Capítulo Único
Valença riu gostosamente com a observação do ex-namorado e virou-se para ele, lhe dando um olhar astuto enquanto caminhava de costas na calçada que levava até o hotel onde, por ventura, os dois estavam hospedados. Haviam descoberto a coincidência algumas horas mais cedo quando se esbarraram no after party do desfile da Victoria’s Secrets onde foi uma as atrações musicais e onde estava cobrindo o evento para a sua coluna de moda na Vogue.
— Infelizmente, como uma boa brasileira, vou precisar discordar – retrucou. – Quer dizer, eu adoro o inverno daqui porque eu posso brincar na neve e patinar, realizando meus sonhos da infância, mas nada se compara a acordar cedo em qualquer outra estação no Brasil e poder ir à praia ou piscina porque raramente vai estar nublado ou chuvoso. Onde minha família mora, pelo menos.
— Pera, você patinando? Quis dizer caindo, não? – zombou, cruzando as mãos atrás das costas enquanto a observava com um sorriso nos lábios. – Bom, eu não vou discutir. Quando se trata de nacionalidade eu também tendo a puxar saco para o Canadá.
Os dois não lembravam como entraram nesse assunto, mas acabaram saindo juntos do local da festa quando decidiu que queria ir a pé para o hotel que era a duas quadras de distância. conhecia bem demais os sinais de embriaguez que a ex-namorada apresentava e para não deixá-la ir sozinha, resolveu a acompanhar. Ou pelo menos foi a desculpa que usou para poder ficar mais tempo na companhia dela.
— Para sua informação, eu melhorei consideravelmente – se defendeu. – Agora eu consigo patinar por um tempo antes de me desequilibrar. Meu recorde é de cinco minutos.
soltou uma gargalhada.
— Uau, impressionante! Tá aí uma coisa que eu adoraria ver.
— Volte aqui em breve e eu arranjo uma hora na minha agenda para irmos na pista de gelo do Rockfeller – Lena falou, os olhos brilhando com a ideia.
— Você fala como uma verdadeira nova-iorquina agora – apontou. – Fazendo este convite para conhecer um dos pontos mais famosos da cidade.
Ela riu e virou-se para frente, parando de andar de costas, ficando lado a lado com .
— Que nada... Eu ainda me perco pelo menos duas vezes na semana quando preciso ir em alguns lugares – admitiu. – Eu me perdia bem menos em Toronto.
— Depois que eu te ensinei os macetes para não se perder – ele acrescentou, sorrindo divertido com a lembrança.
— Depois de você me ensinar os macetes – abriu um enorme sorriso cheio de nostalgia. – Você era um ótimo guia, .
O silêncio caiu sobre os dois por um momento enquanto lembravam com uma pontada de saudade do que viveram.
ainda era uma intercambista cursando jornalismo quando os dois se conheceram em um pub três anos atrás em Toronto. tinha acabado de voltar para casa para uma pausa entre a turnê europeia e a norte-americana do seu último álbum lançado na época. Nenhum dos dois lembra muito bem como aconteceu, tinha tequila demais rolando no bar, mas aparentemente empurrou uma porta na hora bem na hora que estava prestes a passar por ela do outro lado e acabou quebrando o nariz da garota.
Apesar de tudo, ela ainda aceitou o convite para um café no dia seguinte quando saíram da emergência.
— Eu fiquei feliz de te ver hoje, – murmurou, atraindo o olhar do cantor para si.
— Eu também gostei – ele respondeu com sinceridade. – Às vezes, em momentos completamente aleatórios, eu me pergunto como você tá e tenho vontade de mandar uma mensagem para saber.
— E por que não manda? – questionou.
— Porque eu tenho medo de descobrir que eu não te superei tão bem quanto eu acho que superei – murmurou com tamanha sinceridade que ele mesmo ficou surpreso.
A resposta a pegou de surpresa e mesmo sem querer, seu coração acelerou. Era uma droga, ela pensou. Haviam terminado há mais de um ano, estado com outras pessoas e mantido muito pouco contato, mas, de alguma forma, nunca precisava de muito esforço para fazer voltar à tona aqueles sentimentos que há muito ela pensava ter esquecido.
