11. No Better

Última atualização: 17/08/2019

Capítulo Único

We roll in heavy summer
When there’s strength in our numbers
And your breath’s hot and gross
But I kiss you like a lover
Legs stick to the seats of the car someone grew into
I forget the knowledge from the lessons that I went to

A casa de praia tem cheiro de mar e lavanda quando chegamos. Depois que todos já correram para a praia e estamos apenas Jamie e eu, Raúl e Luisa, os caseiros, aparecem na varanda. Luisa dá um sorriso tímido antes de entrar na casa.
! Você está tão diferente da última vez! — ela me puxa para um abraço maternal que só ela tem. — Não é, Raúl? Olha só para ela!
Posso ouvir Jamie rindo baixinho e lanço a ele um olhar de censura.
Luisa e Raúl moram na casa de praia desde sempre, e cresci com os dois por perto todo verão. Luisa sempre servia tortas e sorvetes caseiros, enquanto Raúl garantia que a casa estivesse sempre em bom estado e, sempre que estávamos lá, cuidava dos carros junto com os filhos, Noah, que estava na faculdade militar em West Point, e , que tinha mais ou menos a minha idade.
— Os quartos já estão todos arrumados. — Luisa garante. — Tudo certo nos banheiros também. Na cozinha, a geladeira está cheia e os armários também.
Dou um sorriso de agradecimento a ela e digo que vou subir.
A viagem não era cansativa em si, mas dirigir até lá com outras quatro pessoas cantarolando aos berros no seu ouvido conseguia acabar até com a paisagem na estrada.
Eu não podia reclamar dos meus amigos, para ser sincera. Mas, na maior parte do tempo, conseguiam ser muito exagerados.

***


Jamie e eu encontramos o resto do pessoal na praia em poucos minutos. Quando chegamos, já estão todos molhados e sujos de areia.
Lauren começa a acenar quando me vê, pulando sem parar com uma garrafa de vodca na mão. Ainda é meio dia. Mas ela já está bebendo há tanto tempo que antes das duas da tarde provavelmente vai estar apagada em algum lugar.
Os meninos, Kate e Maureen estão jogando vôlei do outro lado, rindo escandalosamente toda vez que a bola atinge a areia.
Eles começam a gritar, nos chamando para o jogo, e Jamie não pensa duas vezes antes de correr até lá e se juntar a Paul e Wes.
Dou de ombros, correndo para o time das meninas e cumprimentando-as rapidamente antes do jogo voltar.
Como previsto, às duas da tarde Lauren já está desmaiada numa toalha que não é sua. Wes a carrega no colo até a casa, e nós o seguimos com todas as nossas coisas nos braços. Jamie me agarra pela cintura e me balança de um lado para o outro no ar, como se eu pesasse o mesmo que um papel sulfite.
Ele me gira nos braços e me puxa para um beijo. Estamos os dois cheirando a suor, mas tento não ligar.
Quando nos afastamos, dou de cara com um garoto que demoro para reconhecer, mas que conheço bem.
.

é um garoto legal. Seus olhos verdes combinam perfeitamente com o cabelo castanho claro e a pele morena de sol. Ele é alto e tem aquele físico de surfista de tirar o fôlego, o tipo de garoto para quem as garotas olham e não conseguem disfarçar.
Crescemos juntos, desde sempre o conheço, já passei por todos os verões possíveis com ele e, entre fogueiras a noite na praia ou ketchup no meu tênis — coisa que ele sempre fez na noite da pegadinha — acho que ele nunca, nunquinha, me viu beijando alguém. Pelo menos não alguém que não fosse ele.
Enquanto me encara super sem graça, me lembro do verão dos meus doze anos. O verão do meu primeiro beijo, aquele dia de fogueira costumeira, o gosto de sal na boca e um beijo molhado e escondido de todo mundo. Garotas têm três momentos super importantes na vida: o primeiro amor, o primeiro beijo e a primeira vez. Duas dessas coisas aconteceram com o , e eu estou mais um vez na praia para a viver a terceira, só que com outro cara. Jamie. Meu primeiro namorado oficial.
Jamie é o oposto de em quase todas as coisas. é brincalhão, mas super calmo, super tranquilo. Jamie é o furacão em pessoa, passa do riso incontrolável para gritos histéricos em cinco segundos, arranja mais brigas na escola do que eu acredito ser possível, mas eu gosto dele. Gosto do cheiro dele, do sorriso meio cafajeste quando me encontra, da maneira que ele consegue fazer com que me sinta a mulher mais sexy do mundo. E é por esse sentimento que estamos na praia esse verão.
Acontece que Jamie não é mais virgem, algo que eu inegavelmente sou. Ele já teve outras duas namoradas e muitas outras garotas sobre as quais não quero nem saber. E já faz um tempo que ele quer pular para a fase "essencial" do relacionamento, como ele mesmo diz. Então cá estou eu, com as mãos do meu namorado em volta da minha cintura fina e com meu ex crush na minha frente. Que embaraçoso!
— Oi, . Tudo bem? — digo, tentando quebrar aquela atmosfera péssima. Ele sorri e acena com a cabeça, estendendo a mão para Jamie.
— Eu sou o . E você?
Jamie o analisa de cima a baixo, com o olhar de desgosto que lhe é costumeiro sempre que algum garoto chega perto demais de mim. Eu conheço aquele olhar. Ciumento, possessivo. E o odeio.
— Jamie. — ele diz. Não aceita a mão estendida de . — Você é o quê? Caseiro? — Jamie aperta mais meu corpo no dele, quase como se eu estivesse prestes a fugir.
— Isso mesmo, cara. — a tentativa de Jamie de ofender não tem sucesso algum. — Você é o primeiro cara que a traz aqui. — é um dos apelidos mais odiosos do mundo, e não posso evitar rolar os olhos para ele naquele momento, fazendo-o rir. — Devo te chamar de milagre por desencalhar essa magrela?
Jamie não ri da piada, nem faz menção alguma de achar divertido. Parece mais interessado em analisar meu rosto e o de repetidamente.
— Cale a boca, . — digo. Ele entra em casa rindo.
— Mas que porra é ? — Jamie pergunta, me encarando. — Não é um pouco de intimidade de mais?
— Nós crescemos juntos, Jamie. — ele manteve a cara fechada. — Por que você não me leva pra comprar um sorvete?
Jamie não responde. Bufando, entra em casa. Os cabelos pretos como a noite logo somem escada a cima.

