Última atualização: Fanfic Finalizada

Capítulo Único

“Eu iria mais além se pudesse. Meu limite é aqui infelizmente! Deixo a vida decidir o que devo fazer…”

Eu a esperava, em pé, embaixo da árvore onde demos o nosso primeiro beijo. Sempre íamos lá, para relaxar, fazer alguns piqueniques, jogar conversa fora. Era o “nosso lugar”, costumávamos dizer. Aquele lugar me trazia tantas lembranças boas, e olhá-lo agora fazia as coisas já parecerem levemente nostálgicas. Senti um nó no estômago ao pensar mais detalhadamente em nossa situação.
Três dias atrás ela me disse que havia sido aceita na UCLA. Eu fiquei perdido por alguns momentos até conseguir perguntar a ela, “como assim?” Nenhuma palavra foi dita. Nenhum gesto foi demonstrado. Nenhuma atitude foi iniciada. No ar, somente suspiros… E nesse momento eu soube: não nos pertencíamos mais.
Ela disse que era melhor nós conversarmos depois, pois ela estava resolvendo algumas coisas sobre o assunto, apenas. E eu fiquei três dias esperando que ela me procurasse para que pudéssemos falar sobre essa mudança tão brusca nos nossos planos.

- Oi! - a voz dela me tirou das lembranças e eu me virei, encarando-a.
- Oi! - respondi de volta -

Estávamos estranhos um com o outro, como se já não nos conhecêssemos mais, ou coisa parecida.
Eu pigarreei, não sabia muito bem como começar o assunto, e sabia que ela muito menos. Mas ela me devia uma explicação.

- E então, ? - eu remexi meus lábios, a contragosto - Você me deve uma explicação!
Ela respirou fundo e soltou o ar pela boca, num suspiro longo.
- Calma, ! Eu sei que te devo uma explicação, sei que ao seu ver eu estou completamente errada e pisei na bola. O mais incrível, é que eu sei que não importa quantas explicações eu dê, ou o quanto eu tente te mostrar os meus motivos, você não vai entender. Então do que adianta?
- É verdade, eu não vou entender. Mas eu quero ouvir o que você tem a dizer sobre ter mudado todos os nossos planos sem me avisar! Porque você não conversou comigo antes de escrever para a UCLA?
- O que você teria dito se eu tivesse te falado sobre?
- Eu não sei! Mas achei que você confiasse em mim o suficiente para me dizer que queria ir para a UCLA! Que queria fazer medicina! Nós nos conhecemos a vida toda, ! Você e eu temos um relacionamento de quase dez anos! Caramba! Eu nunca soube dessa sua vontade de fazer medicina. Isso sempre existiu dentro de você? Ou foi no último ano? Foi do nada, sei lá?
- Claro que não, ! - ela revirou os olhos - Eu sempre quis, desde que era uma menininha! Mas todo mundo a minha volta sempre disse que seria impossível que eu me tornasse uma médica, especialmente que eu conseguisse entrar para a UCLA!
- E isso fez com que você nunca quisesse dividir isso comigo? Muito interessante saber que você não confiou em mim o suficiente para contar isso, que achou que eu faria igual às outras pessoas! Eu sou seu namorado! - alterei o tom de voz na última frase e ela fechou os olhos.
- Eu não sei explicar ok? Não sei porque! Isso era um segredo e uma vontade tão íntima, era tão meu! No fundo nem eu acreditava que seria chamada! Foi um lapso, um impulso! Eu pensei “já que é impossível que eu seja chamada, mesmo tendo notas impecáveis, eu vou tirar isso da minha cabeça” e aí eu me inscrevi! Não contei para ninguém, se quer saber.
- Ok! Então se foi uma coisa de impulso, significa que você pode voltar atrás e ir comigo para a UM como combinamos a vida toda! Estou certo?
- Você também pode tentar a UCLA! Nós podemos ir juntos para a Califórnia!
- Eu não quero e nunca quis ir para a Califórnia e você sabe muito bem o porquê. Eu ainda não superei tudo o que aconteceu lá, e não sei se um dia eu serei capaz.
- Mas e se você fizesse terapia de novo? Lá na Califórnia! Eu tenho certeza que vai te ajudar a superar tudo o que aconteceu, !
- Eu já faço terapia aqui, . E a psicóloga mesmo me disse que somente eu posso decidir quando estarei pronto para voltar a Califórnia e se eu quero mesmo um dia ir lá. Eu não preciso ir nunca, se não quiser…
Soltei o ar que estava preso em meus pulmões enquanto girava em torno do meu próprio corpo.
- Então o que podemos fazer? - ela bateu os braços na lateral do corpo, impaciente - Olha, a gente pode tentar um namoro a distância! Aqui não é tão longe da Califórnia!
- Fui aceito na UM e vou me mudar para Michigan.
Ela emudeceu.
- Porque a surpresa? Esse era o plano desde o ínicio! Inclusive no dia que você me disse sobre UCLA, eu ia e dizer que a reforma da casa dos meus avós já estava pronta, a loja também… mas levei um balde água fria.
- Me desculpe! É tudo o que eu posso te dizer no momento. Não posso perder essa oportunidade e não seria justo que você abandonasse todos os seus planos de ir para Michigan, sempre foi o seu sonho!
- Eu abriria mão de tudo, se você fizesse o mesmo por mim!
Ela abaixou a cabeça, balançando-a.
- Chegamos ao fim?

