Prólogo

JULHO DE 2006
Os cabelos negros de Sophia só não reluziam mais do que o seu sorriso. Ela estava falando mais do que de costume, eufórica por finalmente ter conseguido um emprego novo.
O jeito quieto de null não o permitia esboçar muita empolgação, mas ele estava feliz, ria de lado, ouvindo atentamente cada detalhe sobre a entrevista que a namorada tivera mais cedo, e os planos que aquela oportunidade lhe traria.
null e Sophia sempre foram amigos, namorados, confidentes. Um era o pilar do outro, o que tornava tudo fácil entre eles, de modo que palavras nem precisavam ser usadas. Um gesto, um olhar, acabava sendo mais do que suficientes, o silêncio era confortável e a segurança era garantida.
Sempre incluíram um nos planos do outro, e mesmo naquele momento tão difícil para ela, null estava lá, mesmo sem poder estar, e faria isso porque a amava, porque era seu porto seguro.
A empolgação ainda estava lá, mas Sophia já havia lhe contado tudo, então deixou que uma música country tocasse baixinho dentro da caminhonete que estavam. Aproximou-se mais do seu namorado, apoiou a cabeça em seu ombro e foi abraçada por ele.
- Você acha que vai dar certo? – Olhou ele de canto, vendo seu sorriso refletir o dele. – Digo, ela vai ficar bem, não é?
- Você é a filha dela, já deu tudo certo.
- Lindo. – Ela sussurrou em seu ouvido.
- Linda. – Respondeu de volta, na mesma intensidade e amor.
Lindo e Linda eram as palavras usadas pra dizer aquelas três famosas, e para os dois representava até mais.
null desviou um instante da estrada para beijar Sophia, como sempre acontecia, os lábios pareciam imãs, buscando contato a todo instante. O beijo foi interrompido por um clarão, um carro em alta velocidade surgiu, num reflexo hábil null desviou, mas a estrada estreita não impediu de o carro bater contra a frágil ponte e cair no rio.
Escuro.
- null, acorda. – A voz desesperada de Sophia despertou o namorado. null lembrou automaticamente de onde estava, pois sentia a água fria já cobrindo a maior parte do seu corpo. – Graças a Deus. – A garota disse aliviada por ele estar bem, estar vivo. – Estou presa e você não acordava, me ajuda!
Sem nem precisar processar o pedido, null procurou meios de tirá-la de lá, mas a perna estava presa no câmbio do carro antigo. Ele se esforçou até o seu limite, e então tentou de novo, e de novo, sem deixar espaços para a exaustão, null lutava contra o tempo e a água.
- Não estou conseguindo. – Revelou atordoado quando a água ultrapassava a linha de seu queixo.
- Eu confio em você. – Sophia murmurou, em meio à tentativa de esconder o seu choro. Seu pescoço já estava levantado e o pânico já a tinha dominado há bastante tempo, mas não podia deixar que ele soubesse. – null, eu confio em você.
Sophia repetiu aquelas palavras, porque sabia que poderia, mesmo se não sobrevivesse aquilo, tinha certeza que null continuaria a fazer o que fosse necessário para salvar sua mãe.
- Eu não vou te abandonar!
Não se passou muito tempo, a água tomou o carro e a vida dos dois. Sophia estava totalmente imersa, null levantava para buscar ar, inflava suas bochechas com o máximo que conseguia e mergulhava passando tudo para ela, depois continuava tentando a libertar dali. Fez isso por quatro vezes, ele contou.
"Eu amo vocês" e a imagem daquela que lhe era tudo, ainda saudável, foi à última coisa que Sophia pensou antes da água roubar seus sentidos de uma vez, fazendo null gritar, bolhas saíram de sua boca, cada átomo delas, era a sua dor começando a se esvair.
Milhares de pensamentos inundaram seus pensamentos à medida que sua boca enchia de água e seus pulmões, sem ar, queimavam em seu peito. Mas ele não podia deixa-a lá, o pouco de força que lhe sobrou ele dividiu em dois, para conseguir tiraá-la de dentro do carro, e a outra pra tentar reanimá-la.
Quando deitou o corpo inerte de Sophia na margem, null apertou o nariz dela e soprou a vida que lhe restava, comprimiu seu peito, depois deixou o cuidado de lado e o esmurrou, não obteve sucesso e esmurrou o chão ao seu lado, gritando para que ela voltasse, reagisse e dissesse que tudo ficaria bem. Nada. Cansado e incrédulo, ele a tomou em seus braços e, lhe acolhendo, se permitiu chorar, tendo aquela despedida particular daquela que ele amaria eternamente. Eterno também seria a sua culpa. Sophia havia partido levando tudo, já que metade de null era ela, e a outra, ele, de bom grado, havia lhe dado.


Capítulo 1

AGOSTO DE 2014
null desfez o coque elaborado que havia feito há segundos atrás e os fios de seus cabelos loiros emolduraram o seu rosto. Decidiu também por abrir dois botões de sua blusa, deixando o busto mais evidente, e duas camadas de rímel sobre seus cílios longos foi o toque final. Olhou-se no espelho e se sentiu sexy e confiante, era o que ela precisava para aquela entrevista de emprego.
Tendo se formado há quatro meses, havia voltado pra loucura de sua cidade natal, Las Vegas, mas na sua especialização, pediatria, o trabalho que havia conseguido como plantonista num hospital não estava suprindo as contas do financiamento da faculdade e o aluguel de seu pequeno apartamento. Precisava ganhar mais e aquela era sua melhor oportunidade.
“Trabalhar para monstros.” Esse era o termo usado por ela para todo praticante de MMA, já que considerava aquilo uma atrocidade, não um esporte. Mesmo tendo feito o juramento de Hipócrates, ela não conseguia se livrar de seus julgamentos, se eles queriam e ganhavam para se machucarem, porque alguém deveria tratá-los? Dinheiro! Eram tempos necessários.
Ao conhecer o seu provável futuro chefe, ela ficou sabendo o quão simples seria suas funções. Teria que estar disponível aos sábados a noite que acontecessem as lutas, trataria dos ferimentos dos lutadores, faria relatórios de suas condições pós luta e, o mais importante, ganharia o dobro do que ganhava no hospital. Sem pestanejar, apertou a mão do homem e saiu de lá contratada.

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Era o seu primeiro dia e null estava achando todo o seu atendimento dinâmico, diferente e divertido. Já havia atendido duas garotas, anos mais nova que ela, mas que tinham o dobro de sua altura e peso. Ficou ainda mais surpresa com os rapazes. Eram mais sensíveis do que ela mesma em dias de TPM, não só porque faziam birras quando ela lhe aplicava algum remédio intravenoso, ou limpava suas feridas com antissépticos, mas porque todos pareciam apaixonados, pela profissão, a família que havia ficado para trás, ou alguma garota que lhes roubara o coração. Em sua avaliação, null os achou encantadores e gentis, ao excluir o seu imagético, já que todos tinham caras de brutos e intimidadores, tatuagens, que se perfilavam disformemente em seu corpo, e voz grave. As lágrimas e compaixão pelo adversário que perdeu, ou admiração ao que ganhou, os tornavam únicos e muito diferentes do que ela esperava.
Exceto por um.
null foi o último a chegar, então null concluiu que ele, naquele dia, era o lutador mais importante.
Ele se sentou mudo, e permaneceu assim. Não reclamou de absolutamente nada, como se a garota lhe fizesse um carinho.
- Me chamo null. – Puxou assunto, e o fato dele tê-la ignorado lhe instigou a continuar. – Você é o meu último paciente, então eu presumo que venceu, já que os perdedores chegam aqui primeiro. – Enquanto ela preparava uma injeção, riu sozinha de sua piada. – Não acha isso irônico? O primeiro no ringue e o último na enfermaria.
- É octógono. – null corrigiu, mas permaneceu encarando o chão abaixo de seus pés.
- Me desculpe, o que? – null virou-se pra ele.
- Competimos num octógono, isso aqui não é boxe.
- Mas eu pensei que fosse... – O olhar de null sobre ela a paralisou.
- Não é a mesma coisa. – null definiu, querendo encerrar aquele assunto ridículo, não estava mais aguentando ouvir aquela médica falar.
- null Morcego null. Por que Morcego?
- Isso não importa. – A cortou rude, mas ela, se tivesse notado sua impaciência, não estava se importando.
- Como vocês escolhem o nome dos bichos? Tem que ser um bicho? Mais cedo chegou aqui um Mason Gambá, mas ele não tinha nenhum mau cheiro...
"Alguém tem que calar a boca dessa garota!" Foi o que o consciente de null berrou. Primeiro que ela deveria ser mais nova do que ele, e bonita demais para ser digna de ter um jaleco. Pessoas com os seus padrões de beleza acabavam em passarelas, e não em faculdades de medicina. Enquanto null continuava com seu discurso preconceituoso, dentro de sua mente, a voz esganiçada daquele ser loiro não cessava.
- Está doendo? – Ela se referiu à agulha que havia depositado em seu braço.
- Não. – Respondeu seco, querendo lhe dizer que só sentia dor em seu ouvido, que era obrigado a escutá-la, mas resolveu não ser mal educado, externando aquilo.
null, propositalmente, apertou o acesso no braço do lutador, que continuou sem reação. Ela desistiu, se emudecendo, e terminou o seu trabalho, se virou para fazer as suas anotações e esperou que ele fosse embora sem sequer agradecer. Estava enganada.
- Obrigado. – null não sabia por que havia mudado de atitude, mas voltou assim que alcançou a porta. A médica, ainda de costas, fez um breve aceno com a mão, e a falta de palavras naquela despedida, o deixou confuso.

