Fanfic Finalizada

Capítulo Único

​​O andar mais alto do prédio comercial estava mais quieto que o usual. Isso porque, atrás da imponente porta dupla de madeira escura, estavam os acionistas, sócios e diretores reunidos em algo aparentemente importante, ou pelo menos era o que pensava. Aquele grupo predominantemente de homens raramente se dava ao trabalho de se deslocar. Era de conhecimento que evitavam respirar os ares do proletariado, vazou um e-mail de um dos chefões solicitando caminhos alternativos para que não precisasse encarar a base da pirâmide. Aquilo causou um climão entre todos. Como punição adotada pela empresa, o elitista foi afastado para umas férias prolongadas em Miami. “Ó vida cruel”, a mulher sentia os olhos quererem revirar toda vez que se recordava do incidente.
Depois de algumas horas, um por um foram deixando a sala de reunião em fila, sem despedidas ou um mísero olhar para o lado, feito robôs.
Como a pessoa bem relacionada que era, logo foi agraciada pelas fofocas da reunião. Só não era esperado que um dos assuntos discutidos fosse ela.
— Por que estou sendo cotada para o cargo, se há gente muito mais experiente de currículo e com tempo de casa? — Estranhou.
— De fato, havia vários outros nomes na lista antes do seu. — A diretora do financeiro que estava na reunião confidenciou. — Só que todos declinaram a oferta ao descobrir que iriam concorrer à cadeira da diretoria do setor com o filho do chefão.
Junior?
— Esse mesmo. — Prendeu o riso mordendo o lábio inferior. A maravilha de se ter pessoas de confiança no trabalho eram os apelidos que surgiam e ficavam na boca do pessoal. — Todos acham que é perda de tempo e esforço lutar contra um resultado que já está na cara.
— Nepotismo. — tentou dar um assobio sem sucesso. — Por que o maior só não dá logo a merda do emprego para o filho? Todo mundo já sabe, todo mundo pode sentir a diferença de tratamento e retaliação para erros.
— Você mesma deu a resposta. Nepotismo. pai está tentando contornar as câmeras, tipo “olhem só, meu filho é realmente capaz e lutou para chegar onde está” e essas coisas. — Gesticulava com desdém.
— Se acham perda de tempo, por que acreditam que eu iria me sujeitar ao papel de bobo da corte?
— Ah, por que não? — Deu os ombros. — O pior que pode acontecer é você ganhar. — brincou — Um aumento de salário não faz seus olhos brilharem, ?
— Talvez.
— Nós duas te conhecemos o bastante para saber que se entendia facilmente no escritório. Você quer participar dessa competição mesmo sabendo que pode ser o bobo da corte. É competitiva o suficiente para passar por tudo isso.

Diretora de controle de qualidade.
O cargo ia e vinha de sua mente. Ela queria mesmo aquilo? Sabia no íntimo que só queria o gostinho de pisar um pouco no herdeiro dos . Ele com posicionamentos arrogantes, sem formação na área, sempre diminuindo a fala de especialistas dentro da empresa. perdeu a conta de quantas vezes assistiu o homem se vangloriar de feitos que não eram seus, assumir créditos em eventos que não o cabiam e principalmente receber promoções de quem sangrou pela marca. A empresa teve baixas de excelentes profissionais por ele e ela só desejava que ele pudesse sentir um pouco do que era a frustração, de que nem sempre seria tudo tão fácil.
A dinâmica era simples: cada um com sua equipe assumiria as rédeas de uma das unidades comerciais da empresa por um mês para traçar estratégias que alavancassem os números de vendas. O resultado líquido mais positivo anunciaria a nova direção de controle de qualidade. Garantiram que as lojas escolhidas tinham o mesmo porte e faturamentos anuais semelhantes apesar da localização afastada.
estava empolgada, contudo o sentimento não durou.
Tirando os contatos mais próximos dentro do escritório, ninguém estava aceitando entrar para o lado dela para ajudar.
— Da mesma maneira que achavam que seria perda de tempo entrar em uma competição contra , acreditam firmemente que, se puxarem o saco dele agora, poderão ganhar algum reconhecimento em caso de vitória.
— Ótimo! — A mulher praguejou, ainda que se passasse o contrário em sua mente.
O contador ainda estava ativo e atualizava em tempo real todos os lucros que caíam no caixa da loja que comandava. Ao lado dele, um outro idêntico, mas que pertencia ao grupo do , exibia quase o dobro do que tinha no visor dela. já não esperava que pudessem ultrapassar os valores alcançados por . Ela lutou até o fim e era isso.

Eram raras as ocasiões que via a colega ansiosa na frente de outras pessoas.
— Não sei se deveria estar te falando isso. Nem sei se você gostaria de saber disso. — Ela relutava com algo, andando de um lado para o outro do corredor.
— Está me deixando com tique nervoso. Qual é o assunto?
Ela parou de se mover finalmente, transferindo o nervosismo para os olhos que não paravam mais de um segundo em um ponto.
— Não sei se devo. — Reparou que os dedos fizeram mais força contra os papéis que carregava contra o peito.
— Se começou, termina.
A resposta que obteve foram alguns balancetes das ações estendidas para si.

