meus colegas Morceguinhos. Eu havia me sentido pertencente quando Adriel disse que não poderia ir para a viagem de formatura por não ter dinheiro, ou quando todos discutimos sobre o racismo e as necessidades básicas. Eles, mesmo que não entendessem muito, eram humildes o suficiente para tentar entender. Pelo menos a maioria era.
Limpei minhas lágrimas. Dali menos de seis meses eu estaria livre. Poderia ir para a faculdade com uma bolsa integral e mamá não precisaria se matar de trabalhar. Ela poderia respirar fundo. E eu poderia dar uma boa condição de vida a ela. Sorri com a imagem perante ao espelho. Eu tinha que ser forte por ela e por mim. Pela nossa família.
Abri meu guarda-roupa novamente e peguei meu melhor vestido, um que mamá havia feito. Era um tecido com estampas africanas e que se ajustava bem em minha bunda. Senti-me levemente incomodada por quanto estava justo ao meu corpo, mas mamá havia feito com tanto carinho que valeria a pena. Peguei uma pequena bolsinha de alças que havia ganhado das meninas e calcei meus all star pretos à porta, já saindo. Mamá voltaria apenas dali três horas e eu havia deixado uma mensagem na geladeira. Mesmo sendo sábado, ela fazia meio turno. Tentei jogar os pensamentos caóticos para trás e resolvi aproveitar o restante de minha adolescência, do meu tempo na escola.
Quando cheguei ao meio-fio, andei em direção ao ponto de ônibus, repentinamente muito ciente de minhas roupas. O clima estava quente e a brisa da praia atingia meus cabelos. Eu não queria entrar no ônibus, definitivamente.
Engolindo meu medo de ser assediada, esperei pacientemente pelo ônibus que me levava à escola e, ao subir, comemorei por só haver quatro pessoas ali. Sentei-me no último banco e permaneci atualizando meu celular, talvez na esperança de que a festa fosse cancelada.
Eu havia conversado com as meninas, mas elas não haviam sido chamadas. Óbvio, Morceguinhos e Matutinos não se misturavam. Angélica fez questão de me lembrar. Por fim, eu disse a elas que não iria. E aqui estava eu, indo em direção ao covil dos Morceguinhos. Socializar com o inimigo.
A imagem de perigosamente próximo a mim me tomou por completo. Senti minhas coxas arrepiarem vergonhosamente. Doía admitir, mas ele estava bonito. E me doía mais ainda saber que minha mente o havia imaginado em diferentes formas na última semana. De maneiras que eu nunca havia possivelmente imaginado antes. Ah, peço perdão por te fazer ler essa parte, mas garanto que ela é crucial para o desenrolar!
Desci do ônibus alguns pontos após o ponto da escola. A casa era em uma das travessas da praia. A maresia fustigou meus cabelos, mas eu já estava tão acostumada. Fui consolada pelo sal.
Caminhei até a casa do tio de Cristo, meus ombros tensos e minhas pernas implorando para voltarem correndo ao ônibus. Forcei-me a entrar. Adriel estaria ali comigo, não havia o que temer.
A casa enorme tinha um andar, era toda feita em madeira e um portão de metal enorme protegia a mansão. Toquei o interfone com o coração pulsando absurdamente. Minhas mãos suavam e minhas pernas tremiam.
- É a . - Disse e o portão foi aberto. Do portão até a casa parecia uma maratona. Havia algumas pessoas no jardim, pessoas que eu não conhecia. Dois casais se apoiavam no muro à direita, se beijando. Continuei a andar até a porta da frente. O reggaeton tocava alto e senti o arrependimento no momento em que entrei pela porta da frente.
Os sofás estavam cheios de pessoas sentadas e rindo muito alto, competindo fortemente com a música. Ao longe, avistei Cristo. Ele estendeu uma cerveja para mim em cumprimento. Sorri de volta e acenei.
Olhei para a esquerda e só tive tempo de sorrir antes que Adriel me envolvesse em um abraço. Virgínia também estava com ele.
- Você veio! - Ele gritou com um sorriso largo. Já parecia bêbado.
- Eu vim! - Gritei empolgada também.
- Não sabíamos se você vinha. - Virgínia confessou - Bem, por causa dos Morceguinhos e tudo mais. - Arqueei a sobrancelha.
- Eu nunca perderia uma festa.
Mentira, mentira bruta. Eu perderia todas as festas do universo. Se não fosse pelo bem social do meu último semestre, eu nem estaria ali. Não mesmo.
- Vamos pegar algo para beber! - Virgínia me puxou e me levou até a cozinha, de onde haviam chegado.
O interior era muito moderno. O fogão era embutido e a geladeira tinha três portas. Encarei estupefata. Ele sequer tinha tanta comida?
- O que quer? - Ela perguntou fuçando o cooler em cima da bancada.
- Água. - Pedi. Virgínia franziu o cenho, mas não questionou.
Adriel dançava com a bunda colada ao chão, causando risadas.
Acenei para vários de meus colegas, conversei com alguns meninos que já estavam bêbados e sorri até para Morgana, que apenas acenou. Tudo bem, já era alguma coisa.
- Eu quero dançar. - Adriel disse e puxou a mim e a Virgínia para o meio da sala, onde a música estava mais alta.
Comecei a dançar com eles as coreografias de algumas músicas que conhecia, os movimentos contidos de vergonha. Talvez fosse bom beber. Mas eu não bebi, dona policial, afinal de contas, é errado. Ah, quem eu quero enganar? Eu bebi. Mas, por favor, não conte à minha mãe! Nem ao meu tio!
Depois de beber apenas um pouco - sério, só um pouco -, vi-me dançando exatamente como Adriel dançava na cozinha, só que com mais suor e mais cabelo grudado ao pescoço. Quando Rihanna começou a tocar, soltei um grito e deixei que minha cintura rebolasse colada a de Virgínia. A maioria das pessoas dançava ao nosso redor, todos cantando a música e aproveitando. A maioria era de mulheres, os meninos estavam no canto, rindo e conversando enquanto olhavam para a maioria de nós.
- Preciso fazer xixi! - Falei para Virgínia e andei cambaleando até a escada. Subi o mais rápido que minhas pernas molengas conseguiam.
Fechei a porta branca atrás de mim e fiz o melhor xixi que alguém poderia fazer: o de bêbado. Estava me sentindo mais sóbria após lavar o rosto com água gelada. Pensei que deveria ir para casa em apenas uma hora e suspirei. Gostaria de ficar mais tempo. Finalmente sentia que estava dando certo.
Abri a porta do banheiro e soltei um arquejo assustado ao ver parado do outro lado do corredor com os braços cruzados.
- Está livre. - Disse com um aceno para ele e continuei a andar, sendo parada por sua voz quando cheguei ao topo da escada.
- Ei, quer dançar lá embaixo? Comigo, eu digo. - Encarei-o e prestei atenção na imagem que via.
O corredor estava escuro e eu mal podia ver o rosto dele, mas eu conhecia perfeitamente sua fisionomia. O corpo de estava coberto por uma blusa branca e uma bermuda preta, usava um tênis de formato estranho que deveria ter custado pelo menos uma mensalidade que eu pagava. Segurei a respiração, atordoada demais para falar.
- Hã, claro. - Murmurei e desci desesperada, sem esperar por uma resposta. Quando cheguei ao térreo, observei mais casais se beijando do que antes. Alguns dançavam juntos e a maioria das pessoas estava sentada nos sofás novamente. Agora, Price Tag da Jessie J tocava. Uma música deveras irônica para ser tocada naquela casa. Com aquelas pessoas. Naquele momento. Suspirei. Sentei-me no sofá sozinha e respondi algumas mensagens, ignorando o grupo com minhas amigas. Não queria dizer que havia mentido. Odiava fazer aquilo.
- Ei. - Cristo sentou ao meu lado com um sorriso. Seu cabelo black estava envolto em uma bandana - Achei muito legal você ter vindo. - Ele encostou seu ombro no meu. Sorri e assenti.
- Obrigada pelo convite.
- Que isso! É bom ter outra pessoa igual a mim na sala - Ele sorriu e deitou a cabeça de lado - Na verdade, você é bonita pra caramba. - Abri um sorriso tímido e encarei minhas mãos. Acho que era a primeira vez que ouvia isso de um menino pessoalmente. Tentei controlar a sensação de nervosismo, mas foi inevitável. Quando a única coisa com a qual eu estava acostumada era xingamentos de e os elogios das minhas amigas, aquela havia sido uma mudança agradável.
