Capítulo Único
tinha chegado muito bem aos setenta e três anos. Os médicos haviam ficado muito impressionados com os resultados de seus exames, no último check up anual, e ela ainda se sentia disposta, lúcida e animada, a ponto de ter começado a escrever um novo romance, alguns meses antes. Amor e exílio seria um livro de ficção, como todos os outros que a haviam tornado uma escritora conhecida e até mesmo estudada em escolas e faculdades. No entanto, quem a conhecesse bem seria facilmente capaz de identificar alguns dados autobiográficos.
também tinha chegado bem aos setenta e três anos. Comemorara com a esposa, filhos e netos, além de amigos de longa data, em um de seus restaurantes favoritos, o Nova Capela, no bairro da Lapa.
Porém, desde então, já haviam se passado mais sete anos e, em seu aniversário de oitenta, ele não tinha entendido bem o que estava sendo comemorado e nem reconhecera boa parte das pessoas.
Poucos meses antes, começara a usar aparelho auditivo e precisava dele para ouvir as músicas das quais tanto gostava. Aquele que tinha sido sempre atlético e um exímio dançarino, agora caminhava devagar e ia apenas do quarto para sua poltrona cativa na sala de estar, que servia também de escritório para a esposa, sempre desejosa de se manter o mais perto possível dele.
Nara era a filha mais velha dos dois e vivia preocupada com ambos. Naquela tarde, estava visitando o casal e, quando o pai acordou da sesta e apareceu na sala usando apenas cueca samba canção e meias (uma de cada cor, ainda por cima!), olhou para a mãe com seu semblante de desaprovação característico, ficando ainda mais irritada ao ver rir da cena.
— Quantas vezes eu vou precisar insistir pra que você coloque o papai em uma casa de repouso, mãe? — Nara perguntou, impaciente.
— Seria menos cansativo para você, se parasse de perguntar, meu bem — aconselhou . — A minha resposta não vai mudar.
— Você não percebe que não tem mais condições de ficar com ele em casa? Pelo amor de Deus! Se ainda fossem só as meias, tudo bem, mas ele nem nos reconhece! Acha que você ainda tem uns trinta e poucos anos, e que a vovó pode chegar a qualquer momento e te pegar fumando!
Realmente, por causa do velho alemão (era assim que os netos adolescentes de se referiam ao mal de alzheimer, com o qual ele havia sido diagnosticado), ele se esquecera que havia parado de fumar nos anos oitenta, que a sogra dele tinha falecido havia quase três décadas e até que ele e a esposa tinham filhos e netos. Às vezes ainda achava que estava exilado em Londres, esperando que a situação melhorasse no Brasil. Outras, brigava com , pedindo que ela não se envolvesse na luta armada.
— Eu tenho total condição de cuidar do seu pai, aqui mesmo, na casa que escolhemos juntos, onde criamos você e o seu irmão, e onde vivemos os melhores anos das nossas vidas! — A mãe assegurou, resoluta. — É aqui que ele merece passar os últimos dias dele e ponto final, Narinha!
voltou sua atenção para o neto, que a estava ajudando a entender o Instagram, no qual ela criara um perfil, a pedido de seu editor. Nara pegou um livro na estante e tentou se distrair com alguma coisa. Ela entendia o desejo da mãe de ficar perto do marido, mas achava que ela, também já não sendo nenhuma garota, estava sobrecarregada, cansada e apenas não admitia. Isso a deixava nervosa e temerosa de que a saúde da mãe pudesse se deteriorar rapidamente, se ela continuasse se exigindo tanto, como tinha acontecido no caso de .
Era uma preocupação legítima, que o resto da família e muitos amigos de também tinham, mas somente Nara ainda insistia em falar sobre casa de repouso ou mesmo a respeito de contratarem uma cuidadora.
A não ser que se tornasse fisicamente incapaz de lidar com , fazia questão de ser a pessoa que estaria lá para ele, sempre que precisasse de qualquer coisa.
Ele podia estar velho, enrugado, com ralos cabelos grisalhos e um pouco louco, mas ela ainda o achava o homem mais bonito que já havia conhecido, e se sentia tão apaixonada por ele quanto aos vinte (quando era uma paixão proibida e ela não podia imaginar o que o futuro reservava).
Eles tinham vivido tanta coisa! Ela simplesmente não podia imaginar não cuidar dele, como ele cuidara dela quando ela mais precisara!
Ele tinha feito dela a mulher mais feliz do mundo e ela precisava garantir que ele ainda pudesse se sentir confortável e feliz, de algum modo.
Ele a tinha salvado, de muitas maneiras…
Quando viu pela primeira vez, ela tinha apenas onze anos de idade e estava visitando a tia e os primos, na casa deles, na Tijuca.
tinha se mudado, alguns meses antes, para a vila onde a família da tia de morava, e fizera amizade com Berenice, a prima dela de dezessete anos. Ele aparecera para mostrar um disco do Elvis que havia ganhado em seu aniversário. Acabara de fazer dezoito e fora presenteado com um carro, pelo pai, mas seu presente favorito tinha sido o vinil cheio de rock n’ roll dado por um tio.
Nicinha colocou o disco na vitrola (baixinho, para não atrapalhar a conversa das adultas) e ela e se sentaram no sofá, prestando atenção a cada palavra de Presley. nem reparou no amigo da prima, mais interessada em aproveitar para brincar com o primo Pedro e seus carrinhos, afinal na casa dela só havia bonecas e outros brinquedos considerados apropriados para meninas.
— A filha da Janete vai casar no final do ano. Foi pedida em casamento naquela viagem de navio que ela fez com a família toda do rapaz. Lembra? — A mãe de perguntou, entre um pedaço e outro do bolo de milho, e um gole e outro do café que a irmã dela servira, na sala de jantar.
— É aquele menino da marinha, né?
— Esse mesmo. Um partidão! — Confirmou, colocando a mão na frente da boca, porque estava mastigando, ao mesmo tempo. — E ainda pediu para os músicos do navio tocarem a mesma música que estava tocando no baile em que eles se conheceram, quando ele tirou ela pra dançar! E a aliança, menina: grossa assim! — Completou, fazendo um sinal exagerado com os dedos.
— A Tininha também foi pedida em casamento. Antes, ela recebeu um buquê, com uma dúzia de rosas cada um, para cada hora do dia. E, à noite, o Odair chegou com mais um buquê enorme e fez uma serenata! Você acredita?
— Moças de sorte!
— Se Deus quiser, as nossas meninas vão ter tudo isso também. São duas joias — afirmou, observando e Nicinha, mas no fundo não sabia muito bem se pensava mesmo isso (ou se queria que fosse assim!).
A década de cinquenta estava chegando ao fim, mas ainda era uma época de muito romantismo, em que um homem sempre abria as portas para uma mulher, fazia questão de pagar as contas e tratava aquela que estava ao lado dele de um jeito tão especial, que a fazia sentir a coisa mais preciosa do mundo inteiro!
As pessoas frequentavam bailes em que se dançava de rosto colado, os rapazes faziam declarações de amor e às vezes até recitavam poesias, mas cada vez ficava mais claro que isso tudo tinha um preço muito alto.
Os casamentos costumavam ser até que a morte separasse o casal. Porém isso acontecia às custas de total submissão da mulher ao marido. As traições masculinas eram ignoradas pois o importante não era ser feliz, mas parecer feliz. As aparências deviam ser preservadas.
E foi em razão dessa visão de mundo alicerçada não no amor, no respeito ou na afeição, mas na hipocrisia, que acabou se tornando marido de Nicinha, menos de um ano depois, quando a garota ficou grávida, sem nem mesmo ter terminado o curso normal no Instituto de Educação.
era muito nova e não sabia da motivação do enlace do casal. No dia da cerimônia, ela achou que a noiva parecia mais nervosa que alegre, mas considerou que isso devia ser algo normal, considerando todas as mudanças. E, quanto a , ela só conseguia pensar que, vestido com seu uniforme de gala (ele tinha terminado o clássico no Colégio Militar e ingressara em uma Academia de Formação de Oficiais), era exatamente como ela imaginava os príncipes dos contos de fada que crescera lendo.
Depois disso, quase não vira , por um bom tempo. A própria Nicinha não ia muito aos eventos da família e, quando aparecia, era acompanhada quase sempre apenas pelo filho.
Seu primeiro contato realmente mais próximo com ele foi em sua própria festa de formatura do Colégio São Paulo, em Ipanema.
Ela nem queria comparecer ao baile. Achava que isso estava ficando fora de moda. Alguns de seus colegas tinham ido para um sítio em Itaipava, onde ela também preferia estar, mas seus pais tinham feito questão não só de ir ao evento, como também de convidar toda a família e alguns amigos.
Sem a presença das pessoas que tinham sido mais próximas dela, nos últimos anos de escola, estava sentada à mesa, rodeada dos adultos, apenas se enchendo dos salgadinhos que eram servidos, sem nem mesmo poder tomar uma cerveja em público, por ainda ser menor de idade.
— , dança um pouco com a , meu bem — a prima sugeriu, de repente, tendo percebido o estado de (des)ânimo da garota. Ela ficou bastante sem jeito, mas, vendo que ele se levantou de imediato, não parecendo nem um pouco contrariado ou constrangido, aceitou.
A orquestra estava tocando uma versão instrumental de When I fall in love, uma balada gravada alguns anos antes por Nat King Cole. Era uma música muito romântica para se dançar com alguém tão bonito, quando ele era consideravelmente mais velho e comprometido (e, ainda por cima, com ninguém menos que uma pessoa da família!). No entanto, ele não deixou que nenhum clima tenso se instalasse (talvez por sua total falta de consciência do que ela achava dele), puxando assunto com naturalidade.
— E agora que acabou a escola? Quais são os planos? — Perguntou ele à menina, enquanto a conduzia pelo salão.
— O que eu queria mesmo era passar um tempo fora do Btasil, sabe? Conhecer outros países, outras culturas, de verdade, e não só pontos turísticos, como os que eu visito quando viajo com meus pais. Só que eles acham que garota de família não viaja sozinha. Disseram que nem pensar!
— E você é muito nova, não acha?
— Eu faço dezoito, esse ano ainda. Não teria problema nenhum! Mas o fato é que não teve jeito. Tava fora de questão — disse, revirando os olhos. — Então eu vou fazer o vestibular, no mês que vem. Quero cursar Letras, na PUC. Até isso foi difícil, porque pra eles o certo mesmo era eu arrumar o que eles chamam de um bom partido e me casar, ainda bem nova... mas aí quem disse “nem pensar” fui eu, né? Imagina deixar de depender de pai pra depender de marido! Não ter nem uma profissão? O mundo mudou! A gente tá no século vinte, afinal de contas.
— Com isso eu concordo. É importante você ter uma formação, sim — ele falou, sentindo até um pouco de inveja.
Tendo se casado tão cedo, tivera que abandonar os estudos. Não seguira a carreira militar, como queria a mãe dele, e nem se formara em Direito, como sonhava. Fora trabalhar com o pai, que tinha duas lojas de tecido na Tijuca e o colocou para gerenciar uma delas.
Graças a um tino comercial que nem ele mesmo imaginava que tinha, eles haviam dobrado o número de lojas, nos últimos anos, e ele passara a trabalhar junto ao pai, no escritório, administrando tudo. Tinha um ótimo salário, que lhe possibilitara comprar um apartamento de dois quartos em Copacabana, dando mais conforto à família que formara, mas isso significava trabalhar muito e não ter qualquer esperança de voltar à sala de aula.
Nicinha tinha conseguido terminar o curso normal, mesmo grávida, porém nunca tinha exercido o magistério. Havia se dedicado apenas ao filho, desde seu nascimento. sabia que ela também não desejara esse destino e que pensara não só em ser professora de algum colégio, como em continuar estudando para alçar voos maiores.
