Última atualização: Fanfic Finalizada

Capítulo Único

conferiu as horas no celular mais uma vez antes de dar os últimos toques na maquiagem. Diante da penteadeira que dividia com , sorriu travessa para si mesma através do espelho. Essa preparação era mais do que suficiente para convencer as amigas de curso de que ela não furaria a noite que planejaram para ela.
Soltou uma risadinha fina.
Ela ainda tinha alguns bons minutos para enrolar antes de colocar os talentos de atriz à prova.
Da pequena bancada, buscou um pequeno vidro com um líquido furta-cor para em seguida traçar uma pincelada fina na linha d’água de cada um dos olhos. Um brilho fazia toda a diferença para ressaltar ainda mais o cristal lapidado que era.
Com a câmera frontal do celular tirou uma foto de si e enviou no grupo que compartilhava com as outras meninas da faculdade. “Mais que pronta para a nossa noite! Nos encontramos lá!”, enviou para complementar a foto.
- Ai, ai... Elas que me perdoem por isso. – murmurou sozinha e buscou por outro contato.
Ficou esperando o outro lado da linha chamar ao mesmo tempo em que tamborilava as unhas bem feitas no tampo da penteadeira.
- , onde você se meteu? – lançou quase no mesmo instante que o celular parou de chamar – Sabe que horas são? Muito tarde!
- Oi, ! – a pessoa do outro lado sussurrou – Não precisa se preocupar comigo. Estamos na biblioteca, estudando. Não tenho hora para voltar.
pensou em caçoar da amiga que estava jogando aquele papo de estar enfiada na biblioteca em plena sexta-feira, quase oito horas da noite, estudando, para cima dela. Contudo, tratando-se de , ela sabia que era muito real, ainda mais quando ela estava inscrita no curso mais concorrido do país. Medicina realmente pedia por muito amor.
- Você usou o plural. Quem mais está aí?
- Hm... A Liga de Pediatria. E isso inclui o . – o pequeno suspiro não passou despercebido por , que riu – Não é engraçado, . Sabe? A gente já se encontra em casa, nas aulas e agora tenho que aturá-lo nos grupos de estudo.
vinha de uma família de médicos muito importantes e agora seguia os mesmos passos para continuar a tradição. era praticamente a versão homem dela. Os ’s e os ’s eram tão parecidos e próximos, que as matriarcas deram a luz na mesma época, fazendo que e tivessem os destinos cruzados desde pequenos. Foram vizinhos, frequentaram a mesma escola, a mesma universidade e agora a mesma casa.
Quando parava para repensar na história, não conseguia deixar de ficar impressionada. Os amigos compartilhavam literalmente uma vida toda e não mostravam sinais de se separar tão cedo. Apesar de tudo, o casal nunca foi muito próximo. , que havia se juntado ao grupo no ensino fundamental, lembrava-se de como era difícil manter as mãos de longes do pescoço de .
Deixando os devaneios, tentou ser positiva:
- Pelo menos ele é bonito, amiga. Um colírio para os olhos.
- Não é não! – a rapidez com que a outra negou fez rir outra vez. Boas amigas como eram, conseguiu imaginar perfeitamente a figura de se exaltando e ficando com o rosto igual um tomate fofinho.
- Tenho certeza que as demais acadêmicas da medicina concordam comigo, mas enfim... – cortou as provocações, antes que a ligação se resumisse ao – Posso confiar que ele vai cuidar de você e vocês vão chegar juntos em casa, certo?
- não é nada meu para ter essa obrigação, amiga. Eu posso chamar um Uber.
- Ok. Essa opção era para me tranquilizar? Porque não funcionou. Fala sério, vocês moram juntos! Nós moramos! Não custa nada vocês voltarem juntos!
- Depois a gente vê isso. E aí? Já lançou a mentira para as suas amigas, vagabunda sem coração? – ainda que ninguém pudesse ver, colocou a mão livre sobre o peito e fez a cara mais dissimulada de ofendida que conseguiu.
- Como você pode me chamar assim! – fingiu indignação – Mas a resposta é não. Ainda. Elas vão me entender um dia. Amo muito todas, mas hoje só queria ficar sossegada vendo qualquer programa que não vai acrescentar nada culturalmente.