— Eu sei – admitiu, puxando com mais força a jaqueta que estava vestindo. – Eu sinto o mesmo.
Outra vez, o silêncio caiu sobre os dois. Haviam bebido demais para saber que a sinceridade toda era culpa do álcool, mas também estavam sóbrios o suficiente para saber que o passado não era uma área que deviam entrar. Terminaram porque não conseguiram conciliar suas vidas distintas e esse empecilho ainda estava ali. Cutucar uma ferida ainda aberta não era algo inteligente, ambos reconheciam.
— Eu me pergunto se a gente não desistiu fácil demais – ela emendou, não tendo coragem de encará-lo. – Eu sei que a gente concordou que era o melhor, mas eu sinto que nem tentamos.
fitou os sapatos pretos e lustrosos, pensando no que a ex-namorada havia dito. Haviam desistido fácil. Ele ainda lembrava da tarde ridiculamente ensolarada do dia que terminaram. Não houve choro, nem resistência e nenhum dos dois tentou achar uma solução. Só se encararam após uma briga e, cansados, tomaram uma decisão mútua que parecia certa.
— Não parecia ter muito a se fazer – ele murmurou, soltando o ar. – Não restou muitas opções.
— É realmente trágico, não é? – soltou uma risadinha sem graça. – Depois de tanta briga, desgaste, meses sem se ver... Só o que restou foi amor. Sempre me disseram que amor bastava, mas não foi o suficiente para nós dois. É triste que amor não tenha sido o bastante quando era tudo o que nós ainda tínhamos.
finalmente a encarou e ela o encarou de volta. Sem dizer nada, ele a puxou pelos ombros, a abraçando de lado. Lena sorriu, encostando a cabeça no braço dele e envolvendo um braço ao redor da cintura do homem.
— Nós fizemos o certo – disse.
— Eu sei – concordou.
Embora soubessem que era o certo, nunca pareceu correto e ambos ficaram silenciosamente reconfortados por saber que o outro também achava.
— Isso de repente ficou nostálgico demais – ela disse, fazendo uma careta divertida. – Vamos lá, vamos animar!
segurou no braço dele, tirou os saltos e abriu um sorriso enviesado.
— Tenta me acompanhar, .
E então correu.
— Ei! – ele gritou, soltando uma risada deliciosa. – Isso não foi justo, você saiu em vantagem.
— Ah, você tem meio metro só de pernas, – gritou. – Isso já é vantagem suficiente!
— Justo – disse, começando a correr atrás dela.
Os pedestres se desviavam soltando resmungos dos dois correndo desembestados pela calçada e rindo como idiotas, vez ou outra soltando provocações quando se ultrapassavam. realmente tinha a vantagem de pernas mais compridas, mas era incrivelmente rápida e conseguiu manter a liderança a maior parte do trajeto.
— Ok, eu preciso mesmo voltar para a academia – ela ofegou, se jogando contra a fachada lateral do hotel assim que chegou.
riu, desacelerando o passo para chegar ao lado dela. Ele estava igualmente ofegante e apoiou as mãos nos joelhos para se recuperar.
— Você parece em ótima forma, na verdade – afirmou, erguendo a cabeça. – Conseguiu chegar primeiro.
— E tô quase morrendo – colocou a mão no peito, o coração parecia que explodiria a qualquer momento. – Você continua impecável como um príncipe Disney.
— Príncipe Disney? – repetiu, achando graça. – Tá aí, nunca fui comparado a um príncipe da Disney.
Ela arqueou uma sobrancelha cheia de desdém.
— Claro que foi – disse. – Com o príncipe Eric, inclusive.
— Bom, nunca disseram na minha cara – se corrigiu.
— O que importa é que você continua com esse cabelo intocável – bufou, apontando para as ondas escuras do cabelo dele que continuavam como estavam no início da festa.
— Muitos produtos foram usados para mantê-lo assim – garantiu, dando uma batidinha leve no alto da cabeça. – E você continua incrível também.
— Eu sempre estou incrível – brincou, jogando o cabelo para trás do ombro.