Ouvir dizendo que pretendia cursar Letras na PUC deu a ele uma ideia, que considerou genial: ele fez de sua missão, nas semanas seguintes, convencer Berenice de que ela deveria fazer o vestibular e se juntar à prima. Afinal, ele tinha condição de pagar o curso e uma empregada, e Edinho não precisava de sua presença vinte e quatro horas por dia.
Foi assim que e Nicinha, que em razão da diferença de idade jamais haviam sido realmente próximas, passaram a conviver bastante e se tornaram amigas.
Todos os trabalhos em grupo elas faziam juntas, além de se ajudarem no estudo para as provas. Quando saíam da aula, normalmente iam direto para a casa de Nicinha, onde almoçava e passava a tarde, conversando com a prima, ouvindo música, brincando com Edinho, lendo… Muitas vezes, acabava ficava também para jantar com toda a família.
— Não fica chato eu ficar pra jantar de novo? — Perguntava, quase sempre, meio sem jeito. — O pode se incomodar, prima.
— Relaxa, ! Ele gosta da sua companhia — assegurava Berenice, e sempre acabava ficando mesmo. Era muito mais agradável jantar com eles do que com seus pais!
— Me falaram que aquela cantora baiana que substituiu a Nara no Opinião é ótima! Maria Bethânia o nome dela. Eu to doido para ir ver, e a Nice já aceitou. Você acompanha a gente, ? — indagou , durante um dos jantares.
— Claro! Eu adoro um show — Ela respondeu, contente. Pelo jeito, ele realmente apreciava sua presença, ou não precisaria ter falado no assunto durante a refeição e tê-la convidado. — Mas eu confesso que to surpresa, viu? Eu achava que seu negócio era rock n’ roll.
— E eu continuo adorando rock, mas a gente também tem que valorizar o que tem de bom por aqui, não é? Bossa nova, por exemplo, é uma coisa maravilhosa!
— Exatamente, prima! O é muito eclético! Até pra roda de samba lá no Opinião a gente já foi! Não comentei com você? — Questionou Nice.
— Não! E eu nunca poderia imaginar! — comentou, realmente chocada, mas ainda mais animada. — Mas, se vocês gostam de samba, a gente também precisa marcar de ir a uma quadra de escola de samba. Aquela minha amiga Lavínia, que estudava na Aliança Francesa comigo, me disse que nunca se divertiu tanto!
— A gente pode ir à Mangueira — sugeriu , também empolgado. — Tem um funcionário lá do escritório que toca na bateria...
Logo eles realmente foram ao show e à quadra da Verde e Rosa, e foram apenas as primeiras de muitas saídas do trio. E, quando tinha que trabalhar ou estava cansado de mais para sair, e Nicinha iam juntas ao Teatro de Arena, ao Cine Paissandu, a saraus na casa de colegas da faculdade… eram, enfim, inseparáveis!
Foi assim durante todo o primeiro ano da faculdade e estranhou um pouco, quando voltou da viagem que fez para os Estados Unidos nas férias de verão, com os pais, e encontrou Nicinha cheia de compromissos que não a incluíam. Ela ainda estudava bastante com a prima, era convidada para os jantares em família e continuava companheira do casal nas rodas de samba, shows e peças de teatro. No entanto Berenice tinha sempre algo a fazer à tarde, como visitas à modista, reuniões escolares, curso de datilografia e outras coisas estranhas, e desconversava todas as vezes em que mencionava a possibilidade de acompanhá-la.
imaginou que ela provavelmente tinha feito amizade com mães de colegas de Edinho e que disfarçava por não querer dizer-lhe diretamente que ela não se encaixaria nos programas e conversas de um grupo de donas de casa com maridos, filhos e preocupações que ela não tinha. Procurou não se chatear, porque a prima continuava a mesma amiga de sempre, quando estavam juntas. Parecia ainda mais animada, na verdade, e ela não poderia se sentir mal com a alegria de uma pessoa de quem gostava tanto!
Além disso, ela também tinha outras companhias e interesses.
Havia conhecido, nos corredores da faculdade, um grupo de alunos de sociologia e jornalismo, fizera amizade com eles e, em razão das conversas que tinham, estava começando a enxergar o mundo – e principalmente o que acontecia no país – de uma maneira nova.
Tinha começado a acompanhá-los a encontros do movimento estudantil, em que se falava não somente sobre a situação do ensino superior no Brasil, como também sobre o governo dos militares e a necessidade de lutarem contra suas arbitrariedades.
Foi justamente quando saía da casa de uma dessas meninas, depois de terem ido a uma reunião na Faculdade Nacional de Medicina, que entendeu o que estava acontecendo com Nicinha.
Antes de entrar em um carro, parado a poucos metros da portaria do prédio de onde ela saía, viu a prima beijar um rapaz que ela não conhecia e dar uma risada gostosa, por causa de alguma coisa que ele lhe disse ao pé do ouvido. Ficou então paralisada, sem saber o que fazer, e também testemunhou o semblante de Berenice mudar quando, já no carro em movimento, percebeu que a observava, absolutamente chocada.
Pouco depois de voltar para casa, recebeu um telefonema da prima, pedindo que ela fosse até seu apartamento, se possível ainda naquela noite.
Nice abriu a porta e elas trocaram beijos no rosto, como sempre faziam, mas a aparência dela era tensa. Não havia sorriso em seu rosto, como estava acostumada a ver, e sim um olhar que entregava seu constrangimento.
— Eu queria conversar com você sobre hoje à tarde — ela disse, depois que se acomodaram na sala de estar.
— Prima, você não tem obrigação de me explicar nada. Você pode ficar tranquila, que eu não vou falar nada…
— Eu sei. Eu tenho certeza! Mas... eu quero te contar tudo — afirmou, levantando do sofá para se servir de uma bebida.
aceitou uma dose de uísque, pois ela mesma também estava nervosa com a situação. A prima esvaziou o copo todo e começou a falar, andando pela sala, sem coragem de encará-la.
— O nome dele é Nelson. A gente se conheceu na praia, no começo de janeiro. Eu tinha ido com a Idalina, mas ela não ficou muito, por causa do Cirino, e eu tava achando o sol tão maravilhoso! —Comentou, como se quisesse se justificar até por ter possibilitado tal encontro. — Então ele apareceu e me perguntou se eu podia olhar as coisas dele, enquanto ele dava um mergulho. Depois, voltou do mar e perguntou se podia se sentar um pouco. Falou sobre o calor, a água gelada… Falou do carnaval e da vontade de tomar uma cerveja… E a gente conversou sobre sei lá mais o que, por horas e horas! Trocamos telefone e ele ligou, já no dia seguinte. Me convidou pra sair, mas eu falei que era casada. Só que ele insistiu e nós saímos, como amigos, umas três… não, acho que quatro vezes. Até que eu me apaixonei. Perdidamente! E eu mesma tomei a iniciativa.
Nice voltou a se sentar no sofá e segurou as mãos de , olhando bem nos olhos dela, como se quisesse que a prima comprovasse a veracidade de sua declaração.
— Eu não me sentia assim, desde que eu tinha dezessete anos!
— Nice, meu bem… — não sabia o que dizer, então reafirmou que a prima não lhe devia explicações. — Além do mais, eu não tenho direito de te julgar! Ainda mais eu, que não sei como é um casamento… que nunca tive nem um namorado! Eu só fiquei surpresa, porque sempre achei que você e o se davam super bem, e com um pouco de pena por ele, mas…
— O sabe, — Nice afirmou, o que surpreendeu ainda mais a amiga, como ela imaginava que aconteceria.
— Sabe?
— De tudo — declarou, séria. — Eu quis conversar com você justamente por isso. Você é nossa melhor amiga! Faz parte das nossas vidas. Já tá mais do que na hora de você saber que a gente não tem um casamento de verdade. Nós nunca tivemos realmente um relacionamento, a não ser uma grande… enorme amizade!
— Mas vocês tem um filho. Foi… uma coisa de momento?
— … — ela respirou fundo. Aquela parte era a mais difícil de revelar. — O Edinho não é filho do . Ele é filho de um namorado que eu tive, que estudava com o no colégio militar. Depois que eu contei pra ele que eu tava grávida, a família dele toda se mudou pra Brasília, me deixando aqui, totalmente desesperada! O se sentiu culpado por ter me apresentado a ele e por ter dado cobertura pros nossos encontros, então ele disse que se casaria comigo e assumiria o meu filho. É claro que eu achei uma loucura, no início, mas eu não tinha opções.
— Meu Deus! — não sabia se era possível alguém ficar mais atônita nessa vida, com qualquer coisa que fosse, do que ela estava com a história de Nice. — Ele deve te amar muito pra se oferecer pra um sacrifício tão grande!
— Ele me ama, sim, mas não desse jeito que você tá imaginando. A gente até tentou ter alguma coisa, depois que já estávamos casados e eu tinha saído do resguardo, mas não tinha… liga, sabe? Nós dois acabamos às gargalhadas e concordamos em deixar pra lá. E ele ficou muito feliz por mim, quando eu conheci o Nelson, para alguém que tivesse qualquer sentimento desse tipo.
— Por que vocês vivem assim, prima? Por que não se separam? — Indagou, confusa.
— Ah, prima! — Nice disse, em tom de lamento. — Eu acho que você ainda é muito nova e cheia de ilusões! A gente não se separa pelo mesmo motivo que levou a gente a se casar: o que teria sido de mim, como mãe solteira? E do meu filho, como um filho de mãe solteira? E o que seria de mim e do Edinho agora, se eu me tornasse uma desquitada?
— Seria pior do que não poder viver a sua vida? — uestionou de novo à outra, alarmada.
— Você se lembra da tia Aderlene? — Nice rebateu com uma nova pergunta, que respondeu positivamente, apesar de não ter sido capaz de entender que relação poderia ter com sua própria pergunta. — A sua mãe também te falou que ela foi morar no Pará, alguns anos atrás, por causa de uma transferência do marido?
— Falou, sim. Por quê?
— Porque ela mora no Grajaú, com a filha mais velha, que se casou recentemente, e não no Pará. Quando recebemos o convite de casamento da filha dela, a minha mãe me disse que da parte dela eles iam receber um presentinho e olhe lá! Confessou que se afastou da própria irmã porque ela não soube manter o marido… se separou só porque ele tinha um filho fora do casamento! “Um verdadeiro disparate!” — Finalizou, imitando a própria mãe, no modo de falar altivo e nos gestos exagerados.
não precisou de mais nada para entender do que a prima estava falando. Lamentou o destino dela… e também o de , que tinha mergulhado em um casamento até que a morte os separasse, apenas para não deixar a melhor amiga em desamparo.
Nicinha parecia estar feliz com o rapaz que havia conhecido, mas viver fazendo as coisas às escondidas devia ser no fundo muito triste.
, pelo que Berenice deu a entender, tinha seus casos também. E talvez precisasse ter menos cautela, visto que no caso dos homens os relacionamentos extraconjugais eram considerados normais, mas, ainda assim, ela não pode deixar de se perguntar se, de vez em quando, ele não lamentava não ter um casamento verdadeiro e filhos que fossem frutos de um amor compartilhado.
Sua admiração por ele só cresceu naquele momento, e sua cumplicidade com a prima também.
Infelizmente, além de clandestinos, os amores proibidos também tendem a ser fugazes e, se o verão de 1966 tinha colocado Nelson na vida de Berenice, o de 1967 o levou embora, quando ele conheceu uma moça em um baile de Reveillon e começou a namorar firme. foi a primeira pessoa que a prima procurou para desabafar, assim como foi a primeira a saber quando ela conheceu outro homem e começou um novo affair.