Senti minha garganta fechar e meus olhos marejarem. Eu não conseguia acreditar que chegaríamos ao fim daquela maneira. Eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Dentro de mim havia uma luta grande, entre insistir que ela fosse para Michigan comigo, como combinamos por anos a fio, e desistir. Eu não consegui entender porque ela não podia simplesmente tentar medicina em Michigan… e eu me sentia egoísta por isso! Da mesma forma que também estava achando-a egoísta… Tudo estava confuso na minha cabeça e eu estava magoado.

- Bom, me responda você, ! Chegamos ao fim? Depois de quase 10 anos?
- - ela suspirou segurando as têmporas - Você sabe que não é justo que nenhum de nós dois abra mão dos nossos sonhos! Eu não serei egoísta o suficiente de te impedir de ir para Michigan, então não faça o mesmo comigo. Por favor, só vamos, terminar bem. Você é importante para mim.
- Sou mesmo, ? Porque eu não estou achando que seja!
- , caramba! Você acha que está sendo fácil para mim?
- Acho, ! Eu acho, sim! - me aproximei dela - Você e eu planejamos nossa vida em Michigan desde os dezesseis anos! Você me enganou, mentiu para mim esse tempo todo caramba! Como quer que eu reaja?
- Eu fui covarde! Sei disso. Eu deveria ter lhe dito que ir para Michigan nunca foi meu sonho. Mas eu não tinha coragem… Por alguns meses eu até tentei me enganar e pensar que era nosso sonho e não só seu! Mas não deu certo, ok? Eu não posso perder essa oportunidade!
- Mas pode me perder…
Nos olhamos em silêncio.
- Você vai ficar bem sozinho?
- Não. Mas eu tenho que me acostumar, porque as pessoas sempre me deixam.

***

“As coisas nunca são como a gente quer. Sei que só tem coragem quem tem medo. Deixo a vida decidir, o que devo fazer. Abriria mão de tudo se você fizesse… O mesmo por mim.”

Eu terminava de arrumar as minhas malas, lá fora a noite começava a cair e amanhã eu partiria cedo para Michigan; o mais cedo o possível. Eu estava destruído por dentro. Partiria sem tudo o que eu mais amava: meus avós e . Ouvi baterem na porta, provavelmente era minha avó para me chamar para o jantar. Eu sentiria tanta falta…