Sabia pelos balancetes desviados quais foram as estratégias usadas pelo filho do sócio-diretor majoritário. Se ele estava disposto a investir parte da própria fortuna para alavancar as próprias vendas, o problema era somente dele.
Um mecanismo burro de falso progresso. Quando se tornasse diretor, essa se tornaria a saída caso as coisas ficassem difíceis?
Ainda que fossem descontados todos os valores que aplicou sobre as próprias propostas, eliminando as doações de todos os amigos mais afortunados dele, viu que sua equipe ainda teria perdido.
Suspirou.
Era difícil pensar positivo e mandar boas energias para que aquele filho da puta tivesse um ótimo mandato. Por mais que tivesse feito tudo que podia, era difícil engolir a derrota. Justamente por ter feito um bom trabalho é que a derrota descia amarga.
— Eu estou cagando para a sua política de ainda ser meio de semana. Vamos beber!

Da janela do amplo escritório que mantinha dentro de casa, o fumava ao pé da janela com formato de abóbada.
— Quer dizer que minha mulher e os amigos o estão ajudando. — O homem deu uma tragada enquanto digeria as informações que o assistente lia dos relatórios da operação. — E inclusive o próprio fez uma compra grande sem ao menos se importar em omitir as informações pessoais. Fale sobre a outra.
— Apesar da discrepância nos números, é notável que as ações de têm efeitos que podem continuar reverberando no futuro. Enquanto trás números, ela atrai potenciais fornecedores e clientes do nosso meio. Fui informado que pelas conexões e boas relações, ela conseguiu a presença de um investidor de fora que prometeu colaborar mais para frente.
— O que você acha?
— Segundo as regras estabelecidas, o jovem ganha, pois a vitória é dada em cima do maior valor apenas, mesmo que tenha se mostrado apta e boa profissional. Não é à toa que os mais novos a enxergam como uma veterana para seguir. Senhor, preciso ser sincero, por mais que não vá gostar do que direi a seguir: jovens que trazem energia e causam comoção são ótimos, resolvem nossos problemas por um tempo.
— Mas... — instigou.
— Mas, se considerarmos que o objetivo é manter nossa influência no alto a longo prazo, pode ser que as estratégias de seu filho não funcionem. É só fazer uma análise superficial para entender que os investimentos obtidos pelo jovem provém de um público que não está relacionado à marca e nem é nosso alvo. Eles investiram agora por causa dele, mas duvido que as operações voltarão a se repetir nos próximos meses.
— Meu filho precisará se esforçar muito sempre para ficar no mesmo degrau e precisará se esforçar o dobro para tentar alavancar.
— É isso. — O secretário engoliu seco.
— Que o deixemos seguir assim.
— Mas senhor…
— Para aprender, ele precisa cair…
O assistente julgou ser uma maneira muito ruim de ensinar. O que era considerado um playground para os era o sustento dele e mais uma dezena de colaboradores.

Enquanto brigava consigo outra vez de que tinha mais motivos para se parabenizar do que lamentar, crises que se tornaram recorrentes após os resultados catastróficos da competição, a reviravolta veio:
— Já chega de ficarmos justificando uma coisa que já está desenhada. é o diretor agora.
— Não, . Você não entendeu. Poderíamos ter ganhado! Eles conseguiram desviar uma das nossas compras grandes para a unidade deles. Fui aos arquivos e de alguma forma conseguiram trocar os formulários, fazendo os valores caírem para eles.
— E ninguém viu isso? — O tom de voz dela subiu involuntariamente.
— Acha que não? — A representante do financeiro devolveu com ironia. — É como conversamos no mês passado: a cadeira era do filho desde sempre.
— Filhos da puta.
Estamos acostumados a associar karma com algo negativo, mas essa não é a ideia. Karma é o retorno do que somos e do que entregamos para o mundo nesta vida.
Por um tempo, praguejou para que o karma atingisse , como se o estivesse amaldiçoando, porém estava errada. O karma chega para todos, só que de maneiras diferentes. Se dissesse que não estava com sangue nos olhos para uma vingança, seria uma enorme mentira. Entretanto, ao invés de se preocupar com o que deveria chegar para , precisava antes se preocupar consigo.
Orgulhava-se da pessoa que se tornara?
O karma seria melhor com ela?
Depois da nomeação do novo diretor, os sócios reconheceram os resultados e esforços de , oferecendo um aumento de salário. Estaria com uma qualidade de vida melhor exercendo quase as mesmas atividades e responsabilidades.
Por outro lado, por uma confusão de um recém-chegado contratado, alguns contratos de clientes grandes foram misturados e enviados juntos com a mesma estratégia de negociação e ação para todos. Para a empresa que se pauta no lema de propor soluções personalizadas para atender as necessidades individuais de cada comprador, a falha foi o caos. Ainda que não tivesse sido a ocasionar tal absurdo, seria ele que teria de resolver.
Longe da maldade e de torcer contra a empresa, se deliciava com um bom vinho que o novo salário pagava ao mesmo tempo em que calculava quantas noites o filho precisaria abdicar até que o trem desgovernado voltasse aos eixos.
Teriam os tostões que ele levou dela para concretizar a vitória valido à pena?
Karma era um gato.
Com 7 vidas, dificilmente falhava.




FIM



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