- Obrigada. - Sorri mais uma vez.
- O que acha de sairmos semana que vem? - Perguntou com a sobrancelha arqueada. O encarei mais uma vez, minhas mãos trêmulas apoiadas em minhas coxas expostas.
- Eu adoraria, mas precisa ser depois da aula. Eu tenho extracurriculares de manhã. E futebol. - Cristo riu e assentiu.
- Sem problemas, bella. - Mordi o lábio para tentar segurar o sorriso.
Encarei-o mais uma vez, com plena certeza de que nossos corpos se aproximavam.
- ? - Parei em um súbito. Eu mal havia percebido que meus olhos estavam fechados até finalmente abri-los. Olhei para cima e encarei parado - Preciso falar com você.
Alternei meu olhar entre Cristo e e soltei um suspiro profundo. Cristo parecia extremamente sem graça, e eu sentia raiva pura queimar por meu corpo. Eu havia perdido a chance do meu primeiro beijo graças à intromissão de .
Coloquei-me de pé em um pulo.
- Não saia daqui. - Disse para Cristo e segui até o lado de fora da casa, saindo pela cozinha apressadamente.
- O que você ia fazer, ? - Ele exclamou gesticulando.
- Hã, beijar um cara? - Apontei o óbvio como se estivesse falando com uma criança - Por que diabos você interrompeu o meu beijo? Espero que seja um bom motivo. - passou a mão pelo cabelo.
- Primeiro, em uma escala de um a dez, o quanto você quer me bater agora? - Perguntou seriamente. Respirei fundo.
- Eu estou decidindo entre vinte e trinta. - coçou a nuca com um suspiro - Diga, por quê?
- Porque… - Ele suspirou - Porque você está bêbada e vai se arrepender muito disso amanhã, . Acredite em mim, por favor. - Seus olhos estavam arregalados e sua boca levemente aberta.
- Eu não estou bêbada. Eu estava, mas eu estou ok. - Argumentei - Por que está fazendo isso?
- O quê?
- Me tratando como gente. - me encarou com um sorriso maior.
- Eu não sou um monstro, . - Ele provocou.
- Mas foi um ao me tirar do meu primeiro beijo! - Comentei frustrada, percebendo a informação que havia deixado passar.
- Aquele era seu primeiro beijo? - Perguntou em choque. Arregalei os olhos quando a noção de que agora possuía um segredo meu me encheu de nervosismo.
- Não. Eu já beijei. Já beijei muito. - Disse rapidamente, minha mentira não sendo capaz de convencer ninguém.
- Ah, já beijou muito? - Ele perguntou mais uma vez, mas ciente da minha mentira.
- Arg, que ódio, ! Diga logo porque me tirou de lá!
- Porque Morgana é apaixonada por ele. - Ele suspirou ao falar - E o plano dela era se declarar hoje. Sei o quanto você quer se enturmar com nossa turma, - ele encarou os próprios pés - E sei o quanto não ajudaria nada essa situação. Eu sei que você é livre para fazer suas escolhas, mas eu resolvi te dizer isso antes de você beijá-lo. Óbvio que não vou te impedir, não é meu direito, mas achei que precisava saber do risco.
Permaneci em silêncio enquanto encarava . Ele havia cruzado os braços e encarava a cozinha atrás de mim. O barulho da música, das conversas, tudo estava abafado. Eu ouvia Rihanna dizer “grab somebody sexy and tell’em ‘hey’”, mas nada parecia fazer sentido além do garoto parado em minha frente.
Assim como naquele dia em que ele havia falado tão perto de mim, meu corpo estava novamente pinicando. Eu só não sabia se era verdadeiramente raiva.
- Você não está me sacaneando, ? - Perguntei em voz baixa, meu corpo se segurando fortemente para não colapsar.
- Não, por que eu faria isso? - Perguntou confuso.
- Porque tudo o que você fez para mim nos últimos anos foi me sacanear. - Rosnei - E como sei que isso tudo não é um plano para me fazer pagar de boba? Você pode muito bem estar tentando me passar o pé! Na verdade, eu tenho certeza - apontei o dedo na cara dela, minha raiva sobressaindo - Você não aguenta me ver beijar outro cara bonito porque é um babaca.
- Quê? Outro cara bonito? - Ele questionou - Está dizendo que sou bonito?
- Sério? É isso que você pegou de toda a minha frase? - Praticamente gritei exasperada. Passei a mão por meus cabelos e suspirei - Você me deixa cansada, . Te odiar me cansa. A indiferença me cansou mais ainda. - Admiti nervosamente. me encarou mais uma vez, os olhos passando por todo o meu rosto. Eu deveria estar parecendo uma lunática - Eu estou cansada de competir. Se isso for mais alguma competição, eu te deixo ganhar, mas eu estou exausta. Tenho a faculdade com que me preocupar, minha mãe, tudo, eu não tenho tempo para isso, .
E ali estava, o desabafo. O colapso do qual eu fugi durante todo o ano letivo até o momento. E quem estava aguentando era , justamente a pessoa para quem eu menos desejava desabafar.
- Eu não tinha ideia de que você se sentia assim, . - Meu apelido de infância saiu facilmente por seus lábios. Fitei seus olhos com temor.
- Não precisa ter pena de mim. - Murmurei - Eu não quero que tenha pena.
- Não é pena, eu só não sabia de tudo isso! - Exclamou.
As lágrimas escorriam por meu rosto livremente, desimpedidas. Eu tenho certeza de que me arrependeria desse showzinho amanhã. Mas hoje não. Eu estou cansada.
Senti os braços de me puxarem para perto, envolvendo meu corpo em um abraço novo e estranho. Rodeei seu tronco com minhas mãos, enrolando meus dedos na bainha de sua camisa, chorando sem barreiras. Ele passou sua mão em meu cabelo, afagando e dizendo palavras de conforto que nunca imaginei virem dele. De . Minha maior concorrência.
- Você é a pessoa mais forte que eu conheço. - Ele sussurrou - E eu amo discutir com você porque eu não conheço ninguém que me desafie como você - Ele segurou meu rosto entre suas mãos geladas, fitando meu rosto inchado e cheio de lágrimas salgadas - Você é uma baita concorrente, Be, mas se quiser, estou pronto para parar com tudo isso. Também estou cansado. - Apenas assenti e permaneci encarando seu rosto.
O nariz comprido, os olhos verdes, os cabelos bagunçados e o braço magrelo. Eu nunca me imaginei nessa situação. E ela era agradável, apesar de muito fora da minha zona de conforto.
- Aquele dia você disse que havia me imaginado te trancando em outros lugares. - Eu sussurrei, meus olhos parados em seus lábios levemente vermelhos pela bebida gelada. Voltei meu olhar para seus olhos - O que quis dizer?
A resposta demorou para vir, e não estava preparada para a brutalidade com que vieram.
- Você não tem ideia o quanto eu te quero, não é? - Arqueou a sobrancelha - Achei que fosse óbvio. Quer dizer, sei que fui um babaca, continuo sendo muitas vezes, mas pensei que isso fosse perfeitamente claro. - Balancei a cabeça e desvencilhei-me de seu toque.
- Impossível. Você me odeia. - Apontei para ele e para mim - Isso aqui é uma relação de ódio.
- Você me odeia? - Ele perguntou meio surpreso.
- Eu não sei. - Murmurei nervosamente - E-eu não sei. Você me faz sentir coisas estranhas. - Admiti - E eu não sei se é ódio ou raiva.
- É como se você quisesse voar no meu pescoço, mas não sabia exatamente até onde iria? Uma vontade de estar perto e longe ao mesmo tempo? Uma raiva que arrepia a espinha e faz você dormir pensando nela? - Assenti - Bem, me sinto da mesma maneira. Mas não acho que seja ódio. - Segurei o ar quando a mão dele foi para a minha bochecha, um carinho tão confortável quanto desconcertante. Fechei os olhos - Eu acho que isso é outra coisa. - Ele murmurou, seu hálito próximo ao meu.
Dei um impulso e juntei nossos lábios, meu corpo tremendo junto ao dele. Puxei seu cabelo quando sua mão segurou minha cintura com força. Então aquilo era beijar? Cambaleamos até atingirmos a parede, minhas mãos furiosas no cabelo de , puxando para mais perto e guiando sua boca quando seus beijos raivosos desceram por meu pescoço, sua mão cada vez mais baixa, até que colocou sua perna entre minhas pernas. Suspirei contra a fricção e beijei-o mais profundamente, sem saber direito se fazia o certo, mas era bom. Era estranhamente bom. Um tipo de sensação que não poderia ser descrita pelas suas amigas quando falam de seus primeiros beijos.