OUTUBRO DE 2014
Durante os raros e espaçados atendimentos, null primeiro quis manter a linha recatada, dando aquele paciente o espaço que ele queria, mas aquilo durou apenas doze minutos. Ela amava falar, e mesmo sabendo que ele se irritava com os seus monólogos, a ponto de revirar os olhos, aquele jogo se tornou o mais divertido e prazeroso de seu trabalho.
Pegou sua bolsa e, antes de deixar a arena do hotel, achou uma mochila caída perto de uma lixeira na porta do vestiário. A curiosidade, seu pior defeito, segundo seu avô, a fez pegar o objeto e abrir, afinal, ali poderia conter informações do dono, a quem ela procuraria devolver. Em meio a equipamentos de treino, algo chamou a atenção da garota. Duas fotos, uma era a foto de um garotinho, cabelos loiros e olhos verdes, com um sorriso escancarado, ao lado de dois adultos, que deveria ser os pais. A segunda foto era a de um casal, ela, muito mais baixa do que ele, tinha seu corpo todo envolvido pelo rapaz, numa proteção quase exagerada. Ela era linda, longos cabelos negros, assim como seus olhos, sorriso bobo e apaixonado. Correu os olhos para o rapaz e...
- O que você pensa que está fazendo? – null tomou aquelas fotos da mão de null sem o cuidado exigido, já que ele era muito mais forte que ela.
- Esse é você? – Ela manteve um sorriso amigável, ainda achando null diferente e mais bonito naquelas fotos.
Refletiu por um instante e notou que o que tornava tudo incomum era o sorriso em seu rosto. No fundo, ela desejou poder enxergar aquilo de perto ou, talvez, ser o motivo dele, mas sua mente berrou o quanto ela era tola.
- Você não tem o direito de mexer nas minhas coisas. – null estava tão irritado que não se incomodou de responder qualquer pergunta que lhe foi feita.
- Não é mexer quando você simplesmente esbarra nelas.
Aquilo era uma inverdade que null sustentaria.
- Aposto que não. – null se aproximou da garota com um animal se aproxima de sua presa. – Eu já cansei de você.
- Mas eu... – Rudemente dois dos dedos de null prenderam os lábios da garota, a impossibilitando de falar.
- Eu cansei da porra da sua voz, e pior... Eu cansei da porra da sua curiosidade, então, saia do meu caminho. Entendeu?
Estranhamente, null não sentiu medo, não sentiu por que já havia notado a máscara que null usava, surtia efeito nos seus oponentes, mas não com ela. Para afagar o ego dele, ela concordou com a cabeça, sentindo o corpo queimar ao toque dele em sua boca. Desejando que ele lhe tocasse mais embaixo.
null achou o gesto satisfatório, então se virou para ir embora, parando ao ouvir a risada da garota. A porra da risada que tanto lhe incomodava.
- Isso é o melhor que pode fazer, Morcego? – Ela debochou e as mãos de null se fecharam em punhos, e um passo foi dado para trás, ele se virou minimamente para poder encará-la, achando que o seu olhar poderia intimidar. Nada. – Porque eu não tenho medo de você, e eu vou continuar falando.
Quando null determinou, null traçou uma rota e a tomou em seu braço, mordeu seu lábio inferior antes de lhe beijar, com a fúria que sentia naquele momento, a mão estava presa nos cabelos de sua nuca, puxando para buscar ainda mais contato. As mãos de null foram cravadas no braço do garoto, por pura necessidade de buscar um equilíbrio, enquanto se deliciava com o beijo, que ela achou e até esperou que durasse mais. Mas, bruscamente, como ele se iniciou, acabou, e null saiu dali sem nem ao menos lhe lançar um olhar e, pela primeira vez, deixando null sem palavras.


Capítulo 2

DEZEMBRO 2014
Quando null entrou no elevador e se deparou com null segurando um buquê de flores, paralisou, mas não recuou. O botão para o penúltimo andar já havia sido acionado, null tinha o mesmo destino que ela.
Meio minuto depois, a garota começou a gargalhar, irritando null, que até perguntaria o motivo de sua exaltação, mas sabia que ela mesma lhe diria.
- Estou me sentindo em Grey’s Anatomy, onde você sempre encontra pessoas indesejadas no elevador do hospital. – null não falou nada, mesmo sem ter a mínima noção do que ela mencionara. – O que veio fazer aqui? Ah, já sei... Aposto que veio visitar alguma namoradinha e lhe pedir perdão por ter passado suas doenças venéreas para ela.
- Era pra rir? Ou essa foi mais uma tentativa sua de puxar papo comigo? – null não se deu ao trabalho de olhar a garota. – Porque isso é realmente patético.
- Nossa. – null não se afetou com as palavras de null. – O lutador está irritado hoje?
- Qual o seu problema com lutadores? – Até ele lhe fazer aquela pergunta.
- Além de vocês ganharem a vida batendo uns nos outros, e quando estão fora do ringue...
- É octógono.
-... Vivem vidas promíscuas e insignificantes, acho que mais nada.
Ela despejou todo aquele discurso que para null, era um desabafo contido e antigo, que o fizeram sorrir.
- A Doutora ficou irritadinha? – Faltava apenas um andar, e algumas enfermeiras entraram no elevador. null se aproximou ainda mais de null e a provocou num sussurro. – Já sei, algum lutador malvado te deixou apaixonada, mas depois fugiu, quando não aguentou sua chatice. – Revirou os olhos. – Que previsível.
O corpo de null retesou de imediato e ela só pode agradecer quando as portas se abriram e ela fugiu dali, mas por infortúnio, null a seguiu, rindo em escárnio.
- Eu acertei, não foi? – null se virou pra ele com olhar firme e decidido.
- Sim, acertou! Ele me deixou, e agora você comprovou minha teoria de que todo lutador é um moleque, que acha que sair dando socos por aí irá sanar algum problema.
- Nós lutamos no octógono pelos sonhos que temos fora dele, então para de agir como se soubesse de tudo.
- Me deixa em paz! – O desejo de null era ter gritado, mas conseguiu manter o controle.
- Pode passar. – null estendeu o braço, dando passagem para ela. – Mas eu sei que você não me esqueceu, e só pensa naquele beijo. – Provocou e lançou o seu melhor sorriso cínico.
- Moleque! – Foi tudo o que null disse, torcendo para que null não ouvisse os seus pensamentos, que gritava o quanto ele estava certo.
Assim que null cruzou a porta e notou que Maggie estava dormindo, se sentou numa poltrona que havia ali, e logo quis entender porque infernos tinha mencionado o beijo para null. A resposta era óbvia, aquele momento não havia saído dele.

