11. Going Nowhere, por MayC
Finalizada em: 18/04/2019

Capítulo Único

Seattle, 2019.
- … E é por isso que devemos mudar a forma de abordagem sobre política. Nosso público, desde o lançamento oficial da revista, tem mudado e a faixa etária agora atinge adolescentes entre quinze e dezesseis anos! – terminou sua justificativa, olhando para os três pares de olhos que a encaravam há pelo menos quarenta minutos, ouvindo-a detalhar todas as estatísticas sobre desenvolvimento de conteúdo da revista a qual trabalhava. Os três eram acionistas da “Femininé”, uma revista criada em 2016 com o objetivo de atingir classes desfavorecidas socialmente – a minoria, no caso. E nesta reunião em específico, tinha a chance de se tornar editora chefe. A profissional que ocupava o cargo anteriormente, havia pedido demissão para trabalhar em outra área, deixando a posição hierárquica disponível.
Felps era apenas editora, mas viu a oportunidade aparecer e quis segurá-la com unhas e dentes, seria sua chance de atingir o ápice de sua meta: chefiar a edição de uma revista, e ainda sendo uma que tivesse o tipo de conteúdo de Femininé era melhor ainda. Ela havia se preparado, seu foco era introduzir motivos para que seu projeto fosse apresentado, sabia que se depois de justificativas eles pedissem que continuasse com sua apresentação, um grande caminho já teria percorrido. Ou seja, ela precisava da atenção dos três. Depois de se olharem, Julian, o alemão acionista, sorriu para a mesma e incentivou que continuasse:
- Prossiga, tem toda a nossa atenção.
Quando a mesma foi abrir a boca para prosseguir, viu a luz de seu celular acender e o nome “Escola da Aretha” brilhar na tela.
Aretha, sua filha de quatro anos estudava em uma escola particular próxima à sua casa, dificilmente recebia ligações sobre a criança, já que seu namorado Oliver era encarregado disso por não ter ocupação profissional. Então, ao ver seu celular acender, teve a certeza de que algo estava errado. Ignorou, iniciando mais uma fala sobre seu projeto, porém desta vez menos focada. Seu instinto materno lhe dizia que algo estava fora do padrão. Porém, ela queria que, se Aretha estivesse com problemas na escola, Oliver cuidasse disso ao invés de ficar em casa sem fazer nada produtivo, ou jogando videogame ou sonhando acordado com a carreira de música – não tinha nada de errado em querer ser músico, mas ele não corria atrás de seu sonho. Foi então que, na terceira vez que o celular acendeu, Gerome, o outro acionista, lhe disse:
- Está bom por aqui, . – sua voz era serena. – Pode atender a escola de sua filha, lhe mandaremos a resposta ainda hoje.
Ela respirou fundo e sorriu.
- Obrigada. – disse baixo e pegou o celular em cima da mesa, caminhando para fora da sala. – Alô? – atendeu à ligação, parando na frente da porta.
- Senhorita Felps, me desculpe atrapalhar... É a diretora Coline, sei que a restrição para ligação é para que liguemos para Oliver, mas estou tentando falar com ele há um certo tempo e o mesmo não atendeu minhas ligações... – a voz da diretora estava suave, mas um pouco preocupada.
- Sem problemas, aconteceu algo com Aretha? – perguntou, virando-se para ver, pelo vidro transparente que formava o metro quadrado da sala, os três discutir seu projeto entre si.
- Sim, você pode vir buscá-la? Explicamos quando chegar aqui.
- Ok, estou a caminho.
encerrou a ligação e respirou fundo antes de voltar a checar seu celular novamente. Quando o fez, sentiu seu corpo se contrair em uma raiva sem tamanho. Fez um exercício de respirar fundo algumas vezes para se controlar, então foi até sua sala, fechando a porta para que tivesse privacidade. Ligou para Kyo e no segundo toque seu irmão atendeu.
- É sério , eu...