Ela sabia que ele só estava sendo gentil. A maquiagem já devia estar derretendo, ela sentia o suor na nuca pela corrida e o cabelo com certeza estava cheio de frizz, mas no momento continuava se sentindo maravilhosa, provavelmente em consequência da endorfina liberada na corrida e nos drinks do desfile.
— Agora me sinto agitada demais para subir para o meu quarto – ela mordiscou a boca. – Mesmo sabendo que devia já que tenho um voo logo cedo amanhã.
— Ah, é? Para onde vai? – ele questionou, curioso. Não queria que ela subisse agora também.
— Casa – sorriu abertamente. – É o aniversário da minha mãe, consegui uns dias de folga para ir ver ela.
— E como ela está? Faz um tempão que nos falamos – sorriu. Tinha adorado a família dela, embora só tivessem se visto em um único final de semana que ele foi ao Brasil.
Os pais de abominavam aviões e viagens mais longas que duas horas.
— Ela está ótima! Continua repugnando aniversários – revirou os olhos. – E ficou extremamente triste por eu ter deixado um partidão como você escapar. Palavras dela, não minhas.
riu audivelmente novamente.
— Ela claramente tem um ótimo gosto para os namorados da filha – se vangloriou, puxando as pontas da jaqueta em um gesto pomposo.
— Definitivamente – ela concordou, risonha. – Odiou o , meu namoradinho do ensino médio e tinha razão no final das contas.
— O ruim de cama? – indagou. Sabia da história dos dois.
Ela assentiu com uma careta pela fama que o ex-namorado tinha recebido e que fazia muito jus. pensou que seria apenas horrível a primeira vez por ela ser virgem, mas houveram outras vezes e todas foram igualmente terríveis. Além disso, ele era um babaca.
— Enfim! – tratou de mudar o assunto. – Vamos entrar? Acho que vai chover.
ergueu o olhar para o céu e viu que a ex-namorada estava mais que certa. O céu tinha fechado de uma forma assustadora e nuvens pesadas nublavam a noite já pouquíssima estrelada de New York.
— Vamos lá, senhorita.
Ele a puxou pela mão e a arrastou até a frente do hotel. Para sua infelicidade, alguns paparazzi estavam acampados ali. Além de , outras celebridades estavam hospedadas no mesmo hotel e haviam atraído a atenção dos paparazzi em montes.
— Merda – resmungou, parando. – Eu posso esperar você entrar, se quiser.
pensou na proposta, então sorriu enviesado.
— Não – negou. – Vamos dar para eles o que falar.
Ela arregalou os olhos quando – ainda de mãos dada com ela – começou a seguir calmamente. Quando o choque passou, apenas riu e abaixou a cabeça enquanto ouvia as perguntas dispararem em direção aos dois quando chegaram perto o suficiente para serem notados. Ambos ignoraram a chuva de cliques e entraram no hotel assim que a chuva real começou lá fora.
— Touché! – Lena apontou para as portas de vidro, indicando a chuva.
— Nunca duvido de você – ele falou, esperando uma resposta ácida.
— Nunca? – semicerrou os olhos, indignada. – Posso listar as vezes que duvidou.
Ele crispou os lábios, culpado.
— Talvez tenha duvidado um pouco.
— E foi contrariado na maior parte delas – se orgulhou, sorrindo travessa. – Especialmente na sinuca.
fechou a cara e o sorriso dela alargou. Sabia que tinha tocado no ponto fraco.
— Eu melhorei bastante! – se defendeu.
— Olha, só vendo para crer... – implicou mais um pouco. – Parecia bem impossível na última vez.
— Eu vi uma mesa de sinuca na sala de jogos, posso te mostrar agora mesmo – sugeriu com um quê de provocação.
Havia uma confiança no olhar dele típico do leonino que era. gostou, é claro.
— Então vamos lá, . Quero ver – piscou um olho para ele, seguindo na frente.
a acompanhou rapidamente pelos corredores do piso principal do hotel onde ficava a sala de jogos, a sauna e a academia. Aquele corredor do hotel estava pouco movimentado e só a academia parecia estar sendo usada. Já na sala de jogos, tateou a parede até encontrar o interruptor e acendeu as luzes. O cantor correu até onde os tacos estavam empilhados na parede e pegou dois.