FEVEREIRO 2015
Quando Brian Monstrengo saiu do consultório de null, a garota estava desnorteada, mas segura de suas decisões, de uma forma que ela não achou ser possível. null entrou alguns instantes depois, mas ela não se incomodou, não estava com paciência, humor ou ânimo para provocações bobas.
A única coisa que dominava sua concentração era a conversa que tivera com Brian, em como mais uma vez ele tentou lhe convencer de sua mudança, e enredar em suas teias de mentiras. Mas algo dentro de null havia mudado, e antes mesmo de mandar o cara sair de vez de sua vida, não tinha notado isso, em como ela se tornou imune a ele, e se sentiu orgulhosa por não ceder, não se importar. Finalmente, ela passou a se sentir que merecia mais.
Assim que null se sentou e começou a ser examinado por null, teve certeza que havia algo de errado com ela.
- Eu venci a luta. – null estava tão alienada que nem ouviu que null havia dito alguma coisa, não o ignorou propositalmente. – Você me ouviu?
- Está sentindo alguma coisa? – Ela perguntou, limpando um ferimento no canto da boca do lutador.
- Eu disse que venci a luta. – Sentiu o local arder, mas ignorou.
- Esse é o seu trabalho.
- Uou. – null acabou rindo de sua resposta fria. – Você deveria estar me agradecendo e não querendo brigar comigo.
- Agradecer? Pelo que?
- Eu venci a luta. – Deu de ombros. – Mas dei um soco especial nele por você.
A expressão de choque da garota deu a null a certeza que precisava. Brian era mesmo o ex-namorado de null, e sentiu até pena dela, o cara era um michê, que se vendia por tudo, e conhecia null há pouco tempo, mas sabia que alguém tão integra como ela merecia algo melhor.
- Você fez um bom trabalho no rosto dele. – null retirou as luvas e as descartou no lixo, e foi assinar o prontuário. – Nós acabamos aqui.
- Ele te importunou? – null não respondeu, null percebeu que era ele quem a estava incomodando e desceu da maca.
- null. – Ele parou e fez questão de olhar bem nos fundos dos olhos de null, enxergando sua gratidão. – Muito obrigada e... Brian não vai mais me incomodar, eu dei um fim nisso.
null lhe deu um sorriso orgulhoso antes de sair.

ABRIL 2015
null e null continuavam se esbarrando no hospital ou quando ela o tratava após suas lutas. Mas eles não estavam mais se falando, havia verdades demais em meio a relação que tinham criado. Os olhares continuavam intensos, qualquer toque poderia causar um incêndio entre eles, mas ambos lutavam contra aquilo.
null ficara sabendo que todas as quartas e sextas null ia visitar uma senhora na ala de oncologia, trazendo sempre as mesmas flores e o mesmo sorriso motivacional. null sabia que null trabalhava na emergência, mas notara que ela, provavelmente no seu tempo livre, entrava no quarto 807 e, movido por sua curiosidade, soube que não havia nenhum paciente ali.
null estava contando um dos seus treinos para Maggie, a maioria deles eram exagerados, como um causo de comediante, e tudo porque a fazia rir, e por enquanto isso era a única coisa que ele poderia fazer. Num instante, aquela alegria se desfez e uma expressão de dor surgiu no rosto de Maggie, e ela se contorceu, os aparelhos berraram que havia algo errado, e em meio aquela confusão que se instaurou no quarto, null teve que sair de lá.
A partir dali, ele se sentia uma criança, o pranto beirava os seus olhos, mas ele manteve a postura, tinha medo de tudo, principalmente de sentir mais uma saudade.
null estava perdendo as forças e a esperança. Maggie havia sido estabilizada, mas estava fazendo mais exames, e null, impotente, só poderia esperar. Seus pés o guiaram, não dando tempo para sua razão processar o que de fato ele estava fazendo. Encontrou null sentada no lugar de sempre enquanto comia uma maçã e observava a vista pela enorme janela de vidro. O sol batia delicadamente no seu rosto, o cabelo brilhando da mesma cor dos raios, e encará-la deixou null instantaneamente mais calmo.
null se assustou com a presença de null ali, no seu quase santuário particular, eles conversaram através do olhar, mas logo null tirou suas máscaras, revelando a null toda a sua fragilidade naquele momento.
- Está tudo bem? – Ela perguntou, investigando suas expressões, null apenas deu de ombros e sentou-se ao seu lado. – O que você veio fazer aqui?
- Conversar. – null não conseguiu reprimir uma risada, mesmo estando preocupada com ele.
- Você é mudo, não conversa.
E era verdade, null soube que algo grave rondou null assim que lhe viu. O rapaz estava mais abatido, amedrontado e buscava um acalanto, e a médica queria lhe dar carinho, mas null provavelmente fugiria, e esse não seria um bom momento.
- Mas você conversa por nós dois, e eu... Só preciso de um pouco de distração e não posso fazer sexo num hospital.
- Quem disse que não? Eu faço isso o tempo inteiro. – null olhou incrédulo para ela, e não soube se ela estava ou não falando a verdade, então considerou mudar de assunto, fazendo null achar graça.
- Por que você passa seu tempo livre na ala oncológica?
- Eu me sinto em paz e mais corajosa aqui, quando eu sei que todas aquelas pessoas estão lutando por suas vidas, eu me lembro de que eu não devo fazer menos do que isso.
- Muitas delas estão sofrendo.
- Pessoas não lutam em vão, se elas querem viver, é porque valerá a pena, e certamente elas irão ficar bem.
- Por isso decidiu ser médica? Pra cuidar das pessoas?
- E ajudá-las a realizar os seus sonhos. Às vezes é preciso cair pra levantar novamente, a dor é o que nos impulsiona a investigar, buscar uma cura, um crescimento, e o amor é o remédio.
null se levantou e passou a mão contra o cabelo de null, num carinho amigável e reconfortante.
- Sua mãe vai ficar bem.
Antes que ela pudesse sair, null segurou sua mão, trazendo um choque para ambos.
- Ela não é a minha mãe, mas é como se fosse e... – null interrompeu.
- Ela tem você, então já é uma pessoa sortuda.
- Obrigado pela conversa.
Era mais um segredo revelado, mais uma barreira derrubada. Os corações dos dois sorriram.


Capítulo 3

JUNHO 2015
Quando null recebeu o convite de uma festa de um lutador do UFC, foi sem pensar duas vezes. Ela estava precisando de uma boa dança, uma boa dose de bebida, e – por sorte – alguém que acabasse com sua carência.
A casa era enorme, a festa bastante animada, e null já tinha resolvido experimentar cada bebida que lhe serviam, mas o que ela fazia naquele momento, se estava ou não conversando com alguém, se dançava ou descansava, ela não saberia dizer. O coração dela passou a bater acelerado assim que seus olhos viram null se aproximar, caminhando lentamente, sorriso torto, tomado por uma malicia, que null ainda não conhecia a intensidade. Era tão atrativo que fizeram null paralisar, esperando por ele, tremula em ânsia, os desejos gritando.
- Olha só, quem poderia imaginar que a doutora null fosse a uma festa? – Ela riu, e null soube de imediato que ela já havia exagerado na bebida.
- Você fala? – null fingiu assombro. – Quem poderia imaginar? – Lhe devolveu a pergunta, piscando para ele.
- Só acho que a boca não foi feita pra falar.
- Concordo. – Os demônios nos olhos de null queimavam a pele de null em pura luxúria. – Imagine, falar não é a melhor coisa que eu faço com a boca.
E null imaginou. E como imaginou! As perversões de sua mente sobre null, naquele momento, aumentaram diante do seu atrevimento. O lutador sorriu ladino, puxou sua nuca com a mão forte e os dedos precisos, null fechou os olhos, se entregando aos prazeres que o beijo dele lhe proporcionava.
Totalmente inebriada de desejo e álcool, foi null que tomou a iniciativa de sair daquele lugar populoso, para um onde ela poderia ser só dele. null achou o ato independente e a garota ainda mais sensacional, para ele, null não estava sendo fácil, estavam seguindo os seus desejos, isso mostrava quão verdadeira ela era.
Quando eles chegaram ao segundo andar da casa, null percebeu que tinha que assumir o controle.
- Não, vamos para o meu quarto. – null parou.
- Espera, essa festa é sua? – null se aproximou dela, beijou o seu pescoço, mandíbula e mordeu o lóbulo de sua orelha antes de sussurrar.
- Quem você acha que te convidou? Eu quero você desde o dia que te beijei. – A mão dele invadiu o vestido dela e apertou suas nádegas. – Você é viciante, null.
Eles se beijaram até null sentir seu corpo cair numa superfície macia, os olhos de null eram selvagens e ansiosos para desvendar o pouco que o vestido que a garota usava ainda cobria.
O pé de null acariciou o meio das pernas de null, sentindo ele inteiro, extenso, duro, e só para ela.
- Vem. – Ela exigiu e mordeu o lábio ao imaginar o que sentiria quando finalmente ele estivesse dentro dela.
Aquele atrevimento descontrolou ainda mais o lutador.
Beijos, mordidas, tapas, null e null se conheceram através de movimentos lascivos.
Houve uma dança sinuosa e primitiva. Os corpos suados se encaixavam perfeitamente ao se chocarem, quentes e trêmulos de prazer. As dores eram prazerosas, os carinhos eram brutos, os toques urgentes.
null gemia em aprovação, revelando um lado obscuro que null sequer imaginava, mas que estava adorando explorar.
A faísca do pecado faziam os olhos da garota arderem, tudo que null ordenava para ela fazer eram vislumbres do encanto da carne, algo dentro dela pesava feito rocha, ardia, queimava por dentro e por fora. Congelava, sendo empurrado para a explosão, o corpo dela se desfez sobre o dele várias e várias vezes durante aquela noite, num prazer inédito para ela.
Para null, o corpo esculpido da garota tinha o cheiro do pecado, cada curva, cada detalhe, era discreto e provocante, moldado em prazer puro.
Qualquer garota poderia ser má na cama com null, mas foi preciso uma boa para lhe tirar o eixo.
A lua morreu e eles ainda continuavam explorando lugares, posições, saciando a libido de seus corpos. Depois de muito o sol brilhar, eles caíram ofegantes e satisfeitos.
- Ok, doutora, você me impressionou.
- Não vou dizer que me surpreendi, porque eu meio que imaginava assim. – Ela deixou que o seu sorriso limitasse o de null, e quando pensou em se aninhar nos braços dele, suas mãos a impediram.
- Acho que está na hora de você ir embora. – A princípio, as palavras dele soaram como uma piada para ela, de mau gosto, mas ainda uma piada.
Nenhum fio de arrependimento passou na mente de null, mesmo ele tendo sentindo certa compaixão ao encarar os olhos azuis e nebulosos com alguns sentimentos indignados, ele não podia fazer nada. O que tinha para lhe dar, ele deu, e pela maneira como ela havia gritado, tinha feito muito bem a sua parte.
- Ir embora? – null só esperava um pouco de respeito, por isso seu tom de voz era decepcionado.
- É, eu não durmo com ninguém, então, por favor. – Retirou o lençol que a cobria, para reforçar suas palavras. Ainda em choque, null segurou os seus seios e tentou esconder sua humilhação e se levantou.
Para null, todos os movimentos dela foram extremamente rápidos, e, em menos de três minutos, já estava sozinho em sua cama. Silêncio. O silêncio que null tanto adorava, naquela noite veio acompanhado de ausência, não de sua ex-namorada, mas de uma voz esganiçada, alegre. Sem querer parar para pensar, null se forçou a dormir e esquecer aquilo.