Jamie me ignora o resto do dia. Quando anoitece e os garotos sugerem que saiamos para um bar na beira da praia, porém, ele parece se animar um pouco. A ideia de algumas bebidas no tempo refrescante da noite parece perfeita.
Antes de sair, tomo um banho e escolho um maiô simples, que visto com shorts.
Quando chego ao lado de fora, encontro Lauren numa conversa animada com . De cara, não consigo dizer se estão flertando.
Mas logo percebo os sorrisinhos que Lauren lança para ele. E eu a compreendo bem.
Whittier é mesmo irresistível.
Tenho certeza disso quando ele sorri para mim e, na mesma hora, sorrio de volta.

***


And Jamie picks fights
But they’re weak and short-lived
Because no one can be bothered
When it’s humid like this

Quando eu era pequena, o bar dos Rodriguez era um sonho distante para e eu. Nossos pais não nos permitiam nem mesmo entrar no lugar, mas, toda noite, olhávamos admirados para o espetáculo de luzes e sons que vinham dali.
Agora que podemos frequentar, não parece ter mais tanta graça.
Jamie e os garotos vão direto ao balcão pedir algumas bebidas.
— Com todo o respeito, querida , aquele seu caseiro é um pedaço de mau caminho. — Lauren diz, mal movendo os lábios enquanto fita descaradamente.
— O Raúl? — me faço de desentendida.
Lauren faz uma careta.
— Confesso que adoro um coroa, e aquele não é nada mau, mas esse ...
Dou risada.
— Por que você não vai até lá? — sugiro.
está do outro lado, batendo papo com uns caras que devem ser seus amigos.
— Eu já fiz isso hoje. — Lauren deu de ombros. — Não quero que ele pense que estou desesperada.
Whittier nunca vai até ninguém. — digo e, imediatamente lembro-me do meu primeiro beijo. Como eu tive que segurar pela mão e como eu tive que puxá-lo para um beijo.
Mas, em alguns segundos, tenho a sensação de que estou errada. vai até nossa mesa e chama Lauren para dançar.
Engulo em seco quando sou deixada para trás, sozinha e errada.

***


Eu não sei exatamente quando a briga começa, mas, assim que me dou conta, estou tentando empurrar Jamie para longe do garoto bronzeado do outro lado.
Jamie está furioso, seus olhos parecem prestes a saltar das órbitas.
O garoto bronzeado olhou para mim. É por isso que agora ele tem um ferimento sangrando no lábio inferior.
Logo chega para me ajudar a separar a briga, mas a raiva frenética que controla Jamie não se importa com nada. também toma um soco.
— Jamie! Jamie, para com isso! Chega! Já acabou! — grito. As lágrimas escorrem de vergonha, não de decepção. Jamie é assim desde o primeiro mês de namoro. Eu sei disso no momento em que aceito seu pedido de namoro. Eu sei disso quando o levo para a praia. Eu sei disso enquanto prende Jamie na parede do bar com força, gritando para ele parar.
Quando Jamie finalmente parece relaxar um pouco, se afasta, dá as costas e vai embora.