- Você não tem que opinar em nada, Kyo. É minha vida. Eu tenho que resolver isso, infelizmente não há o que ser feito. – passou a mão no rosto, sentindo o estresse. – Ele ficou quanto tempo lá?
- Não sei, nem perguntei pro Ben. Ele só me disse que não quer Oliver no bar mais, nem para cantar, nem para consumir... Você ainda é bem-vinda, mas seu namorado não. – a voz de Kyo era bem firme, ele mesmo estava sendo consumido pelo ódio de não poder dar um basta naquele relacionamento ridículo que sua irmã tinha com Oliver há anos.
Oliver era preso ao sonho de ser músico, há exatos três anos havia ficado desempregado e resolvera investir o que tinha lhe sobrado de dinheiro na carreira, mas acabou se acomodando quando começou a trabalhar e receber o alto salário que recebia – passando a viver às custas da mulher. não o cobrava sempre que procurasse onde trabalhar, ela conseguia levar bem, até o incentivava a seguir seu sonho. A única exigência da mulher era que ele sempre fosse o primeiro a estar à frente quando o assunto era Aretha – buscar na escola, levar nos lugares que precisava, ajudar com tarefas e etc. Ela deixava o carro para que ele fizesse tudo isso e ia caminhando pro trabalho, por ser próximo de seu apartamento.
Mas, Oliver sempre falhava e aquilo já estava a desgastando. Tudo ficou pior depois que ele foi posto para fora do grupo de jazz que tinha criado com um amigo de infância, que hoje faz muito sucesso. Oliver passou a beber e passar seu tempo lamentando ou procrastinando. o deu todo apoio necessário quando isso aconteceu, mas já tinha se passado tanto tempo, que deveria ter superado e tentado dar a volta por cima.
A mensagem que ela havia recebido do irmão lhe dizia o porquê Oliver não atendeu às ligações de Coline. Ele estava em sua casa, dormindo, depois de Kyo ser chamado por Ben, dono do bar que frequentavam e antigamente Oliver tocava, para buscar o mesmo que estava bêbado.
- Kyo, você pode ficar com Aretha pra mim? – se levantou, olhando em seu relógio e pegando sua bolsa.
- Sim, mas o que você vai fazer? – Kyo queria esconder sua felicidade em perceber que a irmã tomaria uma atitude, mas decidiu se conter.
- Você verá, vou avisar a escola que ela será retirada por você. – caminhou pelo corredor até o elevador, sendo cumprimentada pelo pessoal. – Provavelmente ela esteja mal porque algum coleguinha a discriminou ou... Você sabe. – não evitou revirar os olhos. – Irei marcar uma reunião com a diretora e os pais das crianças.
- Ta bom.
- Fale para ela sobre o nome... A importância dele. – sorriu se lembrando do motivo de ter batizado a filha com o nome que lhe deu.
- Pode deixar, o tio Kyo sabe bem como converter toda essa baboseira em empoderamento.
- Você é o melhor, obrigada. – agradeceu ao mais novo, caminhando para fora do elevador.
- Eu sei... E você também é, maninha. A melhor mãe que Aretha poderia ter. Te vejo mais tarde, vou pedir pizza pra nós.
- Tá bom, até.
caminhou a passos duros até seu apartamento, um trajeto de 10 minutos diários foi reduzido à 7.
Tentou ser o menos ansiosa possível, repassando em sua mente o que poderia dizer a Oliver, caso o encontrasse em casa num estado deplorável. Não seria a primeira vez e nem a segunda, muito menos a terceira, já havia perdido a conta de quantas vezes chegara em sua casa e o encontrara de forma folgada, depois de um longo dia de trabalho para ela.
Antes mesmo de entrar na revista Femininé, sofreu com muito preconceito e vários “não”. Mas, mesmo assim nunca desistiu e não deixou que o namorado de anos desistisse do sonho que tinha com a música. Ela chegou a ter dois turnos em uma lanchonete que virava bar de jazz à noite, para que pudesse sustentar a pequena casa que moravam no subúrbio. Submeteu-se à muita humilhação por sua cor, seu cabelo, sua classe social, para poder estar onde estava hoje em dia: em ascensão para o topo.