— Aqui, senhorita – ele entregou o taco quando os dois se aproximaram da mesa de sinuca.
— Obrigada, senhor – pegou o taco, fingindo não notar que era só alguns poucos centímetros mais baixa que ele.
também fingiu não notar e reprimiu o sorriso enquanto arrumava as bolas no centro da mesa.
— Eu tô vendo esse sorriso! – acusou, fazendo uma careta irritada.
— Hein? Nem tô sorrindo – se fez de desentendido e a olhou por cima do ombro. – Tá vendo coisa, pequena.
Ainda de cara feia, ela se aproximou o suficiente para dar uma cotovelada no braço dele e soltou um muxoxo cheio de drama.
— Bilhar? – ela perguntou.
— Isso mesmo – confirmou.
— Vai, dá a estourada – ela pediu.
Ele concordou com um meneio e tirou o triângulo que segurava as bolas, rezando mentalmente para que nenhuma fosse encaçapada assim. Para sua sorte, não foram.
— A mesa é toda sua – disse, indo para a outra ponta da mesa.
se posicionou melhor na mesa, puxou o taco e procurou a melhor bola. Escolhia sempre números pares, pois acreditava que perdia sempre que tentava com as ímpares. Mirou na bola quatro que parecia ser a melhor escolha e deu um leve solavanco no taco para bater na bola branca. A bola branca correu pela mesa, dispersando todas as outras, mas não fez nenhuma ser encaçapada.
— Parece que a número par não resolveu te dar sorte hoje – ele zombou, olhando-a rapidamente enquanto decidia em qual bola mirar. – Talvez eu tente com as pares hoje.
abriu a boca em indignação.
— Você não ousaria! Mas ele ousou. Sem se importar com a cara de ultraje, sorriu para a bola seis que estava bem perto de um dos buracos, mirou na branca, bateu e com um encostar leve, a seis foi encaçapada.
— Parece que você fica com as bolas ímpares hoje – ele piscou. – Sua vez.
— Você vai perder de qualquer jeito – deu de ombros, tentando soar indiferente. – Eu sou a rainha do bilhar quando comparada a você.
— Ei! Você me esnobava bem menos, Lena – tentou parecer ofendido, mas o brilho divertido no olhar o denunciou.
— Eu não estou me sentindo muito amigável agora que você roubou minhas bolas pares – retrucou, nenhum pouco culpada. – Você vai se arrepender por isso.
— Isso é uma promessa? Porque eu gostei – umedeceu os lábios com malícia. – Conta mais.
— É uma ameaça, você tem que ficar com medo – fez careta, inconformada.
— Eu gostei da ameaça – continuou indiferente. – Me conta mais sobre ela. O que você vai fazer para que eu me arrependa?
Com os olhos semicerrados, se curvou sobre a mesa para poder dar sua tacada e fez questão de empinar a bunda, fazendo a saia do vestido curto e justo subir um pouquinho. Se ele queria provocar, ela era ótima provocando de volta. Mirou na bola cinco e bateu com a branca. Conseguiu encaçapar essa.
— Você vai saber na hora certa, – olhou para cima com um sorriso arteiro nos lábios.
Mas levou uns segundos a mais para processar as palavras já que sua atenção ainda estava no jeito que o quadril dela havia se esticado naquele vestido apertado. Ele entendeu perfeitamente o jogo que ela queria fazer.
— Sou paciente – falou, recuperando o foco. – De volta ao jogo.
— Você não perdeu tão feito quanto as últimas vezes – ela sorriu de forma angelical, embora seus olhos faiscassem com satisfação. – Fica feliz!
estreitou os olhos.
— Eu teria ganhado se você não tivesse feito aquela tacada totalmente errada que eu ainda não sei se foi ou não proposital – ele retrucou
abriu a boca se fazendo de ofendida.
— O quê? Você acha mesmo que eu iria errar minha própria tacada só para te fazer perder?
— Acho – disse curto e direto. – Não é você que diz que no amor e no jogo vale tudo?
— Tenho quase certeza de que a frase é “No amor e na guerra” – ela consertou.
— Isso é uma guerra – soltou, a voz ameaçadora assim como seu olhar. – Quando você menos esperar teremos uma revanche.