OUTUBRO 2015
null tentou. Disse para si mesma em frente ao espelho que jamais ficaria com null, ou alguém tão idiota como ele. Não durou muito. Na primeira oportunidade, estava sobre a sua mesa, sendo devorada por ele ali, ou no carro, no "ringue", em sua cama, na cama dele.
Assim eles seguiram, tendo o sexo como a base daquele relacionamento, mas toda a vez, e já haviam sido muitas, que null satisfazia o corpo de null, ocupava um espaço em seu coração. null era areia movediça, que sugava null sempre que ela tentava fugir.
- Fica. – null parou de procurar suas roupas e o encarou estupefata. – Dorme comigo.
- Tem certeza? Você nunca dorme com ninguém e...
- Sempre tagarela. – null bateu na cama ao seu lado, e null cedeu ao seu chamado, e foi acolhida por seus braços. – Eu não durmo com ninguém, mas você não é ninguém. – Ela ergueu a cabeça, encontrando o olhar verdadeiro dele. – Você é minha tagarela.
null lhe deu um sorriso eufórico e beijou sua boca, depois todo o seu rosto e pescoço. Ele havia lhe deixado, pela primeira vez, sem palavras.
Na manhã seguinte, null fez questão de acordar mais cedo. Observou o sol subir e brilhar ainda mais no céu. null dormia pesado ao seu lado, e seu rosto sereno e calmo o deixavam ainda mais lindo, e traziam ao pensamento dela todos os detalhes da noite que tiveram juntos. Ficou mais feliz do que seu ego poderia assumir e resolveu levantar e fazer um café da manhã para os dois, mas antes não resistiu e beijou seus lábios, depois sua bochecha, se esforçando para sair antes que continuasse com aquilo e não conseguisse mais parar.
Encontrar a cozinha foi fácil, mas não o fogão, já havia aberto armários, analisado cada parte daquele lugar, acreditando que o aparelho estivesse escondido atrás de um designer inovador de gente rica.
- O que você está fazendo? – A voz ainda mais rouca de null assustou null, que levou imediatamente a mão até o peito.
- Pensei em fazer um café da manhã. – Respondeu de imediato, por pura adrenalina. – Mas não achei o fogão. – Só depois de dizer percebeu o quanto estava sendo patética, e ficou com vergonha por isso.
- Eu não tenho fogão, olha a minha geladeira. – Sem entender, null fez o que ele pediu e notou diversos adesivos de restaurantes colados na porta. Ela gargalhou e colocou as mãos na cintura.
- Por que eu não estou surpresa?
null achou tudo naquela cena adorável, desde o corpo da garota, coberto apenas por uma camisa sua, até sua expressão divertida, acompanhada de sua risada estranha. Ele rompeu a distância entre eles e beijou de leve os seus lábios.
- Eu posso trazer um fogão, se você quer tanto cozinhar para mim.
- Folgado. – Cutucou a barriga dele, sabendo que aquilo lhe causaria cócegas, e ela adorava o som da risada de null. Ainda não sabia se porque era realmente encantador, ou porque a ouvia pouco.
- Pode parar com isso. – Ele se contorceu rindo e fez música para os ouvidos dela, então ela não parou e continuou se deliciando. – Para, sua chata. – null usou o fato de ser maior e mais forte que ela e pegou a garota com facilidade, como se pegasse uma pluma. Uma de suas mãos prenderam os braços dela nas costas e a outra dedilhava a sua barriga e pescoço. Ela explodiu em uma risada escandalosa.
- Assim... Assim não... Não vale.
- Fala que eu sou lindo e eu paro.
- Nuuuunca.
- Diz que eu sou lindo e o melhor.
- Você é malvado! – Os dedos dele comprimiram ainda mais a pele sensível da garota, mas ambos se deleitavam daquele momento leve.
- Diz! – Ele pediu divertido e ela começou a se render.
- Você é lindo! – Esperou que ele parasse, mas null ainda não estava satisfeito. Buscou fôlego em meio a sua risada e continuou. – Lindo e o melhor.
null enfim parou e a abraçou, absorvendo os resquícios de sua risada e tentando fazer um carinho em seus cabelos, até que sua respiração se normalizasse.
- Sempre soube que eu era tudo isso. – Disse num tom forçado e superior. – Mas é ótimo ouvir você dizer.
null o encarou e o achou ainda mais incrível. Às vezes não conseguia acreditar que finalmente havia conseguido trazer a tona um null que ela sabia que ele mantinha escondido, mas que estava lá. Sem pensar, filtrar ou medir as consequências, deixou que sua empolgação liberasse uma verdade.
- Ah, eu amo voc... – A frase de null morreu em meio ao seu constrangimento, mas não rápido o suficiente para que ela ficasse viva, gritando e rondando a mente de null.
Não havia mais risadas, nem mesmo um sorriso, de nenhuma das partes.
Entorpecido e assustado, null nem teve coragem de lhe pedir para confirmar aquilo, se afastou da garota, tentando não parecer rude, se havia tido êxito ele não saberia dizer.
- Então, para qual restaurante vamos ligar e pedir o café?
Ela havia mudado drasticamente de assunto, seu lábio tremia, antecipando um choro que ela lutava para conter.
- Você decide. – Se esforçou para responder.
null se afastou ainda mais e pegou o telefone.
- Eu vou ligar pra um que serve panquecas.
E assim ele fez, saindo em seguida para tomar um banho. Os dois haviam assinado um acordo mudo, onde não tocariam mais nesse assunto, mesmo que agora as palavras ditas pela garota haviam se fixado neles como uma tatuagem.