Meu primeiro beijo era com .
- . - Suspirei quando nos separamos para respirar. Meu cabelo estava esvoaçado e minhas mãos tremiam - O que foi isso? - Os lábios dele estavam vermelhos, seus olhos semicerrados e sua respiração estava ofegante. Encarei seus lábios mais uma vez.
- Você é gostosa demais. - Ele sussurrou e encostou seus lábios aos meus novamente, mas mais tranquilo. Curti seu abraço quando ele colocou nossos corpos quase pecaminosamente. Cruzei uma perna minha ao redor da dele involuntariamente, tentando fundir nossos corpos. apoiou sua mão na parede atrás de mim e sorriu, pequenos selinhos sendo dados em meus lábios formigando.
- Eu estou completamente confusa. - Admiti e ele riu em meu pescoço, sua língua tocando levemente a pele molhada. Segurei o cós da sua calça em um movimento involuntário.
- ! - Ouvi meu nome ser gritado.
Virei para o lado e observei Morgana sair da cozinha com o rosto enfurecido. Arregalei os olhos.
- O que houve? - Empurrei para o lado e a encarei de frente.
- Você beijou Cristo? - Arregalei os olhos e encarei . Ele parecia atordoado. Olhei para baixo e percebi o volume em suas calças. Ele acompanhou meu olhar e ficou vermelho.
- Não! Óbvio que não. Quem te disse isso? - Questionei. Os olhos pretos me fitavam com ódio puro. Eu estava ferrada.
- Quem disse não importa! Sua desgraçada! - Soltei um grito assustado quando ela voou em meus cabelos - Neguinha nojenta! - Empurrei-a para longe e arregalei os olhos.
- Do que você me chamou? - Morgana se recompôs e pigarreou.
- Nada.
- Não, repete! - Gritei. Àquele ponto, todos já estava na porta da cozinha, nos encarando e alguns gravavam - Diz do que você me chamou! - Berrei. Morgana me encarou com os olhos arregalados, virando para encarar os colegas - Já que você está gravando - apontei para um menino - Grave do que ela me chamou! Neguinha nojenta. - Vociferei, meus olhos queimando com raiva.
- É mentira! - Ela exclamou.
- Você sabe que não é, Morgana! - Não havia percebido ao meu lado, bloqueando as câmeras de atingirem meu rosto. Encarei-o surpresa.
- Foi sem querer! Mas é verdade, você é nojenta. Tudo em você é. Sua cor é só um detalhe. - Silêncio se instalou por todo o gramado. Cristo deu um passo à frente, junto com mais algumas meninas.
- O que você acabou de dizer? - Cristo questionou com os lábios cerrados - Repete, Morgana! - Gritou com ódio óbvio.
O lábio de Morgana sangrava com um tapa que eu havia dado nela para me desvencilhar. Ela estava agindo daquela maneira por causa de um garoto?
- Você não presta. - Murmurei - E é triste que esteja fazendo isso por um menino. Eu tentei ser sua amiga. Isso não é saudável. - Afirmei.
- Vá a merda, . - Morgana resmungou e apenas consegui gritar quando algo atingiu meu olho. Ela havia jogado um tênis em mim?! Senti um gosto metálico em minha boca misturado com terra. Segurei a ânsia de vômito quando percebi que o sapato havia atingido minha boca.
estava tocando meu rosto e limpando a sujeira, mas eu sequer prestava atenção. Morgana foi arrastada para longe e me vi sozinha.
havia ido atrás dela. Soltei um arquejo quando meu dedo saiu sujo de sangue ao tocar meu lábio superior. Algumas pessoas me perguntavam como eu estava, mas a decepção era grande demais. Com Morgana e com .
Senhora policial, isso foi tudo o que aconteceu, eu te garanto.
Mas tem um detalhe, acho bom frisar. na verdade havia ido atrás dela para dizer que chamaria a polícia. Por isso eu estou escrevendo. Estou em casa, minha mãe me deixou de castigo até o final do ano, mas me defendeu quando achei que houvesse me abandonado.
Afinal de contas, o dinheiro não pode mesmo comprar algumas coisas, não é? Como, por exemplo, a amizade de um nerd insuportável que eu odiei por tanto tempo, mas que descubro agora ser a fonta da minha paixão mais sincera. E também não é capaz de comprar caráter. Mas peço que não pegue tão pesado com Morgana. Ela não é odiável, só estava com ciúmes. Mas por favor, pegue pesado com a parte do racismo. Aquilo é imperdoável. Menino nenhum justifica esse ódio.
Espero que meu testemunho seja útil e que possa ser testemunha, apesar de hoje ter me pedido em namoro (não é relevante para a senhora, mas eu só queria dizer).
Atenciosamente,
Eu.
- Você vai mudar de turno? A diferença de mensalidade é tão grande assim para você ir se juntar com eles? - Angélica franziu o cenho.
- Pois é. O dono da escola acha que nossos pais já não ralam o suficiente ao deixarem de dormir por estarem preocupados demais com contas massivas para pagar. - Resmunguei enquanto preparava um copo de limonada para minhas amigas. Havia combinado uma reunião em minha casa após mais de duas semanas tentando combinar as agendas, para que o anúncio fosse feito. Angélica me subornou com Kit Kat, portanto foi a primeira a saber. Eu nem mesmo estou arrependida por ter cedido tão facilmente.
- Acho que só conhecemos duas pessoas que estudam no turno da tarde, não é? O Adriel e o Magal. Também tem aquela amiga do Adriel, a Virgínia. - Assenti fracamente enquanto media cuidadosamente a porção de açúcar na bebida.
- Você, mais do que ninguém, deveria saber que eu não tenho contato com ninguém do turno da tarde! As únicas pessoas que mantém contato com aquele pessoal são as que vieram da tarde para a manhã, e eu não troquei mais de duas palavras com Morgana e Virgínia.
- A Virgínia foi para a manhã? Brincou. Ela é incrível. Sempre quis conversar com ela. - Arqueei a sobrancelha para minha amiga que apenas deu de ombros - você vai se adaptar, , eu sei que vai. Você tem toda essa pose nervosa, mas acaba fazendo amizade com todos. Quem sabe até não arranje um consagrado, hein? - Revirei os olhos descaradamente para Angélica.
- Nem mesmo um arqueólogo conseguiria achar uma raridade chamada homem decente naquela sala.
O som da campainha ecoou por todo o apartamento. Ares levantou-se imediatamente do sofá e voou até a porta de entrada, esperando ansiosamente a manada feminina que passaria pela porta para lhe dar atenção. Ao destrancar a porta, tomei o cuidado de tirar meu filho dali antes que as meninas entrassem apressadas.
- Oi, . - Tiê me cumprimentou com um sorriso e correu para a cozinha, sentindo o cheiro de biscoitos que mamãe havia deixado no forno. Os cabelos rosados foram o único vestígio de que eu realmente havia visto minha amiga entrar.
- Ela passou o dia inteiro sem comer só para vir aqui. - Margarida comentou ao entrar logo após a irmã gêmea. Sorri para a menina de cabelos negros e a abracei com força.
- Estava com saudades. - Margarida sorriu e foi atrás da irmã.
- Cara, eu esqueci toalha, não tem problema, tem? - Letícia entrou carregando uma enorme bolsa de viagem. Ela só iria passar o final de semana aqui, pelo amor de Deus!
- Relaxa. Vamos dar um jeito. Falta só a Luana, não é? - Letícia assentiu e deixou sua bagagem ao lado do sofá.
- Qual é a notícia que você queria nos dar? - Tiê nem mesmo escondeu ter devorado quase metade da forma de biscoitos com gotas de chocolate. Sua blusa branca estava cheia de farelos.
- Bom, primeiramente, gostaria de agradecer o milagre de ter vocês na minha humilde residência. - As quatro reviraram os olhos - E a notícia é a seguinte: vou me mudar para o turno da tarde.
Agora, em minha cabeça, eu havia dito que estaria mudando apenas o horário das minhas aulas. Ao invés de estudar das 7h15 ao 12h40, eu estaria estudando do 12h50 até 18h30, entretanto creio que minhas amigas entenderam que eu estaria de mudança definitiva para uma ilha deserta apenas com lagartos assassinos.