— Você gosta muito de perder, – riu. – E eu disse que iria te fazer se arrepender, embora isso não tenha sido nem perto do que ainda planejo.
Os dois chegaram no elevador e por sorte ele já estava no térreo e vazio. Apertaram o número dos seus respectivos andares e se escoraram em paredes opostas quando as portas fecharam. Um silêncio um tanto desconfortável caiu sobre os dois enquanto assimilavam que a noite estava prestes a se encerrar e que não se veriam novamente por muito tempo.
— Então, que horas é o seu voo amanhã? – perguntou.
— Nove da manhã – respondeu com desgosto. – Cedo demais, né?
— Muito cedo – concordou.
Sentiram o elevador parar e um segundo depois as portas abriram no andar que estava hospedado. O coração dele deu um salto, o dela fez algo similar e ambos se desencostaram da parede. colocou o pé na porta para que ela não fechasse e encarou .
— Foi uma ótima noite – ele murmurou. – Adorei te ver de novo, Lena.
Ela sorriu.
— É sempre bom te ver, – inclinou a cabeça para o lado. – E reafirmar o quão ruim você continua na sinuca.
Ele riu, mas não tinha nenhum comentário provocador pronto para responder. Queria dizer muita, mas não tinha tempo e nem devia.
— Boa noite – acabou dizendo. – Faça uma boa viagem.
— Boa noite – o sorriso vacilou. – Você também.
engoliu em seco, tirou o pé do elevador e saiu. recuou até suas costas baterem na parede espelhada atrás de si e acenou para o ex-namorado que continuava a encarando no corredor. Ele parecia prestes a falar alguma coisa, ela queria que ele falasse.
Mas as portas se fecharam e ela subiu.
Seu peito apertou e tudo dentro de si gritou que era simplesmente errado acabar aquela noite dessa forma. devia saber que era o certo, a sua parte racional dizia isso. Haviam terminado há quase dois anos, não tinha motivos para reabrir uma ferida fechada, mas depois dessa noite ela queria. Queria que doesse e sangrasse quando estivesse indo embora amanhã, mas hoje ela precisava estar com ele porque apesar de terem terminado, nunca deixou de ser dele.
Quando o elevador parou e abriu em seu andar, ela não hesitou antes de correr até o painel e apertar o número do décimo andar. Suas mãos tremiam, seu coração estava acelerado e queria sorrir mesmo com a parte racional de si martelando que ela estava sendo muito idiota. Mas não importava. Quando as portas se abriram no andar onde ele tinha ficado e ela se apressou para fora do elevador, parou no meio corredor quando viu que estava correndo em sua direção.
Ele parou, também surpreso.
— Oi – disse.
— Olá – ela disse.
sorriu. Não era um dos seus famosos e enormes sorrisos de tirar suspiros, mas era aqueles mínimos sorrisos que só apareciam de vez em quando em momentos que ele mal conseguia acreditar.
— Eu estava pensando em uma boa desculpa para subir no seu andar – confessou. – Aí eu percebi que não sabia nem o número do quarto.
Lena riu.
— Eu também não pensei muito no número do quarto quando resolvi descer – ela admitiu. – Mas qual foi a desculpa que você arranjou?
— Nenhuma.
E então se aproximou, puxou-a pela cintura e a beijou.
sentiu seu corpo amolecer contra o dele e segurou em seus ombros com força. suspirou contra os lábios da jornalista, nem acreditando que esse simples toque conseguia fazê-lo sentir coisas que pensou ter superado há muito tempo. As mãos dele apertaram a cintura dela com mais força, a forçando a ficar na ponta dos pés e as mãos dela se embrenharam nas ondas escuras do cabelo dele.
— Acho que essa é uma desculpa boa o suficiente – murmurou entre o beijo, sorrindo extasiada. – Eu admito.
sorriu e abaixou as mãos até a parte de trás das coxas dela para içá-la no colo. Lena envolveu os braços ao redor do pescoço dele e cambalearam aos beijos até o quarto dele. A porta foi fechada com um chute e as costas dela foi pressionada contra a madeira rapidamente. Arfou quando a boca de desceu pelo seu pescoço, chupando e beijando a pele como ela sempre tinha adorado que ele fizesse.