- Entra! - gritei de costas para a porta enquanto me abaixava para terminar de fechar uma de minhas malas.
- Sua avó mandou te chamar para o jantar.
Fiquei estático, exatamente da forma em que estava antes de ouvir a voz dela. O que ela estava fazendo ali? E há quanto tempo ela estava em minha casa?
- Já estou indo! - respondi secamente e ouvi a porta bater atrás de mim.
- Você já vai amanhã?
Virei-me e encontrei escorada com as costas na porta do meu quarto mordendo o lábio inferior, parecia receosa. Eu assenti com a cabeça.
- Mas ainda faltam quinze dias pro início das aulas! Precisa ir assim tão cedo? Você ainda tem tempo…
- Eu prefiro ir agora! - assenti com a cabeça outra vez
O que ela queria? Ficamos uma semana sem nos ver ou nos falar, e agora isso?
- Entendi! Eu, vou só no final da semana que vem.
Senti uma pontada no meu peito, assim como toda vez que lembrava que ela iria para a Califórnia.
- O que está fazendo aqui? - as palavras saíram, cortantes como cacos de vidro, de minha boca. Me arrependi logo em seguida, por ter deixado a raiva tomar conta de mim e ser ríspido com ela.
umedeceu os lábios com a língua.
- Seus avós me convidaram pra jantar, já que você parte amanhã. Eles disseram que seria importante que tentássemos nos entender, antes de você ir.
Eu balancei a cabeça em negativa e dei de ombros.
- Acho que nós não temos nada pra acertar! Tudo está da forma que tem que ser, não é? Da forma que você quer, da forma que eu quero… Eu vou viver a vida que planejei desde os meus dezesseis e você a sua!
- , não precisa ser assim! - ela bufou e cruzou os braços abaixo dos seios.
- O que eu disse? Alguma mentira?
balançou a cabeça negativamente.
- Podemos ser amigos?
Eu me aproximei dela e segurei seu rosto entre minhas mãos, colando nossas testas.
- Eu não quero que você se esqueça de mim. Eu tenho medo de que toda essa distância te faça esquecer dos nossos beijos, das nossas risadas, dos nossos planos, de mim.
- … - ela sussurrou, antes de deixar meus lábios se chocarem aos dela.
Aquele provavelmente seria nosso último beijo, e mal sabia eu que ele ficaria preso em minha mente por anos.

***

“Não deixaria você, talvez Deus tenha um plano pra mim, bem maior que sonhei. Só dou tempo ao tempo, deve estar escrito em algum lugar.”

Acordei com sol batendo em meu rosto, já que eu havia me esquecido de fechar as cortinas do quarto. Os tons pastéis e creme predominavam naquele quarto de hotel, e eu logo pensei em ; ela adorava aquelas cores e eu comecei a evitá-las desde que tudo desmoronou entre nós. Tudo que pudesse eventualmente me trazer mais lembranças de nós dois eu tentava evitar, o que, claro, não adiantava muito já que era quase inevitável e muito mais forte que eu.
Conforme os dois primeiros anos longe dela foram passando, as lembranças foram ficando menos recorrentes, eu pensava nela de forma menos intensa agora. Por isso tentava evitar coisas que infalivelmente me fariam pensar nela. O que não aconteceu quando entrei no quarto do hotel e bati o olho nas cortinas, na cama, nos lençóis, nos móveis, na decoração…
Ainda estando tão perto (e ao mesmo tempo tão longe) dela ali naquele quarto hoje, algumas perguntas rondavam os meus pensamentos com frequência: Como ela estaria hoje? O que poderíamos ter sido? Se tudo tivesse sido diferente e se ela tivesse aberto mão de ir para a UCLA, estaríamos juntos até hoje? Será que estávamos fadados ao fracasso desde o início e só eu não percebi? Porque ela não me falou a verdade desde o início?

Tantas coisas vinham e iam do meu pensamento... e durante dois longos anos eu toquei a minha vida, da forma que me foi possível. Me mudei para Michigan, conforme sempre planejei, entrei para a UM, e estava cursando o curso dos meus sonhos. A loja dos meus avós que agora era minha, e vendia bem e eu já conseguia me sustentar sozinho. Ou seja, tudo estava saindo conforme eu havia planejado e imaginado diversas vezes durante minha infância e adolescência. A não ser por uma única coisa: eu estava sozinho, não fazia parte de nada daquilo. E mesmo que hoje tudo estivesse indo bem, indo da forma que eu havia planejado, eu me sentia vazio. E nada no mundo parecia capaz de preencher esse vazio.
Eu havia feito muitos amigos na faculdade, e muitos clientes também haviam virado meus amigos. Eu não me sentia sozinho ou abandonado, apenas... vazio.
Conheci algumas garotas, mas nenhuma delas conseguiu fazer com que eu me apaixonasse de verdade, não como eu havia me apaixonado pela . Durante esses dois anos, mulher alguma conseguiu fazer com que eu sentisse algo parecido com o que um dia eu senti por ela. Eu ainda estou tentando arrancar de dentro do meu peito todos os sentimentos que ainda carrego por ela. Sei que um dia vou conseguir, mas se havia algo que a terapia me ensinava semana a semana é que cada coisa tem seu tempo. Eu sei que dias melhores sempre me esperarão. Afinal de contas, eu consegui seguir a minha vida, coisa que eu jamais imaginei conseguir fazer.

