Capítulo Único
He
Como escolher entre o amor da sua vida e o que você foi criado para ser, para assumir, e algo que também é o que você ama? A oportunidade sempre chega quando menos se espera, ou se deseja. E esse é o meu caso.
Passei anos, a vida inteira, treinando para a minha grande missão para a Pátria e pelo nome do meu pai. E quando ela chegou, eu não sei se realmente vale a pena. Eu não estou tão feliz ou empolgado como eu achei que estaria. Só ela ronda meus pensamentos.
Horas atrás
- Comandante Wyard. – eu falo ao mesmo tempo em que bato continência, ao ficar de frente com o meu superior em sua sala.
- Sente-se, . – ele diz e eu obedeço, ainda sem entender porque fui chamado à sua sala. – Te chamei aqui porque surgiu um problema. E você e sua equipe são a nossa única esperança.
- Comandante, o que está acontecendo?
- , isso é segredo de Estado. Precisamos enviar uma equipe para a Síria para resgatar um grupo de americanos que está preso lá, nas mãos de tropas do governo. Precisamos fazer isso sem que ninguém além de você, sua equipe e eu saiba.
- Senhor... - começo a falar, mas sou interrompido.
- , falando assim parece fácil, mas não é. Vocês não terão todo o suporte que nós oferecemos. Vocês têm que ir como civis e com poucas armas. Não podemos começar uma guerra contra eles agora.
- Isso é diferente.
- Sim, eu sei. Mas eu não pediria se vocês não fossem capazes. Seu trabalho com essa equipe é excelente. Chegou o seu momento, Tenente . – Ele diz e se levanta, me estendo a mão em cumprimento como se já soubesse que eu ia aceitar, não que eu tenha muita escolha, afinal é meu trabalho.
- Não sei o que dizer, senhor. – eu falei e ele assentiu.
- Vocês partem amanhã, . – ele falou e voltou a se sentar em sua mesa, dando o assunto como encerrado.
Agora
Entrei em casa ainda meio desnorteado da informação que tinha recebido minutos antes de sair do centro. Após todos esses anos de treinamento, a minha grande missão dentro da SEAL tinha chego. Era considerada nova, uma loucura, algo nunca feito antes dentro da corporação. Era uma honra, se voltássemos seríamos heróis dentro da corporação, sem falar no sentimento de patriotismo e orgulho de mim mesmo. Então por que eu não estava feliz, extasiado, comemorando?
Me joguei no sofá, junto com a mochila que carregava todos os dias até o Centro de Treinamento. Meus olhos foram fisgados pelo porta retrato que fica no móvel ao lado do sofá. e eu sorridentes, em alguma praia da Grécia, nas últimas férias. O sorriso que nasceu no rosto foi involuntário e impossível de ser contido. era a melhor parte de mim, provavelmente a única. A única pessoa que me fazia gargalhar, com qualquer coisa e esquecer o treinamento que me foi dado a vida inteira, nem que seja por horas, ou dias ao seu lado.
Desde pequeno eu fui criado para ser um soldado, meu pai um ex SEAL morreu pouco tempo depois que eu fui aceito na corporação e considerava isso o maior orgulho da vida dele. Minha mãe nunca teve força e coragem para interferir na forma como meu pai decidiu que eu iria ser criado. Não aceitar essa missão iria contra tudo o que eu passei para chegar até esse momento, todo suor, lágrimas e orgulho do meu pai.
Apesar de toda a minha criação que me levava a esse momento, não conseguia parar de pensar em . Como abandonar a minha garota, que me faz rir e me faz de gato e sapato com todas as suas vontades? Olho ao redor, o apartamento ainda todo no escuro. Vejo os olhos verdes de Ginger, o gato preto que trouxe para casa após achá-lo na rua. E eu fiz o que? Fui comprar ração e tudo o que o bichano precisaria. Tudo para agradar a minha mulher.