- Você está doida?! - Marília foi a primeira a se posicionar, calma e gentil como sempre.
- E a gincana? Os projetos sociais? Como vamos fazer se você vai estar em outra turma? - Letícia foi um pouco mais abrangente ao perguntar e parecia realmente preocupada com os projetos, não com os lagartos assassinos metafóricos.
- Gente, pelo amor de Deus! Eu ainda tenho celular, WhatsApp, Facebook, Instagram, e vocês vão me ver todos os dias! - Cecília franziu o cenho e mordeu o canto dos lábios - E o pessoal da tarde não pode ser tão ruim assim…
- Sabe quando aprendemos no quinto ano sobre os homens das cavernas e sobre como eles arrastavam as mulheres pelos cabelos pelos cantos? - Marília começou a desenvolver o pensamento.
- Isso passava nos Flintstones! - Defendi-me rapidamente - Há, refutada! Próximo argumento contra os Morceguinhos.
Outra informação necessária. A rixa, se ainda não ficou clara ao leitor, entre as turmas da manhã e da tarde é bem antiga. Creio que desde o oitavo ano, ambas as turmas decidiram se odiar ao ponto de um aluno da tarde ser expulso por tentar colocar uma bombinha dentro da bolsa de uma aluna da manhã, mas o plano deu errado e a bomba explodiu ao lado da sala da coordenação.
Morceguinhos é o apelido que a turma da manhã deu à turma da tarde em referência a falta de sono perturbadora dos alunos ao ficarem acordados até seis da manhã todos os dias e dormirem durante as aulas da tarde. Em minha defesa, nunca disse que minha sala era criativa.
- Eu não tenho nada. Sempre achei nossa briga bem estúpida, mas não dá pra negar que nossa sala é bem mais incrível que a deles. - Letícia diz com um dar de ombros.
- A tendência é das salas da manhã serem melhores que as da tarde. Vou montar um estudo sobre isso no meu TCC. - Margarida comentou com um sorriso convencido.
- Vamos nos focar primeiro em passar em uma faculdade, depois pensamos nisso. - A voz da razão, diga-se, Letícia, determinou e caímos em silêncio.
- Vou sentir sua falta. - Tiê sorriu e me abraçou fortemente. Logo todas já me esmagavam em um grande abraço de urso. Suspirei e abracei minhas melhores amigas de volta.
- O que pode acontecer demais? Só vou ter mais tempo para dormir! E além do mais, eles não devem ser tão diferentes de nós! Somos todos humanos, poxa!
*
As últimas duas semanas de férias passaram voando, no mínimo. Quando me permiti perceber, já estava parada na frente da escola sem a mínima coragem de entrar. Cheguei em cima da hora, a escola não era novidade alguma, apenas minha nova sala.
Acenei para o porteiro e subi a rampa de entrada correndo, quase tirando meus pés do chão para chegar na sala antes do sinal bater. Passei pelo corredor das janelas e suspirei ao ver minha antiga sala sendo desinfetada pelas moças da limpeza. Uma delas sorriu para mim e retribui com um sorriso ainda maior.
- ! Tudo bom? - Virei-me assustada para encarar o ser de cabelos azuis que me encarava com um sorrisinho de lado, o menino de uniforme estilizado com um suspensório preto e all star amarelo me encarava com suas sardinhas realçando ainda mais seu sorriso - Sou o Adriel, você realmente passou para a nossa turma? - Hã, sim. Passei. Não sabia que você me conhecia. - Ele deu de ombros e sorriu novamente.
- Todos nos conhecemos, não é uma escola tão grande. - Adriel tinha razão. Por mais que eu não fosse conhecida no cubículo social em que estávamos enfurnados, eu conhecia muita gente. O ramo da popularidade não é exatamente uma via de mão dupla. Ser popular não significa conhecer a todos, da mesma forma que não ser popular não o torna um alienado.
- É verdade. Prazer falar com você pela primeira vez. Eu trabalhava ano passado, então nunca ficava nos eventos da tarde para resolver nada.
- Ah, eu sei. O Zé vivia falando para todos sobre a carga horária de um estagiário e te usava como exemplo. - Zé, apelido de nosso professor de geografia, foi um grande apoio quando comecei a trabalhar para ajudar mamá a pagar minha meia bolsa.
- A sala ainda é a mesma? - Desconversei tentando manter a conversa. Obviamente eu sabia a localização da sala, mas Adriel não precisava saber disso.
- Sim! Vamos lá. Acho que você vai gostar dessa mudança de ares. - Ele comentou como se escondesse um segredo de mim. Quis virar e sair correndo. Não queria que explodissem uma bombinha em mim também - Ei, relaxa! Não somos selvagens apesar do que sua turma e os professores insistem em dizer. - Senti um leve tom de julgamento da parte de Adriel, mas não pude deixar de notar que ele se retratou a mim como alguém de outra sala. Ótimo começo.
Quando adentrei no espaço estudantil, senti que estava em outra dimensão. Nada me parecia reconhecível. A turma era menor, então mais cadeiras estavam à disposição para serem usadas como mesa afim de fazer sanduíches.
Todos os olhares se voltaram para mim quando Adriel me acompanhou até meu assento, ao lado do dele. Tentei dar um sorriso, mas devo ter parecido estar com dor de barriga. E estava, na realidade. Eu queria muito ir fazer cocô naquele momento.
- E aí, ? - Levantei meu olhar da mesa rabiscada e encarei uma menina, que eu sabia ser Virgínia, a amiga de Adriel. Sorri e tentei mascarar meu nervosismo.
- Oi, tudo bem? - Ela assentiu e se sentou na cadeira à minha frente.
- Seja bem-vinda. - Piscou para mim e empertiguei-me na cadeira ao ver o professor de espanhol adentrar na sala. Pisquei algumas vezes, ainda atordoada demais com a situação.
Ao meu redor, havia dezessete alunos. Doze meninos e apenas cinco meninas, agora seis, se contar comigo. O verdadeiro inferno na terra, como dizia Srta. Tebí.
Tentei controlar a sensação de nervosismo ao sentir os olhos de pousados em mim. Eu sabia que não conseguiria me dirigir a ele nunca. Mas ele também nunca se importou em falar comigo, então por que haveria de me importar? Ele e os amigos sentavam ao meu lado direito, ocupando oito cadeiras. Ao meu lado esquerdo, os outros quatro meninos restantes sentavam misturados às meninas, dando risadas e tentando acertar o lixo com bolinhas de papel. E ali no meio, Adriel e Virgínia, e claro, eu. Os três formavam a fileira divisora, não que importasse.
Todos na escola invejavam a união daquela turma que, apesar de infernal, era extremamente unida. Ouvi dizer que eles foram os responsáveis pela demissão de um professor que foi acusado por uma das alunas de tentar mandar mensagens impróprias para ela após o dia da fantasia, quando ela veio de enfermeira. Supostamente, homens não resistem a enfermeiras. Eu acho estupidez e espero que aquele homem nunca mais arrume um emprego.
- ? - Encarei o professor de espanhol bobamente. Ele riu e apontou para o quadro - Sei que estávamos mais adiantados na turma da manhã, então se importa em resolver esses exercícios, já que seus colegas ainda não conseguiram?
Tentei controlar a ânsia de vômito.
- Hm, eu não sei essa matéria. - Tentei desvencilhar-me da condenação moral a qual o professor me colocava.
- Como não? Você é uma das minhas melhores alunas. Venha, vamos. - Levantei-me da cadeira com um suspiro. Subi o pequeno palanque para chegar à lousa. A diretoria gostava de colocar os professores um patamar acima dos alunos, para nos fazer ter a impressão de poder e autoridade.
De costas para a turma, resolvi as sentenças e organizei os verbos. Ao virar-me para descer as escadinhas, percebi que um dos meninos tinha a câmera voltada para mim. Um sorriso tão sombrio e sacana que senti meu corpo inteiro arrepiar só de imaginar o que poderia estar fazendo.
Desci e voltei ao meu lugar rapidamente.
- Ei, eu sei que não somos amigos nem nada, mas achei que precisava ver isso. - Adriel me cutucou e me mostrou uma foto. Havia um rabo de burro em minha bunda quando estava virada para resolver os exercícios na lousa. Engoli em seco e suspirei. Eu sabia que eles nos odiavam, mas não ao ponto daquilo.
- Obrigada por me mostrar. Isso só prova a fama deles. - Torci o nariz e Adriel arqueou a sobrancelha.
- Não somos todos assim.