- Você que sabe. Mudando de assunto: já saiu do quarto?
Dessa vez, foi que quase teve um treco ao ouvir o nome.
- E eu sou babá desse garoto, por acaso? Sei lá, , nem pisei para fora do corredor ainda. – soltou cheia de desaforo.
- Bom. Não entendi se você vai ficar em casa ou vai dar uns perdidos por aí, sozinha, mas pode dar uma checada nele antes? Por favorzinho? Por mim, .
- Um marmanjo desse tamanho precisando de cuidados por causa de um porre, fala sério!
- Não foi só o porre, amiga. Ontem ele estava febril e mal saiu do quarto. Nós duas sabemos o quanto isso é anormal, porque assim como , nunca aquieta o cu.
- E ela não perde a oportunidade de enfiar em todas as conversas. – alfinetou em tom de tédio.
- Idiota! Faz esse favor para mim, por favor.
- Não volte tarde. Estude bastante, mas de verdade, viu?
- Sim, mamãe. – a outra zombou – Agora preciso ir, acabou de dizer uma besteira enorme e eu preciso pisar nele.
não esperou por outra resposta e desligou, deixando uma balançando a cabeça, descrente, rindo sozinha. Aqueles dois ainda vão ter alguma coisa, pensou.
A conversa com havia durado mais do que esperava. Estava na hora de colocar a segunda parte do plano em ação. Levantou-se da cadeira, desamassando a barra esvoaçante do vestido preto com cuidado e saiu do quarto. Pronta para contatar as amigas, distraiu-se com a escuridão. Com exceção do cômodo que tinha acabado de deixar, todas as luzes do apartamento estavam apagadas. Foi até a sala para apertar alguns dos interruptores e não ficar em um completo breu e voltou ao corredor.
Bufou pesadamente.
Deu uma, duas, três batidas na porta do quarto da frente e não teve respostas.
- ! – chamou firme e ficou no vácuo – ! – tentou outra vez, dando mais batidas – ! – aumentou o tom – Será que morreu? – disse mais para si e uma pontinha de medo se instalou no íntimo – Obviamente que não, afinal vaso ruim não quebra. – assegurou, colocou a mão na maçaneta.
Antes de colocar os pés dentro daquele território que não lhe pertencia, ponderou bastante. Ninguém tinha permissão para entrar no quarto do outro, para tanto as portas viviam encostadas, salvando raras exceções como dias muito abafados ou temporadas de faxina.
O apartamento era pago pelos pais de e , para que pudessem ter acesso fácil à faculdade. Sendo quatro pessoas morando juntos e três quartos, a conta não fechava. Almejando por uma distribuição justa, tentando afetar o mínimo da privacidade de cada um, acabou ficando garotas para um lado e garotos no outro. O quarto restante foi adaptado para um espaço para estudos e trabalhos.

Ainda que tivesse sido a fazer o pedido, a cogitou se não deveria ficar só com a bunda no sofá esperando o garoto dar um sinal de vida. Segundos depois, a universitária já mandava todos para o inferno. Não sabia por que estava dificultando uma simples olhada.
A primeira coisa com a qual se deparou foi o quarto escuro. No entanto, as persianas levantadas faziam com que a luz natural que partia do lado externo fosse o suficiente para se guiar, sem perder o dedo mindinho do pé em alguma quina dos móveis. De fato, eles eram mais organizados que e ela.
Conforme ia chegando mais perto da cama de solteiro que estava ocupada, percebeu que estava adormecido, coberto quase por inteiro pelos lençóis, ficando só a cabeça para fora. A atenção foi desviada para o conteúdo sobre o criado mudo: um copo de água praticamente vazio e uma cartela de remédios. Aproximou o rosto e constatou que eram apenas comprimidos comuns para dor de cabeça.
- Nada demais. – concluiu.