DEZEMBRO 2015
- Não sei se foi um grande feito, ele não era um grande oponente. – null riu do jeito humilde de null tratar o seu trabalho.
- Ah, você fez sim, e fez com graça. Foi lindo.
- Boba, só você pra achar beleza numa luta.
- Tudo o que envolve você é. – Quando null não sabia o que dizer, continuava usando a técnica de beijá-la, sempre torcendo para ela entender o que queria deixar subentendido, e null sempre entendia. Ela usava tanto as palavras, que conseguia ouvir perfeitamente os gestos mudo do rapaz.
O beijo se encerrou e a garota passou a encarar os olhos verdes de null, orgulhosa dele, feliz por ele. Provavelmente fez isso por tempo demais, fazendo null se intrigar.
- O que foi? Está planejando me assassinar? – Ele brincou e levou as mãos para nuca da garota, sentindo o corpo dela se arrepiar. A resposta de null foi uma carícia no rosto machucado de null. – Diz o que houve.
O contato dos dois se tornou ainda mais ínfimo, a garota fechou os olhos e, despida de qualquer medo, sussurrou.
- Eu te amo. – O coração de null disparou, como se ouvisse aquilo pela primeira vez. – Não fala nada, ok? Só me beija.
E assim null fez. A beijou com o coração esmagado no peito, e um arrepio permanente na espinha. Aquilo já havia ido longe demais e precisava acabar.
A conversa que null tivera com Maggie naquela manhã lhe deram força e certeza para continuar com seu plano, e nada, nem mesmo null, iria impedi-lo, contudo, acorrentar a garota a ele era forçá-la a pular do precipício que null almejava.

**********************


null chegou à casa de null logo quando o crepúsculo atingiu o céu. Teve seu acesso liberado facilmente, pois acharam que ela era mais uma convidada para uma festa que estava tendo, festa da qual ela não tinha nenhum conhecimento. Também, null não dava notícias há uma semana, e sempre estava ocupado demais para retornar as ligações de null, ou lhe enviar uma mensagem.
O barulho era alto e as pessoas já estavam tão ébrias que sorriam e eram agradáveis. null foi empurrada por alguém apressado demais, e conferiu se o bolo que havia trazido permanecia intacto. Naquela manhã, ela havia chegado do plantão, usualmente cansada, mas resolveu gastar o seu tempo preparando um bolo fit de chocolate, null adorava doces, mas naquela semana não poderia comer açúcar, então achou brilhante sua ideia e sentiu-se orgulhosa de seu feito.
Finalmente os olhos da garota encontraram null, ele estava na sala, conversando com uns amigos e garotas seminuas, foi o que ela mais reparou, nas mãos dele havia um copo, e quando sua presença foi notada, null seguiu rápido em sua direção.
- O que você está fazendo aqui? – A pergunta dele, cheia de raiva contida, fez o sorriso de null se desfazer gradativamente, mas ela não perdeu a compostura tão facilmente.
- Eu não sabia que estava tendo uma festa. – Emendou sem ter tempo nem para respirar. – Você não atendeu minhas ligações, mas eu precisava te entregar isso, eu mesma que fiz, como você...
- Não comece com monólogo! – null exigiu e roubou o embrulho das mãos da garota, para depois abrir. Todos os seus movimentos rudes e impacientes. Ao ver o que tinha ali, ele riu, gargalhou na verdade, e não foi do jeito bom, que null adorava. – Olhem isso. – Mostrou desdenhoso para os amigos, que acabaram acompanhando sua risada, menos null, ela ainda não havia entendido a piada que havia se tornado. – Doutora, leve essa bomba de açúcar daqui! – Antes mesmo de concluir a frase, a caixa já estava nos braços de null, null havia empurrado ali. – Agora, pode ir embora.
Mais uma humilhação, mas daquela vez havia uma plateia. null olhou nos olhos de null e decorou cada parte daquela expressão irônica, e jurou para si mesma que pararia. Correr atrás de null era como correr atrás de nuvens.

**********************


O dia do treino aberto chegou, era mais um show para entreter o público. Para null seria fácil, seu oponente, além de inexperiente, era mais fraco que ele, só que mesmo assim, null sabia que iria perder. Primeiro porque não usaria as suas técnicas numa luta onde não acrescentaria em nada a sua posição no campeonato, segundo porque havia assinado um contrato, vendeu a sua vitória, já que perder uma luta simples traria mais notoriedade e expectativa em lutas oficiais. Aquilo era apenas mais um dos truques da indústria.
E, pela primeira vez na sua vida, agradeceu por aquilo. Desde que havia expulsado null da sua casa, não conseguia pensar em mais nada a não serem os olhos azuis e lacrimejantes, cravados aos seus. Mesmo assim, ele, por ser um idiota, achou que ela reconsideraria sua atitude, mas se enganou. Depois de um sumiço de três dias, tomou coragem e ligou para ela, mas não foi atendido. Patético, ele ainda fingiu estar com mal estar e foi até o plantão dela, mas sem nenhuma coincidência, foi atendido por outro médico, logo depois que uma enfermeira conferiu duas vezes o nome no prontuário. Então resolveu esperar por aquele dia, iria ter luta e ela deveria estar lá, mas não, ela também não havia ido trabalhar.
Ele se encheu de fúria, ela não podia ignorá-lo, podia?
null não conseguia se concentrar na luta, porque seus pensamentos estavam concentrados em null. Sabia que não estava apaixonado, não poderia, mas sentia seu peito arder de raiva por não consegui tirá-la de sua cabeça, como se ela fosse um quebra cabeça de mil peças do qual dedicava horas de sua infância.
Num golpe brusco e bobo, null foi acertado e beijou a lona, literalmente, entregando o resto de seus sentidos a nova dona de si.

**********************


null esmagou o dedo sobre a campainha pela quarta vez, já deveria ter desistido, mas sabia que ela estava ali, a sombra dela reluzia na fresta da porta, e ele soube que teria que fazer mais, se quisesse realmente se redimir.
- null, por favor, eu... – Encostou sua testa sobre a madeira fria, sem saber o que dizer. – Acho que não existe frase pra me desculpar por ter sido um idiota e te afastar, não é?
Como previsto, ela não lhe respondeu, e silêncio era o pior castigo que null poderia receber de null.
- Vou começar com desculpas, o nosso relacionamento me deixou com medo e...
A porta foi aberta num rompante, assustando null.
- Nosso o que? – null perguntou, totalmente indignada.
- Relacionamento, é o nome dado ao que duas pessoas têm.
- Se alguma vez existiu um relacionamento aqui, ele foi totalmente unilateral. – Ela estava furiosa e null respirou fundo, sabendo que aquele era só o começo, e que fosse, desde que no final ele a conquistasse de volta. – Eu me dediquei a você, ao seu jeito e esperei pacientemente você se curar. E sabe por quê? Por que EU TE AMO! É ISSO, , EU AMO VOCÊ.
Ela gritava seu amor, aliviando todos aqueles sentimentos guardados, eles já transbordavam em seu peito, deixando null num estado de torpor.
- O que... O que você espera de mim?
- Eu te amo, então ou você começa a lidar com isso, ou me deixa ir de uma vez. Eu quero o máximo de você, que você converse comigo, que você me deixe entrar. – Ela empurrou o peito dele, no limite de seu autocontrole.
- Você não sabe o que aconteceu comigo. – null riu sem humor, numa tentativa falha de se justificar.
- Tem razão, eu não sei, mas sabe o que eu sei? Que te fazer cócegas é a melhor coisa, porque é quando eu consigo ouvir a sua gargalhada, o seu sorriso deixa o meu maior. Eu sei que antes de você dormir, você gosta que eu passe o meu nariz pelo seu pescoço, porque se sente mais relaxado. – null se aproximou de null, milímetros os separavam, respirações irregulares, cada palavra da garota era um golpe certeiro nas barreiras construídas por null. – Porque você interrompe as minhas frases com beijos, porque, quando eu tive febre por dois dias, você cuidou de mim, e porque você me envia café durante os meus plantões. E eu sei que quero continuar fazendo e recebendo todas essas coisas, porque são elas que dão sentido para minha vida, você já me faz feliz, null, só precisa permitir que eu continue com você. Eu estou sendo paciente, esperando você ser quem eu sei que pode ser.
null sentiu o corpo leve, agora que havia compartilhado tudo com null, esperou por sua reação, ou ele fugiria, ou a beijaria. Nem um, nem outro. null deixou a decisão para ela.
- Eu vou te dar tudo o que eu tenho, e então você decide se quer ficar.
- null...
- Amanhã, as nove eu estarei aqui. Não me faça esperar. – Reprimindo sua necessidade de mais, null apenas beijou o canto dos lábios da garota. – Boa noite, minha tagarela.


