Capítulo Único
Gritos... mais gritos, a luz do meu quarto se acendeu. Minha mãe de novo berrando pra eu levantar e ir ajudar nas tarefas de casa. Saco!
Mas não era isso que me incomodava, outra vez aquele sonho: eu vendo uma luz branca, tentando falar e ninguém me escutava... O que seria isso?
Minha mãe continuava a berrar, agora da cozinha. Porcaria, era melhor eu levantar logo antes que meu pai viesse me tirar da cama pelas orelhas!
Meu nome é e moro em uma casa comum, com pais comuns e um irmão pirralho comum. Tenho um namorado que amo muito e vários amigos, que inclusive me chamaram para uma festa no sábado, que se eu não ajudar nas tarefas de casa, eu não poderei ir. Então deixa eu me preparar pra ajudar a minha mãe e fazer tudo por aqui.
— Não, ! Você não vai a festa nenhuma! Eu sou seu pai e ainda mando em você! — Meu pai berrava da sala e eu, trancada em meu quarto, chorava de raiva.
Minha mãe, como sempre justa e conciliadora das brigas, tentava fazer meu pai me deixar sair. Eu ouvia os dois conversando agora no quarto deles, que era do lado do meu.
— Meu bem, a me ajudou muito essa semana, fez todas as tarefas dela sem reclamar, cuidou do irmão e da casa de maneira impecável, não me deu trabalho e foi bem mais gentil do que de costume. Ela merece ir nessa festa, por favor, deixa ela ir se divertir com os amigos... — minha mãe dizia.
Mas meu pai rebatia:
— Não! Ela não vai! Ela fez tudo isso só por interesse de sair, quando na verdade ela tem que fazer tudo isso, porque ela mora aqui e é a obrigação dela ajudar! — Meu pai estava difícil de convencer.
Eu estava irritada, queria gritar de ódio. Eu estava deitada na minha cama com muita dor no corpo, o estresse me causava isso, a raiva, e, naquele momento, eu estava com muita raiva do meu pai.
Que droga, agora mesmo que eu for pra festa nem vou aproveitar de tanta dor que eu estava sentindo!
Estava quase desistindo de ir pra festa, quando ouvi alguém bater na porta.
— Ah, oi, ! — Ouvi meu pai atender a porta na maior gentileza do mundo, nem parecia que a cinco minutos atrás estava quase me engolindo de tanto berrar.
— Oi, senhor Edgar. A está? Vim buscá-la para a festa de aniversário da . — disse, já armando uma mentira, porque não tinha festa de aniversário nenhuma.
Sorri, eu sa que ele ia dar um jeito pra eu ir nessa festa e, graças aos céus, meu pai acreditava no por ele ser mais velho e, segundo meu pai, ser responsável.
— Ah, quer dizer que é o aniversário da ? E por que a não me disse nada? — Meu pai, esperto como sempre, logo desconfiou.
— Sim, é o aniversário dela... Quero dizer, a festa. Eu explico: o dia do aniversário da já passou, mas a festa nós estamos fazendo hoje, porque é uma festa surpresa e a ficou de distrair a pra que a gente organizasse tudo. Entendeu? — se saiu bem, ele era fera em convencer meu pai das maneiras mais absurdas.
Ri de gargalhar no meu quarto, como meu pai era fácil de convencer.
Meu pai parou, pensou, respirou fundo e disse:
— Olha, , a estava proibida de sair de casa hoje, mas como é uma festa para a e você vai estar junto, então ela pode ir, mas... cuida da minha garotinha, ouviu, rapaz? Eu só tenho a minha menina e eu estou com um incomodo no peito, sei lá, coisa de velho, mas, por mim, a não saía hoje. — Meu pai acabou seu discurso, que eu ouvi do meu quarto, e eu fiquei tipo:
— Quê?
pareceu tão confuso quanto eu, quando entrou no meu quarto cinco minutos depois.
— Caminho livre para a festa do ano, baby, mas seu pai está bem estranho, deu até medo. — me contava e eu estava pensando no sonho que eu vinha tendo a semana toda.
Deixei pra lá, esqueci. Afinal, agora eu estava liberada pra ir para a festa, só precisava me lembrar de avisar a para falar da festa falsa quando encontrasse meu pai.
Chegamos no bar, a balada mais famosa da cidade, música alta, bebida, gente dançando, uns quase transando nos cantos, cheiro de cigarro misturado com maconha e luzes piscando. E de novo aquela sensação estranha... a lembrança do sonho.
— Hey, ! — O pessoal chamou assim que nos viu.
— Que bom que vocês chegaram! — logo falou, gritando mais alto do que a música.
Sorri e berrei de volta:
— É sua festa de aniversário surpresa, eu não iria perder! — Todos gargalhamos e fomos aproveitar a balada.
