Capítulo Único
Na verdade, elas não eram tão diferentes assim.
Uma característica em comum: bissexualidade. Isso bastava para os hormônios as pôr em aflito.
Elas se falavam, conversavam, eram melhores amigas. A única coisa ruim era que a amizade estava ficando escassa entre elas, e o desejo se fazia mais presente. Uma sonhadora até demais, apaixonada pela mestre da ilusão. Não que ela gostasse de iludir pessoas, todavia, era contra todas as regras que fazia. Ela não queria o mau da sonhadora, eram melhores amigas, e ela não queria mau para a outra. Não se dizia uma pessoa boa, se dizia uma pessoa prestativa nos momentos certos.
Então, em uma linda tarde de férias, a sonhadora resolveu confessar o sentimento. Assustou a outra, que estava tão acostumada a ser tratada como um nada. Elas se afastam, talvez por um motivo idiota. Uma orgulhosa demais para admitir ter errado, a outra acostumada a pedir perdão.
null, a tão sonhadora garota, pede perdão. Diz que não era intenção assustá-la, que só queria que a tratasse normalmente. Por tempos, ficar ao lado de null era sinônimo de travar uma guerra dentro de si. Todos os dias lidando com aquele sorriso de dentes tortos e boca perfeitamente pintada, e tendo que ignorá-los. As férias chegam novamente, um alívio imenso toma conta de null, e um novo sentimento toma conta de null.
Por uma conversa de whatsapp, null resolve contar sobre o sentimento para a melhor amiga: estava apaixonada. Aquela seria sua primeira decepção amorosa, ela sentia isso, e só queria sua melhor amiga do seu lado. As duas discutem novamente; null está sendo trouxa, manipulada pela hétero que se apaixonara, e null diz o que ela classificava como verdades: null nunca ficaria com a hétero.
Com o coração partido, mas com a confiança intacta, ela resolve seguir com o plano. Ela e a nova paixão eram próximas, só precisava fazer tudo dar certo, entretanto, estava perdida. Todos os progressos que fazia guardava para si, por mais que quisesse compartilhar com outras pessoas ela não tinha ninguém.
Durante todo o processo, null se manteve indiferente, sabendo a ex amiga por vozes alheias, por mais que quisesse ouvir diretamente de null. Ela estava tendo resultados na conquista, e aquilo assombrou null. Continuou firme, até ver a amiga de mãos dadas com a outra. Seu coração apertou, lembra-se de ter chorado por horas na própria cama, morrendo de vontade de mandar uma mensagem se declarando novamente. O medo a impediu. Ela tinha medo da reação da outra, ou de causar má impressão na conquista da ex amiga. Então, se guardou. Guardou tudo o que sentia, e todo dia, às uma da tarde, quando entrava na maldita escola, fingia que não as conhecia.
null para de ter progresso. null, a moça que estava conquistando, tem alguns meses para sair do estado. Todo o sentimento de culpa a envolve, fazendo-a repensar seus atos de alguns meses atrás. Repensar o que? Ela não tinha feito errado, ou tinha? Apenas se apaixonou, o que de mau há nisso? Nada! Todavia, ela resolve pedir desculpas, havia agido errado e era isso que ela faria.
"Eu sei que errei. Eu só estava apaixonada, que mau há nisso?"
Elas voltam a se falar, null sente-se aliviada por falar com a menina que ama. Por todo esse tempo, ela sorri novamente com alguma besteira que null havia dito. Completa novamente, por pouco tempo.
A amizade volta, mas a paixão não vai. null decide ajudá-la a ficar com null. Costumo dizer que, quando você realmente ama uma pessoa, você quer vê-la feliz, independente com quem seja.
Sem sucesso, sem paixão recíproca. null é hétero, e está namorando um outro menino. null está fraca, chorando pelos cantos, precisando de null o tempo todo. A amiga não se opõe a ajudar, está sempre ali, a acolhendo no que precisa. Ali morava o perigo.
null está confusa; amor ou amizade? Afinal, ela já sofreu tanto por uma (e ainda estava sofrendo por), não queria sofrer novamente.
Dhominke enxerga tudo diferente. Para ela, null não poderia estar mais apaixonada. Elas brigam novamente, um motivo fútil e relevante desta vez. null não queria ficar brigada, ela toma a pior decisão de sua vida.