Então, o celular vibrou contra a palma da mão dela, fazendo-a arregalar os olhos. Tinha se esquecido das amigas. Instintivamente, olhou feio para a direção onde o dono do quarto dormia, atribuindo a culpa da distração diretamente a ele. Parada no meio do quarto, começou a atualizar as conversas. O grupo já estava no bar combinado. Limpou a garganta e testou o timbre até encontrar o que achou que seria o mais convincente. Com o ícone do microfone pressionado, começou:
- Oi, meninas! Como estão as coisas aí? Como já repararam, fiquei ausente por uns minutos. Vocês nem imaginam! – criou a abertura para iniciar o drama – Acho que não vou mais poder encontrar vocês. – forçou um desânimo que não existia – Um dos garotos que moram comigo está doente e não tem mais ninguém para ficar de olho.
As respostas vieram de imediato:
“Como assim? Por que tem que ser você?”
“Qual deles é?”
“Ah, ! A gente tinha combinado, caralho”
As vozes iam se atropelando e se misturando com o sertanejo sofrido do fundo.
- Meninas, entendam que não tem mais ninguém em casa. Não entendo no que implica em saber qual dos meninos está doente, mas é o . A gente pode marcar outra saída, mas não desistam da de hoje só por causa de mim, por favor.
“Esse não era o que você disse que não suportava?”
rolou os olhos. Aquelas desgraçadas não prestavam atenção em metade das coisas que reclamava, e foram guardar justo essa informação.
- Considerem como a minha boa ação do dia. Mas de verdade, aproveitem por mim!
“Mancada, !”
“Você podia dar uma olhada e depois vir, né?”
“Mas nem se quiséssemos, iríamos abrir mão do rolê. Já estamos aqui!”
“Você sempre fura, ! Abre os olhos, porque na próxima a gente vai ficar de plantão na sua portaria.”
- Dessa vez, eu ia mesmo. – mentiu na cara lavada – Vocês me viram pronta. Estou toda montada ainda.
A universitária suspirou. Ser uma furona era sempre fácil, complicado eram os dias que se sucediam. As demais garotas demoravam em deixar o rancor de lado. Foi pensando em nisso que uma ideia nada convencional lhe veio à mente.
Da mesma forma que ela havia usado a câmera para fortalecer a própria versão da história com as amigas no começo, cogitou se mandar mais uma foto ajudaria a atrair um pouco da sensibilidade das colegas sobre si. Dessa vez, considerou capturar na cama.
Infalível, pensou à medida que apontava o celular para o garoto.
Talvez não fosse muito ético ou racional usar da imagem do colega de apartamento para favorecer as próprias lutas, mas ele não precisava ficar sabendo. nunca foi considerada a mais sensata no grupo de amigos mesmo.
Pela tela do próprio aparelho, viu que a falta de luz não ia trazer tanta nitidez quanto imaginava. Esperava que o borrão fosse convincente o bastante.
No mesmo instante que o clique foi, o pânico veio. Tinha sido tão rápido, mas sentiu como se a alma tivesse deixado o corpo para assistir a cena em perspectiva, na câmera lenta.
O som da foto sendo tirada.
O flash esquecido dando sinal e ligando na hora errada.
abrindo os olhos de surpresa, como se fosse assombração saindo do túmulo.
tremeu, deixando escapar um grito longo de horror.
- QUAL É O SEU PROBLEMA? VAI ASSUSTAR ASSIM NA CASA DO CARALHO, INFERNO! – seguiu disparando uma série de palavrões, com os olhos lacrimejando e o coração ainda muito acelerado.
Se o garoto ainda tinha algum resquício de sono, agora já tinha sido espantado pelos berros dela.
- ‘Tá fazendo o quê aqui? – quis saber, totalmente desperto.
- me pediu para checar se você estava vivo. – ainda massageava o peito, buscando acalmar os nervos. O corpo ainda parecia inteiro de gelatina pelos últimos acontecimentos.
- E precisava de uma foto minha para ter certeza de que estava respirando? – ele debochou, levantando-se para sentar com as pernas para fora do colchão.
- Eu não estava fazendo isso. – contrapôs nervosa.
- Seu nariz vai crescer se continuar mentindo tanto assim, . Abrindo a mão de uma noite, porque está preocupada com o meu estado de saúde. – riu pelo nariz com tamanho absurdo – Quase me enganou também, danadinha!
- Se você estava acordado, por que não respondeu quando bati na porta?- ela desviou do assunto, não querendo imaginar que ele estava acordado o tempo todo, ouvindo a conversa dela.