Lá pelas duas horas da manhã, eu já estava cansada e com sono — sei lá o que me deu. Eu não tinha bebido nada, já que eu era a motorista da rodada naquele dia... ou noite.
Avisei ao pessoal que eu estava indo pra casa:
— Galera, eu já estou indo pra casa. — Falei com a voz cansada.
— Mas já, ? Você é a motorista e a gente tá pra lá de bêbado! — Jeff disse, falando tudo misturado.
— Eu sei, eu sei, mas eu não estou legal, acho melhor vocês pedirem um carro quando quiserem ir pra casa, porque eu já vou. — Bati o pé, decidida.
— Certo, , eu vou com você. — quis vir para o meu lado, mas ele já estava bem alto pelas cervejas que tomou e se ele chegasse na minha casa desse jeito, meu pai iria matar nós dois.
Tentei convencer ele a ficar e aproveitar o resto da balada:
— Não precisa, amor, eu estou com o carro do meu pai, estou bem, não bebi nada além de água e suco, e estou ótima pra dirigir. Fica, aproveita o resto da balada e amanhã a gente se fala, tudo bem?
— Tem certeza? — parecia na dúvida, mesmo meio embriagado.
— Claro que sim, mas, olha, nem pensa em dar bola pra alguma outra garota, porque se você fizer isso, eu vou saber! — Ameacei de brincadeira, mas em tom sério.
nunca tinha dado mancada comigo.
— Oh, , eu jamais iria querer outra garota, eu te amo, sua ciumenta. — falou alto e me abraçou.
— Eu sei, Bouvier, eu sei. Eu também te amo, . — Completei e nos beijamos.
Mas ao fazer isso, senti o peito apertar e o corpo tremer, e uma sensação estranha passou por mim. De novo, a lembrança do sonho: luz branca, eu gritando e ninguém me escutando. Deixei pra lá.
Despedi-me de , Chuck, Séb, Laurence, Jeff, Michelle, David e Tinah. Dei um último beijo em e saí para o estacionamento com a sensação de que eu não veria nenhum deles de novo.
Entrei no carro, coloquei o cinto e, por incrível que pareça, estava chovendo — uma chuva forte, mas não chegava a ser uma tempestade. Eu amava dirigir na chuva e com música no carro.
Arrumei-me no banco, liguei o som e dei a partida. Dei uma última olhada no bar, onde estavam todos os meus amigos e o cara que eu amava. Saí em direção à minha casa, queria ver minha família, estar com eles, sei lá o porquê.
Estava dirigindo havia uns vinte minutos, aproveitando a chuva batendo na lataria do carro e a música que tocava no rádio. Apesar da sensação estranha, eu me sentia feliz, bem e realizada. Quando de repente, na saída do túnel, uma luz forte me cegou. Ouvi pneus cantando no asfalto molhado e um barulho alto.
Batida.
Um carro veio de frente comigo, acertando-me em cheio. Com a força da pancada, fui jogada para a frente e mesmo com o cinto de segurança, senti o golpe. Bati a cabeça com força no volante, uma dor terrível tomou meu corpo... e não senti mais nada. Era como se eu estivesse fora de mim, vendo tudo fora do meu corpo.
Tiraram-me do carro, eu estava inconsciente, com sangue escorrendo do nariz e sem movimento. A polícia chegou e isolaram o lugar todo, os bombeiros sinalizavam tudo com lanternas, já que a chuva tinha aumentado bastante. Estava começando a juntar pessoas, que paravam seus carros mesmo em meio ao temporal para ver o acidente. Foi quando eu ouvi o policial dizer:
— Temos que avisar aos pais dessa moça, não tem muito o que possamos fazer aqui.
Avisar meus pais? Por quê?
— O motorista do outro carro está completamente bêbado, foi achado várias garrafas no banco do carona. Quanta irresponsabilidade. — O policial dizia.
Mas, por que avisar meus pais? Eu estava bem ali, eles não podiam me ver?
— Que tristeza, que desperdício, uma moça tão linda e jovem. — O policial falava com um bombeiro que passava.
Vi a polícia voltar e levar o cara que bateu de frente comigo para um canto para fazer o teste do bafômetro. Positivo, ele estava bêbado e provavelmente vindo da mesma balada em que eu estava.
Colocaram-me em uma maca e depois na ambulância, uma luz branca estava em meus olhos, mas de nada adiantava, eu ainda estava sem me mexer, eu queria me mover, mas meu corpo não me obedecia.
O que estava errado comigo?
Vozes, correia e agora eu estava em um quarto de hospital. Gritaria, mais correria.
— Vamos tentar reanimar! Afastem!
Choque.
Vi-me levantar da cama e cair. Sem reação.