As roupas não demoraram a ser tiradas e espalhadas pelo chão enquanto os dois cambaleavam até a cama king size no meio do quarto. Fizeram questão de demorar, explorando novamente o corpo um do outro, relembrando e gravando cada sensação. A noite foi lenta e os dois aproveitaram cada segundo se perdendo nos beijos e gemidos.
Uma chuva torrencial começou a cair no meio da madrugada, mas ambos estavam entretidos demais para perceber algo que não fosse o sentimento pulsante ainda presente entre o ex-casal. Horas mais tardes, aconchegados um no outro, cobertos pelo edredom macio, nenhum deles queria quebrar o momento ao falar algo, mas sabiam que precisava.
— Eu acho que preciso ir agora, não é? – Lena murmurou, erguendo o rosto para o dele.
encostou a boca na testa dela, dando um beijo leve na área.
— Não, por favor – pediu, apertando o braço que estava ao redor da cintura dela. – Fica. Não quero te deixar ir ainda.
Ela não sabia o quanto queria que ele falasse isso até que as palavras saíram.
— Só eu e você nesse quarto de hotel – sorriu. – Parece muito bom para mim.
— Podíamos ficar assim por uma semana – sugeriu como brincadeira. – Posso reservar o quarto com outro nome, ninguém precisava sair. Todas as refeições no quarto, piscina no meio da noite, hidromassagem no banheiro... Eu não me importaria.
— Tentador... – soltou um risinho. – A suíte presidencial tem piscina privada pelo que eu sei. A gente pode rachar as diárias. Eu posso parcelar em até seis cartões de crédito pelo que me disseram.
riu audivelmente e por estar com a cabeça encostada no peito dele, o som saiu abafado no ouvido da jornalista.
— Eu posso pagar as diárias e você o serviço de quarto – ele deu a ideia. – Fica justo, não?
Lena parou para pensar.
— Acho que sim – disse. – A ideia foi sua, afinal.
— Então tá combinado.
— E o que você vai dizer para o seu empresário? Tenho certeza que ele não ficaria feliz.
— Posso sempre dizer que é um retiro de compositor – ele se arrumou na cama para poder olhar melhor para ela. – Eu tenho certeza que uma semana trancado com você aqui me renderia um novo álbum maravilhoso. E você, qual desculpa iria usar?
crispou os lábios para pensar, a testa franzindo involuntariamente. sempre achou essa expressão dela adorável.
— Eu podia dizer que fiquei doente – ela ponderou. – Peguei dengue durante a visita aos meus pais. É óbvio que eu precisaria de um atestado clandestino e torcer para que ninguém nos descobrisse.
— Acho que são planos maravilhosos.
— É uma pena que realmente não possamos fazer isso – seus dedos traçaram círculos invisíveis no peito dele.
— Mas eu ainda posso fazer isso.
girou na cama, ficando por cima. Seus olhos fitaram com carinho e saudade, mas logo se transformou em desejo quando as unhas dela se arrastaram com pressão em suas costas, o puxando para baixo. Ela o beijou mais uma vez, querendo mais do que a madrugada que já estava quase no fim. Aproveitaram enquanto a chuva batia ruidosa contra as janelas, os ofegos se misturando com os trovões que soavam tão alto quanto a batida de seus corações.
No entanto, a manhã chegou.
acordou em uma cama vazia e um quarto gelado.
Não se surpreendeu quando não viu ao seu lado, mas isso não impediu que sentisse uma pontada no peito. A noite passada havia sido maravilhosa de todas as formas possíveis e tinha reacendido tudo que nunca tinha deixado de sentir por a ex-namorada. Agora, provavelmente, ela já tinha ido embora e nem ao menos tiveram a chance de conversar porque dormiram antes que algum dos dois tivesse coragem de tocar no assunto.
Com um suspiro derrotado, olhou para a enorme janela panorâmica do lado oposto a cama e viu que a tempestade ainda continuava com força total. O dia estava tão escuro que as vezes ainda se via o brilho de um raio cortando o céu seguido de um trovão. Ele pegou o celular que havia sido esquecido no bolso da calça na noite passada e passou pelas notificações, procurando as que importavam.