- Porque não estava a fim de falar com você. – replicou como se fosse óbvio, voltando a fechar os olhos.
- Parabéns por comprovar todos os dias que você tem a mentalidade de uma criança birrenta, otário.
- Você é a maturidade em pessoa, com certeza! – ironizou – Ficar tirando foto dos outros enquanto eles não estão olhando... Se eu soubesse que queria me admirar, eu mesmo teria te mandado uma, amor.
deixou o cômodo em passos pesados. seguiu logo atrás, pescando a camisa que tinha largado aos pés da cama antes.
- Ficou sem palavras, não é?
A garota parou no meio da sala, fechando os olhos com força e fazendo punhos com as mãos. Era difícil discutir com ele, sabendo que parte da razão não estava consigo. Quando abriu os olhos de novo, deparou-se com lhe observando da cabeça aos pés.
- Ficou sem palavras, não é? – imitou a fala dele para pirraçar, mas teve que engolir as próprias palavras.
Só com a sala iluminada que ambos puderam se analisar de verdade. tinha visto a silhueta dela transitando pelo quarto, mas não tinha noção de que ela estaria tão bela. Por outro lado, estava tão ocupada discutindo que nem tinha reparado que o garoto estava sem camisa.
Era apenas um tronco desnudo.
Um belo de um tronco desnudo.
- Ficou até que bonitinha. –
- Bonitinha? – ela arqueou as sobrancelhas – Bonitinha é o que estou todos os dias, paixão. Hoje, eu estou um espetáculo! – corrigiu, muito segura de si, dando um giro rápido para apreciação.
- E fez tudo isso para não sair com as suas amigas? – ele a encarou com suspeitas – Não me diga que elas eram só fachada para você voltar com aquele bosta que te chifrou?
ficou mais nervoso do que gostaria ao pensar que a colega poderia ter passado tanto tempo se arrumando para tentar voltar com um cara que certamente não era merecedor de nada que viesse dela ou de qualquer outra mulher. soltou um gritinho esganiçado com a teoria ridícula.
- Não? A febre deve ter fritado o seu cérebro! – irritou-se, subindo um tom da voz – Não que eu deva satisfações, mas como você mesmo disse: esse ser que me recuso a nomear é um bosta. Eu prefiro morrer a entrar num nível de desespero tão grande a ponto de voltar para ele.
Então, os músculos do , que tinham ficados rígidos automaticamente, relaxaram.
- Eu detesto ficar fazendo discursinho, mas vou militar: não é porque uma pessoa se aprontou que ela vai sair com alguém. Eu, hein. Segundo: não mencione os meus chifres para tentar me diminuir. Eu sou a vítima aqui. – a garganta chegava a arranhar de tanto esforço que estava fazendo para não gritar de histeria.
- Eu não queria te diminuir, porra! – respondeu à altura – Só relembrar as merdas que aquele cara fez para você não correr o risco de pensar em voltar.
- Por que é que vocês acham que eu sou tão rendida por esse imbecil? – explodiu – Pelo amor de deus! As garotas arranjando saídas para me jogar para cima de qualquer um que tenha um pinto funcionando. Você cismando que eu vou me humilhar... – respirou pesadamente pelo nariz.
- Talvez porque você tenha entrado em crise aqui em casa quando descobriu que estava sendo feita de boba?
Aquele dia havia sido atípico. Nenhum dos residentes imaginou que Frachesca poderia chorar tanto. Quando parava para repensar, nem mesmo ela entendia o motivo para tanto abalo.
Eles não se amavam. Tinha sido um lance muito mais carnal do que os outros relacionamentos que tivera. No entanto, isso ainda não era justificativa para a infidelidade. Infelizmente, às vezes, ela tinha dessas de se meter em roubadas.
Ninguém era perfeito.
- Foi só pela surpresa. – esclareceu – Eu fui muito pega desprevenida. Agora, poupe-me da sua preocupação, .
- Beleza!
- Ótimo!
- Ok.
- Tá.
- Tá.
- Então, ‘tá bom.
Nenhum deles queria dar o braço a torcer. Mergulharam em um silêncio constrangedor enquanto os ânimos esfriavam. Não havia mais nada a ser dito. Nesse meio-tempo, resolveu permanecer na sala e foi para a cozinha iniciar os preparos para o jantar.