Ela não estava perdidamente apaixonada por ele – nem por outros que vieram depois – mas tinha se acostumado a prazeres que o casamento era incapaz de oferecer, e sem a paixão para lhe diminuir o discernimento tinha aprendido inclusive como ser mais cuidadosa, para não ser mais flagrada, como tinha sido pela amiga.
compreendia Nice e só lamentava um pouco não passarem tanto tempo juntas, como no início da faculdade. Às vezes, sentia falta de ter um lugar para onde ir no meio das tardes que acabava passando em casa com a mãe, com quem tinha uma relação cada vez mais fria. Percebera que seus pais viviam de aparência (ele inclusive tinha uma amante e ela sabia!), que a mãe era extremamente fútil e o pai favorável ao regime ditatorial que ela desprezava, e começara a achar insuportável cada minuto sob o mesmo teto que eles.
Seus melhores momentos eram os jantares com e Nice, durante a semana, e os programas que faziam juntos, todos os sábados. Até que em um deles houve um desencontro que transformou tudo!
— Meu Deus, ! Você tá ensopada! — observou, enquanto a água que escorria do vestido dela formava uma pequena poça no hall de entrada do apartamento dele.
— Eu vim andando de casa pra cá e a chuva me pegou totalmente de surpresa! — Ela respondeu, rindo de seu próprio estado.
— Pegou a Nicinha de surpresa também. Ela foi levar o Edinho pra casa da mãe dela, porque a gente tá sem babá hoje, e ficou presa lá na Tijuca. Acabou de ligar, avisando. Lá no banhiero tem toalhas, na prateleira mais alta. Vai se secando que eu vou pegar uma roupa dela pra você.
agradeceu e fez o que ele havia sugerido. Depois se juntou a ele na sala, para esperar que a chuva diminuísse.
— Acho que, do jeito que tá, a ideia de ir jantar e dançar, no terraço do Hotel Miramar, já era — ele comentou e ela assentiu.
— Pior foi pra coitada da Nicinha! Jantar com a tia Odete não é algo que ninguém possa invejar — sentenciou e ele, que já tinha comprovado isso havia alguns anos, riu.
— Você tá com fome? Eu posso improvisar alguma coisa…
— Só se você me deixar ajudar.
A chuva não deu trégua por algumas horas e não deixou se arriscar a pegar um táxi de Copacabana para o Leblon, por mais que ficasse perto.
Depois de comerem, ele abriu uma cerveja e ligou a vitrola. Ficaram sentados no sofá, bebendo e conversando, principalmente sobre arte, uma das maiores paixões de ambos. Tetro, cinema, música, literatura, pintura… Era tão raro para encontrar outras pessoas que se interessassem por tudo isso, como ela! Até mesmo na faculdade de Letras, por incrível que pudesse parecer.
— Eu posso escolher? — Ela perguntou, quando o disco que ouviam acabou e ele disse que iria colocar outro. Pôs o álbum mais recente de Roberto Carlos e cantarolou a primeira música, mas logo eles voltaram a conversar, até ficarem em silêncio para ouvir Nossa canção, uma das músicas favoritas dela.
Ela fechou os olhos, se deixando levar pela melodia e a letra, e ele, sem perceber, se deixou levar por ela. Ele a encarava quando ela abriu os olhos e continuou encarando. sustentou seu olhar e eles se viram em um momento louco, como se tivessem sido envolvidos por uma bolha, tudo tivesse desaparecido do mundo, e só existissem os dois e o Rei, hipnotizando ambos com sua voz.
foi quem se aproximou, colando os lábios nos dele. Ele segurou o rosto dela com delicadeza e firmeza ao mesmo tempo, enquanto retribuía o beijo. Porém, em pouco tempo, se afastou como se tivesse sido arrancado de um transe.
— Me desculpa, — pediu, em tom suave, levantando-se para se afastar e conseguir recobrar a razão.
— Eu acho que a pior coisa que alguém pode fazer, depois de um beijo, é pedir desculpas, sabe? — Respondeu ela, magoada.
— Eu sei, mas é que…
— Eu sou só uma menina — foi tirando conclusões e isso o incomodou, fazendo com que voltasse a se sentar perto dela, olhando em seus olhos e segurando suas mãos.
— Não é isso, . Eu te conheci muito garota mesmo, mas não é isso — repetiu. — Você se tornou uma mulher linda, inteligente, cheia de senso de humor… íntegra! Qualquer homem que ficar com você vai ter muita, muita sorte! E é justamente por isso que eu não posso ficar te beijando assim, e agindo de forma inconsequente! Eu sei que você sabe que eu e a sua prima não temos uma relação de homem e mulher, e que ela te disse que cada um de nós é livre pra viver sua própria vida, mas… não é bem assim. Aos olhos de todo mundo, a gente é casado. Nem as nossas famílias sabem a verdade! Qualquer relação que eu tenha com qualquer pessoa vai ser sempre em segredo… sempre às escondidas. Eu não tenho nada de bom a oferecer a uma mulher, sendo um homem casado! E você não merece ficar beijando ninguém às escondidas, e sim um cara que ande de mãos dadas por aí com você, conte pra todo mundo o quanto te ama e coloque uma aliança no seu dedo. Por mais careta que você ache isso, tá? — Finalizou, sorrindo, porque sabia que ela estava se controlando para não revirar os olhos com aquele papo de aliança.
— Foi só um beijo, — ela falou, fingindo indiferença, porque era a única coisa a fazer. Ele tinha razão! Não com relação à aliança, mas ele estava sendo correto em não querer ter com ela qualquer tipo de interação que não fosse a de um amigo. Então ela deu um sorriso sincero, por mais que parte dela estivesse triste. Afinal a outra parte não podia deixar de admirar a pessoa que ele era!
Para não deixar um clima ruim, ela se serviu de mais um pouco de cerveja e só se despediu quando a garrafa acabou. Ele insistiu em levá-la de carro até o prédio em que ela morava, e aceitou porque afinal era isso que teria feito em qualquer outro momento.
Depois disso, ela ainda tentou se convencer de que nada precisava mudar. Jantou e saiu algumas vezes com o casal, como sempre. No entanto, não se sentia mais tão à vontade com , como antes, e começou a sofrer ao vê-lo, depois de se confrontar com a inevitável conclusão de que para ela o beijo não tinha sido algo de momento: ela estava apaixonada por ele!
Por mais que o casamento dele com Berenice não fosse totalmente verdadeiro, ele já tinha deixado claro que se tratava de um obstáculo intransponível. Sendo assim, nutrir um sentimento como aquele não lhe traria nada de bom, e então ela começou a se afastar, pouco a pouco.
O fato de ter mergulhado ainda mais fundo na luta contra o governo militar e se tornado parte de uma organização de resistência à ditadura, depois de ver o movimento estudantil ser colocado na ilegalidade, acabou facilitando o afastamento. No entanto, era sempre motivo de discussões, quando eles estavam todos juntos, pois o casal se preocupava muito com o futuro (visto que nem as aulas ia com muita frequência) e a segurança dela.
— Como eu posso simplesmente me dedicar aos meus estudos e viver a minha vida, como se nada estivesse acontecendo, gente? — Ela sempre respondia, quando eles tocavam no assunto. — Vocês viram o que eles fizeram na saída da missa? De uma missa, gente! Não foi de uma passeata, não… foi de uma missa de sétimo dia! Uma missa pra rezar por um menino de dezoito anos que eles mataram! Dentro de um restaurante! — Comentou, nervosa, durante uma tarde de domingo.
Estava almoçando com o casal, poucos dias depois da missa que havia sido realizada em abril de 1968, depois da morte do estudando Edson Luís de Lima Souto por um policial, no restaurante Calabouço. Após a celebração, as pessoas que deixavam a igreja tinham sido cercadas e atacadas pela cavalaria da Polícia Militar com golpes de sabre, e ela não tinha se machucado por muito pouco!
— Foi uma violência absurda! E a gente entende você — retorquiu.— A gente sabe da sua vontade de mudar as coisas, e é a nossa vontade também! Mas o que a gente tem visto até agora é só gente sendo presa, nessa luta. O que a gente fica sabendo é de gente sendo torturada… de gente tendo que sair do país! E a gente se preocupa com você! Muito!
— Eu to me cuidando — ela assegurou, com um sorriso amarelo no rosto, fazendo questão de mudar de assunto em seguida.
Aquele ano foi muito difícil para o país, tendo sido, no final, marcado pelo Ato Institucional número 5, que endureceu ainda mais o regime. Pessoalmente, contudo, ele foi ainda pior para e .
Depois de alguns dias sem comparecer à PUC, resolveu assistir a algumas aulas e, para sua surpresa, não encontrou Nicinha. Algumas colegas comentaram que ela já estava faltando havia alguns dias, e logo concluiu que alguma coisa importante tinha acontecido.
Preocupada, foi direto da faculdade para a casa deles e então seu mundo, que já estava aos pedaços, desmoronou de vez: a prima estava com câncer em estágio avançado. Os médicos informaram que as chances de uma melhora eram pequenas, mas que, inda assim, ela poderia escolher se submeter aos tratamentos disponíveis, e foi o que ela fez, lutando até o fim pela própria vida!
deixou de lado todas as suas atividades – trancou a faculdade, que já estava negligenciada, e se distanciou da organização, em que vinha atuando quase diariamente – para ajudar a cuidar da esposa. Infelizmente, a batalha dela só durou alguns meses.
Depois de dar adeus à melhor amiga que tinha, ainda visitou , algumas vezes, ajudando com Edinho e tentando confortá-lo. Contudo, quando o percebeu menos abatido, mais falante e se cuidando mais, voltou à organização e diminuiu o contato.
A proximidade com ele não lhe fazia bem. Continuava apaixonada, mas não podia se admitir tendo nenhuma esperança de um relacionamento com ele, pois isso significava tirar proveito da morte de uma das pessoas que ela mais amava no mundo!
Além do mais, a organização precisava dela! Depois do AI-5 as coisas tinham piorado demais! A repressão estava cada vez mais violenta. A célula de que fazia parte já tinha mudado de aparelho quatro vezes em menos de seis meses, em razão da prisão de algum membro que podia, torturado, acabar entregando o endereço do local.
Ao invés de continuar apenas pichando, entregando panfletos e organizando protestos, era preciso ir além e se armar. Para isso, precisavam de recursos e a própria participou de dois assaltos a banco. Outros grupos começaram a realizar ações mais ousadas, como os sequestros do embaixador norte-americano e do cônsul-geral japonês.
também não a procurou, pois se sentia da mesma forma. Descobrira que a amava algum tempo antes do beijo, mas, mesmo agora que era viúvo, não parecia certo se entregar. Ele podia não ter amado Nice daquela mesma maneira, mas tinham vivido por anos sob o mesmo tempo, criado um filho… ele ainda estava de luto e precisava de um tempo sozinho.
Talvez um dia…
E esse dia chegou quando ela precisou de ajuda.
Alguns dias antes, depois de ter esperado por uma companheira de luta por mais de duas horas em um ponto, ela tinha ido ao aparelho e lá descobrira que a garota havia caído. Infelizmente, era justamente uma das poucas pessoas que sabia seu nome completo e o endereço do prédio onde vivia com seus pais.
tentou se manter calma, mas logo seus temores se justificaram: quando saía bem cedo pela manhã, em um sábado, ouviu o porteiro comentando com um morador do edifício sobre a presença de meganhas rondando o local.
Não teve coragem de voltar ao aparelho e foi caminhar na praia. Observou atentamente, para ver se estava sendo seguida, mas felizmente não viu ninguém que parecesse estar ligado à repressão.
Ficou um tempo na areia, sentindo a brisa no rosto e se permitindo minutos de paz, antes de pensar no que fazer. Lembrou-se do tempo em que sua vida era frequentar tranquilamente a praia, o cinema, o teatro, shows, festinhas… em que só importavam as roupas que ia vestir, as pessoas que ia encontrar, as paqueras… um tempo em que não sabia que havia coisas mais importantes e, consequentemente, também não havia medo, revolta, sofrimento. Não podia desejar ter ficado na ignorância em que fora mantida por sua família, antes de começar a estudar na PUC, mas desejou algum conforto emocional. E foi então que pensou em e soube para onde deveria ir.