Os primeiros meses foram de puro sacrifício e dor. Eu sentia falta dela como se estivesse doente. Doía tanto que achei que fosse morrer! Perdi peso, mudei a cor do cabelo, tive que aumentar as sessões de terapia, além de meus avós que vinham todo final de semana, com medo de que eu fizesse algo comigo mesmo. Eu sentia uma dor tremenda no peito, como se estivesse sofrendo um infarto ou algo do gênero. Eu me sentia traído, abandonado, insignificante e pequeno. Mas outra coisa que a terapia me ensinou foi: deixe doer até que não possa machucar mais. E é o que estou fazendo.

Como parte desse processo, tomei a decisão de ir até o túmulo dos meus pais na Califórnia. Quando eu tinha quatorze anos, meus pais foram assassinados na minha frente; eu me escondi quando os bandidos entraram em nossa casa para executar meus pais. Os dois trabalharam durante alguns bons anos para o FBI, ambos policiais. Quando nós íamos nos mudar para Michigan, para que eles pudessem tomar conta de uma das lojas dos meus avós (que hoje é minha), alguém quis se vingar deles e então eles foram mortos. Eu também deveria ter morrido, eu estava incluso no pacote, mas me escondi e os bandidos não me viram e, assim, somente meus pais foram assassinados. Eu fiquei traumatizado, obviamente, e então fui enviado para morar com meus avós em Ohio.
Fiquei durante alguns meses sem conseguir emitir um som que fosse - eu havia perdido minha voz pelo estado de choque em que fiquei. A família da era vizinha dos meus avós, e eles eram melhores amigos havia anos. Foi assim que a conheci… a conheço por toda uma vida. Ninguém me conhece melhor do que ela, e eu achava que também a conhecia melhor e mais do que ninguém no mundo.

Prometi a mim mesmo que eu jamais voltaria à Califórnia, nem de passagem. Só de pensar naquele lugar eu já me sentia mal e tudo voltava à minha mente. De certa forma, eu acabei projetando isso em cima da , então eu me senti traído, ao ver que ela estava indo para a Califórnia, um lugar que só me causava dor… Eu senti que ela não se importava.

Hoje, depois de muitos anos, do acidente e de terapia, eu resolvi que precisava enfrentar o meu maior pesadelo. Precisava voltar à Califórnia, passar pelo menos na porta da casa onde tudo havia ocorrido e finalmente visitar o túmulo dos meus pais. Aquilo era necessário para que eu pudesse finalmente virar aquela página da minha vida, tirar todos os sentimentos ruins que eu tinha daquela situação de dentro de mim, para, aí sim, seguir definitivamente em frente.

A primeira coisa que pensei desde que me decidi e comprei as passagens, foi na . Claro! Como não pensar? Depois de dois anos sem nenhuma notícia dela (eu não perguntava dela para os meus avós, quando os via, não achava certo fazer isso, e não queria sofrer mais do que já estava), estaríamos no mesmo lugar. Mas eu não tinha nenhum contato mais com ela e provavelmente seu número nem seria mais o mesmo, portanto eu não a veria. E de certa forma, o meu foco ali em LA, não era bem esse, não é mesmo? Era resolver a questão dos meus pais e de tudo o que ainda me assombrava sobre essa história, e eu assim o faria.

Assim que terminei de tomar o meu café, peguei um táxi e entreguei a ele o endereço da antiga casa dos meus pais. Senti meu coração tamborilar dentro do peito, com algumas palpitações e precipitações, e respirei fundo algumas vezes tentando me acalmar. Observei a cidade pela janela do carro, e assim me distraí o suficiente, até ser surpreendido pelo motorista me avisando que havíamos chegado.

A casa por fora pelo menos, estava basicamente igual à de quando eu e meus pais morávamos lá. Azul e branco se misturavam na fachada da casa, e a pequena porta preta. Azul era a cor preferida da minha mãe, branco a de meu pai e naquela época o preto era a minha. Senti meu coração ficar apertado dentro do peito, enquanto eu era tomado por lembranças deles vivos, lembranças nossas, dentro da casa. Senti que meus olhos marejaram com a dor que aquelas lembranças traziam, e repeti baixinho: “deixe doer até que não possa machucar mais”.