é médica, nos conhecemos quando minha mãe ficou muito doente e ela era sua médica. Na primeira vez que a vi, já fiquei encantado com sua beleza. Mas conhecendo ela, aos poucos e no dia a dia, só me deslumbrava cada vez mais com a mulher que ela era. Nos vimos durante todo o tratamento da minha mãe. Na última consulta decidi chamá-la para sair. Ouvi um “não” bem grande em resposta.
Três anos atrás
- , eu sou a médica da sua mãe! Você não pode me chamar para um encontro?
- Mas por que não, ? O tratamento dela já acabou.
- Eu não posso, não posso. Agora vai embora, eu tenho pacientes para atender. – ela disse, apontando para a porta.
- .
- Tchau, ! – ela disse eu sai de sua sala. Mas ainda não tinha desistido. A única mulher que me desperta interesse em anos, não me quer. Bem típico da minha vida de merda.
Sai do hospital e fui em direção ao shopping. Comprei um belo buquê de flores, chocolates e uma garrafa de vinho.
Fiquei esperando do lado de fora da clínica que ela atendia até o espaço fechar. Vi quando ela saiu, indo em direção ao estacionamento. Dei um sorriso presunçoso ao ver a feição de surpresa dela, ao me ver parado ao lado do seu carro, com sacolas e um buquê na mão.
- , o que você está fazendo aqui?
- Eu não desisto fácil, doutora. E já que você não quer sair, ou um encontro. Podemos chamar isso de uma casualidade.
- Isso não é casual, você planejou.
- Só um vinho e chocolates. Nada demais. Se você me odiar ao fim a garrafa, eu vou embora e apago você da minha memória, por mais difícil que seja.
- Ok! Mas só uma garrafa. – ela disse sorrindo. Nos sentamos no próprio carro dela e bebemos o vinho enquanto ela comia o chocolate. Quando vi, a garrafa estava vazia e nós conversamos por horas, até que ela viu a hora e decidiu que tinha que ir para casa.
- E qual o veredito, doutora?
- Não foi de todo péssimo. Acho que podemos fazer isso mais vezes, mas nada mais que isso, . Não tenho nada para te oferecer.
- Você já está me oferecendo algo que eu nunca tive. – falei e vi um sorriso brotar nos seus lábios.
Agora
Depois de seis meses de encontros que basicamente eram uma garrafa de vinho, uma comida e muita conversa, eu descobri a razão de ter levado um fora logo de cara. tinha sido largada pelo noivo, um mês antes do casamento, quando tudo estava pronto para a festa. Mesmo tendo passado um ano, ela ainda não tinha se recuperado para entrar em qualquer outro relacionamento, ou até mesmo encontros.
Pouco depois de ter sido abandonada, ela descobriu que o pai traia a mãe por anos. Viu o casamento perfeito dos dois desabar e a mãe se entregar a depressão, enquanto seu pai seguia a vida, agora com a namorada que fora sua amante por anos. Tudo isso fez com que a linda mulher que eu hoje tenho ao meu lado, se retraísse e se fechasse para o amor ou qualquer outra coisa além do trabalho.
Eu só soube disso tudo, depois que já estávamos juntos. Um dia ela decidiu que poderíamos namorar e ela mesma fez o pedido. Meu pai, se estivesse vivo, teria tido um ataque. Pouco tempo depois, decidimos que iriamos morar juntos, eu já passava mais tempo em seu apartamento de qualquer forma.
Hoje, faz pouco mais de dois anos que estamos juntos. Cada dia é uma nova descoberta e eu me apaixono ainda mais pela mulher incrível que tenho ao meu lado. Meu trabalho, todos os segredos que o cercam, nunca foram um problema para ela. Sempre me aceitou do jeito quebrado que eu sou, e eu fiz o mesmo por ela. Juntos, somos completos. Não dois quebrados.
Quando dou por mim, estou com a garrafa de whisky na mão e largado no sofá. Não posso abandonar , mas também não posso abandonar a profissão que é tudo na minha vida, sempre foi tudo o que eu tinha. E por mais que tenha entrado nisso obrigado é a única coisa que eu sei fazer.