- Eu não duvido. Mas o estereótipo não escolhe suas vítimas. - Argumentei e Adriel deu de ombros.
- Você faz parte dele agora, então se acostume com ele também. - Ele desconversou e voltou a prestar atenção na aula.
Considerei minhas opções. Precisava me enturmar com eles ou passaria o último semestre da escola sofrendo nas mãos de garotos de intelecto baixo e testosterona altíssima. Qual a melhor forma de lidar com uma situação daquelas?
*
E é aqui, dona policial, que as coisas começaram a se desenvolver. Veja bem, eu sei como adolescentes funcionam. Eu sou uma delas. Eu estou infiltrada na minha própria tribo. Mas eu não sei ser como um Morceguinho.
As semanas seguintes à minha mudança foram tenebrosas. - já falo dele, não é relevante o suficiente para ser mencionado - e Morgana decidiram que a melhor chance de me receber era com constantes cortes e debates no meio da aula. Morgana chegou a dizer que o liberalismo econômico era a chave contra o racismo. Eu não deveria esperar nada diferente vindo de alguém daquela escola. discordou dela, mas disse que a saída centro esquerda parecia mais correta. Eu estava prestes a concordar com ele quando ele finalizou seu argumento com:
- A solução mais óbvia é o sexo.
Senti meus olhos pararem atrás da minha nuca. Sério, no meio de um debate ele diz aquilo? Morgana esqueceu nossa discussão aflorada.
Adriel estava mais próximo de mim, já que Virgínia havia ido para o período matutino. E eu havia feito algumas amizades na sala, tecnicamente, mas eu ainda não estava enturmada. Eu queria me enturmar, nem que para isso precisasse dizer que a solução mais óbvia para a crise econômica era o sexo. Hm, na verdade, não, não faria isso. Eu jamais faria isso. O ponto é que eu precisava de uma brecha, de algo para me conectar com aqueles animais selvagens.
Minhas amigas não sabiam sobre minhas intenções, elas ainda acreditavam que eu seria uma verdadeira Matutina até o fim do semestre. E era meu objetivo, na realidade, até uma semana atrás, quando falamos sobre racismo em sala.
- A verdade é que vocês todos são racistas. - Cristo, um menino de pele negra comentou. A turma inteira, formada por brancos, tirando apenas eu e ele, permaneceu calada. Depois disso, começaram a perguntar o que poderiam fazer para ajudar. Cristo pediu minha ajuda e ambos conversamos com a turma inteira. Eu não me senti estranha ali. Senti-me acolhida por alguns minutos, e foi muito mais do que eu já havia sentido na turma da manhã, em que todos sabiam tudo. Ali eles não tinham medo de admitir a ignorância, e aquilo fez diferença.
E por isso, senhora policial, eu soquei a cara da Morgana. Ela não é nenhuma grande vilã, vou dizer, ela só é uma garota estúpida. Assim como eu, assim como a senhora já foi algum dia, não é?
sentou ao meu lado dois dias atrás, os olhos verdes brilhando e um sorriso lindo após ter tirado os aparelhos no ano passado.
- Por que você está aqui? - Perguntei com uma careta.
- Eu não te dei boas-vindas ainda. - Ele piscou seus olhos com seus cílios graciosos. Uma vez, quando tínhamos doze anos, eu havia cometido o sacrilégio de dizer a ele que os cílios dele eram muito grandes e lindos. Desde aquele dia, ele se empenha em piscar o mais forçadamente seus cílios pomposos e nojentos perto de mim.
- Eu não quero suas boas-vindas, de verdade. Some daqui. - Voltei a encarar meu caderno de desenhos e suspirei quando ele colocou sua mão sobre o desenho, mas sem encostar na tela.
- Não é porque somos inimigos, como você coloca, que eu não deva ser educado. - Encarei-o mais uma vez e balancei a cabeça.
- Da última vez que você veio com esse papo, eu acabei perdendo uma prova de cálculo porque você me trancou na sala e não me tirou de lá a tempo. - Arqueei a sobrancelha.
O evento fatídico havia ocorrido no nono ano, quando ainda estudávamos juntos no matutino. era meu maior concorrente em tudo. Nas aulas, na vida, até nos esportes! Nossos pais eram amigos de infância, então conviver um com o outro havia sido extremamente comum desde que éramos pequenos, mas quando chegamos aos doze anos, simplesmente decidimos que seríamos inimigos porque as minhas notas eram maiores que as dele. Ou algo do tipo. Não lembro exatamente como isso começou. Mas parou de ir aos encontros que nossos pais faziam. A mãe de dizia que ele estava passando pela “aborrecência”. Eu não poderia concordar mais.
E quando ele se mudou para a turma dos Morceguinhos e suas notas aumentaram, alguma parte minha queimou de raiva. Ele havia conseguido chegar ao topo do ranking de melhores atletas da escola na natação. Eu havia conseguido no futebol. E, de alguma maneira, parecia insuficiente.
Ao acertarmos o acordo mútuo e silencioso de não nos odiarmos, mas apenas ignorarmos a existência um do outro, senti um vazio imenso que foi preenchido rapidamente por atividades extras após a escola. Mamá dizia que eu iria me sobrecarregar, mas eu não havia colapsado até agora, então estava tudo bem. Colapsar não era opção.
- Isso faz muito tempo, . - Ele argumentou - Além do mais, já ficou cansativo ser tão melhor que você. Resolvi fazer uma trégua. - Soltei uma risada falsa.
- Essa sua frase está tão errada que mal sei por onde começar.
- Eu não vou discutir com você. Nem temos mais idade para isso. - Ele provocou com um dar de ombros. Mordi o interior da bochecha com força. Há bons quase três anos que ele não me irritava daquela maneira.
- Você começou essa brincadeira de mau gosto. - Revidei - Você sempre cutuca a onça com vara curta e quando eu explodo, você tenta sair como o certo da história. Eu cansei disso. Não temos mais aquela idade mesmo, especialmente você, então por que não assume de vez as merdas das suas provocações e briga comigo igual gente grande? - Finalizei e respirei fundo. Disse tudo sem pausa, ele parecia até confuso. Tentei controlar o sorriso quando percebi que ele estava desestabilizado.
- Você quer brigar igual gente grande? - Sua voz ficou um pouco mais baixa, parecia reflexivo. Senti meu coração acelerar perigosamente, não sabia se era devido à situação, se era devido ao seu tom de voz ou se era porque a expectativa da briga estava ali. Gritaríamos um com o outro e eu poderia xingá-lo como nos velhos tempos. Ah, como eu queria voltar a xingá-lo.
- Sim, igual gente grande. - Respondi - Quero que você olhe nos meus olhos e se responsabilize por suas palavras. Você é cheio de pompa para falar, não é? Então vamos, fale comigo. - Fitei seu perfil até que ele finalmente voltou seu olhar para mim.
Minhas mãos estavam suadas e meu corpo inteiro voltava a bombear o que estava adormecido desde que paramos de nos falar e passamos a nos ignorar.
O rosto de estava mais bronzeado, as espinhas haviam sumido (ouvi dizer que ele fazia tratamento em uma dermatologista) e seu cabelo estava cheio. Surpreendi-me com o quanto ele não parecia mais uma criança.
- Eu gosto disso. - Senti meu corpo congelar quando ele apoiou seu braço mais perto do meu. Encarei sua mão com o cenho franzido - Gosto de pensar que podemos nos xingar sem medo, parece algo que você quer desesperadamente fazer, não é? - Eu não gostava da direção daquela conversa. Encarei os olhos ele, pensando que quebraria um ovo em minha cabeça e que diria algo para me machucar. Ele já havia feito isso uma vez. A sensação de medo tomou-me por completa. Agora eu é quem queria sair correndo igual uma bebê. tirou seu olhar do meu rosto e piscou, parecendo estar ciente da bolha em que estávamos - Bem, pode me xingar o quanto quiser - ele pigarreou - só não espere retorno menos do que merecido só porque você é mulher. - Revidou com um sorriso novamente, não parecendo ter sustentado seu olhar no meu alguns segundos atrás.
- Você é clinicamente insano ou só muito irritante? - Fechei meus cadernos.
- Eu não sei, provavelmente os dois.
- Queima no inferno. - Falei entredentes e sorriu.
- Duvido que você vai querer minha companhia por lá. - Preparei-me para xingá-lo quando Adriel apareceu.
- Estou atrapalhando? - Perguntou o menino de cabelos azuis com um olhar desconfiado.