— ! Caramba! Quanto tempo! — Disse, puxando-a para um abraço.
— É… quase um ano — lembrou. — Como você tá?
— Eu to bem. Entra! — Pediu, dando espaço para ela passar.
Ela caminhou até uma poltrona, observando o apartamento e constatando que nada mudara. Sentou-se e aguardou que ele se acomodasse no sofá.
— Você tinha razão, … ao menos em parte.
— Sobre o quê?
— Sobre a luta armada. Eu ainda acredito que ela era necessária… — suspirou. — mas eu to com medo. Muito medo!
Edinho entrou na sala, naquele momento. Adorou ver a tia e contou várias novidades que ela também amou ouvir! Ele tinha sentido muito a morte da mãe, mas parecia recuperado, na medida do possível, e isso foi um grande alívio.
Sentido, no entanto, que precisava ter uma conversa séria com ele, resolveu autorizar a ida do filho para a casa de um colega da escola, para passar o resto do final de semana.
— Ele tá tão grande e inteligente! — comentou ela, quando o garoto saiu de casa com o motorista.
— Eu me orgulho muito dele! É um rapazinho forte — falou, sorrindo. — Mas eu to preocupado com você. Me diz, : você tem algum motivo concreto pra estar com medo agora?
— Eles estão atrás de mim, . Eu tenho certeza — sentenciou, e foi a calma com que ela falou que o fez acreditar não se tratar apenas de uma paranoia, alimentada pelo que vinha acontecendo com tantas pessoas conhecidas. Os dois ficaram em silêncio, ambos de cabeças baixas, olhando o chão, que mais uma vez estava se desfazendo sob seus pés.
— Você não pode voltar pra casa — ele declarou, depois de um tempo.
— É claro que não. Por pior que seja a minha relação com meus pais, eu não colocaria eles em risco. Eu vou ligar pra uma amiga…
— Você fica aqui hoje — ele não era do tipo mandão, e falou suavemente, mas ela sabia que não poderia recusar. — O Edinho só vai voltar amanhã à noite e até lá nós vamos pensar juntos no que fazer.
Eles passaram um sábado (quase) agradável juntos e ele só a deixou sozinhas durante mais ou menos meia hora, tendo se fechado no escritório enquanto ela ouvia o primeiro álbum da Gal Costa.
— Eu vou tirar você do Brasil — declarou ele, durante o jantar, deixando-a estupefata. — Tenho um amigo que tá exilado em Londres e vai te receber lá… Vai arrumar um lugar pra você ficar.
— Mas eu não vou conseguir pegar um avião…
— Você vai com um passaporte falso. Eu não faço parte de nenhuma organização, mas também conheço pessoas. Quem diria! — falou, conseguindo achar alguma graça, no meio de toda aquela tensão. — A gente não pode arriscar, então você vai amanhã mesmo. Eu vou te levar até a casa de um amigo, que vai estar com o passaporte e vai também te levar pro aeroporto.
— Tão rápido assim? Como? — Ela se surpreendeu.
— Parece que, pelo valor certo, se consegue qualquer coisa bem rapidinho.
— Tudo bem, mas é muito arriscado você sair daqui comigo. É melhor eu pegar um táxi.
— Nem pensar — ele usou de novo aquele tom que era calmo, mas não dava margem para questionamentos. — No armário que era da Nice ainda estão todas as coisas dela, e você vai encontrar várias perucas e óculos grandes… lenços e outras coisas. Isso ajudou ela, várias vezes, e vai te ajudar a sair daqui sem ser identificada também. Aliás, você precisa de roupas. Pode pegar todas dela que você quiser. Vou te dar uma mala, pra você colcoar. Não dá pra nenhum de nós se arriscar a ir buscar nada na sua casa. Eu só vou contar pros seus pais que você foi embora quando meu amigo me informar que você chegou em segurança.
— Você sempre pensa em tudo? — Indagou, com ar brincalhão.
— Somente quando eu preciso da garantia de que nada vai dar errado.
Naquela noite, eles pensaram em tentar dormir cedo, mesmo que imaginassem que ia ser difícil pegar no sono, em razão da ansiedade que sentiam. se assegurou de que tudo estivesse bem confortável para ela, no quarto de hóspedes, antes de dar boa noite.
— Eu não vou ter uma boa noite — ela respondeu, pegando o rapaz de surpresa com tanta sinceridade, mesmo que fosse verdade e ele pudesse imaginar. — Seria impossível ter uma boa noite, sabendo que eu vou pra tão longe amanhã! Sem ter ideia de quando eu vou poder voltar! Sem saber quando eu vou ver minha família de novo... Sem saber quando eu vou ver você de novo! — Ela respirou fundo e ele pareceu ter ficado sem respirar por um momento. — A não ser que…
— A não ser quê?
— Você fique comigo essa noite.
Dessa vez, foi dele a iniciativa de beijá-la. Os dois não se afastaram, e ninguém pronunciou qualquer palavra de arrependimento. Passaram a noite acordados, se entregando àquela paixão que tinham lutado para deixar adormecida.
Ela foi acolhida em Londres, em um apartamento de dois quartos, no qual viviam mais cinco exilados políticos. O que faltava em conforto sobrava em afinidades e foi muito fácil se adaptar. dera algum dinheiro a ela, para as despesas iniciais, e com seu inglês fluente, juventude e beleza, não foi difícil arrumar um emprego em uma loja de cosméticos.
Dois meses depois, ele a visitou e a levou para passear em Paris, onde visitaram museus sobre os quais já tinham conversado tantas vezes e fizeram amor em um quarto de hotel com uma janela imensa que permitia olhar o Palácio do Louvre. E não se passaram nem mais três meses até que ele se mudasse definitivamente, junto com Edinho, usando o dinheiro da venda do apartamento, dos carros e de outros bens para comprar um armarinho, com a ajuda do amigo, que já estava no país havia mais tempo e conhecia as pessoas certas.
Eles foram felizes na Inglaterra, apesar da vontade de voltar que estava sempre presente.
Sentiam falta da praia de Ipanema, do carnaval, do samba, dos amigos, da família... Apesar de a distância física, no caso de , ter sido importantíssima para que ela estabelecesse uma relação de cumplicidade que nunca tivera com a mãe, que no final demonstrou não ser tão fútil e desejar o melhor para a filha. Ela podia viver de aparências, mas confessou, em uma de suas cartas, que sempre quis que tivesse uma vida totalmente diferente da dela, e a admirava por ter feito escolhas que seguiam a verdade em seu coração.
Retornaram ao Brasil após a anistia assinada em 1979. Foram recebidos com festa pelos pais dele, por Edinho (ele havia voltado antes, desejando fazer faculdade no Brasil) e pela mãe dela. Foi um momento de alívio e felicidade que ficaria gravado na memória.
Então compraram uma casa em Petrópolis, em um recanto bucólico, onde ela pode se dedicar a escrever seus livros, que começara a esboçar na Europa, com o incentivo dele. Alguns amigos que voltaram do exílio continuaram a luta, se envolvendo em política, se filiando a partidos, mas ela preferiu dar sua contribuição por meio da arte. Por meio de histórias fictícias, mas que tinham como pano de fundo a época da ditadura no Brasil, ela garantiria que os horrores por que haviam passado não fossem esquecidos.
Também tiveram um casal de filhos e os criaram com fé de que eles poderiam ver um mundo melhor…
Ela ainda mantinha a fé de que os netos ou bisnetos construiriam esse mundo, um dia!
Depois de se despedir da filha e do neto, ajeitou a almofada em que estava recostado e deu um beijo no topo da cabeça dele, que acabou acordando de seu cochilo.
— Meu amor, que perfume bom! Ele sussurrou, puxando-a para si. É novo?
— É, sim, meu querido. É francês — informou, mentindo em parte.
Ela usava aquele mesmo perfume desde a época em que morava na Inglaterra. Tinha comprado o primeiro frasco em uma viagem à capital francesa. Os médicos haviam falado que era melhor não insistir com ele sobre coisas das quais não se lembrasse. Na medida do possível, ela agia de acordo com as memórias que ele manifestava, como se tivessem parado em algum momento de sua vida em comum (ou mesmo de antes de terem um relacionamento, o que era a parte mais difícil).
— O que eu to fazendo com uma meia de cada cor e de cueca? — Ele indagou, espantado.
— Fazendo graça, como sempre — respondeu ela, rindo. Ele franziu a testa, sem entender e então se levantou, dizendo que precisava se trocar para o jantar.
Assentindo, ela foi até a cozinha, esquentou a refeição que a cozinheira havia deixado pronta mais cedo e serviu tudo na sala de jantar.
O apetite de oscilava muito, mas naquela noite ele saboreou um salmão com molho de mostarda delicioso e ainda repetiu. Era um de seus pratos favoritos e isso a doença não tinha mudado.
Já estavam comendo sorvete de sobremesa quando resolveu conversar.
— Eu recebi uma carta do Edinho ontem. Ele passou no vestibular. Vai fazer direito, como ele sonhava. Eu to tão feliz por ele, amor! Mas eu não consigo deixar de me perguntar se vou conseguir ver meu filho se formar, sabe?
se lembrava bem dessa carta. Ele tinha recebida as cinco folhas de caderno, cheias de novidades e de questionamentos, quando o casal morava em Londres. Tinha sido anos antes, mas era impressionante como dava para ler no olhar dele o mesmo misto de sentimentos, de esperança e lamento pela possibilidade de perder um acontecimento tão importante!
O ano era 1977 e as coisas ainda não iam bem no Brasil o suficiente para que eles pudessem começar a pensar em um retorno.
Tentando afastar as próprias lembranças dessa época, que também trazia um misto de sentimentos, ela pegou a mão dele, sobre a mesa de jantar, apertando-a suavemente, para tentar transmitir algum consolo. Ele sorriu daquele jeito que sempre chegava ao coração dela e o aquecia, como nada mais no mundo.
— Eu sei de algo que vai te animar — assegurou, se levantando. — Um pouco de música.
— O Ernesto nos mandou algum LP novo? — Questionou ele, interessado, levantando também.
Foi a vez dela de sorrir, ao invés de responder. Como dizer para alguém cujos problemas de saúde lhe roubavam os anos que em 2020 não era mais comum ter discos de vinil e que aparelhos de celular (máquinas que funcionavam como telefones mas podiam ser levados a qualquer lugar!) normalmente eram o que se usava para ouvir músicas, as quais podiam ser escolhidas com apenas alguns toques dos dedos?
usou o Spotify para encontrar Crazy, na voz de Julio Iglesias, e eles foram novamente transportados no tempo, já que ele, como sempre fazia, comentou que a versão do cantor espanhol, gravada em 1994, era ainda melhor que a original de Patsy Cline, de 1961.
A ciência não é capaz de explicar tudo, e ali estava algo que os médicos não sabiam explicar: podia não se lembrar de acontecimentos recentes ou até mesmo de pessoas (inclusive algumas que não eram tão recentes assim em sua vida, como os filhos, que já tinham ambos mais de quarenta anos), mas quando se tratava de música ele sempre se lembrava!
Imediatamente ele começou a cantarolar e puxou a esposa para seus braços, dançando com ela, ainda que não com a desenvoltura de outrora.
simplesmente acompanhou o ritmo dele, sentindo uma paz que ela, mesmo sendo uma pessoa que ganhava a vida usando as palavras, jamais seria capaz de descrever.
Ela realmente ficava exausta, de vez em quando, por ter que cuidar de todas as coisas do marido, controlar o horário da medicação, lembrar do uso do aparelho auditivo, insistir a respeito dos exercícios recomendados pelos especialistas e, principalmente, por viver em uma montanha-russa de emoções, toda vez que era “transportada” para outra época por ele, sem qualquer previsibilidade. No entanto, o que não conseguia explicar para as pessoas que se preocupavam era que seu cansaço era um preço muito pequeno a pagar, para viver momentos como aquele ao lado de seu grande amor.