Capítulo 4

null não sabia como agir, assim que chegou para buscar null, não sabia como lhe cumprimentar, mas fez as honras, abrindo a porta do carro para ela. Ao chegarem num restaurante, não tão requintado, mas o favorito dele, a mão de null segurou a base das costas da garota. Ela achou aquilo sensacional, mas, para null, o gesto era só para mostrar a uns caras que secavam null que ela já tinha dono. Possessivo.
O jantar foi divertido, claro que null foi a que mais falou, mas já não incomodava tanto o lutador, aquela chuva de palavras se tornara encantador para ele, e quando ele fez uma piada e ouviu a risada sincera dela, afagou algo em seu ego.
Quando foram caminhar juntos até a segunda parte do encontro que null havia organizado, ele não sabia onde colocar as suas mãos e a levou para dentro dos bolsos. null não aceitou aquilo e puxou a mão esquerda dele, entrelaçando na sua direita, e julgou o encaixe perfeito.
Ela tinha tanta alegria dentro de si que queria gritar, e só não faria isso para não assustar null. Toda aquela mudança de atitude dele lhe provavam que a sua paciência não havia sido em vão, que a sua fé em null não foi em vão, mesmo sem saber o que de fato havia acontecido a ele, sabia que aos poucos estava conseguindo remontá-lo.
O casal entrou num enorme galpão sem iluminação, null apertou mais forte a mão de null, mas não por estar com medo, mas para lhe dizer que confiava nele.
- Onde nós estamos? – null não conseguiu esconder sua curiosidade.
- Você disse que queria romance, também disse que achava todos os treinamentos loucos, resolvi juntar as duas coisas.
- Eu não vou lutar, null.
- Droga. – Fingiu estar chateado, e riu assim que a garota fez uma cara de assustada. – Eu sei, relaxa. – Disse e se afastou um pouco de null, indo até uma parede próxima, logo encontrou um enorme interruptor, iluminando todo o lugar.
Os olhos de null demoraram alguns segundos para se adaptarem a claridade, mas ganharam um novo brilho assim que percebeu onde estava.
- Isso aqui é maravilhoso. – null disse e null soube que aquela palavra era perfeita pra descrevê-la, mas preferiu ficar calado.
A garota ainda admirava o enorme trapézio iluminado por pequenas luzes brancas, quando null rodeou sua cintura, guiando até se aproximarem mais.
- Nós vamos subir?
- Pode apostar que sim. Eu treino aqui toda terça.
- Porque eu achei que poderia sair em um encontro com o Morcego sem nenhuma adrenalina?
- Ah, admita, você está adorando.
- Estou mesmo! – null sorriu empolgada, como uma criança pequena em loja de brinquedos.
De um lado, null se balançava sentado numa barra de ferro, null estava em pé sobre uma barranquilha na outra extremidade do trapézio, segurando uma barra, a garota mantinha um sorriso enorme de excitação.
- Você vai me pegar, não é?
- Talvez. – Ele provocou, recebendo um olhar repreendedor.
- null.
- Claro que eu vou... No três! – null concordou. – UM! – null gritou e flexionou os joelhos sobre a barra, e virou o resto de seu corpo numa curva americana, ficando de cabeça para baixo. – DOIS! – Balançou-se ainda mais para poder encontrar com sua garota.
- TRÊS. – Foi null que gritou, antes de se atirar, sem nenhum medo. O corpo dela realizou seguidos balanços, até suas mãos soltarem a barra e ela dançar no ar, até ser amparada pelas mãos de null. Sentiu o vento em seus cabelos e liberdade incondicional, e depois de três balanços null a soltou, e null caiu na rede de segurança, sendo seguida por ele.
Os corpos dos dois se restabeleceram, assim que se chocaram bem no centro, e null tratou logo de abraçar null.
- Por que você me soltou?
- Perdi o controle. – Ela subiu em cima dela e mordeu o seu ombro.
- Mentiroso! – null segurou o rosto de null.
- Às vezes cair é a melhor parte.
- Então cai, null. – null pediu e ele sabia do que se tratava. – Cai comigo.
Os lábios de null sorriram antes mesmo de se juntarem aos de null, deixando que o seu amor o beijasse. Delicadamente, eles trocaram seus gostos, difundiram suas almas e puderam ouvir o que seus corações diziam. Talvez null não soubesse, mas null já havia caído.
O casal chegou tranquilo a casa de null, os corpos deles pegavam fogo, mas não havia pressa. Assim que cruzaram o hall de entrada, as mãos de null se fixaram ao corpo de null.
Se despiram de suas roupas e de seus receios. Não havia barreiras, só o amor em sua forma mais pura, em cada gesto, na troca intensa de olhar, nos beijos e juras. null e null fizeram amor pela primeira vez.
null estava deitada sobre o peito de null, sentindo-se protegida, tudo nele causava isso nela. Desde o corpo, muito maior do que o seu, até o seu cheiro misturado ao dela, e a delicadeza de sua mão ao passearem por suas costas.
- Eu sou de Burnside, uma cidade tão pequena que todos os rostos são conhecidos. O MMA acabou sendo tudo pra mim, parece que de tanto a vida me dar uma rasteira, eu precisava aprender a derrubar.
Pela primeira vez, desde que estiveram juntos, só se ouvia a voz de null. null estava sendo controlada por uma ansiedade alegre, que a fazia escutar atentamente o que null tinha a lhe contar.
- Como eu sempre pratiquei artes marciais, eu encontrei nesse esporte novo uma chance, e logo havia conseguido o meu lugar entre os campeões. Tudo era novo, e o UFC ainda carregava o peso de parecer um vale tudo, mas todos os lutadores sempre tiveram segurança, o próprio octógono tem aquele formato por isso.
- Sinto que tem um “mas” vindo ai.
- Tem. – Respirou fundo. – Como você sabe, não existe um sistema de classificação, qualquer lutador que comprove satisfatoriamente seu próprio valor conquista o direito de disputar o título com o campeão vigente. O campeão do peso médio era eu, havia conquistado o cinturão há apenas duas semanas, até ser desafiado por Frank Zumbi.
- Esse cara não é o... Oh meu Deus, null, foi com você? – Ele se limitou a concordar com um aceno de cabeça, e um olhar quase constrangido.
null, antes de se mudar para cursar medicina, ouvira aquela história, que atualmente parecia mais uma lenda. O lutador de MMA que se descontrolou e tentou assassinar o outro. null havia recebido um soco que o derrubara, foi declarada o fim da luta, mas o seu oponente continuou seu ataque, foi preciso mais de cinco homens para que ele parasse.
- E ele não foi preso? Isso foi uma tentativa de homicídio!
- Não. – null negou, deixando null ainda mais abismada. – Ele foi inocentado, primeiro por ter sido diagnosticado com síndrome de Hulk, segundo porque o advogado dele era mais caro e influente do que o meu.
- Transtorno Explosivo Intermitente. – Como médica, null sabia do que se tratava. – Uma pessoa assim jamais poderia ser um lutador, como não viram isso antes?
- Ele vencia, dava lucros, você acha que alguém teria o cuidado de notar algo assim? – null teve de concordar com null. – Hoje está livre e lutando. – A boca da garota estava escancarada, mas logo null acrescentou. – Lutando num circuito clandestino.
null balançou a cabeça, querendo afastar todas as imagens ruins que estavam se formando, e se ergueu, beijando o queixo de null, voltando a deitar sobre ele.
- O que aconteceu, null? – Ele encarou os olhos de null sem entender a sua pergunta. A mão da garota saiu delicadamente da barriga dele, e chegou a seu peito. O coração de null batia acelerado, reação involuntária aos momentos com ela. – Aqui. Eu quero saber o que aconteceu aqui.
- Essa história não tem um final feliz.
- Tem a ver com a garota na foto?
- Sim, ela era minha namorada, minha melhor amiga, a única família que havia me restado.
- Só fale se...
- Nós nos envolvemos num acidente de carro, mas eu fui o único a sair vivo.
null pode notar a culpa que null carregava, sabia que havia mais naquela história, e no amor que ele ainda sentia pela ex. Ciúme lhe atingiu, mesmo sendo ridículo, já que não queria substituir o amor do passado de null, só desejava com todo o seu coração, que no futuro ele pudesse a amar, ao menos um pouco.
null sabia o quanto null era curiosa, mas o espaço que ela havia lhe dado, não lhe fazendo nenhuma pergunta, o deixou ainda mais confortável para se abrir, contar a ela os seus planos.
- Sophia. – null disse aquele nome se deliciando e sorrindo. – Esse era o nome dela.
- Um nome lindo.
- Ela era determinada, forte, destemida, e no dia em que tudo aconteceu, ela estava feliz. – null fechou os olhos por um instante, e teve a certeza de que jamais apagaria aquele sorriso de sua memória. – A mãe dela precisa de uma cirurgia que custa muito mais do que poderíamos pagar. Na verdade, eu ainda não posso.
- Como não? – null riu o interrompendo. – Olha essa casa, a vida que você leva.
- Não depois do meu "acidente". – Ele fez aspas com os dedos, auxiliando o seu sarcasmo. – O que você está vendo é patrocínio, isso aqui é como um playground para me impulsionar a trabalhar, e que me ajuda a pagar o tratamento dela, mas não sabemos até quando ela vai suportar.
null não entendia como funcionava aquele mercado de trabalho, mas também não forçou a sua mente a entender os pormenores. Sua cabeça foi rapidamente montando o quebra-cabeça que null null era.
- Eu sinto muito. – null não disse aquilo por piedade, e respirou aliviada quando null sorriu compreendendo.
- Maggie é a minha referência materna. Eu fui criado só pelo meu pai e, quando eu tinha dezoito anos, ele morreu, então ela pacientemente me acolheu, me apoiou, e me deu o mesmo amor e carinho que dava a sua filha.
- Então vocês todos passaram a moravam juntos?
- Não. Maggie nem imaginava que eu e Sophia tínhamos algo mais do que beijos. – Riu e se surpreendeu com a facilidade com que as memórias da sua amada eram menos dolorosas quando eram recordadas na presença de null. – Nós sempre fomos vizinhos, e Sophia sempre foi a minha melhor amiga, namorar ela foi... Natural.
null tentou se imaginar perdendo alguém tão próximo e não conseguiu, nem por uma fração de segundo.
- E como está Maggie? – null admirou a bondade infinita de null.
- Viva, mas quando eu a vi, no começo da semana, ela me disse que sentia tantas dores, que talvez não quisesse mais viver.
- Eu posso ajudar, analiso o caso dela e indico para algum amigo especialista.
- Não. – Ele fez um carinho no rosto dela, grato por sua generosidade. – Eu sou o único que pode ajudá-la.
- E como seria isso?
- Vencendo a luta da minha vida.
E a última peça encaixou. null se sentia responsável por Maggie, porque se sentia culpado pela morte de Sophia. null se preocupou ainda mais com o que null poderia fazer para conquistar o que queria, e sua mente traiçoeira correu para territórios sombrios, onde null se machucaria. Ela sufocou aquele pensamento mórbido e doloroso.
- Ei.– null a despertou. – Agora você sabe de tudo... – Deixou a pergunta no ar, receoso com o que poderia receber como resposta.
- Eu continuo te amando.
- Então você vai ficar?
- Pra sempre. – Mais do que satisfeito, null distribuiu beijos na garota, rindo junto com ela.
- Posso te fazer só mais uma pergunta?
- Pode. – null não conseguiu esconder sua excitação e riu.
- Por que Morcego? – Perguntou, passando os dedos sobre o desenho do animal que null trazia em seu peito esquerdo.
- Vamos pular essa?
- null! – Ele fez uma cara que null julgou ser fofa, então cedeu. – Mas você vai me dizer isso algum dia! – Apontou para ele, que só deu de ombros.
- Talvez. – Beijou a ponta do seu nariz e abraçou-a mais forte, relaxando o corpo e fechando os olhos. – Boa noite, minha tagarela.
- Te amo, Morcego.

