FFOBS - 11.Treat People With Kindness, por Betiza

Finalizada em: 15/05/2020

Capítulo 1

“I’ve got a good feeling, I’m just takin’ it all in… Floating up and dreamin’, droppin’ into the deep end. And if we’re here long enough, they’ll sing a song for us, and we’ll belong!”


- Você acha que vai ficar tudo bem? - ela ergueu a sobrancelha como sempre fazia após fazer alguma pergunta que a deixava ansiosa.
- Eu sempre acho ! Desde que eu entendi o que estava acontecendo conosco, e porque estavámos aqui, eu nunca abaixei a cabeça, aliás, nós nunca abaixamos a cabeça! Porque abaixaríamos agora?
Eu me levantei ficando bem em frente a ela. Segurei seus ombros com as minhas mãos.
Os olhos de estavam marejados, e essa não seria a primeira vez que eu a veria chorar, mas era uma das poucas.
- Por favor, não chore! Não há motivos para isso! Hum? Me dê um abraço bem apertado, como aqueles que só você sabe dar!
Nos abraçamos forte, as mãos dela envoltas de meus quadris, me apertando como se sua vida dependesse de mim…
Eu conhecia desde a infância, quando ela chegou no abrigo eu já estava aqui há um ano, e é exatamente a nossa diferença de idade. Ambos chegamos aqui com sete anos, alguns meses após eu completar meus oito anos de idade, ela chegou aqui… Assim como eu, parecia meio perdida, sem entender direito o que estava acontecendo.
Nós nos demos bem logo de cara, criamos uma conexão especial durante toda a nossa estadia no abrigo. Eu a amava, mais do que tudo, até porque ela era a única coisa nesse mundo que eu tinha.
Nossas histórias eram parecidas: os pais de morreram e ela ficou com os avós até que eles também morressem quando ela tinha sete anos, e ela não tinha mais nenhum parente - os avós paternos e maternos já não estavam mais vivos e ela não tinha tios ou tias - então ela foi enviada para cá.
Meus pais também morreram quando eu tinha sete anos, mas ninguém quis ficar comigo, eles preferiram me enviar para a adoção, pois alegaram não ter condições de me criar. Eu não sei se é verdade, não me lembro de ninguém. Só dos meus pais…
- Assim que você sair, eu estarei aqui para te buscar, você sabe não é?
Ela assentiu com a cabeça enquanto limpava algumas lágrimas com as costas das mãos.
- Vai ser muito ruim ficar um ano aqui sem você! Como eu vou fazer?
- Você não está sozinha ! Tem as crianças, os monitores, o diretor do abrigo, que te adora!
Ela respirou fundo, tentando segurar o choro que insistia em querer voltar a cair.
- Você vem me visitar de vez em quando? Não quero perder o contato definitivo com você nesse um ano! Você vem me buscar mesmo quando meu prazo aqui vencer?
- Claro ! - eu segurei o rosto dela entre as minhas mãos e encostei nossas testas - Eu amo você!
Ela fechou os olhos, mas eu mantive os meus abertos, queria olhá-la…
- Eu também amo você ! Agora vai logo, antes que eu recomece a chorar tudo de novo!
Ela ajeitou minha camiseta num gesto desajeitado e eu beijei sua testa com todo o carinho que nutria por ela.
- Eu venho te ver, prometo!
Ela assentiu com a cabeça, e sorriu, tentando disfarçar a vontade chorar. Meu coração pareceu quebrar dentro do peito, e eu peguei minhas malas no chão, depositei mais um beijo em sua testa, e quando eu já estava atravessando a porta do quarto, ela me chamou:
- Obrigada por curar o medo que eu tenho de ficar sozinha, sorrindo para mim daquele teu jeito bonito com teus olhos que denunciam o quanto você me quer bem. Obrigada por segurar forte a minha mão quando eu digo que os meus dias se tornaram muito mais fáceis com você. E, por falar com a tua voz mansa que pretende continuar tornando tudo muito mais bonito entre a gente. Obrigada por dar ao teu sorriso, o meu nome. E por me entregar cada um deles, todos os dias, de um jeito que faça valer a pena qualquer minuto de espera e a vida inteira que eu tive antes de conhecer você. Você me salvou e me salva, de todas as maneiras.
Eu sorri, abaixei a cabeça, constrangido e feliz.
- Me espera hein ! To pressentindo que a gente vai ser feliz como nunca! Só um pouco de paciência. Nós nunca descobriremos o que vem depois da escolha, se não tomarmos uma decisão. Por isso, entenda os seus medos, mas jamais deixe que eles sufoquem os seus sonhos.