"Podemos conversar?"
"Claro!"- Dhominke não nega, animada pelo o que viera.
"Eu quero te pedir uma coisa"- Aquilo que ela achava que sentia não era ansiedade pelo pedido, mas sim pela decepção. Ela não estava pronta, não era madura o suficiente para aquilo, mas tudo pela melhor amiga, certo? Errado.
"Quer que eu te ajude a conquistar alguma menina de novo?"- Infelizmente, eu me lembro de todas as palavras, todas as letras, todas as vírgulas, assim como null
"Quer namorar comigo?"
As três palavras que null planejava ouvir desde que estava apaixonada, e não se negou a elas.
Infeliz, ela estava. Menos de doze horas de namoro e null se sentia sufocada. Não eram da mesma sala, mas sabia que, quando se vissem no intervalo, Dhominke a cobraria atenção. Estava ocupada demais dando atenção para null e algumas amigas que se esquecera da namorada o intervalo inteiro. Mais três aulas e elas seriam liberadas. null está triste, o namorado brigou com ela, e pede para null a consolar. Na saída, null e null vão para casa de null, e lá rolam coisas. Beijos, carícias, tudo para consolar null.
null chega em casa tarde, com mais de dez mensagens de null a enchendo o saco. Responde em descaso, disfarçando muito bem o caso que tivera. Estava tão feliz de poder ter pego a outra que nem lembrou-se da namorada novamente.
Do outro lado, null estava angustiada, algo a dizia coisas horríveis sobre null. Havia visto a namorada e null indo para outro caminho, contrário a casa de null. Torturava-se, dizendo que era algo escolar, e que nada havia acontecido lá. O que seu coração sabia que era mentira. E as mensagens confirmara tudo. Foi ai que decidiu jogar a carta decisiva, em menos de vinte e quatro horas, esperando uma resposta a altura:
"Por que você pediu namoro?"
A dor preencheu o coração de null. Estava tão feliz com null, tão completa com ela, e quando chega parece que deixou algo dentro da casa da outra. Algo que null não era capaz de dar, só de tirar. Com pesar no coração e dedos trêmulos, ela responde a verdade.
"Para você voltar a falar comigo"
Parecia uma criança falando daquele jeito, mas era a verdade. Aquilo durou uma discussão árdua, que machucava as duas intensamente. Farpas severas eram trocadas; como "não olha mais na minha cara", "eu não gosto de você desse jeito", ou até mesmo o "eu odeio você".
null não entendia. Tinha dado tudo a null enquanto amigas. Tudo, menos a chave de seu coração. null não precisava disso! Ela já tinha tudo.
Ao contrário de null, null havia dado tudo, até mesmo a chave de seu coração. Quando a porta estava fechada, apenas null tinha a chave. Ajudou a outra, transformou a dúvida em esperança, a deu fé. E agora estava sozinha, apenas com as alegrias falsas da noite anterior virando lamentações. Ela precisava de null. Precisava pois, na cabeça de null, elas eram uma só. Aquela amizade tinha começado com o propósito de acabar em namoro, null tinha plena certeza disso. Por que null era tão amarga com ela, a ponto de não perceber isso?
Ela tinha dado tudo a alguém ingrato, alguém que a iludiu o tempo todo. Mostrou o jogo que o pessoal todo estava jogando, apenas para ver null atualizada. A deu a blusa em dias de chuva e frio, para a manter aquecida. Orou pela vó morta de null, ajoelhou-se no altar pedindo para que a alma fosse guiada para o céu. E tudo que null a dera foi desgosto.
null a amava, sabia disso. Sabia também que o sentimento demoraria a passar. Estava quebrada por dentro, mas precisava continuar seguindo em frente.
null estava distraída vendo algum vídeo no YouTube quando recebeu a mensagem, leu-a com pesar no coração, mãos trêmulas, olhos marejados. O número era de null:
"Onde está você agora que preciso de você?"
I gave you attention when nobody else was payin'
I gave you the shirt off my back, what you sayin'?
To keep you warm
I showed you the game everybody else was playin', that's for sure
And I was on my knees when nobody else was prayin', oh Lord!
INSPIRADA EM FATOS REAIS
FIM
O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.