Ele também tinha um voo para pegar mais tarde, mas a mensagem do seu empresário avisava que tinha sido cancelado por causa da chuva. Não só o dele, mas todos os voos do dia.
Todos os voos tinham sido cancelados.
Com um sorriso que podia iluminar o dia chuvoso, levantou da cama em um pulo e correu para se vestir.
estava largada na cama há três horas desde que saíra de fininho do quarto do ex-namorado. Tinha odiado levantar da cama e encarar a verdade de que ainda eram um ex-casal e que provavelmente não voltariam, mas tinha um voo para pegar. No entanto, bastou checar seu celular para ver que tinha recebido uma mensagem da companhia aérea informando que o voo tinha sido cancelado por causa da chuva.
Tinha xingado a chuva em três idiomas diferentes, se demorando muito mais nos xingamentos brasileiros que tinha uma variedade extremamente criativa. Queria ter passado mais tempo com , mas no fundo sabia que o melhor a ser feito tinha sido sair antes que ele também acordasse. Agora estava assistindo a maratona de filmes de Audrey Hepburn que estava passando na TV.
Então bateram na porta do quarto.
Já haviam levado seu café da manhã e as roupas que tinha mandado para a lavanderia então não fazia ideia de quem poderia ser, mas quando levantou e abriu a porta, encontrou quem realmente não esperava.
.
— ?! – franziu o cenho.
Ele sorriu e foi entrando no quarto.
— Vi que os voos dessa manhã foram cancelados, assim como o meu à tarde – explicou, respondendo o questionamento silencioso dela. – O que é ótimo já que precisamos conversar.
— Não precisamos – murmurou, negando rapidamente.
— Ah, nós precisamos sim! Eu estive pensando sobre a noite passada.
estava paralisada na porta do quarto ainda.
— O que você andou pensando? – perguntou.
— Que está mais que claro que isso, que nós... – apontou de si mesmo para ela. – Não acabou.
Ela mordeu o lábio, balançando a cabeça.
— Nós acabamos sim – disse, não sabendo se tentava convencer mais a si ou a ele. – Ontem foi... Bom, algo que aconteceu.
semicerrou os olhos, descrente.
— Não foi – havia uma firmeza incrível na voz dele. – E você sabe.
Ela não disse nada.
— Se foi só algo que aconteceu, então, por favor, me explique...
Ele se aproximou dela, fechando a porta que continuava aberta. acabou recuando até bater contra a parede e fez proveito disso. Se aproximou ainda mais, a encurralando lá. Apoiou as duas mãos em cada lado do corpo dela e abaixou o rosto na altura do da jornalista.
— Me diga o porquê de você ter voltado até o meu quarto quando podia muito bem ter vindo para cá. Você só estava excitada pelo jogo de sinuca? Eu também fiquei, mas não foi por isso que você voltou.
Os lábios dele roçaram na bochecha dela.
— Me explica porque seu coração estava tão acelerado quanto o meu.
E como se precisasse da deixa, o coração dela voltou a disparar.
— Me diz como seus olhos refletiram o mesmo que os meus – murmurou, fixando os olhos nos dela. – E eu sei que os meus não podem mentir sobre a maneira que eu me sinto por você. Duvido que os seus também possam.
Mas ela estava sem saber o que falar, o que era completamente incomum visto que sua cabeça estava sempre formando coisas que poderia vir a precisar em algum momento. Tinha até ensaiado uma possível conversa com se ele acordasse enquanto ela tentava sair do quarto mais cedo, mas nunca tinha imaginado que pudessem ter essa conversa.
— ... – tentou, mas não soube o que dizer.
— Pode pensar nos seus melhores argumentos, eu tô pronto para refutar todos – sorriu convencido. – Não tem onde se esconder agora.
A jornalista lhe dirigiu uma careta irritada. Sabia que o ex-namorado podia ser extremamente teimoso quando queria e odiava que fosse tão bom em entrar em uma discussão com ela e ainda ganhar. Poucas pessoas tinham esse dom.
— Nós terminamos por vários motivos e esses motivos ainda estão presentes – ela relembrou.