Senti imensa vontade de olhar a casa por dentro, mas me contive, outras pessoas moravam lá agora e elas nada tinham a ver com aquele momento. Permaneci mais alguns minutos olhando a fachada de minha antiga casa, enquanto limpava minhas salgadas lágrimas. Fiz uma oração rápida, e me despedi das lembranças que deixei ali. As enterrei ali. Voltei para o táxi que me esperava e pedi que ele me levasse até o cemitério Inglewood Park, onde meus pais estavam enterrados. Minha missão já estava quase cumprida. Dei uma última olhada na casa e então me despedi em definitivo da minha infância.

Comprei flores vermelhas de um ambulante ali, próximo ao cemitério, e então comecei a procurar o túmulo dos meus pais. Minha garganta começava a me incomodar pela vontade de chorar outra vez, mas eu só o faria quando chegasse até eles. Precisei pedir algumas informações para localizar o local, e, depois de uns quinze minutos, lá estava eu, vislumbrando as duas lápides. Vislumbrar os nomes deles ali, escritos naquelas pedras, me fez sentir frio, um frio quase palpável, no sentido literal da palavra. Aquilo doeu mais do que eu achava que poderia doer, mais do que eu havia me preparado. Senti-me outra vez como aquele garoto de quatorze anos, perdido, abandonado, esquecido, magoado… ajoelhei-me em frente as duas lápides, depositando o buquê que eu havia comprado sobre as duas lápides e deixei que as lágrimas rolassem livres sobre meu rosto. Coloquei as mãos sobre o meu rosto e chorei em silêncio. Pensei em como eu gostaria de estar passando por esse momento com ao meu lado, para me abraçar e dizer palavras que só ela saberia; só ela me acalmaria e faria com que toda aquela situação fosse pelo menos um pouquinho menos dolorosa e difícil. E eu não a tinha ali…

Resolvi seguir o conselho dos meus avós, e fui até a UCLA - quem sabe com alguma ajudinha do destino eu não conseguiria vê-la e falar com ela. Eu nem sabia direito o que falaria para ela caso nos víssemos de verdade, mas eu precisava vê-la, ouvir sua voz…
Fiquei alguns minutos parado ali nas proximidades da faculdade, pensando se ela estaria muito diferente, se estava feliz, realizada, se as coisas estavam indo como ela imaginou, se teria então valido a pena trocar todos os nossos planos.

E o que eu vi, me fez ter certeza que sim: que ela estava muito diferente (os cabelos estavam mais curtos e mais escuros e ela já não usava mais o aparelho), estava feliz -já que nem me viu, pois estava rodeada de amigos e não parava de rir do que eles diziam, provavelmente realizada pois ainda usava o jaleco branco das aulas na rua, e com certeza as coisas estavam indo como ela imaginou. E, bom, pela forma como ela deu a mãos para um dos garotos que estavam com ela, indicava que valeu sim a pena ter trocado os nossos planos.

Ela havia seguido por completo a vida dela, enquanto eu, ainda me sentia preso a ela e a tudo que vivemos. A vida havia seguido em frente rápido demais para ela, ou eu que estava absorto há tempo demais nos meus demônios do passado? Tudo ficaria bem algum dia?

***

“Horas, dias, meses que se vão. O passado está presente no mesmo lugar, o futuro está escrito meu irmão. Nunca é tarde demais pra tentar terminar o que começou, dizer o que não disse sem medo. Iria mais além, se você fizesse o mesmo por mim. Não deixaria você, talvez Deus tenha um plano pra mim, bem maior que sonhei, só dou tempo ao tempo, deve estar escrito em algum lugar.”

Dois anos e meio depois:

A minha risada pairou no ar e cessou assim que bati meus olhos nela entrando na varanda da casa dos meus avós, junto com alguns membros da família dela. Eu sabia que meus avós a haviam convidado para o dia de Ação de Graças, juntamente com sua família, é claro, que era basicamente parte da minha família, e eu claro não me opus, e não me importei com isso momento algum, até porque gosto muito da família dela; eles cuidavam e gostavam dos meus avôs como se fossem filhos deles. Mas eu não achei que ela fosse aceitar o convite, achei que nunca mais nos veríamos.