- Seu cabelo está mais bonito. Diferente. Fez algo especial? – tornou a abrir a boca depois de um tempo.
cerrou os olhos na direção do homem escorado na poltrona, incerta de que se o que tinha ouvido não era uma mentira. Apesar de ter feito um elogio para uma área específica, ela percebeu que ele não a olhava.
- Não sei, eu lavei? – brincou para tentar descontrair – Ignorando a piada, eu só cortei algumas pontas.
- Hm.
sentiu um leve estresse subir. Eles não eram os melhores amigos, mas iriam ficar naquilo? Ela odiava respostas monossilábicas e mais do que elas era só o silêncio. Ele tinha puxado o assunto para deixar morrer tão rápido? Inferno.
- Você ainda deve estar meio afetado da febre. Já me elogiou duas vezes hoje. Tudo bem que não foram “super” – frisou – elogios, mas partindo de alguém como você, um “bonitinha” até que é bastante.
- Isso é porque você sempre espera menos de mim, . – falou, enfezado, chegando mais perto – Mas se esse foi o seu jeito de agradecer os elogios, beleza. Não tem de quê. Eu só estava falando o óbvio.
Ela continuou com os olhos cerrados. Se fosse qualquer outro homem do mundo ali, interpretaria como um flerte, ou pelo menos o começo de um. Todavia, quando era em cena, ela ficava toda confusa.
- Desculpa se eu te faço se sentir assim. Vou me esforçar para melhorar nossa convivência. – forçou um sorriso, focando em tirar pedaços parecidos do peito de frango sobre a tábua.
- Já que estamos assim... Trocando algumas palavras pacíficas, posso saber de uma coisa? – a viu levantar o olhar, indiferente, e logo voltar para o corte do frango, ato que ele preferiu interpretar como um passe livre – Por que você não gosta de mim?
riu sem humor.
- Você também não gosta de mim, amado.
- Mas você desgostou primeiro. – acusou de volta – Ação e reação, amada. Vai me contar o motivo ou eu vou ter que arrancar de você?
Novamente, ela parou os preparativos da comida para encará-lo seriamente. Ambos ficaram olhando para o rosto do outro sem esboçar nenhuma reação a mais. inflou as bochechas de leve. Ela pagaria para ver tentando arrancar algo que ela não quisesse compartilhar. Surpreendentemente, isso não aconteceria pelo simples fato de que ela iria respondê-lo de boa vontade.
não poderia estar mais impressionada por estar tão disposta a socializar com .
- Primeiro: você vivia puxando o meu cabelo e cutucando os meus coquinhos no jardim de infância.
- Eu era uma criança sem-noção, . Se levássemos para esse nível todas as coisas que fizemos para o outro, eu já estaria com um processo de restrição na mão.
- Por quê? – a voz dela afinou pela indignação.
- Você batia em mim e nos meus amigos com uma régua. – ele prendeu o riso pelo absurdo – Lembra-se da vez você usou tanta força que a régua até se partiu ao meio?
Os olhos dela quase saltaram para fora. Então, também se recordava do fatídico dia. De súbito, o sangue pareceu circular com mais força na região das bochechas dela. Se tinha alguma ocasião em que sabia sentir vergonha, era a do dia que tinha sido bruta o suficiente para quebrar uma régua nas costas do . Independente do quão furiosa ela tinha ficado no momento, poderia ter causado sérios ferimentos.
- Meu deus, eu pedi desculpa por isso.
- De boa. Só estou querendo que veja que são águas passadas. Agora, você fala o motivo real, porque uns puxões no cabelo não são o bastante para esse desprezo todo.
Ela hesitou.
- Parando para pensar agora, talvez não soe tão sério quando falado alto, mas temos que considerar o contexto e a minha idade naquela época.
- Hm. – foi a única coisa que ele conseguiu dizer enquanto arqueava as sobrancelhas como um incentivo para que ela prosseguisse.
- Lembra das festas juninas que a escola fazia quando éramos mais novos?
- Hm. Não muito. Só dos nossos pais nos obrigando a participar e tirando proveito da ocasião para transformar e eu em imitações que espantalhos.
riu com a comparação, sentindo uma pontinha de decepção por ele não ter ido ao ponto que ela queria.