***


“Giving second chances, I don’t need all the answers. Feeling good in my skin, I just keep on dancin’... And if we’re here long enough, we’ll see it’s all for us and we’ll belong!”


Hoje eu faria uma visita ao abrigo, estava morrendo de saudades da , havia quase um mês que eu não conseguia sair a tempo do trabalho para ir até lá.
Nove meses haviam se passado desde que saí definitivamente do abrigo, ao atingir meus 18 anos. O abrigo havia arrumado uma vaga de emprego para mim, numa loja. Eu era uma espécie de faz-tudo da loja, às vezes eu fazia algumas tarefas como auxiliar de financeiro, outras vezes eu arrumava a loja, outras vezes fazia todo o serviço de banco e essas coisas. Eu estava gostando, o mundo fora do abrigo não era tão diferente de como eu imaginava. As pessoas não eram tão ruins como eles viviam nos alertando. Eu inclusive já havia conseguido uma vaga para a , de vendedora… Era como se eles quisessem fazer uma grande lavagem cerebral na gente, de que o mundo era cruel, e que nós nunca estaríamos completamente preparados para encará-lo sem uma boa família ao nosso lado. Eles sempre quiseram nos preparar para o mundo aqui fora, caso nós completassemos a maioridade sem conseguir uma família, diziam que as oportunidades eram poucas e que se eles conseguissem através do governo alguma oportunidade de trabalho ou qualquer tipo de ajuda, era muito.
Mas nada daquilo me abalou, ou diminuiu a minha fé de que o mundo aqui fora poderia sim ser acolhedor, e que o sol podia sim brilhar para todos. Eu tinha isso desde pequeno, mesmo assustado, mesmo no começo, quando eu não entendia direito o que tinha acontecido, eu sabia que as coisas um dia dariam certo.
Eu trabalhava nove horas por dia, e alguns dias eu até fazia algumas horas extras, para ter uma graninha a mais. Hoje eu havia pedido para entrar mais cedo, para poder visitar o abrigo. E logo que cheguei, sentei-me num banco, que eu e costumávamos dizer que era “nosso”, brinquei com algumas crianças conhecidas, até que ela veio, correndo. Eu me levantei e a agarrei pela cintura com o pulo em meu colo que ela sempre dava quando nos víamos. Poderíamos estar há apenas uma semana sem nos ver, mas ela sempre me recebia da mesma forma.
- Achei que você não vinha mais! - brincou ela enquanto apertava minhas bochechas.
- Você sabe que isso é impossível! Eu não estava aguentando mais de saudades de você!
Depositei um beijo demorado em sua bochecha.
- Como foi o trabalho hoje?
- Foi bem, e por aqui, como estão as coisas?
- Chegaram algumas crianças hoje, que me fizeram lembrar da gente e de como nos conhecemos…
- Por que? - eu acariciei sua bochecha.
- Um garoto que perdeu os pais, morou com os avós e eles faleceram, agora ele está aqui, porque não tem mais parentes, os outros avós também morreram, assim como eu… - ela sorriu sem mostrar os dentes - E uma garota que também perdeu os pais e ninguém quis ficar com ela…
- Tipo eu! - assenti com a cabeça.
- E os dois estão ali - ela apontou com o dedo indicador na direção dos mesmos.
Os dois brincavam e riam juntos no parquinho, exatamente como eu e fazíamos.
Meu coração ficou aquecido e triste ao mesmo tempo.
- Tomara que diferente de nós, eles arrumem uma família que cuide muito bem deles! Apesar que eu não posso reclamar de nada aqui no abrigo, tenho um profundo amor por cada funcionário, voluntário, criança e adolescente que tá aqui. Eles e você foram a minha família, cuidaram tão bem da gente! Tudo que vivi aqui, é muito especial para mim.
Sorrimos os dois, e nos abraçamos.
O que eu sentia por , era um dos sentimentos mais puros que alguém pode sentir. Ela era minha melhor amiga, minha confidente… E mais do que isso, ela era a mulher que eu amava. Mas eu nunca soube se ela sentia de fato, o mesmo que eu sentia, se ela me via somente como um amigo, um irmão, ou se me enxergava como um possível namorado… E ali no abrigo era impossível de falar sobre isso, da mesma forma que nós dois não podíamos ter qualquer envolvimento romântico com ninguém dentro do abrigo, sob risco de transferência de abrigo, e eu jamais quis correr esses riscos: 1. De ela se assustar com qualquer possível investida e acabar se afastando de mim por não sentir o mesmo e 2. De sermos pegos e enviados cada um para um lugar.
- Também sou muito grato á tudo que vivi aqui, com todos! Aprendi muitas coisas aqui, sobre a vida, mesmo não tendo contato com o mundo externo, o meu caráter foi moldado aqui. E como eu te disse, o mundo não é só cruel, tem muita gente e muita coisa boa pra gente viver fora daqui !
Os olhos dela brilhavam à medida que ela sorria, enquanto eu a contava os planos que tinha, as coisas que queria mostrar para ela…
- Só mais alguns meses e eu vou poder viver tudo isso com você! Eu nem acredito! Conto os dias, conto as horas, os minutos, só pra poder conhecer o mundo lá fora!
Nós dois gargalhamos e ela ficou na ponta dos pés, depositando um beijo em minha testa.
- Só mais alguns meses! Enquanto isso, você empresta mais um pouquinho do seu tempo pros pequenos e eu preparo mais e mais coisas para gente viver lá fora!
- Vamos encontrar nosso lugar juntos nesse mundo não é ?