ABRIL DE 2016
Antes de ir até o hospital, passou na casa de null, ele estava treinando, dando golpes intensos num saco de areia, sendo orientado por José.
- Oi. – null cumprimentou José, assim que se aproximou dele. Ele apenas lhe deu um sorriso e continuou observando o treino de null. – Ele vai lutar no próximo sábado?
- Não, o Morcego ainda não tem nada marcado.
- Se não tem nenhuma luta, por que está treinando tão intensamente assim?
O amigo e treinador de null bebeu um gole de água, tentando considerar o que faria.
- Ele não te contou, não é? – Perguntou, já sabendo que a garota negaria, e assim ela fez. José respirou fundo e tomou sua decisão. – Na quarta-feira, null vai participar do Dawg Fight.
Antes que ela pudesse questionar o que aquilo significava, null já tinha encerrado o treino e estava próximo a eles. A maneira como José a olhou atestou que aquilo se tratava de um segredo, ruim demais, mas que null precisava saber.
- Ei. – null estava surpreso, mas deixou que um sorriso surgisse e revelasse a null o quanto ele estava feliz. – Não sabia que vinha.
- Eu estou indo trabalhar, mas resolvi passar pra te ver e...
null havia adquirido a mania de se justificar para null, sentia que precisava, para não parecer inconveniente, e/ou deixar que a sua necessidade de estar perto dele surtisse o efeito contrário e acabasse por afastá-lo.
Paranoia desnecessária. O que ela não sabia, era que ultimamente, tudo o que null queria era aquela proximidade. Por isso ele havia a beijado, interrompendo o que quer que fosse sem se importar com o amigo que ainda deveria estar lá.
- Fiquei feliz por ter vindo, achei que só te veria em dois dias. – Ainda entorpecida pelo beijo e as palavras de null, null sorriu, sentindo o corpo flutuar.
- Eu não ia aguentar tanto tempo. – Agora foi à vez de ela beijá-lo.
O carinho continuou até ela se dar conta de que já estava atrasada demais.
- Me manda uma mensagem quando sair de lá? – null pediu ao se despedir dela.
- Me manda VOCÊ uma mensagem, quando sentir a minha falta. – Ela lhe deu um longo selinho e quando entrou no carro, ouviu a pergunta de null.
- Então, posso te mandar uma mensagem agora?

**********************


null estava há quarenta e cinco horas no hospital, sentia o seu corpo esgotado, mas ao começar a se preparar para ir embora, esvaziou a sua mente do trabalho, e duas palavras voltaram a lhe assombrar: Dawg Fight.
Tinha se focado no trabalho, por puro medo do que podia encontrar em sua pesquisa, mas aquelas horas que se arrastaram só a deixou mais curiosa.
Chegou à sala de arquivos e primeiro procurou a ficha de null, queria saber detalhadamente o que havia acontecido em seu quadro clínico, depois de lutar com Frank Zumbi.
Fratura craniana, próximo ao tronco cerebral, era o resumo do seu laudo. null analisou minuciosamente, cada exame, e pode ver através de sua tomografia, como o seu crânio havia ficado despedaçado, e sentiu o seu coração se partir igualmente. A cirurgia que lhe foi feita consistiu na colocação de uma pequena placa de metal na área lesionada, mas aquilo era tão frágil quanto uma taça de cristal, uma simples queda de mau jeito poderia lhe custar à própria vida. null não poderia lutar nunca mais!
null ainda pensou em assistir a luta que ferira tanto null, mas desistiu, sabia que não era forte o suficiente para ver o homem que tanto amava sofrer tanto. Então pulou para parte final de sua pesquisa, sem sequer imaginar que algo muito pior estava por vir. Abriu a ferramenta de busca do computador e digitou: Dawn Fight.

* Dinheiro fácil.
* Morte.
* Lado negro do esporte.
* Morte.
* Rinha de galo humana.
* Morte.
* Violência.
* Morte.
* Massacre.
* Morte!

As palavras saltaram da tela, atingindo null como um próprio golpe fatal do esporte que null cultuava.
Sentiu-se traída por tanta omissão por parte dele, se sentiu amedrontada ao imaginar viver num mundo onde null não faria mais parte, e sentiu uma raiva crescer proporcional ao egoísmo dele.
Será que null não entendia que se lhe tirassem dela, não lhe sobraria nada?
Foi com essa pergunta, e todos esses sentimentos esmagando lhe o peito, que null correu para confrontar null.