— Eu sei! – deu de ombros. – Mas o que nós sentíamos também está aqui. Nós não nos esforçamos da última vez, admitimos isso na noite passada. Podemos fazer as coisas diferentes agora.
— Não é simples assim! – suspirou.
— Não estou dizendo que é! – retrucou na defensiva. – Estou dizendo que podemos tentar dar um jeito porque eu quero que amor seja suficiente dessa vez.
E ela queria mesmo tentar, mas lembrava como o fim dos dois tinha a deixado arrasada mesmo que tivesse sido um término amigável. se considerava bastante corajosa e destemida, mas não quando se tratava de assuntos que envolvessem seu coração pisciano extremamente sensível.
— Eu tenho medo – admitiu, encostando a cabeça contra a parede. – De dar completamente errado e sairmos ainda pior que a primeira vez.
deslizou as mãos pela parede até a altura das mãos de , então as tomou entre as suas e entrelaçou os dedos. O corpo dele emanou calor para o dela quando o cantor deu mais um passo para frente, minimizando ainda mais a distância entre eles.
— E eu tenho medo de sair daqui sem você – seus olhos castanhos eram uma mistura enevoada de calma e apreensão. – Porque não sei se teremos outra chance.
Ela mordeu o lábio, evitando encarar demais aquele olhar que tanto amava.
— Eu estive quebrado desde aquela tarde – ele continuou, visto que ela não planejava falar nada. – Não me deixe aqui quebrado se podemos consertar um ao outro.
— E se só bagunçarmos mais? – se pronunciou.
— E se não? – ele puxou as mãos delas para cima, beijando cada uma. – E se agora der certo?
sorriu lentamente, roçando o nariz no dela em um beijo de esquimó.
— Eu sei que eu prefiro me foder tentando do que te deixar escapar mais uma vez – continuou, dessa vez deixando sua boca encostar na dela. – Se você for dizer que isso é um erro, diz que você quer errar, por favor.
fechou os olhos e apertou as mãos nas dele, se inclinando para frente, pressionando mais sua boca na dele. entreabriu os lábios, iniciando um beijo superficial que rapidamente se aprofundou para um mais intenso, porém ainda calmo. Não estavam eufóricos e sedentos como a noite passada. Não precisavam correr já que não teriam um avião para pegar até que a chuva desse uma trégua.
— Me diz – ele implorou. – Me diz que quer ficar comigo de novo, que quer tentar mais uma vez. Não estou te pedindo para casar comigo agora. Podemos ir com calma. Encontros, beijos roubados, sexting em momentos inoportunos... Vou adorar passar por isso de novo se você disser que me quer tanto quanto eu te quero de volta.
Uma das mãos dele se encaixou atrás da nuca da jornalista e seus dedos fizeram um carinho preguiçoso na pele quente do pescoço dela. Ainda estavam perto o suficiente para que as respirações se misturassem. Ela exalava café, exalava a menta da pasta de dente.
— Isso é um erro – ela disse, sem abrir os olhos. – Você sabe que sim e eu sei que sim. Era um erro antes e continua sendo agora. Nós dois sabemos disso, . Por mais que diga que não, você sabe que nada teria dado certo antes.
fez menção de se afastar. As palavras não pareciam vir de alguém que iria dizer o que ele queria ouvir, mas ainda sim não o deixou mover um centímetro.
— Mas antes não sabíamos o que a gente sabe agora – ela prosseguiu.
— E o que é?
Um sorriso ocupou os lábios dela.
— Que é impossível esquecer o que nós temos – suspirou. – E Deus sabe o quanto eu tentei.
O coração dele deu piruetas no peito.
— O que isso significa? – perguntou, precisando da confirmação.
— Que se nos dar segunda chance for um erro, eu quero muito errar.
E então ele a beijou novamente, quase a tirando do chão com a força que seus braços a envolveram. Seus lábios se encontraram como se nunca tivessem se tocado antes, mas como se já pertencessem um ao outro há muitas vidas. Suas batidas aceleradas estavam descompassadas em um ritmo só deles.
E naquele quarto de hotel em uma manhã chuvosa, os dois voltaram a ser um do outro como se nunca tivessem deixado de ser, porque, se fossem ser sinceros, nunca deixaram.