***


Jamie fecha a porta silenciosamente atrás de nós quando eu me jogo na cama.
Parecendo despretensioso, ele se estica ao meu lado, puxando-me para perto de si. Não reclamo. Apenas fecho os olhos, dedicada demais à preguiça que toma conta do meu corpo.
— Você sabe que eu esperei muito tempo por um tempo sozinho com você, não sabe? — ele pergunta, beijando-me no rosto.
Eu apenas assinto.
Jamie continua me beijando.
— Agora não, Jamie. — protesto, me afastando um pouco dele.
Jamie bufa, irritado, e levanta da cama em um pulo, abrindo e fechando a porta violentamente.
Cansada demais, não consigo sequer dar importância àquelas atitudes.

***


And we roll in heavy summer like
It’s shameful to be underneath
The ceiling or a roof
Try come out and steal our thunder

Na manhã seguinte, como se nada tivesse acontecido, Jamie está com os garotos jogando bola do lado de fora. As meninas ainda não acordaram, então recuso o convite para jogar e entro para o café da manhã.
Luisa está colocando minhas coisas favoritas na mesa assim que chego. Ela sorri para mim e volta-se para a pia.
— Luisa... — inicio, totalmente sem graça. — Como está o ?
Ela continua lavando a louça.
— Está bem, não foi nada.
Não sei me sinto pior com o fato de que ela sabe que tomou um soco de Jamie.
— Sinto muito, Luisa... de verdade... o Jamie não... — me interrompo no meio da frase. Gostaria de poder dizer que Jamie não costumava fazer aquilo, mas seria mentira. Ele fazia aquilo o tempo todo.
Ela finalmente larga a louça e olha para mim.
— Escuta, ... eu não posso me meter na sua vida, mas posso me preocupar. E me preocupo. Você sabe disso, não sabe?
Apenas assinto, sem coragem de encará-la.
— Espero que você esteja fazendo a coisa certa. — Luisa diz e volta para a louça.
De repente não tenho mais apetite nenhum.

***


— O que foi? — Maureen me pergunta, sentando na espreguiçadeira ao meu lado na varanda. Ela mal acordou e já está molhada e exalando cheiro de sal do mar e diversão. Era para isso que eu estava ali... mar e diversão. Mas não estava tendo nada disso.
— Não é nada, é só que... — quando começo a dizer, ouço os gritos a alguns metros de nós. Jamie está enfurecido, gritando com alguém que não está revidando.
Maureen e eu saímos correndo. Jamie está gritando com .
Não faço a menor ideia do porquê, mas Wes e Paul estão segurando Jamie, impedindo que ele avance sobre . Eu nunca tinha visto envolvido em briga nenhuma, nem ficara sabendo de algo assim, mas, só de olhar para ele, sabia que ele conseguiria derrubar Jamie a hora que quisesse. Só que aquele não era ele. Não era aquilo que fazia.
Não consigo falar nada. Fico parada assistindo a cena enquanto parece pensar na possibilidade de revidar. Seu cenho está crispado e os lábios apertados com força, encarando Jamie com raiva.
— Você — ele diz, apontando para o meu namorado. — é louco. — vira as costas e vai embora.
Paul e Wes só soltam Jamie quando já está longe o bastante.
— Que porra aconteceu aqui? — Maureen pergunta, encarando os meninos com decepção.
Percebo que nem Paul e Wes, os melhores amigos de Jamie, têm mais paciência com ele quando eles se afastam bufando.
Maureen pega Paul pelo braço e sai arrastando o namorado para dentro de casa.
Ela me lança um olhar para que eu siga os dois.
— O que aconteceu? — Maureen pergunta, batendo a porta de casa.
— Nós estávamos só... jogando vôlei e... o veio jogar com a gente, mas o Jamie não parava de fazer piadinhas sobre “o empregado estar jogando com os patrões” e o quão errado isso era e... o estava quieto! Se eu fosse ele, já tinha quebrado a cara do Jamie na segunda ou terceira gracinha, mas ele não fez nada!
— E por que o Jamie estava gritando como um louco? — Maureen pergunta.
— Porque ele é louco. — Paul responde, visivelmente irritado. — marcou um ponto e o Jamie surtou. Foi isso o que aconteceu. O Jamie surtou.
Não consigo mais ficar ali. Antes de começar a chorar na frente dos meus amigos, subo correndo e tranco a porta do quarto.
Meu celular vibra no bolso do meu short. Nem olho para a mensagem na tela. Só para o plano de fundo. Minha foto com Jamie na última festa do colégio. Ele está tão lindos que não parece real. Estamos tão bonitos e combinamos tanto que não parecemos reais. A gravata dele, vermelha como o meu vestido, seus olhos azuis parecendo tão carinhosos ao olhar para mim, meus olhos parecendo tão apaixonados ao olhar para ele... De repente eu compreendo... não parecia e não era.
Enquanto todos estão distraídos com o almoço, eu propositalmente me esgueiro pelos corredores e subo as escadas para o sótão.
Por incrível que pareça, o lugar é limpo e aconchegante. Com certeza trabalho de Luisa.
Minha bicicleta rosa de criança está pendurada em uma das paredes, junto com a bicicleta que meus pais deram para o em seu aniversário de cinco anos. Eu rio só de lembrar das cenas que existiram graças àquelas bicicletas.
e eu andando no centro da cidade, fugidos dos nossos pais, ainda com as rodinhas nas bicicletas, nos sentindo donos do mundo... eu empurrando da rampa que nós construímos com madeira no quintal... a cicatriz que a brincadeira deixou no joelho dele. Começo a rir mais alto. Também tenho uma cicatriz causada por . A lembrança de um tombo quando inventamos de andar de skate em cima do muro e eu, além de quebrar o braço, precisei de seis pontos no cotovelo.
Mesmo com tantos machucados, todas as memórias eram boas. Todas as memórias me traziam saudade.
O beijo que compartilhamos timidamente tantos anos antes. As vezes que dormimos do lado de fora, contando as nuvens e observando as estrelas... eu dizia a ele que aquelas eram suas estrelas, já que eu não podia vê-las quando estava na minha casa. Só podia vê-las no verão, na companhia de .
Agachada no sótão, vou até a janelinha minúscula que tem ali. Já é noite. As estrelas de já estão no céu.