***


“Maybe, we can find a place to feel good and we can treat people with kindness. Find a place to feel good.”


Eu comprei um botão de rosas, vermelhas, que coincidentemente combinavam com a cor da minha camisa, no mesmo tom do botão.
Eu o escondi atrás de mim. Não conseguia ficar quieto, balançava meu corpo para frente e para trás, e estava com vontade de roer as unhas, mas se fizesse isso podia não dar tempo de esconder o botão de rosas para a surpresa, então me contentei em fazer barulhos esquisitos com a boca enquanto a esperava.
Sorri de orelha a orelha assim que a vi atravessar os portões, com duas malas gigantescas, que provavelmente eu carregaria ao menos uma, com todo o prazer do mundo.
Assim que ela atravessou a rua, e parou frente a mim, eu ergui uma das mãos com o botão de rosas e ela gargalhou de excitação, enquanto batia algumas palminhas.
- Eu não acredito que você se lembrou disso!
Eu havia prometido, quando nós tínhamos quinze e dezesseis anos que quando eu viesse buscá-la, traria rosas, nem que fosse um botão. E eu assim fiz.
- Não me esqueci de nada que te prometi.
- Você é incrível ! - ela cheirou o botão e me abraçou, com força.
- Está preparada? Comeu?
- Não consegui comer nada, de tanta ansiedade! Se eu estou pronta? Desde os meus dezesseis anos que eu espero por isso! Aonde vamos primeiro?
- Primeiro, vamos para casa, deixar essas malas e aí vamos a praia!
bateu palminhas, novamente, e eu gargalhei. Como eu estava feliz! Finalmente pude buscar minha garota e ganharíamos o mundo juntos!
Assim que chegamos á praia, tiramos os sapatos, e ela estendeu a mão para mim.
- Está com medo? - eu peguei sua mão, apertei, mostrando que estava á seu lado -
- Não! Só quero que façamos isso juntos! É importante para mim!
Caminhamos lado a lado e de mãos dadas de encontro ao mar. Assim que a água encostou em nossos pés, ela fechou os olhos, e eu observei cada tracinho daquele rosto lindo que eu tanto amava. Depois fechei meus olhos também, sentindo o vento em meu rosto.
Assim que abri os olhos, ela estava frente a mim, sorrindo. E eu fiquei calado, apenas observando-a novamente. Passei a ponta dos dedos em seu queixo, e em seus lábios. Eu precisava criar coragem....
- O que foi? Não está feliz? - ela ergueu uma das sobrancelhas, como de costume.
- É que eu nunca vi um sorriso igual ao seu. Não é um sorriso comum. Você não é uma pessoa comum. É um ser diabólico enviado para me deixar uma pessoa mais idiota que repara em sorrisos. Você sorri com os olhos e com o corpo e seu sorriso é mais caloroso que qualquer abraço. Você sorri com simplicidade e cumplicidade, é sorriso de gente que apronta, de criança levada, com os olhos brilhantes. Não é só um sorriso. É o meu sorriso preferido. Da minha pessoa preferida.
Ela abaixou a cabeça, envergonhada.
- … - eu a interrompi.
- , olha, preciso aproveitar esse momento, essa onda de coragem. Tenho que te dizer uma coisa.
- O que foi? Aconteceu alguma coisa? Não tenho mais o emprego? Ou, sei lá, não vou poder morar mais com você? Tudo bem, daremos um jeito!