- Não. - Respondi rapidamente - Por favor, não.
- Ah, bem, já que os dois estão aqui, vou falar de uma vez. É saliva a menos gasta - torceu o nariz - O Cristo anunciou uma festa de aniversário. Vai ser na casa do tio dele. Pelo visto o único responsável vai ser o irmão mais velho dele, que vai levar a namorada. Ou seja, um dia de bebida liberada. - Adriel anunciou com um sorriso.
- E eu fui convidada?
- Claro, . - Ele revidou e cruzou os braços - É sua chance de fazer amizade com o pessoal. - Abri um sorriso diante da perspectiva e esqueci-me de sentado ao meu lado.
- Você vai nisso de verdade? - Perguntou incrédulo - Você vai se submeter a essa festa regada de capitalismo e patriarcado? - O sarcasmo escorria por suas palavras.
- Cala a boca, Cólon! - Disse exasperada - Dios mio, que pasa. ¡Eres inaguantable! - Comentei com sotaque forçado. Apenas o usava quando estava realmente estressada. Adriel segurou a risada.
- Então, confirmo os dois? - Questionou Adriel com um sorriso.
- Sim! - Exclamei ao mesmo tempo que . Encarei-o com um sorriso mordaz. Estava considerando seriamente colocar algo na bebida dele. Talvez laxante. Ou ketchup. Ou pimenta. As possibilidades eram infinitas.
- Você está me encarando como uma louca. - comentou com os olhos cerrados.
- Estou imaginando como seria te prender em uma sala. - revirou os olhos.
- Não tenho nada contra, mas eu preferia que você me prendesse em algum outro lugar. - Encarei-o seriamente. Adriel havia saído para confirmar nossa presença. A sala estava novamente vazia na hora do intervalo e eu não entendia o que estava acontecendo. Encarei seus lábios rapidamente, voltando meu olhar para os olhos dele - Um quarto me parece uma boa ideia. - Ele sussurrou próximo ao meu ouvido. Fechei os olhos momentaneamente, uma onda de pressão correndo por minhas coxas e meus ombros, tensionando meu pescoço. Quando abri os olhos de novo, ele me encarava seriamente - Bons estudos, Morceguinho.
*
No dia da festa, pensei em desistir vinte vezes. Pelo menos vinte vezes. Encarei meu espelho com um sorriso triste.
Minhas roupas não serviam para a ocasião. Olhei ao redor, para as paredes gastar e para minha cama velha. Nada daquilo servia para a escola em que eu estudava. Engoli em seco e lembrei de mamãe, que agora fazia turnos duplos para pagar meu último ano. Ela havia feito com que eu me demitisse para que pudesse focar em meus estudos no último ano da escola. Encarei a palma de minhas mãos e senti lágrimas pesadas escorrerem por minha bochecha. Mesmo com a bolsa, eu ainda precisava pagar uma quantia relativamente pequena, mas que, para mim e para mamá, não era nada pequena. Suspirei pesadamente e senti o desânimo me sobrecarregar. Não queria sair. Não queria andar novamente para um ambiente no qual seria lembrada de não pertencer.
Talvez aquela fosse a verdadeira razão para que eu não sentisse tanta falta das pessoas do matutino quanto achei que sentiria. E talvez fosse a mesma razão pela qual eu havia começado a gostar tão rapidamente dos meus colegas Morceguinhos. Eu havia me sentido pertencente quando Adriel disse que não poderia ir para a viagem de formatura por não ter dinheiro, ou quando todos discutimos sobre o racismo e as necessidades básicas. Eles, mesmo que não entendessem muito, eram humildes o suficiente para tentar entender. Pelo menos a maioria era.
Limpei minhas lágrimas. Dali menos de seis meses eu estaria livre. Poderia ir para a faculdade com uma bolsa integral e mamá não precisaria se matar de trabalhar. Ela poderia respirar fundo. E eu poderia dar uma boa condição de vida a ela. Sorri com a imagem perante ao espelho. Eu tinha que ser forte por ela e por mim. Pela nossa família.
Abri meu guarda-roupa novamente e peguei meu melhor vestido, um que mamá havia feito. Era um tecido com estampas africanas e que se ajustava bem em minha bunda. Senti-me levemente incomodada por quanto estava justo ao meu corpo, mas mamá havia feito com tanto carinho que valeria a pena. Peguei uma pequena bolsinha de alças que havia ganhado das meninas e calcei meus all star pretos à porta, já saindo. Mamá voltaria apenas dali três horas e eu havia deixado uma mensagem na geladeira. Mesmo sendo sábado, ela fazia meio turno. Tentei jogar os pensamentos caóticos para trás e resolvi aproveitar o restante de minha adolescência, do meu tempo na escola.
Quando cheguei ao meio-fio, andei em direção ao ponto de ônibus, repentinamente muito ciente de minhas roupas. O clima estava quente e a brisa da praia atingia meus cabelos. Eu não queria entrar no ônibus, definitivamente.
Engolindo meu medo de ser assediada, esperei pacientemente pelo ônibus que me levava à escola e, ao subir, comemorei por só haver quatro pessoas ali. Sentei-me no último banco e permaneci atualizando meu celular, talvez na esperança de que a festa fosse cancelada.
Eu havia conversado com as meninas, mas elas não haviam sido chamadas. Óbvio, Morceguinhos e Matutinos não se misturavam. Angélica fez questão de me lembrar. Por fim, eu disse a elas que não iria. E aqui estava eu, indo em direção ao covil dos Morceguinhos. Socializar com o inimigo.
A imagem de perigosamente próximo a mim me tomou por completo. Senti minhas coxas arrepiarem vergonhosamente. Doía admitir, mas ele estava bonito. E me doía mais ainda saber que minha mente o havia imaginado em diferentes formas na última semana. De maneiras que eu nunca havia possivelmente imaginado antes. Ah, peço perdão por te fazer ler essa parte, mas garanto que ela é crucial para o desenrolar!
Desci do ônibus alguns pontos após o ponto da escola. A casa era em uma das travessas da praia. A maresia fustigou meus cabelos, mas eu já estava tão acostumada. Fui consolada pelo sal.
Caminhei até a casa do tio de Cristo, meus ombros tensos e minhas pernas implorando para voltarem correndo ao ônibus. Forcei-me a entrar. Adriel estaria ali comigo, não havia o que temer.
A casa enorme tinha um andar, era toda feita em madeira e um portão de metal enorme protegia a mansão. Toquei o interfone com o coração pulsando absurdamente. Minhas mãos suavam e minhas pernas tremiam.
- É a . - Disse e o portão foi aberto. Do portão até a casa parecia uma maratona. Havia algumas pessoas no jardim, pessoas que eu não conhecia. Dois casais se apoiavam no muro à direita, se beijando. Continuei a andar até a porta da frente. O reggaeton tocava alto e senti o arrependimento no momento em que entrei pela porta da frente.
Os sofás estavam cheios de pessoas sentadas e rindo muito alto, competindo fortemente com a música. Ao longe, avistei Cristo. Ele estendeu uma cerveja para mim em cumprimento. Sorri de volta e acenei.
Olhei para a esquerda e só tive tempo de sorrir antes que Adriel me envolvesse em um abraço. Virgínia também estava com ele.
- Você veio! - Ele gritou com um sorriso largo. Já parecia bêbado.
- Eu vim! - Gritei empolgada também.
- Não sabíamos se você vinha. - Virgínia confessou - Bem, por causa dos Morceguinhos e tudo mais. - Arqueei a sobrancelha.
- Eu nunca perderia uma festa.
Mentira, mentira bruta. Eu perderia todas as festas do universo. Se não fosse pelo bem social do meu último semestre, eu nem estaria ali. Não mesmo.
- Vamos pegar algo para beber! - Virgínia me puxou e me levou até a cozinha, de onde haviam chegado.
O interior era muito moderno. O fogão era embutido e a geladeira tinha três portas. Encarei estupefata. Ele sequer tinha tanta comida?
- O que quer? - Ela perguntou fuçando o cooler em cima da bancada.
- Água. - Pedi. Virgínia franziu o cenho, mas não questionou.
Adriel dançava com a bunda colada ao chão, causando risadas.
Acenei para vários de meus colegas, conversei com alguns meninos que já estavam bêbados e sorri até para Morgana, que apenas acenou. Tudo bem, já era alguma coisa.
- Eu quero dançar. - Adriel disse e puxou a mim e a Virgínia para o meio da sala, onde a música estava mais alta.