- Não é verdade! Vocês ficavam tão bonitinhos com botinas e os dentes da frente pintados com lápis de olhos. – não conseguiu evitar outra risada.
- Quando eu digo que você tem gostos duvidosos e ninguém bota fé... – alfinetou.
- Enfim... – optou por ignorar a última fala – As festas eram bem completas. Todo ano, ensaiávamos uma coreografia diferente para apresentar para os pais. Em um deles, tínhamos que formar duplinhas, eu te convidei e você me rejeitou. – fez bico, ainda sentindo resquícios da humilhação.
Os humilhados seriam sempre humilhados e desde cedo.
- Eu não rejeitei! – negou veemente – Rejeitei?
- Rejeitou! – reafirmou ainda com o bico e os braços cruzados na altura do peito – O nome Susan Harris não te diz nada? – soprou adquirindo uma carranca.
- A dos laços no cabelo combinando com os sapatos? – começava a interligar os momentos que envolviam a ex-colega de fundamental.
ficou ainda mais carrancuda. Dela o cretino se lembrava. Quis se descabelar, mas não estragaria o look por gente que não merecia.
- Que bom que dela você se lembra. – ironizou entredentes – Pois é. Você preferiu ir com ela naquele ano. Desde então, estive determinada a não te aturar, o que não é difícil, porque você respira e já me incomoda.
Contudo, ficou alheio às provocações que estava soltando. Em silêncio, tentava se lembrar do que poderia o ter levado a rejeitar para escolher a menina dos laços impecáveis.
- Nossa, lembrei! – o garoto revelou por fim.
- Parabéns! Você tem a memória de uma mula!
- Quer parar de me insultar, ? – começou a ficar impaciente, entrando na pilha dela – Eu estou realmente tentando me lembrar das coisas para manter o nível da nossa conversa. Vai parar? – interpretou o silêncio como consentimento – Eu não aceitei ser o seu par mesmo. – confirmou o que ela havia relatado anteriormente – Mas não foi por nenhuma maldade, como você acha. Eu só fui com a Susan Harris, porque ela me pediu primeiro. Simples. Fim!
- Ui! Como era difícil ser você! – rolou os olhos – Super popular! “O” cara mesmo!
também revirou os olhos. A mulher era difícil, sempre queria ter a última palavra, mas ele não estava disposto a sair por baixo de uma situação que ela tinha criado na própria cabeça.
- Isso é você que está dizendo, meu amor. Mas jogando a real, você guardou esse rancor por todos esses anos?
- Sim! – replicou feito uma criança mimada – Eu era só uma garotinha e você destroçou meu coração! – fungou, fingindo limpar uma lágrima em seguida.
ficou surpreso.
- Depois vocês querem insinuar que são os homens que demoram para superar um chute na bunda.
- E demoram. – ela tratou de reiterar rapidamente.
- Bom, peço desculpas por ter partido seu coração. Se te deixa mais feliz, vou deixar um questionamento no ar: é Susan Harris ou Frachesca que vive com o Gostoso atualmente?
- E a vantagem esta aonde, meu filho?
- A vantagem está que vamos poder realizar o seu sonho de princesa. – andou até a com uma mão estendida – Dança comigo?
- Para de idiotice, ! – deixou a mão dele no ar.
- Não está autorizada a fazer essa desfeita. Vamos!
Com um impulso, tomou a iniciativa para puxar mais perto, até que os corpos ficassem colados. O baque a fez soltar o ar pela boca. Cantarolando uma melodia genérica, ele foi a guiando desajeitadamente por toda extensão da sala e cozinha. Desprovida de talentos com os pés e sem conseguir acompanhar os passos, só soube rir, enquanto implorava para que parassem.
Na valsa desajeitada que estavam realizando, arrastava de um lado para o outro, fazendo-a girar espalhafatosamente sem dó. Apesar dos protestos, ele conseguia sentir que ela estava se divertindo e a dança só voltou a cessar quando o casal parou no mesmo ponto da cozinha onde tinham começado o ato.
- Está entregue, princesa. Não foi uma quadrilha, mas finge que sim.