Capítulo 5

- null! – null gritou ao entrar na casa do lutador. Ele surgiu sorrindo, até notar que havia algo errado com ela, que além de abatida, estava chorando.
- O que houve? – Se aproximou dela, mas null se esquivou, deixando o contato visual ser a única coisa mantida por eles. Era só isso que ela precisava, saber a verdade olhando nos olhos verdes e sempre tão sinceros de null.
- Eu li tudo! Eu li e... – A angústia no peito de null criou um bolo em sua garganta, dificultando a sua fala. – Não sei se me envergonho por você participar de algo estúpido e ilegal, ou se fico magoada por você ser egoísta e não pensar em você, na sua saúde, não pensar em mim!
null não estava surpreso, ou nervoso por ter sido descoberto, nunca havia contado a null para preservá-la, e, sobretudo, para preservar aquele plano, já que sabia que ela tentaria fazê-lo mudar de ideia. Só que vê-la daquele jeito estava despedaçando o coração dele.
- Eu preciso fazer isso.
- Com quem você vai lutar?
- Franki Zumbi.
- Você é maluco! – Não havia mais nenhum controle em null. – Você tem um...
- Não venha bancar a médica comigo, principalmente quando eu sei sobre a minha condição.
- Se sabe, por que fazer isso, null?
- Eu prometi.
- Do que você está falando? – Antes que ele pudesse responder, a resposta se acendeu na cabeça de null. – Maggie.
Ele apenas confirmou com um aceno breve de cabeça.
- Você pode conseguir esse dinheiro no circuito internacional, não preci... – null riu de maneira tão irônica que a chama de fúria que havia dentro de null voltou a queimar.
- E quando seria isso? Em 10 anos? Nunca? Quando a Maggie não estiver mais aqui?
- Não tem graça ou beleza em ser um Martin, null. – A firmeza no olhar da garota, a forma como ela expunha seu ponto de vista de maneira tão decidida, era algo inédito para null, tão curioso a ponto de lhe despertar um medo. – O que acontece se você não resistir? Maggie ficaria soz...
- Com minha apólice de seguros.
null parou abismada e deixou as lágrimas rolarem soltas. A boca estava aberta em incredulidade, o corpo tremia em choque com aquela revelação. Na cabeça da garota, ela só enxergava aquilo como um suicídio, na de null, uma única alternativa.
null tentou abraçar sua garota e tentar lhe dizer sem palavras, mas ela o afastou rude. Na segunda tentativa ela gritou para conseguir um espaço. A mão dela agora estava sobre a barriga, buscando fôlego, um ar de esperança em tudo aquilo.
- Tenta me entender, eu só preciso disso. – null pediu e null soube que o ar que buscava não viria. Estava afogada na própria dor e medo pelo que viria.
- Será que você não pode pensar em mim uma única vez? Será que você não pode considerar o que eu sinto?
- null, isso é por nós dois também.
- Não ouse dizer isso! Quando você se machuca dentro daquele octógono é o meu coração que sangra. – Ela estapeou seu peito, sabendo que não surtiria efeito nenhum nele, mas para tentar amenizar todos os sentimentos que a sufocavam. – Sangra por cada gota de sangue que escorre de você, por cada possível concussão. – null se manteve firme a cada tapa ou soco que recebia, deixando que o acesso de fúria dela passasse. – Que droga, null, eu te amo!
null então caiu cansada no chão. Sem forças para mais nada, nem mesmo para impedir que null se sentasse ao seu lado e lhe abraçasse. O rosto dela foi escondido em seu pescoço, enquanto seu choro saia baixo, mas reconfortado pelo carinho que ele lhe dera.
- Você falou octógono. – Tentou brincar, mas null tomou aquilo como uma ofensa.
- Idiota. – As mãos de null tomaram o rosto de null. Ela parecia ainda mais inofensiva e frágil, a mulher por quem null sempre sonhou em ter, mesmo sem se dar conta.
Ele havia amado Sophia, a amava e sempre amaria. Não se sentia mais responsável ou revoltado por sua morte, mas enaltecia a oportunidade de ter estado com ela em vida, e só conseguiu enxergar isso através dos olhos azuis de null.
Ela, mesmo tendo a metade do tamanho do rapaz, era a mais forte e destemida daquela relação. Tinha uma visão espontânea da vida e inspirava qualquer um que a conhecesse. Havia inspirado null, havia o guiado para longe de sua escuridão, havia o amado até ele se amar de novo, para pode a amar. E ele a amava.
"Eu te amo", null reafirmou aquilo dentro de si, ao olhar dentro dos olhos de null e se ver refletido ali.
- Eu sou. – Sussurrou contra seus lábios, mantendo o contato visual. – Mas eu sou o idiota que te ama.
- O que?
- Eu te amo, null.
Depois de fazer amor àquela noite, null não conseguiu dormir, estava ansioso pela luta do dia seguinte e cheio de medo de perder o que havia em seus braços. null dormia em seu peito e null pensou em desistir. Viveria feliz ao lado do seu amor, e conseguiu se imaginar atrelado a uma vida simples, casado, com frutos do amor que eles nutriam, como uma verdadeira família, cheio de riso fácil, que só ela lhe proporcionava. Mas, logo em seguida, o peso da realidade lhe abatia, por mais que null procurasse, não encontrava outra solução, e mesmo tendo sido arrebatado pelo amor de null, ainda levaria sua decisão até o fim. Sabendo que no dia seguinte estaria lutando também por sua vida, sua vida era null.

**********************

Quando acordou e se viu sozinha, as memórias do final da noite que tivera aumentaram a angústia em seu peito. null se levantou decidida a expulsar as lembranças que vivera com null, afinal, se ele havia decidido lutar, aquele seria o fim, ela esperava que não o dele.
O egoísmo de null a revoltava, a magoava, e ela não poderia compactuar com aquilo.
Levantou-se, preguiçosa, limpando algumas lágrimas, que começavam a embaçar sua visão. Quando chegou ao banheiro, se assustou com uma mensagem que havia no espelho, escrita com o seu batom vermelho.
"Abra".
A ordem de null era explícita, acompanhada de uma seta que indicava um envelope e uma caixa pequena sobre a pia.
Curiosa, null não se questionou, só seguiu a instrução.
Dentro da caixa, viu uma corrente de ouro e um pingente de morcego. Sorriu e pegou o objeto em suas mãos e respirou fundo, se preparando pra entender o que null ainda teria pra lhe dizer.

"O inevitável é o que nos faz cair, mas o inevitável é também o que nos faz vencer. Quando eu me escondi, você me revelou. Quando eu tentei me aprisionar na dor, você me libertou. Quando eu me senti culpado, o seu amor me absolveu. Esse colar foi à única coisa que restou da minha mãe, da minha família; antes de me dar isso, meus pais me explicaram que o morcego tem o poder de ver a coisas ocultas, mesmo na escuridão ou com os olhos fechados. Ficar pendurado de cabeça para baixo significa largar velhos hábitos e assumir uma posição na vida que prepara seu renascimento. Renascer em alguma área de você mesmo ou a morte de velhos padrões. Renascimento, iniciação, reencarnação! Agora você sabe o motivo do meu nome, e pense nisso tudo como um renascimento. Morcegos são guias dentro da escuridão. Você é o meu morcego. Por favor, eu espero que um dia você consiga me perdoar, ou pelo menos, compreender as minhas razões, aceite essa joia. Ela, junto ao meu amor, é a única coisa que posso deixar pra você."

O corpo de null saiu do estado de torpor quando havia notado que null escrevera seus sentimentos no presente. Ele ainda estava ali, e null lutaria até mesmo com a morte para viver aquele amor.
O lugar onde acontecia a luta clandestina era minúsculo, e totalmente insalubre. As pessoas se esmagavam e se aglomeravam ao redor de um octógono localizado no centro. O barulho era ensurdecedor e null tentou, a todo custo, passar por aquela muralha de gente, e foi a sua determinação que a fez conseguir. Chegou perto do seu objetivo, no final do primeiro round, onde conseguiu ver Frank Zumbi acertar uma joelhada em null, que caiu.
Ela gritou, mas diferente de todos ali, não foi em vibração, foi de pavor. Analisou os ferimentos que null já carregava, o rosto tingido de vermelho, olhos determinados.
Avançou ainda mais até estar na beira do octógono.
- ! – null gritou o mais alto que conseguiu, e foi ouvida por ele quase que por um milagre.
null paralisou ao colocar os olhos em null, confirmando que aquilo não era parte de um sonho. Ela realmente estava ali.
Para eles, não havia mais ninguém naquela cena, só dois personagens e um possível futuro.
As mãos da garota foram até o colar preso em seu pescoço, e, como havia aprendido com null, não usou mais nenhuma palavra. Não era necessário, o garoto havia entendido, mesmo assim, antes de começar o segundo round, null sibilou.
- Eu amo você.


Fim.



Nota da autora: Sem nota.





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