Comecei a dançar com eles as coreografias de algumas músicas que conhecia, os movimentos contidos de vergonha. Talvez fosse bom beber. Mas eu não bebi, dona policial, afinal de contas, é errado. Ah, quem eu quero enganar? Eu bebi. Mas, por favor, não conte à minha mãe! Nem ao meu tio!
Depois de beber apenas um pouco - sério, só um pouco -, vi-me dançando exatamente como Adriel dançava na cozinha, só que com mais suor e mais cabelo grudado ao pescoço. Quando Rihanna começou a tocar, soltei um grito e deixei que minha cintura rebolasse colada a de Virgínia. A maioria das pessoas dançava ao nosso redor, todos cantando a música e aproveitando. A maioria era de mulheres, os meninos estavam no canto, rindo e conversando enquanto olhavam para a maioria de nós.
- Preciso fazer xixi! - Falei para Virgínia e andei cambaleando até a escada. Subi o mais rápido que minhas pernas molengas conseguiam.
Fechei a porta branca atrás de mim e fiz o melhor xixi que alguém poderia fazer: o de bêbado. Estava me sentindo mais sóbria após lavar o rosto com água gelada. Pensei que deveria ir para casa em apenas uma hora e suspirei. Gostaria de ficar mais tempo. Finalmente sentia que estava dando certo.
Abri a porta do banheiro e soltei um arquejo assustado ao ver parado do outro lado do corredor com os braços cruzados.
- Está livre. - Disse com um aceno para ele e continuei a andar, sendo parada por sua voz quando cheguei ao topo da escada.
- Ei, quer dançar lá embaixo? Comigo, eu digo. - Encarei-o e prestei atenção na imagem que via.
O corredor estava escuro e eu mal podia ver o rosto dele, mas eu conhecia perfeitamente sua fisionomia. O corpo de estava coberto por uma blusa branca e uma bermuda preta, usava um tênis de formato estranho que deveria ter custado pelo menos uma mensalidade que eu pagava. Segurei a respiração, atordoada demais para falar.
- Hã, claro. - Murmurei e desci desesperada, sem esperar por uma resposta. Quando cheguei ao térreo, observei mais casais se beijando do que antes. Alguns dançavam juntos e a maioria das pessoas estava sentada nos sofás novamente. Agora, Price Tag da Jessie J tocava. Uma música deveras irônica para ser tocada naquela casa. Com aquelas pessoas. Naquele momento. Suspirei. Sentei-me no sofá sozinha e respondi algumas mensagens, ignorando o grupo com minhas amigas. Não queria dizer que havia mentido. Odiava fazer aquilo.
- Ei. - Cristo sentou ao meu lado com um sorriso. Seu cabelo black estava envolto em uma bandana - Achei muito legal você ter vindo. - Ele encostou seu ombro no meu. Sorri e assenti.
- Obrigada pelo convite.
- Que isso! É bom ter outra pessoa igual a mim na sala - Ele sorriu e deitou a cabeça de lado - Na verdade, você é bonita pra caramba. - Abri um sorriso tímido e encarei minhas mãos. Acho que era a primeira vez que ouvia isso de um menino pessoalmente. Tentei controlar a sensação de nervosismo, mas foi inevitável. Quando a única coisa com a qual eu estava acostumada era xingamentos de e os elogios das minhas amigas, aquela havia sido uma mudança agradável.
- Obrigada. - Sorri mais uma vez.
- O que acha de sairmos semana que vem? - Perguntou com a sobrancelha arqueada. O encarei mais uma vez, minhas mãos trêmulas apoiadas em minhas coxas expostas.
- Eu adoraria, mas precisa ser depois da aula. Eu tenho extracurriculares de manhã. E futebol. - Cristo riu e assentiu.
- Sem problemas, bella. - Mordi o lábio para tentar segurar o sorriso.
Encarei-o mais uma vez, com plena certeza de que nossos corpos se aproximavam.
- ? - Parei em um súbito. Eu mal havia percebido que meus olhos estavam fechados até finalmente abri-los. Olhei para cima e encarei parado - Preciso falar com você.
Alternei meu olhar entre Cristo e e soltei um suspiro profundo. Cristo parecia extremamente sem graça, e eu sentia raiva pura queimar por meu corpo. Eu havia perdido a chance do meu primeiro beijo graças à intromissão de .
Coloquei-me de pé em um pulo.
- Não saia daqui. - Disse para Cristo e segui até o lado de fora da casa, saindo pela cozinha apressadamente.
- O que você ia fazer, ? - Ele exclamou gesticulando.
- Hã, beijar um cara? - Apontei o óbvio como se estivesse falando com uma criança - Por que diabos você interrompeu o meu beijo? Espero que seja um bom motivo. - passou a mão pelo cabelo.
- Primeiro, em uma escala de um a dez, o quanto você quer me bater agora? - Perguntou seriamente. Respirei fundo.
- Eu estou decidindo entre vinte e trinta. - coçou a nuca com um suspiro - Diga, por quê?
- Porque… - Ele suspirou - Porque você está bêbada e vai se arrepender muito disso amanhã, . Acredite em mim, por favor. - Seus olhos estavam arregalados e sua boca levemente aberta.
- Eu não estou bêbada. Eu estava, mas eu estou ok. - Argumentei - Por que está fazendo isso?
- O quê?
- Me tratando como gente. - me encarou com um sorriso maior.
- Eu não sou um monstro, . - Ele provocou.
- Mas foi um ao me tirar do meu primeiro beijo! - Comentei frustrada, percebendo a informação que havia deixado passar.
- Aquele era seu primeiro beijo? - Perguntou em choque. Arregalei os olhos quando a noção de que agora possuía um segredo meu me encheu de nervosismo.
- Não. Eu já beijei. Já beijei muito. - Disse rapidamente, minha mentira não sendo capaz de convencer ninguém.
- Ah, já beijou muito? - Ele perguntou mais uma vez, mas ciente da minha mentira.
- Arg, que ódio, ! Diga logo porque me tirou de lá!
- Porque Morgana é apaixonada por ele. - Ele suspirou ao falar - E o plano dela era se declarar hoje. Sei o quanto você quer se enturmar com nossa turma, - ele encarou os próprios pés - E sei o quanto não ajudaria nada essa situação. Eu sei que você é livre para fazer suas escolhas, mas eu resolvi te dizer isso antes de você beijá-lo. Óbvio que não vou te impedir, não é meu direito, mas achei que precisava saber do risco.
Permaneci em silêncio enquanto encarava . Ele havia cruzado os braços e encarava a cozinha atrás de mim. O barulho da música, das conversas, tudo estava abafado. Eu ouvia Rihanna dizer “grab somebody sexy and tell’em ‘hey’”, mas nada parecia fazer sentido além do garoto parado em minha frente.
Assim como naquele dia em que ele havia falado tão perto de mim, meu corpo estava novamente pinicando. Eu só não sabia se era verdadeiramente raiva.
- Você não está me sacaneando, ? - Perguntei em voz baixa, meu corpo se segurando fortemente para não colapsar.
- Não, por que eu faria isso? - Perguntou confuso.
- Porque tudo o que você fez para mim nos últimos anos foi me sacanear. - Rosnei - E como sei que isso tudo não é um plano para me fazer pagar de boba? Você pode muito bem estar tentando me passar o pé! Na verdade, eu tenho certeza - apontei o dedo na cara dela, minha raiva sobressaindo - Você não aguenta me ver beijar outro cara bonito porque é um babaca.
- Quê? Outro cara bonito? - Ele questionou - Está dizendo que sou bonito?
- Sério? É isso que você pegou de toda a minha frase? - Praticamente gritei exasperada. Passei a mão por meus cabelos e suspirei - Você me deixa cansada, . Te odiar me cansa. A indiferença me cansou mais ainda. - Admiti nervosamente. me encarou mais uma vez, os olhos passando por todo o meu rosto. Eu deveria estar parecendo uma lunática - Eu estou cansada de competir. Se isso for mais alguma competição, eu te deixo ganhar, mas eu estou exausta. Tenho a faculdade com que me preocupar, minha mãe, tudo, eu não tenho tempo para isso, .
E ali estava, o desabafo. O colapso do qual eu fugi durante todo o ano letivo até o momento. E quem estava aguentando era , justamente a pessoa para quem eu menos desejava desabafar.
- Eu não tinha ideia de que você se sentia assim, . - Meu apelido de infância saiu facilmente por seus lábios. Fitei seus olhos com temor.