- Ótimo! – disse sem conseguir esconder o sorriso largo do rosto – Agora pode parar de me encher, ou não vamos jantar nunca.
- O que está cozinhando?
- O melhor prato do mundo! – garantiu – Aquele que nenhum brasileiro recusa ou criticou um dia! – aumentou as expectativas – E o único que eu sei fazer de cabeça. – confessou, mordendo o lábio inferior em um sorrisinho sem graça e por um segundo, se viu desconcertado com a ação – Strogonoff de frango!
Ele não comentou nada sobre o cardápio. Limitou-se a limpar a garganta enquanto tratava de tirar os pensamentos recorrentes que estava criando a respeito da colega de apartamento naquela noite.
Considerar encantadora não estava nos planos.
- Eu te ajudo. – prontificou-se a tempo de ver ela quase recusar, mas mudar de ideia por algum motivo em seguida.
A conversa franca e a pequena dança acabaram desencadeando uma aproximação que nem em sonhos os dois imaginariam que teriam tão cedo. Desde o processo de preparo até o fim do jantar, e foram capazes de manter o tom leve e divertido nas conversas. Depois de darem conta de quase meio quilo e frango e admiráveis porções de arroz, os residentes do apartamento largaram as louças sujas na pia e voaram para a sala, em busca de algum conforto.
- Meu deus, eu acho que vou explodir! – contou, exausta de comer, estirada no sofá ao mesmo tempo em que dava tapinhas na barriga sobressaliente no tecido negro do vestido.
- Somos dois! – a imitou, se jogando no assento do lado oposto.
- Hein, o controle está no seu lado. Liga aí para ver se achamos algo que preste passando.
assentiu, seguindo o que a garota havia pedido.
- Canal aberto, Youtube, Netflix ou outra coisa? – quis saber, ligando a tevê, e Frachesca apenas deu os ombros – Grande ajuda! – reclamou, entrando no painel inicial de configurações.
Os dois acompanharam os passos do controle pela tela. Ícone do Youtube, canais abertos, karaokê desbloqueado e Netflix. Youtube, canais abertos, karaokê desbloqueado e Netflix. Sem combinar, o casal virou para se encarar quase que no mesmo instante, com os olhos arregalados.
- Você viu o que eu vi? – indagou assustada.
- Eu acho que vi o que você acha que viu...
- Karaokê! – falaram em uníssono antes de abrirem sorrisos.
Com a opção, até deixou a preguiça para trás, levantando-se em um rompante para arrancar o objeto retangular das mãos do colega.
- Deixe-me ver isso melhor! – tomou a frente, sem desgrudar os olhos da tela – Desde quando e assinam isso?
- Deve ser só uma cortesia da tevê à cabo. – deu os ombros – Escolhe uma música boa, por favor. – desencostou-se do assento, tomando posição ao lado da mulher.
Com os celulares conectados à rede por bluetooth, cada um garantiu o seu microfone para iniciarem o show. O clássico de Bon Jovi, Livin on a Prayer, foi o que abriu a apresentação. Eles estavam determinados a entregar um bom desempenho. Em uma sintonia nunca vista, e cantavam com todos os pulmões, ora pulando no sofá, ora de joelhos no piso. Terminando a faixa, ofegantes, Frachesca já emendou a próxima música.
Em um giro de 360 graus, demonstrando o amplo repertório que abrigava, eles foram do rock para o pop adolescente. Fabulous por Ashley Tisdale em High School Musical ocupava a tela. Ao contrário do que esperava, não foi se sentar, permaneceu de pé ao lado de .
- Você conhece essa? – ela quis saber descrente.
- Minhas priminhas cantavam direto em casa.
só teve tempo para arquear as sobrancelhas, em surpresa. Então, a música começou e se revelou um mentiroso. Ele não sabia o ritmo, estava apenas lendo os versos. A garota só sabia rir dele fugindo do tom e quando chegava a sua vez, era sabotada. Os dois estavam obviamente brigando pelo papel de Sharpay com movimentos exagerados e pomposos.
- Você está passando dos limites! – Frachesca acusou, indo para cima do parceiro, com as bochechas doendo de rir.