Mas como deixá-la para trás sem saber qual será o meu destino. Se eu volto? Se eu volto inteiro? Afinal, após uma missão nunca mais se é a mesma pessoa. E se ela não amar a pessoa que eu voltar? Eu não posso fazer isso com ela, sair por aquela porta sem ela saber se eu volto ou não...
Meus pensamentos são interrompidos quando as luzes da sala se acendem. Lá está ela na entrada do cômodo, me olhando, os olhos cheios de amor e ao mesmo tempo sem entender porque eu estou com uma garrafa já quase vazia na mão.
- Ei, o que aconteceu? – ela pergunta e vem rapidamente para o meu lado.
- Eu... eu... .
- , amor, calma. Está tudo bem. – ela diz, passando a mão pelo meu rosto, tentando me acalmar.
- Não está nada bem. – eu falo e ela me olha alarmada. Me solto dela e fico de pé. – Nós precisamos terminar. – falo, olhando para o chão.
- , como assim? O que está acontecendo? – ela me pergunta ainda sentada no sofá e me olhando assustada.
- Não aconteceu nada, só precisamos terminar. – falo, olhando nos olhos dela. Se vou fazer isso, que seja direito. Ela merece que eu ao menos olhe para ela.
- . O que aconteceu? Eu fiz algo que você não gostou? Você fez algo? – ela me pergunta, ainda sem entender
- Não aconteceu porra nenhuma, – eu grito. – Só estou falando que eu não quero mais você. Não quero mais brincar de casinha com você. – continuo falando, mais alto que o normal.
- Eu mereço ao menos saber o porquê. – ela diz e vejo seus olhos marejados, as lágrimas quase saltando. Meu coração se aperta, queria abraçá-la e dizer que é tudo uma mentira. Mas eu não posso. Não posso ir para o meio de uma guerra civil e deixá-la esperando por mim. Assim, ela pode seguir em frente.
- Eu cansei. Cansei desse seu jeito tonto, sua meiguice exagerada. Eu não aguento mais essa casa, esse gato. Cansei de fazer tudo o que você quer. Eu quero uma mulher de verdade e não uma menina que nem você. – falei, usando todo o desgosto que eu podia colocar na voz, quando na verdade era assim que eu me sentir. Eu não conseguia acreditar que estava falando assim com ela. O amor da minha vida.
- , você não é assim. Meu deus. O que aconteceu? – ela pergunta desesperada, lágrimas rolando pelos seu olhos, um choro que não é contido.
- Alguém abriu meus olhos. E eu descobri que você não faz feliz, nunca me fez. Foi bom um tempo, depois ficou sem graça, assim que nem você. – falei sendo maldoso, sabendo que essas palavras iriam machucá-la e assim, ela aceitaria me deixar.
- Você me traiu? –ela pergunta assustada.
- Você realmente achou que eu ia conseguir passar a vida toda com você? Você não é suficiente, , para mim e para ninguém, nunca será. Deve ser por isso que o seu noivo te largou, ele estava sempre certo.
- Não! , por que você está fazendo isso? – ela grita desesperada ,se jogando no sofá. Eu olho para ela, tudo o que eu vejo é dor. Não consigo acreditar que eu sou o responsável por isso, que eu estou fazendo ela sofrer dessa maneira. Mas seria muito pior, ela sofreria se eu voltasse morto. Assim, quem sabe um dia ela me perdoe e siga em frente.
- , eu estou fazendo isso, porque eu não aguento mais você. Eu não te amo, nunca te amei. Só queria ficar com você por um tempo, me divertir. Mas nem para isso você serviu direito, depois fiquei com dó de te largar. Mas agora, não. Eu não te aguento mais. - termino de falar e a olho. está aos prantos no sofá. Fui cruel ao atingir seu ponto fraco, o medo de rejeição que ela tem.
- , eu não acredito que você está fazendo isso comigo, depois de tudo o que nós passamos. - ela fala em meio as lágrimas.
- Foi até que bom enquanto durou, mas eu não suporto mais essa vidinha medíocre com você. Eu cansei de você, , eu não te amo. - falo com a intenção de machucar, mas quem vai sair ferido pela porta sou eu, com o coração despedaçado por fazê-la sofrer.