- Não precisa ter pena de mim. - Murmurei - Eu não quero que tenha pena.
- Não é pena, eu só não sabia de tudo isso! - Exclamou.
As lágrimas escorriam por meu rosto livremente, desimpedidas. Eu tenho certeza de que me arrependeria desse showzinho amanhã. Mas hoje não. Eu estou cansada.
Senti os braços de me puxarem para perto, envolvendo meu corpo em um abraço novo e estranho. Rodeei seu tronco com minhas mãos, enrolando meus dedos na bainha de sua camisa, chorando sem barreiras. Ele passou sua mão em meu cabelo, afagando e dizendo palavras de conforto que nunca imaginei virem dele. De . Minha maior concorrência.
- Você é a pessoa mais forte que eu conheço. - Ele sussurrou - E eu amo discutir com você porque eu não conheço ninguém que me desafie como você - Ele segurou meu rosto entre suas mãos geladas, fitando meu rosto inchado e cheio de lágrimas salgadas - Você é uma baita concorrente, Be, mas se quiser, estou pronto para parar com tudo isso. Também estou cansado. - Apenas assenti e permaneci encarando seu rosto.
O nariz comprido, os olhos verdes, os cabelos bagunçados e o braço magrelo. Eu nunca me imaginei nessa situação. E ela era agradável, apesar de muito fora da minha zona de conforto.
- Aquele dia você disse que havia me imaginado te trancando em outros lugares. - Eu sussurrei, meus olhos parados em seus lábios levemente vermelhos pela bebida gelada. Voltei meu olhar para seus olhos - O que quis dizer?
A resposta demorou para vir, e não estava preparada para a brutalidade com que vieram.
- Você não tem ideia o quanto eu te quero, não é? - Arqueou a sobrancelha - Achei que fosse óbvio. Quer dizer, sei que fui um babaca, continuo sendo muitas vezes, mas pensei que isso fosse perfeitamente claro. - Balancei a cabeça e desvencilhei-me de seu toque.
- Impossível. Você me odeia. - Apontei para ele e para mim - Isso aqui é uma relação de ódio.
- Você me odeia? - Ele perguntou meio surpreso.
- Eu não sei. - Murmurei nervosamente - E-eu não sei. Você me faz sentir coisas estranhas. - Admiti - E eu não sei se é ódio ou raiva.
- É como se você quisesse voar no meu pescoço, mas não sabia exatamente até onde iria? Uma vontade de estar perto e longe ao mesmo tempo? Uma raiva que arrepia a espinha e faz você dormir pensando nela? - Assenti - Bem, me sinto da mesma maneira. Mas não acho que seja ódio. - Segurei o ar quando a mão dele foi para a minha bochecha, um carinho tão confortável quanto desconcertante. Fechei os olhos - Eu acho que isso é outra coisa. - Ele murmurou, seu hálito próximo ao meu.
Dei um impulso e juntei nossos lábios, meu corpo tremendo junto ao dele. Puxei seu cabelo quando sua mão segurou minha cintura com força. Então aquilo era beijar? Cambaleamos até atingirmos a parede, minhas mãos furiosas no cabelo de , puxando para mais perto e guiando sua boca quando seus beijos raivosos desceram por meu pescoço, sua mão cada vez mais baixa, até que colocou sua perna entre minhas pernas. Suspirei contra a fricção e beijei-o mais profundamente, sem saber direito se fazia o certo, mas era bom. Era estranhamente bom. Um tipo de sensação que não poderia ser descrita pelas suas amigas quando falam de seus primeiros beijos.
Meu primeiro beijo era com .
- . - Suspirei quando nos separamos para respirar. Meu cabelo estava esvoaçado e minhas mãos tremiam - O que foi isso? - Os lábios dele estavam vermelhos, seus olhos semicerrados e sua respiração estava ofegante. Encarei seus lábios mais uma vez.
- Você é gostosa demais. - Ele sussurrou e encostou seus lábios aos meus novamente, mas mais tranquilo. Curti seu abraço quando ele colocou nossos corpos quase pecaminosamente. Cruzei uma perna minha ao redor da dele involuntariamente, tentando fundir nossos corpos. apoiou sua mão na parede atrás de mim e sorriu, pequenos selinhos sendo dados em meus lábios formigando.
- Eu estou completamente confusa. - Admiti e ele riu em meu pescoço, sua língua tocando levemente a pele molhada. Segurei o cós da sua calça em um movimento involuntário.
- ! - Ouvi meu nome ser gritado.
Virei para o lado e observei Morgana sair da cozinha com o rosto enfurecido. Arregalei os olhos.
- O que houve? - Empurrei para o lado e a encarei de frente.
- Você beijou Cristo? - Arregalei os olhos e encarei . Ele parecia atordoado. Olhei para baixo e percebi o volume em suas calças. Ele acompanhou meu olhar e ficou vermelho.
- Não! Óbvio que não. Quem te disse isso? - Questionei. Os olhos pretos me fitavam com ódio puro. Eu estava ferrada.
- Quem disse não importa! Sua desgraçada! - Soltei um grito assustado quando ela voou em meus cabelos - Neguinha nojenta! - Empurrei-a para longe e arregalei os olhos.
- Do que você me chamou? - Morgana se recompôs e pigarreou.
- Nada.
- Não, repete! - Gritei. Àquele ponto, todos já estava na porta da cozinha, nos encarando e alguns gravavam - Diz do que você me chamou! - Berrei. Morgana me encarou com os olhos arregalados, virando para encarar os colegas - Já que você está gravando - apontei para um menino - Grave do que ela me chamou! Neguinha nojenta. - Vociferei, meus olhos queimando com raiva.
- É mentira! - Ela exclamou.
- Você sabe que não é, Morgana! - Não havia percebido ao meu lado, bloqueando as câmeras de atingirem meu rosto. Encarei-o surpresa.
- Foi sem querer! Mas é verdade, você é nojenta. Tudo em você é. Sua cor é só um detalhe. - Silêncio se instalou por todo o gramado. Cristo deu um passo à frente, junto com mais algumas meninas.
- O que você acabou de dizer? - Cristo questionou com os lábios cerrados - Repete, Morgana! - Gritou com ódio óbvio.
O lábio de Morgana sangrava com um tapa que eu havia dado nela para me desvencilhar. Ela estava agindo daquela maneira por causa de um garoto?
- Você não presta. - Murmurei - E é triste que esteja fazendo isso por um menino. Eu tentei ser sua amiga. Isso não é saudável. - Afirmei.
- Vá a merda, . - Morgana resmungou e apenas consegui gritar quando algo atingiu meu olho. Ela havia jogado um tênis em mim?! Senti um gosto metálico em minha boca misturado com terra. Segurei a ânsia de vômito quando percebi que o sapato havia atingido minha boca.
estava tocando meu rosto e limpando a sujeira, mas eu sequer prestava atenção. Morgana foi arrastada para longe e me vi sozinha.
havia ido atrás dela. Soltei um arquejo quando meu dedo saiu sujo de sangue ao tocar meu lábio superior. Algumas pessoas me perguntavam como eu estava, mas a decepção era grande demais. Com Morgana e com .
Senhora policial, isso foi tudo o que aconteceu, eu te garanto.
Mas tem um detalhe, acho bom frisar. na verdade havia ido atrás dela para dizer que chamaria a polícia. Por isso eu estou escrevendo. Estou em casa, minha mãe me deixou de castigo até o final do ano, mas me defendeu quando achei que houvesse me abandonado.
Afinal de contas, o dinheiro não pode mesmo comprar algumas coisas, não é? Como, por exemplo, a amizade de um nerd insuportável que eu odiei por tanto tempo, mas que descubro agora ser a fonta da minha paixão mais sincera. E também não é capaz de comprar caráter. Mas peço que não pegue tão pesado com Morgana. Ela não é odiável, só estava com ciúmes. Mas por favor, pegue pesado com a parte do racismo. Aquilo é imperdoável. Menino nenhum justifica esse ódio.
Espero que meu testemunho seja útil e que possa ser testemunha, apesar de hoje ter me pedido em namoro (não é relevante para a senhora, mas eu só queria dizer).
Atenciosamente,
Eu.
Fim
Nota da autora: Oláaa! Obrigada por terem lido. É uma história bobinha e bem leve, espero que tenham gostado.
Acho que achei um novo hobby: amar as suas histórias, Ana! Que escrita maravilhosa e impecável! Amei amei demais, parabéns!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.