Ele podia achar que estava em outro tempo e outro lugar, mas o que importava para ela era estar com ele.
Onde quer que ele estivesse de verdade.
também tinha chegado bem aos setenta e três anos. Comemorara com a esposa, filhos e netos, além de amigos de longa data, em um de seus restaurantes favoritos, o Nova Capela, no bairro da Lapa.
Porém, desde então, já haviam se passado mais sete anos e, em seu aniversário de oitenta, ele não tinha entendido bem o que estava sendo comemorado e nem reconhecera boa parte das pessoas.
Poucos meses antes, começara a usar aparelho auditivo e precisava dele para ouvir as músicas das quais tanto gostava. Aquele que tinha sido sempre atlético e um exímio dançarino, agora caminhava devagar e ia apenas do quarto para sua poltrona cativa na sala de estar, que servia também de escritório para a esposa, sempre desejosa de se manter o mais perto possível dele.
Nara era a filha mais velha dos dois e vivia preocupada com ambos. Naquela tarde, estava visitando o casal e, quando o pai acordou da sesta e apareceu na sala usando apenas cueca samba canção e meias (uma de cada cor, ainda por cima!), olhou para a mãe com seu semblante de desaprovação característico, ficando ainda mais irritada ao ver rir da cena.
— Quantas vezes eu vou precisar insistir pra que você coloque o papai em uma casa de repouso, mãe? — Nara perguntou, impaciente.
— Seria menos cansativo para você, se parasse de perguntar, meu bem — aconselhou . — A minha resposta não vai mudar.
— Você não percebe que não tem mais condições de ficar com ele em casa? Pelo amor de Deus! Se ainda fossem só as meias, tudo bem, mas ele nem nos reconhece! Acha que você ainda tem uns trinta e poucos anos, e que a vovó pode chegar a qualquer momento e te pegar fumando!
Realmente, por causa do velho alemão (era assim que os netos adolescentes de se referiam ao mal de alzheimer, com o qual ele havia sido diagnosticado), ele se esquecera que havia parado de fumar nos anos oitenta, que a sogra dele tinha falecido havia quase três décadas e até que ele e a esposa tinham filhos e netos. Às vezes ainda achava que estava exilado em Londres, esperando que a situação melhorasse no Brasil. Outras, brigava com , pedindo que ela não se envolvesse na luta armada.
— Eu tenho total condição de cuidar do seu pai, aqui mesmo, na casa que escolhemos juntos, onde criamos você e o seu irmão, e onde vivemos os melhores anos das nossas vidas! — A mãe assegurou, resoluta. — É aqui que ele merece passar os últimos dias dele e ponto final, Narinha!
voltou sua atenção para o neto, que a estava ajudando a entender o Instagram, no qual ela criara um perfil, a pedido de seu editor. Nara pegou um livro na estante e tentou se distrair com alguma coisa. Ela entendia o desejo da mãe de ficar perto do marido, mas achava que ela, também já não sendo nenhuma garota, estava sobrecarregada, cansada e apenas não admitia. Isso a deixava nervosa e temerosa de que a saúde da mãe pudesse se deteriorar rapidamente, se ela continuasse se exigindo tanto, como tinha acontecido no caso de .
Era uma preocupação legítima, que o resto da família e muitos amigos de também tinham, mas somente Nara ainda insistia em falar sobre casa de repouso ou mesmo a respeito de contratarem uma cuidadora.
A não ser que se tornasse fisicamente incapaz de lidar com , fazia questão de ser a pessoa que estaria lá para ele, sempre que precisasse de qualquer coisa.
Ele podia estar velho, enrugado, com ralos cabelos grisalhos e um pouco louco, mas ela ainda o achava o homem mais bonito que já havia conhecido, e se sentia tão apaixonada por ele quanto aos vinte (quando era uma paixão proibida e ela não podia imaginar o que o futuro reservava).
Eles tinham vivido tanta coisa! Ela simplesmente não podia imaginar não cuidar dele, como ele cuidara dela quando ela mais precisara!
Ele tinha feito dela a mulher mais feliz do mundo e ela precisava garantir que ele ainda pudesse se sentir confortável e feliz, de algum modo.
Ele a tinha salvado, de muitas maneiras…
Quando viu pela primeira vez, ela tinha apenas onze anos de idade e estava visitando a tia e os primos, na casa deles, na Tijuca.
tinha se mudado, alguns meses antes, para a vila onde a família da tia de morava, e fizera amizade com Berenice, a prima dela de dezessete anos. Ele aparecera para mostrar um disco do Elvis que havia ganhado em seu aniversário. Acabara de fazer dezoito e fora presenteado com um carro, pelo pai, mas seu presente favorito tinha sido o vinil cheio de rock n’ roll dado por um tio.
Nicinha colocou o disco na vitrola (baixinho, para não atrapalhar a conversa das adultas) e ela e se sentaram no sofá, prestando atenção a cada palavra de Presley. nem reparou no amigo da prima, mais interessada em aproveitar para brincar com o primo Pedro e seus carrinhos, afinal na casa dela só havia bonecas e outros brinquedos considerados apropriados para meninas.
— A filha da Janete vai casar no final do ano. Foi pedida em casamento naquela viagem de navio que ela fez com a família toda do rapaz. Lembra? — A mãe de perguntou, entre um pedaço e outro do bolo de milho, e um gole e outro do café que a irmã dela servira, na sala de jantar.
— É aquele menino da marinha, né?
— Esse mesmo. Um partidão! — Confirmou, colocando a mão na frente da boca, porque estava mastigando, ao mesmo tempo. — E ainda pediu para os músicos do navio tocarem a mesma música que estava tocando no baile em que eles se conheceram, quando ele tirou ela pra dançar! E a aliança, menina: grossa assim! — Completou, fazendo um sinal exagerado com os dedos.
— A Tininha também foi pedida em casamento. Antes, ela recebeu um buquê, com uma dúzia de rosas cada um, para cada hora do dia. E, à noite, o Odair chegou com mais um buquê enorme e fez uma serenata! Você acredita?
— Moças de sorte!
— Se Deus quiser, as nossas meninas vão ter tudo isso também. São duas joias — afirmou, observando e Nicinha, mas no fundo não sabia muito bem se pensava mesmo isso (ou se queria que fosse assim!).
A década de cinquenta estava chegando ao fim, mas ainda era uma época de muito romantismo, em que um homem sempre abria as portas para uma mulher, fazia questão de pagar as contas e tratava aquela que estava ao lado dele de um jeito tão especial, que a fazia sentir a coisa mais preciosa do mundo inteiro!
As pessoas frequentavam bailes em que se dançava de rosto colado, os rapazes faziam declarações de amor e às vezes até recitavam poesias, mas cada vez ficava mais claro que isso tudo tinha um preço muito alto.
Os casamentos costumavam ser até que a morte separasse o casal. Porém isso acontecia às custas de total submissão da mulher ao marido. As traições masculinas eram ignoradas pois o importante não era ser feliz, mas parecer feliz. As aparências deviam ser preservadas.
E foi em razão dessa visão de mundo alicerçada não no amor, no respeito ou na afeição, mas na hipocrisia, que acabou se tornando marido de Nicinha, menos de um ano depois, quando a garota ficou grávida, sem nem mesmo ter terminado o curso normal no Instituto de Educação.
era muito nova e não sabia da motivação do enlace do casal. No dia da cerimônia, ela achou que a noiva parecia mais nervosa que alegre, mas considerou que isso devia ser algo normal, considerando todas as mudanças. E, quanto a , ela só conseguia pensar que, vestido com seu uniforme de gala (ele tinha terminado o clássico no Colégio Militar e ingressara em uma Academia de Formação de Oficiais), era exatamente como ela imaginava os príncipes dos contos de fada que crescera lendo.
Depois disso, quase não vira , por um bom tempo. A própria Nicinha não ia muito aos eventos da família e, quando aparecia, era acompanhada quase sempre apenas pelo filho.
Seu primeiro contato realmente mais próximo com ele foi em sua própria festa de formatura do Colégio São Paulo, em Ipanema.
Ela nem queria comparecer ao baile. Achava que isso estava ficando fora de moda. Alguns de seus colegas tinham ido para um sítio em Itaipava, onde ela também preferia estar, mas seus pais tinham feito questão não só de ir ao evento, como também de convidar toda a família e alguns amigos.
Sem a presença das pessoas que tinham sido mais próximas dela, nos últimos anos de escola, estava sentada à mesa, rodeada dos adultos, apenas se enchendo dos salgadinhos que eram servidos, sem nem mesmo poder tomar uma cerveja em público, por ainda ser menor de idade.
— , dança um pouco com a , meu bem — a prima sugeriu, de repente, tendo percebido o estado de (des)ânimo da garota. Ela ficou bastante sem jeito, mas, vendo que ele se levantou de imediato, não parecendo nem um pouco contrariado ou constrangido, aceitou.
A orquestra estava tocando uma versão instrumental de When I fall in love, uma balada gravada alguns anos antes por Nat King Cole. Era uma música muito romântica para se dançar com alguém tão bonito, quando ele era consideravelmente mais velho e comprometido (e, ainda por cima, com ninguém menos que uma pessoa da família!). No entanto, ele não deixou que nenhum clima tenso se instalasse (talvez por sua total falta de consciência do que ela achava dele), puxando assunto com naturalidade.
— E agora que acabou a escola? Quais são os planos? — Perguntou ele à menina, enquanto a conduzia pelo salão.
— O que eu queria mesmo era passar um tempo fora do Btasil, sabe? Conhecer outros países, outras culturas, de verdade, e não só pontos turísticos, como os que eu visito quando viajo com meus pais. Só que eles acham que garota de família não viaja sozinha. Disseram que nem pensar!
— E você é muito nova, não acha?
— Eu faço dezoito, esse ano ainda. Não teria problema nenhum! Mas o fato é que não teve jeito. Tava fora de questão — disse, revirando os olhos. — Então eu vou fazer o vestibular, no mês que vem. Quero cursar Letras, na PUC. Até isso foi difícil, porque pra eles o certo mesmo era eu arrumar o que eles chamam de um bom partido e me casar, ainda bem nova... mas aí quem disse “nem pensar” fui eu, né? Imagina deixar de depender de pai pra depender de marido! Não ter nem uma profissão? O mundo mudou! A gente tá no século vinte, afinal de contas.
— Com isso eu concordo. É importante você ter uma formação, sim — ele falou, sentindo até um pouco de inveja.
Tendo se casado tão cedo, tivera que abandonar os estudos. Não seguira a carreira militar, como queria a mãe dele, e nem se formara em Direito, como sonhava. Fora trabalhar com o pai, que tinha duas lojas de tecido na Tijuca e o colocou para gerenciar uma delas.
Graças a um tino comercial que nem ele mesmo imaginava que tinha, eles haviam dobrado o número de lojas, nos últimos anos, e ele passara a trabalhar junto ao pai, no escritório, administrando tudo. Tinha um ótimo salário, que lhe possibilitara comprar um apartamento de dois quartos em Copacabana, dando mais conforto à família que formara, mas isso significava trabalhar muito e não ter qualquer esperança de voltar à sala de aula.
Nicinha tinha conseguido terminar o curso normal, mesmo grávida, porém nunca tinha exercido o magistério. Havia se dedicado apenas ao filho, desde seu nascimento. sabia que ela também não desejara esse destino e que pensara não só em ser professora de algum colégio, como em continuar estudando para alçar voos maiores.
Ouvir dizendo que pretendia cursar Letras na PUC deu a ele uma ideia, que considerou genial: ele fez de sua missão, nas semanas seguintes, convencer Berenice de que ela deveria fazer o vestibular e se juntar à prima. Afinal, ele tinha condição de pagar o curso e uma empregada, e Edinho não precisava de sua presença vinte e quatro horas por dia.
Foi assim que e Nicinha, que em razão da diferença de idade jamais haviam sido realmente próximas, passaram a conviver bastante e se tornaram amigas.