Quase três anos haviam se passado desde que vi pela última vez, feliz e realizada na UCLA, com o novo namorado, ou ficante, não sei. Enfim, faziam quase três anos desde que a vi seguindo a vida feliz, e desde lá eu também segui a minha. Arrumei uma namorada, que durou alguns meses, continuei meu curso, assumi a administração de mais uma das lojas dos meus avós, conheci mais gente e fiz mais amigos. Entrei para uma banda, comecei a compor, terminei meu curso… Eu estava bem, e estava feliz. Mas ela ainda me perseguia, eu ainda sonhava com ela a maioria das noites. Contudo, felizmente, não me sentia mais preso a ela. Mas eu ainda tinha algumas coisas dela presas a mim.

Me levantei da cadeira em que estava sentado, ao lado de meu avô, e comecei a cumprimentar a família dela, e eles não pareciam nenhum pouco surpresos por me verem ali; afinal de contas, era óbvio que eu estaria ali. Eles me tratavam com o mesmo carinho de sempre, e eu também; afinal de contas, eles eram quase minha família também. Até que ela se aproximou de nós, e abraçou meu avô. Foi um abraço demorado, e eu pude ver todo o carinho que meu avô depositava naquele abraço. Engoli seco quando ela se posicionou frente a mim.

- ! Quanto tempo! Eu não esperava você aqui! - ela ergueu uma das mãos em minha direção.
Engoli seco outra vez e baixei o olhar para mão dela.
- Não me esperava aqui? Eu que deveria te dizer isso!

Nossa pele parecia não ser mais compatível, pois fomos surpreendidos com um choque assim que nossas mãos se tocaram, e todos se calaram com o breve grito que ecoou da garganta de . Nos olhamos, com os olhos arregalados, assustados. Silêncio. Nós ainda nos olhávamos, assustados, meio perdidos, entendo o sinal que o destino quis nos dar.

- Me desculpe! - ela disse.
- Pelo choque ou por todos esses anos?
- ! - meu avô me cutucou com o cotovelo.
- Tudo bem, vô! - ela chamava meu avô de quando namorávamos, mas eu achei que ela havia se esquecido disso - Será que podemos conversar então? Ou você quer jogar toda sua raiva para fora aqui na frente de todo mundo?

Eu gargalhei e meu avô me cutucou novamente. Todos estavam agora tentando disfarçar e fingir que não estavam tensos, então eu balancei a cabeça. Caminhei em direção à sala, e pude ouvir o barulho dos saltos dela atrás de mim.

- Como estão as coisas?
- Como estão as coisas para você? Você quer mesmo saber como eu estou, ?
- Claro que eu quero! Antes de você cuspir toda sua mágoa, quero pelo menos saber se deu tudo certo! Como é Michigan? Como era a UM?
- Michigan é linda! Tem a sua cara! Bom, tem a cara da que eu conhecia, da que eu achava que você era!
- Você acha que eu era uma mentira? Que nós fomos uma mentira, não acha?
- Acho! - eu assenti - Acho sim!
- Você foi o grande amor da minha vida, ! O meu primeiro beijo, meu primeiro sexo, minha primeira paixão, o meu primeiro amor! E eu nunca menti sobre te amar! Nem se eu quisesse, eu teria conseguido! Você era tudo o que eu tinha!
- Você também era! A diferença é que você continuou sendo tudo o que eu tinha por anos! Enquanto que eu não. Eu fui pra Califórnia há três anos atrás, e vi você na UCLA, você, seus amigos e seu namorado. Te vi feliz, cercada de gente que você julgava serem fúteis, te vi com outra pessoa, sendo amada e amando. Percebi que estava perdido quando todos estavam seguindo suas vidas, inclusive você; eu era a única pessoa que tinha parado de viver.

me encarou nos olhos e vi que seus olhos marejaram.

- Nosso amor era uma dança, e eu não sabia acompanhar o seu ritmo. Por isso nossa valsa acabou, .
Ela limpou algumas lágrimas que agora desciam.
- Você perguntou como é lá. Bom, me ouça com atenção então…

Eu raspei a garganta sentindo vontade chorar, dei alguns passos até ficar frente a ela. Ergui uma de minhas mãos e acariciei sua bochecha levemente, enquanto eu sorria, nervoso. Foi a minha vez de derramar uma lágrima teimosa, que desceu sem a minha permissão.