- Eu deveria ter ouvido meus amigos, quando eles falaram que você não era o cara certo. - dispara raivosa.
- Talvez eles já soubessem que eu não amava você ou que eu só estava me enganando e te enganando. Nós não íamos durar, não sei nem porque insisti com você.
- Vai embora daqui! - ela grita. Levanto meu olhar do tapete da sala e vejo seu estado, o rosto coberto de lágrimas e agora um certo olhar raivoso. Com isso, sei que cheguei onde precisava, para poder partir sem deixá-la presa a mim.
Pego minha mochila, que estava no canto da sala desde que cheguei e vou em direção a porta. Tiro a chave do bolso e olho minha casa pela última vez nos próximos seis meses, ou quem sabe para sempre. Destranco a porta e deixo a chave na fechadura.
Atravesso a porta dando adeus, da pior maneira possível, para a única pessoa capaz de me amar e me salvar de mim mesmo. Morrer em campo durante a batalha não me parece tão ruim se comparado a dor que eu sinto e a que eu causei em .
She
Já fazem cinco meses que ele se foi, que ele me deixou para nunca mais entrar por essa porta. Ninguém sabe onde está, nem sua mãe, irmã. É como se ele tivesse sumido do mapa. A dor e o medo de nunca mais ver ele são constantes.
Apesar de todas as atrocidades que ele me falou no nosso último dia juntos, eu não odeio. Como eu poderia se ele me deixou um pedaço dele, mesmo que não soubéssemos na época?
E eu não saber era ridículo, se levarmos em consideração que sou médica e deveria reconhecer os sintomas de uma gravidez. Mas eu estava tão imersa em minha própria dor, que não percebi.
“Eu não te amo”. Toda vez que fecho os olhos para dormir, essa frase e sua voz voltam e me impedem de dormir. Quando dou por mim estou repassando toda aquela briga e nosso relacionamento novamente, para saber onde foi que deu errado. Onde foi que eu errei.
Levanto da cama e vou até o nosso closet. Ele não se deu nem ao trabalho de levar suas roupas, relógio, nada. Tudo está impecável, como ele deixava quando arrumava. Abro a porta onde ficam as camisetas de futebol americano, todas estão organizadas pela ordem numérica dos jogadores. sempre foi um pouco pirado com organização.
Passo meus olhos pelo espaço e encontro um envelope em baixo das camisetas. O que é totalmente errado, já que nunca deixaria nada fora do lugar. Pego o envelope branco e vejo meu nome, escrito com a sua caligrafia. Volto com o papel em mãos para a cama.
Me acomodo na cama e respiro fundo diversas vezes antes de criar coragem para abrir.
“,
Antes de tudo quero que você saiba que foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. Senão fosse por você, não sei onde eu estaria hoje.
Tudo o que eu disse, horas atrás - se estiver lendo isso no mesmo dia - é mentira. Eu te amo e vou amar para sempre e com todas as minhas forças. Você é a primeira pessoa em que penso antes de dormir e logo que acordo.
Fui selecionado para uma missão, que todos dizem ser suicida. E eu não posso te deixar esperando por mim, com medo de ter soldados batendo na sua porta de madrugada para avisar sobre a minha morte. Não posso deixar você passar por mais isso. Por isso achei que era melhor você me odiar.
Eu estou me odiando por fazer isso, por te fazer sofrer. Você é a melhor pessoa do mundo inteiro e eu sou apenas um cara fodido que você ajudou. Não gaste suas lágrimas comigo, eu não mereço. Você merece um cara muito melhor do que eu e que vai poder te dar a segurança que eu não posso.
Eu te amo, hoje, amanhã e até o meu último sopro de vida.
Seja feliz e não pense em mim.
.”
Agora tudo faz sentido. Ele não me deixou porque não me amava, só queria me deixar segura. Me protegendo do seu jeito estranho, da mesma maneira desde o começo do nosso relacionamento.
- Papai ama a gente, . – falo, acariciando a barriga já saliente. - Volta para nós .