Todos os trabalhos em grupo elas faziam juntas, além de se ajudarem no estudo para as provas. Quando saíam da aula, normalmente iam direto para a casa de Nicinha, onde almoçava e passava a tarde, conversando com a prima, ouvindo música, brincando com Edinho, lendo… Muitas vezes, acabava ficava também para jantar com toda a família.
— Não fica chato eu ficar pra jantar de novo? — Perguntava, quase sempre, meio sem jeito. — O pode se incomodar, prima.
— Relaxa, ! Ele gosta da sua companhia — assegurava Berenice, e sempre acabava ficando mesmo. Era muito mais agradável jantar com eles do que com seus pais!
— Me falaram que aquela cantora baiana que substituiu a Nara no Opinião é ótima! Maria Bethânia o nome dela. Eu to doido para ir ver, e a Nice já aceitou. Você acompanha a gente, ? — indagou , durante um dos jantares.
— Claro! Eu adoro um show — Ela respondeu, contente. Pelo jeito, ele realmente apreciava sua presença, ou não precisaria ter falado no assunto durante a refeição e tê-la convidado. — Mas eu confesso que to surpresa, viu? Eu achava que seu negócio era rock n’ roll.
— E eu continuo adorando rock, mas a gente também tem que valorizar o que tem de bom por aqui, não é? Bossa nova, por exemplo, é uma coisa maravilhosa!
— Exatamente, prima! O é muito eclético! Até pra roda de samba lá no Opinião a gente já foi! Não comentei com você? — Questionou Nice.
— Não! E eu nunca poderia imaginar! — comentou, realmente chocada, mas ainda mais animada. — Mas, se vocês gostam de samba, a gente também precisa marcar de ir a uma quadra de escola de samba. Aquela minha amiga Lavínia, que estudava na Aliança Francesa comigo, me disse que nunca se divertiu tanto!
— A gente pode ir à Mangueira — sugeriu , também empolgado. — Tem um funcionário lá do escritório que toca na bateria...
Logo eles realmente foram ao show e à quadra da Verde e Rosa, e foram apenas as primeiras de muitas saídas do trio. E, quando tinha que trabalhar ou estava cansado de mais para sair, e Nicinha iam juntas ao Teatro de Arena, ao Cine Paissandu, a saraus na casa de colegas da faculdade… eram, enfim, inseparáveis!
Foi assim durante todo o primeiro ano da faculdade e estranhou um pouco, quando voltou da viagem que fez para os Estados Unidos nas férias de verão, com os pais, e encontrou Nicinha cheia de compromissos que não a incluíam. Ela ainda estudava bastante com a prima, era convidada para os jantares em família e continuava companheira do casal nas rodas de samba, shows e peças de teatro. No entanto Berenice tinha sempre algo a fazer à tarde, como visitas à modista, reuniões escolares, curso de datilografia e outras coisas estranhas, e desconversava todas as vezes em que mencionava a possibilidade de acompanhá-la.
imaginou que ela provavelmente tinha feito amizade com mães de colegas de Edinho e que disfarçava por não querer dizer-lhe diretamente que ela não se encaixaria nos programas e conversas de um grupo de donas de casa com maridos, filhos e preocupações que ela não tinha. Procurou não se chatear, porque a prima continuava a mesma amiga de sempre, quando estavam juntas. Parecia ainda mais animada, na verdade, e ela não poderia se sentir mal com a alegria de uma pessoa de quem gostava tanto!
Além disso, ela também tinha outras companhias e interesses.
Havia conhecido, nos corredores da faculdade, um grupo de alunos de sociologia e jornalismo, fizera amizade com eles e, em razão das conversas que tinham, estava começando a enxergar o mundo – e principalmente o que acontecia no país – de uma maneira nova.
Tinha começado a acompanhá-los a encontros do movimento estudantil, em que se falava não somente sobre a situação do ensino superior no Brasil, como também sobre o governo dos militares e a necessidade de lutarem contra suas arbitrariedades.
Foi justamente quando saía da casa de uma dessas meninas, depois de terem ido a uma reunião na Faculdade Nacional de Medicina, que entendeu o que estava acontecendo com Nicinha.
Antes de entrar em um carro, parado a poucos metros da portaria do prédio de onde ela saía, viu a prima beijar um rapaz que ela não conhecia e dar uma risada gostosa, por causa de alguma coisa que ele lhe disse ao pé do ouvido. Ficou então paralisada, sem saber o que fazer, e também testemunhou o semblante de Berenice mudar quando, já no carro em movimento, percebeu que a observava, absolutamente chocada.
Pouco depois de voltar para casa, recebeu um telefonema da prima, pedindo que ela fosse até seu apartamento, se possível ainda naquela noite.
Nice abriu a porta e elas trocaram beijos no rosto, como sempre faziam, mas a aparência dela era tensa. Não havia sorriso em seu rosto, como estava acostumada a ver, e sim um olhar que entregava seu constrangimento.
— Eu queria conversar com você sobre hoje à tarde — ela disse, depois que se acomodaram na sala de estar.
— Prima, você não tem obrigação de me explicar nada. Você pode ficar tranquila, que eu não vou falar nada…
— Eu sei. Eu tenho certeza! Mas... eu quero te contar tudo — afirmou, levantando do sofá para se servir de uma bebida.
aceitou uma dose de uísque, pois ela mesma também estava nervosa com a situação. A prima esvaziou o copo todo e começou a falar, andando pela sala, sem coragem de encará-la.
— O nome dele é Nelson. A gente se conheceu na praia, no começo de janeiro. Eu tinha ido com a Idalina, mas ela não ficou muito, por causa do Cirino, e eu tava achando o sol tão maravilhoso! —Comentou, como se quisesse se justificar até por ter possibilitado tal encontro. — Então ele apareceu e me perguntou se eu podia olhar as coisas dele, enquanto ele dava um mergulho. Depois, voltou do mar e perguntou se podia se sentar um pouco. Falou sobre o calor, a água gelada… Falou do carnaval e da vontade de tomar uma cerveja… E a gente conversou sobre sei lá mais o que, por horas e horas! Trocamos telefone e ele ligou, já no dia seguinte. Me convidou pra sair, mas eu falei que era casada. Só que ele insistiu e nós saímos, como amigos, umas três… não, acho que quatro vezes. Até que eu me apaixonei. Perdidamente! E eu mesma tomei a iniciativa.
Nice voltou a se sentar no sofá e segurou as mãos de , olhando bem nos olhos dela, como se quisesse que a prima comprovasse a veracidade de sua declaração.
— Eu não me sentia assim, desde que eu tinha dezessete anos!
— Nice, meu bem… — não sabia o que dizer, então reafirmou que a prima não lhe devia explicações. — Além do mais, eu não tenho direito de te julgar! Ainda mais eu, que não sei como é um casamento… que nunca tive nem um namorado! Eu só fiquei surpresa, porque sempre achei que você e o se davam super bem, e com um pouco de pena por ele, mas…
— O sabe, — Nice afirmou, o que surpreendeu ainda mais a amiga, como ela imaginava que aconteceria.
— Sabe?
— De tudo — declarou, séria. — Eu quis conversar com você justamente por isso. Você é nossa melhor amiga! Faz parte das nossas vidas. Já tá mais do que na hora de você saber que a gente não tem um casamento de verdade. Nós nunca tivemos realmente um relacionamento, a não ser uma grande… enorme amizade!
— Mas vocês tem um filho. Foi… uma coisa de momento?
— … — ela respirou fundo. Aquela parte era a mais difícil de revelar. — O Edinho não é filho do . Ele é filho de um namorado que eu tive, que estudava com o no colégio militar. Depois que eu contei pra ele que eu tava grávida, a família dele toda se mudou pra Brasília, me deixando aqui, totalmente desesperada! O se sentiu culpado por ter me apresentado a ele e por ter dado cobertura pros nossos encontros, então ele disse que se casaria comigo e assumiria o meu filho. É claro que eu achei uma loucura, no início, mas eu não tinha opções.
— Meu Deus! — não sabia se era possível alguém ficar mais atônita nessa vida, com qualquer coisa que fosse, do que ela estava com a história de Nice. — Ele deve te amar muito pra se oferecer pra um sacrifício tão grande!
— Ele me ama, sim, mas não desse jeito que você tá imaginando. A gente até tentou ter alguma coisa, depois que já estávamos casados e eu tinha saído do resguardo, mas não tinha… liga, sabe? Nós dois acabamos às gargalhadas e concordamos em deixar pra lá. E ele ficou muito feliz por mim, quando eu conheci o Nelson, para alguém que tivesse qualquer sentimento desse tipo.
— Por que vocês vivem assim, prima? Por que não se separam? — Indagou, confusa.
— Ah, prima! — Nice disse, em tom de lamento. — Eu acho que você ainda é muito nova e cheia de ilusões! A gente não se separa pelo mesmo motivo que levou a gente a se casar: o que teria sido de mim, como mãe solteira? E do meu filho, como um filho de mãe solteira? E o que seria de mim e do Edinho agora, se eu me tornasse uma desquitada?
— Seria pior do que não poder viver a sua vida? — uestionou de novo à outra, alarmada.
— Você se lembra da tia Aderlene? — Nice rebateu com uma nova pergunta, que respondeu positivamente, apesar de não ter sido capaz de entender que relação poderia ter com sua própria pergunta. — A sua mãe também te falou que ela foi morar no Pará, alguns anos atrás, por causa de uma transferência do marido?
— Falou, sim. Por quê?
— Porque ela mora no Grajaú, com a filha mais velha, que se casou recentemente, e não no Pará. Quando recebemos o convite de casamento da filha dela, a minha mãe me disse que da parte dela eles iam receber um presentinho e olhe lá! Confessou que se afastou da própria irmã porque ela não soube manter o marido… se separou só porque ele tinha um filho fora do casamento! “Um verdadeiro disparate!” — Finalizou, imitando a própria mãe, no modo de falar altivo e nos gestos exagerados.
não precisou de mais nada para entender do que a prima estava falando. Lamentou o destino dela… e também o de , que tinha mergulhado em um casamento até que a morte os separasse, apenas para não deixar a melhor amiga em desamparo.
Nicinha parecia estar feliz com o rapaz que havia conhecido, mas viver fazendo as coisas às escondidas devia ser no fundo muito triste.
, pelo que Berenice deu a entender, tinha seus casos também. E talvez precisasse ter menos cautela, visto que no caso dos homens os relacionamentos extraconjugais eram considerados normais, mas, ainda assim, ela não pode deixar de se perguntar se, de vez em quando, ele não lamentava não ter um casamento verdadeiro e filhos que fossem frutos de um amor compartilhado.
Sua admiração por ele só cresceu naquele momento, e sua cumplicidade com a prima também.
Infelizmente, além de clandestinos, os amores proibidos também tendem a ser fugazes e, se o verão de 1966 tinha colocado Nelson na vida de Berenice, o de 1967 o levou embora, quando ele conheceu uma moça em um baile de Reveillon e começou a namorar firme. foi a primeira pessoa que a prima procurou para desabafar, assim como foi a primeira a saber quando ela conheceu outro homem e começou um novo affair.
Ela não estava perdidamente apaixonada por ele – nem por outros que vieram depois – mas tinha se acostumado a prazeres que o casamento era incapaz de oferecer, e sem a paixão para lhe diminuir o discernimento tinha aprendido inclusive como ser mais cuidadosa, para não ser mais flagrada, como tinha sido pela amiga.
compreendia Nice e só lamentava um pouco não passarem tanto tempo juntas, como no início da faculdade. Às vezes, sentia falta de ter um lugar para onde ir no meio das tardes que acabava passando em casa com a mãe, com quem tinha uma relação cada vez mais fria. Percebera que seus pais viviam de aparência (ele inclusive tinha uma amante e ela sabia!), que a mãe era extremamente fútil e o pai favorável ao regime ditatorial que ela desprezava, e começara a achar insuportável cada minuto sob o mesmo teto que eles.