- Você é quem está quebrando muitas regras hoje. – ele a segurou pelos pulsos com cuidado – Saiba disso, . – alertou de repente, com o maxilar contraído.
- É mesmo? – ela olhou para os lados distraidamente, tentando se desvencilhar da aproximação – Tipo?
- Primeiro: invadiu o meu quarto. – inclinou o rosto para frente, diminuindo a distância entre eles e a garota deu um passo para trás – Segundo: tentou fazer uso indevido da minha imagem. – avançou mais alguns centímetros, a sentindo recuar outra passada.
- E tem mais? – ela perguntou em um fio de voz, finalmente olhando diretamente para os olhos dele, com as bochechas coradas de esforço e os fios de cabelo fora do lugar. assentiu, mordendo a boca, meio zangado – O que mais? – as panturrilhas desnudas da mulher bateram contra o assento do sofá.
- Está me fazendo te desejar. – a maneira séria com qual ele fez a confissão abalou todas as estruturas internas dela. Contra a vontade de , o estômago revirou.
- Isso não é certo. – sussurrou, molhando os lábios e ficando ofegante de repente.
Alguém deveria ligar o ar condicionado.
- O quê... – ele parecia hipnotizado pela boca dela – Não é certo? – questionou no mesmo tom, inclinando o rosto em direção ao dela.
- Isso. – engoliu seco, insistindo em ir para trás com a cabeça na esperança de evitar o inevitável – Eu e você. – disse baixinho.
- Você não quer? – ele perguntou, calmo.
- Quero! – ela respondeu de prontidão, arrependendo-se no instante seguinte por ter deixado a fala escapar de forma rápida e tão desesperada.
A risada presunçosa de deixou explícitas as intenções que ele tinha de fazer maldades e isso foi a cereja do bolo para que um frio gostoso se apossasse do ventre de .
- Sem mais perguntas, amor.
Com um empurrão, as costas de foram de encontro com o sofá, levando junto consigo, deixando-o por cima. Este usou os cotovelos para criar um apoio onde pudesse depositar sua força e peso, sem esmagar a garota. Os dois se entreolharam por segundos, analisando de perto os traços mais minuciosos dos rostos e sem maiores cerimônias, colaram as bocas ansiosas.
Automaticamente, levou uma das mãos à nuca do garoto e a outra se apoiou no ombro dele para estreitar o contato. Ao mesmo tempo, ele a abraçou pelo pescoço com um dos braços e a mão livre desceu fazendo uma linha invisível pelas costas até parar na cintura, onde se concentrou para fazer alguns carinhos.
Quando o fôlego acabou, eles mudaram a televisão para qualquer canal. Ratatouille estava passando em seus minutos iniciais ainda. Normalmente, ficaria atacada, entretanto a fome nesta noite era de outra coisa. Como se fosse um leitor de mentes, ele não ficou distante dela por muito tempo.
Os beijos foram equilibrados com breves conversas ao longo do filme. Não que o casal estivesse preocupado em prestar atenção nas cenas que rodavam. Ao fim, quando os créditos da animação começaram a subir, já não havia ninguém mais acordado. Ambos haviam caído no sono sobre o sofá. continuava embaixo e tinha os próprios braços pendurados no pescoço do colega. descansava a cabeça nos peitos da garota e abraçava pela cintura como um bicho preguiça em seu pedaço de galho favorito.
Em algumas horas, chegaria acompanhada de e acabaria em um choque de realidade. A estudante de medicina tomaria as suposições erradas e surtaria pelas sacanagens que deduziu que eles fizeram em seu sofá italiano. Enquanto o momento não chegava, se acomodava melhor, não podendo desejar estar em lugar melhor: em casa.


Fim



Nota da autora: Oieeeeee! Nem consigo acreditar que o meu lado pagodeira foi revivido com força total depois dessa ficstape hahaha' VIBE é um álbum totalmente sem defeitos e muito leve de ouvir! Me diverti muito escrevendo e espero ter conseguido passar essa "vibe" gostosinha que tem tanto no ritmo, quanto na letra. Se gostaram e se interessarem, escrevi uma outra música dessa mesma ficstape. Vão lá me dar biscoito também em 09. Calma, calma! KKKK Muito obrigada pela leitura <3




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