- Não ! - eu soltei uma risada - Não é nada disso, o emprego já seu, e é óbvio que você vai poder morar comigo, a não ser que não queira mais…
Ela me desferiu um tapa, - que provavelmente ela achou que fosse forte- no ombro.
- Ficou bobo? - eu gargalhei alto.
- Não me desconcentra, por favor!
- Então fala logo!
- Eu te amo! E você sabe disso, mas não sei se sabe, que esse amor, que eu sinto, ele não é um amor fraternal… Não é um amor de irmãos, apesar de termos sido criados juntos em um abrigo… O que eu sinto por você, é amor de verdade. Amor de… - umedeci os lábios procurando as palavras, não queria assustá-la e estragar tudo.
- Amor de homem e mulher? - ela perguntou.
Eu assenti com a cabeça, sem jeito e ainda sem acreditar que eu tinha falado sobre o que sinto.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos.
- , o que existe entre nós, é muito forte e você sabe disso! A nossa conexão, os nossos sonhos, nossos planos…
- Mas você só me enxerga como um amigo. Eu já imaginava.
Nos olhamos.
- Não dá, de jeito nenhum, para olhar nos teus olhos e dizer que não sinto nada. Você é o homem de minha vida, e eu tenho certeza disso. Eu já passei onze anos da minha vida do teu lado e quero passar o resto dos meus dias contigo, eu sempre quis! Não é possível que você seja tão burro assim de nunca ter percebido que eu te correspondia?
- Não precisa me ofender também, poxa, claro que não! Não dava para saber.
- Então faça o pedido. - ela estendeu a mão.
Eu segurei, depositando um beijo lá, enchi meu peito de ar, e soltei devagar.
- Quer namorar comigo, ?
Ela sorriu, com os olhos brilhando, fazendo com que eu me apaixonasse mais ainda.
- Eu sempre fui sua namorada seu bobo!
Ela segurou o colarinho de minha camisa, puxou meu corpo para mais perto e nós nos beijamos.
Ali, era o início do resto dos nossos dias. Juntos, como sempre foi, e como sempre vai ser.
Aprendi durante esses 11 anos no abrigo que o mundo pode ser sim cruel, e que a vida pode te tirar coisas muito importantes sem um aviso prévio, mas que o destino é algo maior que nós todos, sempre te dá outras possibilidades. Existem milhares de portas e janelas para você abrir. Perdemos nossas famílias, mas ganhamos um ao outro e a chance de construirmos a nossa família juntos.
Aprendi que existem pessoas tão boas, mas tão boas, que doam seu tempo e amor sendo voluntárias em um projeto, para que não falte carinho, educação, comida e tantas outras coisas para que crianças que como eu e , não percam jamais a esperança nos outros e no mundo. Nos tratavam com tanto carinho, apreço, gentileza...
Tá ai, uma palavra que eu aprecio: gentileza. Tratem as pessoas com gentileza.


Fim



Nota da autora: Olá meus amores! Gostaram? Algum feedback? Digam ai nos comentários o que acharam... Se quiserem saber mais sobre minhas fanfics me chama lá no tt é @yoteenvenene <3





Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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