Seus melhores momentos eram os jantares com e Nice, durante a semana, e os programas que faziam juntos, todos os sábados. Até que em um deles houve um desencontro que transformou tudo!
— Meu Deus, ! Você tá ensopada! — observou, enquanto a água que escorria do vestido dela formava uma pequena poça no hall de entrada do apartamento dele.
— Eu vim andando de casa pra cá e a chuva me pegou totalmente de surpresa! — Ela respondeu, rindo de seu próprio estado.
— Pegou a Nicinha de surpresa também. Ela foi levar o Edinho pra casa da mãe dela, porque a gente tá sem babá hoje, e ficou presa lá na Tijuca. Acabou de ligar, avisando. Lá no banhiero tem toalhas, na prateleira mais alta. Vai se secando que eu vou pegar uma roupa dela pra você.
agradeceu e fez o que ele havia sugerido. Depois se juntou a ele na sala, para esperar que a chuva diminuísse.
— Acho que, do jeito que tá, a ideia de ir jantar e dançar, no terraço do Hotel Miramar, já era — ele comentou e ela assentiu.
— Pior foi pra coitada da Nicinha! Jantar com a tia Odete não é algo que ninguém possa invejar — sentenciou e ele, que já tinha comprovado isso havia alguns anos, riu.
— Você tá com fome? Eu posso improvisar alguma coisa…
— Só se você me deixar ajudar.
A chuva não deu trégua por algumas horas e não deixou se arriscar a pegar um táxi de Copacabana para o Leblon, por mais que ficasse perto.
Depois de comerem, ele abriu uma cerveja e ligou a vitrola. Ficaram sentados no sofá, bebendo e conversando, principalmente sobre arte, uma das maiores paixões de ambos. Tetro, cinema, música, literatura, pintura… Era tão raro para encontrar outras pessoas que se interessassem por tudo isso, como ela! Até mesmo na faculdade de Letras, por incrível que pudesse parecer.
— Eu posso escolher? — Ela perguntou, quando o disco que ouviam acabou e ele disse que iria colocar outro. Pôs o álbum mais recente de Roberto Carlos e cantarolou a primeira música, mas logo eles voltaram a conversar, até ficarem em silêncio para ouvir Nossa canção, uma das músicas favoritas dela.
Ela fechou os olhos, se deixando levar pela melodia e a letra, e ele, sem perceber, se deixou levar por ela. Ele a encarava quando ela abriu os olhos e continuou encarando. sustentou seu olhar e eles se viram em um momento louco, como se tivessem sido envolvidos por uma bolha, tudo tivesse desaparecido do mundo, e só existissem os dois e o Rei, hipnotizando ambos com sua voz.
foi quem se aproximou, colando os lábios nos dele. Ele segurou o rosto dela com delicadeza e firmeza ao mesmo tempo, enquanto retribuía o beijo. Porém, em pouco tempo, se afastou como se tivesse sido arrancado de um transe.
— Me desculpa, — pediu, em tom suave, levantando-se para se afastar e conseguir recobrar a razão.
— Eu acho que a pior coisa que alguém pode fazer, depois de um beijo, é pedir desculpas, sabe? — Respondeu ela, magoada.
— Eu sei, mas é que…
— Eu sou só uma menina — foi tirando conclusões e isso o incomodou, fazendo com que voltasse a se sentar perto dela, olhando em seus olhos e segurando suas mãos.
— Não é isso, . Eu te conheci muito garota mesmo, mas não é isso — repetiu. — Você se tornou uma mulher linda, inteligente, cheia de senso de humor… íntegra! Qualquer homem que ficar com você vai ter muita, muita sorte! E é justamente por isso que eu não posso ficar te beijando assim, e agindo de forma inconsequente! Eu sei que você sabe que eu e a sua prima não temos uma relação de homem e mulher, e que ela te disse que cada um de nós é livre pra viver sua própria vida, mas… não é bem assim. Aos olhos de todo mundo, a gente é casado. Nem as nossas famílias sabem a verdade! Qualquer relação que eu tenha com qualquer pessoa vai ser sempre em segredo… sempre às escondidas. Eu não tenho nada de bom a oferecer a uma mulher, sendo um homem casado! E você não merece ficar beijando ninguém às escondidas, e sim um cara que ande de mãos dadas por aí com você, conte pra todo mundo o quanto te ama e coloque uma aliança no seu dedo. Por mais careta que você ache isso, tá? — Finalizou, sorrindo, porque sabia que ela estava se controlando para não revirar os olhos com aquele papo de aliança.
— Foi só um beijo, — ela falou, fingindo indiferença, porque era a única coisa a fazer. Ele tinha razão! Não com relação à aliança, mas ele estava sendo correto em não querer ter com ela qualquer tipo de interação que não fosse a de um amigo. Então ela deu um sorriso sincero, por mais que parte dela estivesse triste. Afinal a outra parte não podia deixar de admirar a pessoa que ele era!
Para não deixar um clima ruim, ela se serviu de mais um pouco de cerveja e só se despediu quando a garrafa acabou. Ele insistiu em levá-la de carro até o prédio em que ela morava, e aceitou porque afinal era isso que teria feito em qualquer outro momento.
Depois disso, ela ainda tentou se convencer de que nada precisava mudar. Jantou e saiu algumas vezes com o casal, como sempre. No entanto, não se sentia mais tão à vontade com , como antes, e começou a sofrer ao vê-lo, depois de se confrontar com a inevitável conclusão de que para ela o beijo não tinha sido algo de momento: ela estava apaixonada por ele!
Por mais que o casamento dele com Berenice não fosse totalmente verdadeiro, ele já tinha deixado claro que se tratava de um obstáculo intransponível. Sendo assim, nutrir um sentimento como aquele não lhe traria nada de bom, e então ela começou a se afastar, pouco a pouco.
O fato de ter mergulhado ainda mais fundo na luta contra o governo militar e se tornado parte de uma organização de resistência à ditadura, depois de ver o movimento estudantil ser colocado na ilegalidade, acabou facilitando o afastamento. No entanto, era sempre motivo de discussões, quando eles estavam todos juntos, pois o casal se preocupava muito com o futuro (visto que nem as aulas ia com muita frequência) e a segurança dela.
— Como eu posso simplesmente me dedicar aos meus estudos e viver a minha vida, como se nada estivesse acontecendo, gente? — Ela sempre respondia, quando eles tocavam no assunto. — Vocês viram o que eles fizeram na saída da missa? De uma missa, gente! Não foi de uma passeata, não… foi de uma missa de sétimo dia! Uma missa pra rezar por um menino de dezoito anos que eles mataram! Dentro de um restaurante! — Comentou, nervosa, durante uma tarde de domingo.
Estava almoçando com o casal, poucos dias depois da missa que havia sido realizada em abril de 1968, depois da morte do estudando Edson Luís de Lima Souto por um policial, no restaurante Calabouço. Após a celebração, as pessoas que deixavam a igreja tinham sido cercadas e atacadas pela cavalaria da Polícia Militar com golpes de sabre, e ela não tinha se machucado por muito pouco!
— Foi uma violência absurda! E a gente entende você — retorquiu.— A gente sabe da sua vontade de mudar as coisas, e é a nossa vontade também! Mas o que a gente tem visto até agora é só gente sendo presa, nessa luta. O que a gente fica sabendo é de gente sendo torturada… de gente tendo que sair do país! E a gente se preocupa com você! Muito!
— Eu to me cuidando — ela assegurou, com um sorriso amarelo no rosto, fazendo questão de mudar de assunto em seguida.
Aquele ano foi muito difícil para o país, tendo sido, no final, marcado pelo Ato Institucional número 5, que endureceu ainda mais o regime. Pessoalmente, contudo, ele foi ainda pior para e .
Depois de alguns dias sem comparecer à PUC, resolveu assistir a algumas aulas e, para sua surpresa, não encontrou Nicinha. Algumas colegas comentaram que ela já estava faltando havia alguns dias, e logo concluiu que alguma coisa importante tinha acontecido.
Preocupada, foi direto da faculdade para a casa deles e então seu mundo, que já estava aos pedaços, desmoronou de vez: a prima estava com câncer em estágio avançado. Os médicos informaram que as chances de uma melhora eram pequenas, mas que, inda assim, ela poderia escolher se submeter aos tratamentos disponíveis, e foi o que ela fez, lutando até o fim pela própria vida!
deixou de lado todas as suas atividades – trancou a faculdade, que já estava negligenciada, e se distanciou da organização, em que vinha atuando quase diariamente – para ajudar a cuidar da esposa. Infelizmente, a batalha dela só durou alguns meses.
Depois de dar adeus à melhor amiga que tinha, ainda visitou , algumas vezes, ajudando com Edinho e tentando confortá-lo. Contudo, quando o percebeu menos abatido, mais falante e se cuidando mais, voltou à organização e diminuiu o contato.
A proximidade com ele não lhe fazia bem. Continuava apaixonada, mas não podia se admitir tendo nenhuma esperança de um relacionamento com ele, pois isso significava tirar proveito da morte de uma das pessoas que ela mais amava no mundo!
Além do mais, a organização precisava dela! Depois do AI-5 as coisas tinham piorado demais! A repressão estava cada vez mais violenta. A célula de que fazia parte já tinha mudado de aparelho quatro vezes em menos de seis meses, em razão da prisão de algum membro que podia, torturado, acabar entregando o endereço do local.
Ao invés de continuar apenas pichando, entregando panfletos e organizando protestos, era preciso ir além e se armar. Para isso, precisavam de recursos e a própria participou de dois assaltos a banco. Outros grupos começaram a realizar ações mais ousadas, como os sequestros do embaixador norte-americano e do cônsul-geral japonês.
também não a procurou, pois se sentia da mesma forma. Descobrira que a amava algum tempo antes do beijo, mas, mesmo agora que era viúvo, não parecia certo se entregar. Ele podia não ter amado Nice daquela mesma maneira, mas tinham vivido por anos sob o mesmo tempo, criado um filho… ele ainda estava de luto e precisava de um tempo sozinho.
Talvez um dia…
E esse dia chegou quando ela precisou de ajuda.
Alguns dias antes, depois de ter esperado por uma companheira de luta por mais de duas horas em um ponto, ela tinha ido ao aparelho e lá descobrira que a garota havia caído. Infelizmente, era justamente uma das poucas pessoas que sabia seu nome completo e o endereço do prédio onde vivia com seus pais.
tentou se manter calma, mas logo seus temores se justificaram: quando saía bem cedo pela manhã, em um sábado, ouviu o porteiro comentando com um morador do edifício sobre a presença de meganhas rondando o local.
Não teve coragem de voltar ao aparelho e foi caminhar na praia. Observou atentamente, para ver se estava sendo seguida, mas felizmente não viu ninguém que parecesse estar ligado à repressão.
Ficou um tempo na areia, sentindo a brisa no rosto e se permitindo minutos de paz, antes de pensar no que fazer. Lembrou-se do tempo em que sua vida era frequentar tranquilamente a praia, o cinema, o teatro, shows, festinhas… em que só importavam as roupas que ia vestir, as pessoas que ia encontrar, as paqueras… um tempo em que não sabia que havia coisas mais importantes e, consequentemente, também não havia medo, revolta, sofrimento. Não podia desejar ter ficado na ignorância em que fora mantida por sua família, antes de começar a estudar na PUC, mas desejou algum conforto emocional. E foi então que pensou em e soube para onde deveria ir.
— ! Caramba! Quanto tempo! — Disse, puxando-a para um abraço.
— É… quase um ano — lembrou. — Como você tá?
— Eu to bem. Entra! — Pediu, dando espaço para ela passar.
Ela caminhou até uma poltrona, observando o apartamento e constatando que nada mudara. Sentou-se e aguardou que ele se acomodasse no sofá.