- Normalmente faz frio em Michigan, toda noite. E de longe eu não posso te ver, então me perco em pensamentos de um passado que há muito tempo eu quero esquecer. Eu só quero falar que ao teu lado eu tava errado, eu nunca conseguia viver. Mas só eu sei de você. - eu pausei enquanto sentia mais lágrimas descerem - Eu volto há tanto tempo e cada vez parece que o meu tempo não passou. Eu não encontro nada que me dê motivos outra vez para procurar o que sobrou. Eu vivo condenado e sem saída, de um passado que parece não ter fim. Você não sabe de mim. Só não queria ter dito adeus, é que eu tinha tanto para contar. Só não queria perder o que sempre foi meu, pois eu sei que não há alguém que possa te amar mais do que eu. Não há alguém que possa nos salvar.

Eu voltei a acariciar sua bochecha enquanto ela segurava meu braço com delicadeza.

- Eu sei que você sente muita raiva de mim! E que seria muito egoísmo da minha parte para pedir que nunca me esquecesse! Mas eu espero que você me esqueça e siga a sua vida! Eu amo você, e sempre vou amar, mas hoje é como um irmão! Eu sempre vou ter você presente nos meus pensamentos e na minha vida! Mas nós dois… como eu queria que entre a gente, tudo tivesse sido diferente! E que não tivesse sido um enigma de palavras que nunca me disseram nada!
- Como você pretende passar a vida inteira, como se nada tivesse acontecido? Fingindo que nós dois nunca fomos nada, ou que sempre deveríamos ter sido só amigos, irmãos? Como você pretende apagar todas as evidências? Como se fosse fácil se perder no mar, guardar o nosso amor na areia, como se fosse uma coisa qualquer!
- Não foi isso que eu quis dizer! - ela balançou a cabeça quando soltei seu rosto - Você e eu teríamos sobrevivido por quanto tempo? Será que teríamos nos casado? E se o tempo eventualmente nos separasse? E se o nosso destino fosse desde o começo sermos só amigos, farol um para o outro? Eu não quero te esquecer, e, não, o que tivemos não foi uma coisa qualquer! Eu pensei todos os dias durante anos em você, em Michigan, em nós!
- Eu não sei! Também me perguntei isso por meses! Mas eu gostaria de ter arriscado.
Ela abaixou a cabeça, mas eu a segurei pelo queixo e s ergui.
- Eu já disse tudo o que eu tinha pra dizer! Quer saber mais alguma coisa?
- Podemos pelo menos ser amigos? Por nossas famílias, e por mim!
- Um dia, quem sabe! Hoje eu não sei se consigo te olhar como uma amiga, ou irmã. Hoje eu só consigo pensar em como as coisas deram tão errado para gente a ponto de me fazerem ficar tão preso num passado que não volta nunca mais. Eu não estou preparado para olhar para você e não sentir nada. Não que eu ainda ame você, mas eu também não posso fingir que você não ocupa meus pensamentos e meus sonhos, ou pesadelos! Eu ainda tenho muita mágoa!
- Eu sei! - ela engoliu seco - Tem uma frase que você disse, que fica ecoando na minha cabeça, eu nunca esqueci!
- E eu posso saber qual? - arrisquei esboçar um sorriso, sem mostrar os dentes.
- Você disse: abriria mão de tudo, se você fizesse o mesmo por mim!
- Hoje, você faria o mesmo por mim?
balançou a cabeça em negativa, enquanto mais algumas lágrimas desciam por sua face. Eu assenti com a cabeça, já esperando.
- Eu não deixaria você. Talvez Deus tenha um plano pra mim, bem maior que sonhei, só dou tempo ao tempo. Deve estar escrito em algum lugar.
Depositei um beijo demorado em sua testa e voltei para a varanda. Sentei-me novamente ao lado do meu avô em silêncio. Tomei um gole da minha cerveja e fechei meus olhos. Só dou tempo ao tempo, deve estar escrito em algum lugar.


Fim



Nota da autora: Oieee! Espero que tenham gostado! Qualquer coisa me chama no twitter que eu tenho mais de 20 fanfics no site!





Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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