O mínimo que ela pedia para Oliver era que exercesse o papel de pai de Aretha, nunca lhe deixando que faltasse atenção, carinho e estando lá para todos os momentos que ela precisasse, pois, ela, sua mãe, estaria ocupada com outra coisa, um trabalho duro para que os três pudessem ter tudo o que almejavam.
Por isso ela se sentia traída, desvalorizada e esquecida em todas as vezes que chegava em casa e via Oliver sentado no sofá jogando algum jogo no vídeo game, ou dormindo por ter bebido demais. Exatamente como ele estava no momento que entrou no apartamento.
Deixou a bolsa em cima da mesa do hall de entrada e caminhou até o sofá no meio do enorme ambiente que compunha a sala. Sentou-se na mesinha de centro feita com tampão de madeira e tirou os sapatos lentamente, para em seguida dobrar as mangas de sua camisa na altura do cotovelo. Durante todo esse processo pensou consigo que realmente estava cansada e aquilo já era o suficiente para aguentar.
- Oliver... – o chamou uma vez, calmamente. – Oliver... – mais outra, sem nenhum resquício de descontrole. – Oliver... – a terceira, respirando fundo. – Oliver! – na quarta, soltando o ar e ao mesmo tempo usando do tom alto de sua voz.
Ele se assustou e acordou num pulo, parecia que o mundo estava caindo a sua volta.
- Hmmm... – o mesmo se sentou, mal conseguia abrir os olhos.
O cheiro que emanava de Oliver fazia com que o estômago de revirasse.
- ... – ele disse, quando finalmente conseguiu falar. – O que aconteceu? – olhou para os lados, não encontrando Aretha.
- Eu preciso mesmo explicar? – cruzou os braços.
- Me desculpa... eu...
- Não. – o cortou. – Chega, eu não aguento mais.
- , me desculpa, eu prometo que não irei mais lá, eu só...
- Chega, Oliver! – ela se levantou, colocando as mãos na cintura. – Chega de prometer que vai mudar e que “dessa vez vai”. Só... chega! Eu tô extremamente cansada, aguentei até onde pude e agora, simplesmente, chega!
Os dois se encaram e ele se levantou, piscando várias vezes para que sua visão não ficasse tão turva.
- Você não pode fazer isso comigo. – sua voz era um sussurro. – É fácil você sair dessa, está trabalhando no emprego dos sonhos e...
- Sim, dos sonhos! – ela o cortou, aumentando a voz. – Depois de muito trabalhar no que foi meu pesadelo, hoje estou num lugar bom. Um lugar que eu mirei e apontei. Sozinha. Porque se dependesse de você, seríamos os dois na sarjeta.
- Você só sabe desdenhar dos meus sonhos, ! Caramba.
- Eu? Desdenhar dos seus sonhos? Quando? – ela riu com a falta de resposta. – Pelo contrário, não é? Eu sempre te apoiei e fui a primeira a entrar na frente quando queriam te deixar pra baixo. Estive com você em todos os momentos, trabalhei duro sozinha para manter a nós três... Você pode dizer o que quiser de mim, mas nunca diga que não fui sua companheira e que coloquei os meus sonhos acima dos seus, porque eu estive atrasada em todos esses anos para que você pudesse ter algo! Portanto, Oliver, eu tô te mandando ir embora. E não é porque eu estou onde estou hoje, é porque eu cansei de ter que te carregar nas costas, estou cansada... Cheguei no meu limite e nada irá mudar essa condição. Você quer beber? Pois vá, mas longe de mim e da Aretha. Faça mal somente pra si e não para nós duas, principalmente para ela. Já é difícil para nós, somos negros, de família pobre... Não complique mais ainda com as sua falta de interesse em si.
Quando acabou, seu peito subia e descia rapidamente, estava ofegante, mas se sentia leve.
- , eu...
Ela não o respondeu, pegou o sapato e foi até a porta.
- Um dia, eu espero, que você possa me agradecer de forma diferente...
Então, sorrindo, sentindo-se leve e livre, saiu.




Fim.



Nota da autora: Vocês podem me encontrar em:




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