— Você tinha razão, … ao menos em parte.
— Sobre o quê?
— Sobre a luta armada. Eu ainda acredito que ela era necessária… — suspirou. — mas eu to com medo. Muito medo!
Edinho entrou na sala, naquele momento. Adorou ver a tia e contou várias novidades que ela também amou ouvir! Ele tinha sentido muito a morte da mãe, mas parecia recuperado, na medida do possível, e isso foi um grande alívio.
Sentido, no entanto, que precisava ter uma conversa séria com ele, resolveu autorizar a ida do filho para a casa de um colega da escola, para passar o resto do final de semana.
— Ele tá tão grande e inteligente! — comentou ela, quando o garoto saiu de casa com o motorista.
— Eu me orgulho muito dele! É um rapazinho forte — falou, sorrindo. — Mas eu to preocupado com você. Me diz, : você tem algum motivo concreto pra estar com medo agora?
— Eles estão atrás de mim, . Eu tenho certeza — sentenciou, e foi a calma com que ela falou que o fez acreditar não se tratar apenas de uma paranoia, alimentada pelo que vinha acontecendo com tantas pessoas conhecidas. Os dois ficaram em silêncio, ambos de cabeças baixas, olhando o chão, que mais uma vez estava se desfazendo sob seus pés.
— Você não pode voltar pra casa — ele declarou, depois de um tempo.
— É claro que não. Por pior que seja a minha relação com meus pais, eu não colocaria eles em risco. Eu vou ligar pra uma amiga…
— Você fica aqui hoje — ele não era do tipo mandão, e falou suavemente, mas ela sabia que não poderia recusar. — O Edinho só vai voltar amanhã à noite e até lá nós vamos pensar juntos no que fazer.
Eles passaram um sábado (quase) agradável juntos e ele só a deixou sozinhas durante mais ou menos meia hora, tendo se fechado no escritório enquanto ela ouvia o primeiro álbum da Gal Costa.
— Eu vou tirar você do Brasil — declarou ele, durante o jantar, deixando-a estupefata. — Tenho um amigo que tá exilado em Londres e vai te receber lá… Vai arrumar um lugar pra você ficar.
— Mas eu não vou conseguir pegar um avião…
— Você vai com um passaporte falso. Eu não faço parte de nenhuma organização, mas também conheço pessoas. Quem diria! — falou, conseguindo achar alguma graça, no meio de toda aquela tensão. — A gente não pode arriscar, então você vai amanhã mesmo. Eu vou te levar até a casa de um amigo, que vai estar com o passaporte e vai também te levar pro aeroporto.
— Tão rápido assim? Como? — Ela se surpreendeu.
— Parece que, pelo valor certo, se consegue qualquer coisa bem rapidinho.
— Tudo bem, mas é muito arriscado você sair daqui comigo. É melhor eu pegar um táxi.
— Nem pensar — ele usou de novo aquele tom que era calmo, mas não dava margem para questionamentos. — No armário que era da Nice ainda estão todas as coisas dela, e você vai encontrar várias perucas e óculos grandes… lenços e outras coisas. Isso ajudou ela, várias vezes, e vai te ajudar a sair daqui sem ser identificada também. Aliás, você precisa de roupas. Pode pegar todas dela que você quiser. Vou te dar uma mala, pra você colcoar. Não dá pra nenhum de nós se arriscar a ir buscar nada na sua casa. Eu só vou contar pros seus pais que você foi embora quando meu amigo me informar que você chegou em segurança.
— Você sempre pensa em tudo? — Indagou, com ar brincalhão.
— Somente quando eu preciso da garantia de que nada vai dar errado.
Naquela noite, eles pensaram em tentar dormir cedo, mesmo que imaginassem que ia ser difícil pegar no sono, em razão da ansiedade que sentiam. se assegurou de que tudo estivesse bem confortável para ela, no quarto de hóspedes, antes de dar boa noite.
— Eu não vou ter uma boa noite — ela respondeu, pegando o rapaz de surpresa com tanta sinceridade, mesmo que fosse verdade e ele pudesse imaginar. — Seria impossível ter uma boa noite, sabendo que eu vou pra tão longe amanhã! Sem ter ideia de quando eu vou poder voltar! Sem saber quando eu vou ver minha família de novo... Sem saber quando eu vou ver você de novo! — Ela respirou fundo e ele pareceu ter ficado sem respirar por um momento. — A não ser que…
— A não ser quê?
— Você fique comigo essa noite.
Dessa vez, foi dele a iniciativa de beijá-la. Os dois não se afastaram, e ninguém pronunciou qualquer palavra de arrependimento. Passaram a noite acordados, se entregando àquela paixão que tinham lutado para deixar adormecida.
Ela foi acolhida em Londres, em um apartamento de dois quartos, no qual viviam mais cinco exilados políticos. O que faltava em conforto sobrava em afinidades e foi muito fácil se adaptar. dera algum dinheiro a ela, para as despesas iniciais, e com seu inglês fluente, juventude e beleza, não foi difícil arrumar um emprego em uma loja de cosméticos.
Dois meses depois, ele a visitou e a levou para passear em Paris, onde visitaram museus sobre os quais já tinham conversado tantas vezes e fizeram amor em um quarto de hotel com uma janela imensa que permitia olhar o Palácio do Louvre. E não se passaram nem mais três meses até que ele se mudasse definitivamente, junto com Edinho, usando o dinheiro da venda do apartamento, dos carros e de outros bens para comprar um armarinho, com a ajuda do amigo, que já estava no país havia mais tempo e conhecia as pessoas certas.
Eles foram felizes na Inglaterra, apesar da vontade de voltar que estava sempre presente.
Sentiam falta da praia de Ipanema, do carnaval, do samba, dos amigos, da família... Apesar de a distância física, no caso de , ter sido importantíssima para que ela estabelecesse uma relação de cumplicidade que nunca tivera com a mãe, que no final demonstrou não ser tão fútil e desejar o melhor para a filha. Ela podia viver de aparências, mas confessou, em uma de suas cartas, que sempre quis que tivesse uma vida totalmente diferente da dela, e a admirava por ter feito escolhas que seguiam a verdade em seu coração.
Retornaram ao Brasil após a anistia assinada em 1979. Foram recebidos com festa pelos pais dele, por Edinho (ele havia voltado antes, desejando fazer faculdade no Brasil) e pela mãe dela. Foi um momento de alívio e felicidade que ficaria gravado na memória.
Então compraram uma casa em Petrópolis, em um recanto bucólico, onde ela pode se dedicar a escrever seus livros, que começara a esboçar na Europa, com o incentivo dele. Alguns amigos que voltaram do exílio continuaram a luta, se envolvendo em política, se filiando a partidos, mas ela preferiu dar sua contribuição por meio da arte. Por meio de histórias fictícias, mas que tinham como pano de fundo a época da ditadura no Brasil, ela garantiria que os horrores por que haviam passado não fossem esquecidos.
Também tiveram um casal de filhos e os criaram com fé de que eles poderiam ver um mundo melhor…
Ela ainda mantinha a fé de que os netos ou bisnetos construiriam esse mundo, um dia!
Depois de se despedir da filha e do neto, ajeitou a almofada em que estava recostado e deu um beijo no topo da cabeça dele, que acabou acordando de seu cochilo.
— Meu amor, que perfume bom! Ele sussurrou, puxando-a para si. É novo?
— É, sim, meu querido. É francês — informou, mentindo em parte.
Ela usava aquele mesmo perfume desde a época em que morava na Inglaterra. Tinha comprado o primeiro frasco em uma viagem à capital francesa. Os médicos haviam falado que era melhor não insistir com ele sobre coisas das quais não se lembrasse. Na medida do possível, ela agia de acordo com as memórias que ele manifestava, como se tivessem parado em algum momento de sua vida em comum (ou mesmo de antes de terem um relacionamento, o que era a parte mais difícil).
— O que eu to fazendo com uma meia de cada cor e de cueca? — Ele indagou, espantado.
— Fazendo graça, como sempre — respondeu ela, rindo. Ele franziu a testa, sem entender e então se levantou, dizendo que precisava se trocar para o jantar.
Assentindo, ela foi até a cozinha, esquentou a refeição que a cozinheira havia deixado pronta mais cedo e serviu tudo na sala de jantar.
O apetite de oscilava muito, mas naquela noite ele saboreou um salmão com molho de mostarda delicioso e ainda repetiu. Era um de seus pratos favoritos e isso a doença não tinha mudado.
Já estavam comendo sorvete de sobremesa quando resolveu conversar.
— Eu recebi uma carta do Edinho ontem. Ele passou no vestibular. Vai fazer direito, como ele sonhava. Eu to tão feliz por ele, amor! Mas eu não consigo deixar de me perguntar se vou conseguir ver meu filho se formar, sabe?
se lembrava bem dessa carta. Ele tinha recebida as cinco folhas de caderno, cheias de novidades e de questionamentos, quando o casal morava em Londres. Tinha sido anos antes, mas era impressionante como dava para ler no olhar dele o mesmo misto de sentimentos, de esperança e lamento pela possibilidade de perder um acontecimento tão importante!
O ano era 1977 e as coisas ainda não iam bem no Brasil o suficiente para que eles pudessem começar a pensar em um retorno.
Tentando afastar as próprias lembranças dessa época, que também trazia um misto de sentimentos, ela pegou a mão dele, sobre a mesa de jantar, apertando-a suavemente, para tentar transmitir algum consolo. Ele sorriu daquele jeito que sempre chegava ao coração dela e o aquecia, como nada mais no mundo.
— Eu sei de algo que vai te animar — assegurou, se levantando. — Um pouco de música.
— O Ernesto nos mandou algum LP novo? — Questionou ele, interessado, levantando também.
Foi a vez dela de sorrir, ao invés de responder. Como dizer para alguém cujos problemas de saúde lhe roubavam os anos que em 2020 não era mais comum ter discos de vinil e que aparelhos de celular (máquinas que funcionavam como telefones mas podiam ser levados a qualquer lugar!) normalmente eram o que se usava para ouvir músicas, as quais podiam ser escolhidas com apenas alguns toques dos dedos?
usou o Spotify para encontrar Crazy, na voz de Julio Iglesias, e eles foram novamente transportados no tempo, já que ele, como sempre fazia, comentou que a versão do cantor espanhol, gravada em 1994, era ainda melhor que a original de Patsy Cline, de 1961.
A ciência não é capaz de explicar tudo, e ali estava algo que os médicos não sabiam explicar: podia não se lembrar de acontecimentos recentes ou até mesmo de pessoas (inclusive algumas que não eram tão recentes assim em sua vida, como os filhos, que já tinham ambos mais de quarenta anos), mas quando se tratava de música ele sempre se lembrava!
Imediatamente ele começou a cantarolar e puxou a esposa para seus braços, dançando com ela, ainda que não com a desenvoltura de outrora.
simplesmente acompanhou o ritmo dele, sentindo uma paz que ela, mesmo sendo uma pessoa que ganhava a vida usando as palavras, jamais seria capaz de descrever.
Ela realmente ficava exausta, de vez em quando, por ter que cuidar de todas as coisas do marido, controlar o horário da medicação, lembrar do uso do aparelho auditivo, insistir a respeito dos exercícios recomendados pelos especialistas e, principalmente, por viver em uma montanha-russa de emoções, toda vez que era “transportada” para outra época por ele, sem qualquer previsibilidade. No entanto, o que não conseguia explicar para as pessoas que se preocupavam era que seu cansaço era um preço muito pequeno a pagar, para viver momentos como aquele ao lado de seu grande amor.
Ele podia achar que estava em outro tempo e outro lugar, mas o que importava para ela era estar com ele.
Onde quer que ele estivesse de verdade.
Fim
Nota da autora: Olá, meus amores! Espero que tenham curtido a fic. Me contem, por favor! Obrigada por terem lido e fiquem com meu abraço mais apertado!!! <3
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.