— De novo! — O médico gritou.
Choque e nada.
— Infelizmente, não tem mais nada que possamos fazer... — o médico disse para a equipe que cuidava de mim.
Era isso? Eles iriam desistir de mim? Eu não ia mais voltar? Mas eu precisava ver minha família, meus amigos, eu precisava ver o !
De repente, um filme começou a passar diante de mim.
Na última semana, eu ajudei minha mãe nas tarefas de casa e conversamos muito sobre tudo, coisa que não fazíamos, sei lá, há anos. Ajudei meu irmão na lição de casa, depois jogamos videogame juntos e eu amei, jamais imaginava que um adolescente de catorze anos pudesse ser tão legal.
Na quinta, ajudei meu pai a lavar o carro, já que eu o usaria no sábado para a festa, conversei com meu pai e passamos os melhores momentos de pai e filha. Na sexta, fui ao shopping com a galera e passamos o dia juntos. À noite, eu e transamos no carro dele debaixo das estrelas, no parque em frente à casa dos pais dele, e foi tudo lindo e perfeito. E lá, ele disse que me amava e que gostaria de passar a vida dele comigo.
Então era assim que tudo iria acabar?
Não!
Eu gritava, dizia que estava ali, mas ninguém me ouvia.
Agora eu via meus erros, tudo de chato ou errado que eu tinha feito e eram muitas coisas. Bebida, drogas, bagunça, falta de respeito com meus pais, brigas bobas com meu irmão... eu queria correr, fugir, mas não tinha para onde.
A noite parecia mais escura e a chuva mais forte do que nunca. Eu queria poder recomeçar, voltar atrás, não ir naquela balada, mas não tinha como. Acho que a vida estava cansada de mim, das minhas mancadas. Ou será que era eu quem estava cansada da vida?
Agora eu estava ali, praticamente indo embora, presa por um único fio, o fio do amor que eu sentia, sinto por e por todos, acho que eu queria mesmo era ver o rosto dele uma última vez antes de ir...
E como se ele me ouvisse chamar, entrou no hospital aos berros:
— Onde está a ? Eu preciso ver a ! — Ele gritava.
— Calma, rapaz. — O médico tentou fazer ele se acalmar.
— Eu estou aqui, meu amor. — Eu dizia perto dele, mas ele não me ouvia ou conseguia me ver.
— Não podemos fazer mais nada, só te chamamos aqui, porque você era o primeiro contato dela. — O médico falou e desabou em choro.
— Sentimos muito, rapaz, a chuva e o motorista bêbado do outro carro provocaram isso, fizemos de tudo, mas, infelizmente...
— NÃO! — gritou. — A não pode estar... — ele não terminou a frase. — Ela está aqui, eu a sinto aqui comigo. — dizia e ele estava certo. Eu estava ali e sempre estaria com ele.
O amor que sentia por mim era o fio que me mantinha ali. Pra mim, agora era tarde, eu não poderia mais apagar as coisas erradas que fiz ou pedir desculpas por tudo que falei, para as pessoas que magoei. Eu só queria poder voltar a um tempo onde nada mais importava, onde tudo era simples e feliz, e poder fazer algumas coisas diferentes.
Então outro filme passou diante de mim: eu quando criança, brincando com as crianças que hoje eram meus amigos, minha família. E, na casa da frente, os vizinhos — os Bouvier. Louise, Réal, Jonathan, Jay e . O garoto mais lindo e mais chato do mundo. Que se tornaria o amor da minha vida.
E então eu percebi, era hora de ir, eu tinha vivido e feito tudo o que era para eu fazer. Minha vida tinha sido plena e feliz, eu amei, fui amada e tive uma família maravilhosa. Além de amigos que eram mais que irmãos.
Eu não conseguia explicar o porquê de eu ter ido até aquela balada hoje, mesmo quando meu pai não queria que eu fosse, talvez realmente era pra ser. Amanhã, todos iriam recomeçar o dia sem mim, seguir a vida sem que eu pudesse estar junto, mas o que me animava e me deixava feliz, era o fato de que um dia eu talvez pudesse voltar. Como um novo amor para o ou talvez como a filha dele com alguma outra garota legal. Ele merecia ser feliz, mesmo sem mim, todos mereciam a felicidade. E eu? Vou estar sempre com cada um deles como um anjo protetor, até que alguém lá do lugar para onde eu vou, deixe-me voltar e rever as pessoas que eu tanto amo.
Agora preciso ir... Estou sumindo, saindo daqui com a certeza de que algum dia eu vou voltar, mas que também eu nunca irei embora de verdade.
Por isso, até algum dia!
Fim!
Bom, é isso e obrigada a você, leitora que me deu uma chance, seu apoio me anima demais!
Até algum dia.
~~ Bia ~~