***


Não percebo quando pego no sono na varanda e só acordo com as tábuas rangendo.
Antes de olhar para Jamie já sinto o cheiro de álcool.
Esfrego os olhos para vê-lo melhor. Ele não se parece muito com o Jamie perfeito na tela do meu celular.
Com a luz amarelada do lado de fora, consigo vê-lo melhor. Os olhos estão vermelhos e ele está todo suado.
Jamie sorri para mim.
— Oi, princesa. — quando ele fala sinto um arrepio percorrer minha espinha. Me levanto, ficando sentada, ainda olhando para ele de baixo para cima.
Jamie se senta ao meu lado, se esticando mais para perto.
— Eu não... — ele sussurra, a voz embargada por causa do álcool. — não vou esperar mais. — Jamie finalmente diz.
No segundo seguinte ele está em cima de mim, beijando meu pescoço e puxando meus cabelos para trás.
Eu tento empurrá-lo para longe, mas ele é muito mais forte que eu.
— Jamie...
Shhh...
Tento protestar, mas ele já está com os lábios sobre os meus, me puxando pela cintura para cima dele. Tento me desvencilhar, mas ele me segura com força pela cintura.
— Jamie, pare. — eu protesto quando ele finalmente tira a boca da minha. — Jamie, eu não quero... — eu o empurro novamente, mas isso só faz com que ele me aperte com mais força pela cintura.
— Eu te amo. — ele diz, antes de voltar a me beijar.
Não consigo me livrar de seus braços na minha cintura, e o gosto do álcool de sua boca na minha me deixa enjoada e desesperada. Começo a chorar.
— Shhh. — ele repete, se afastando um pouco e segurando meu rosto. — Eu te amo, , está tudo bem. — ele me beija de novo, mordendo meu lábio enquanto se afasta um pouco, apenas o suficiente para arrancar a camiseta que ele está vestindo.
— Jamie. — eu protesto. — Jamie, me solta! Eu não quero!
Ele sorri.
— Acho que eu sei o que você quer. — ele sussurra no meu ouvido. — Quer que seja romântico, não é? — ele beija meu pescoço outra vez. — Eu posso te levar para o quarto. — Jamie começa a levantar comigo no colo.
— Jamie! Jamie, pare com isso! Eu não quero! Eu não quero! — minha voz sai entre os soluços do meu choro. — Por favor, Jamie, pare!
, qual é...
Jamie é repentinamente interrompido por uma voz grossa.
Ela disse para parar! — é . Ele puxa Jamie pelo ombro, jogando-o contra a parede e socando-o no rosto. — Ela disse para parar!
Eu nunca o tinha visto tão nervoso.
repete essa frase todas as vezes antes de socar Jamie no rosto. Ele, por sua vez, não consegue reagir. é maior e mais forte.
— Agora — ele diz. — vou te dizer o que você vai fazer. — segura Jamie pelo queixo. — Você vai pegar as suas coisas e vai embora. Você vai ficar longe da . Longe. Você tá me entendendo?
Jamie continua quieto.
finalmente o solta e se volta para mim.
— Você está bem? — ele pergunta, se aproximando de mim e segurando meu rosto com delicadeza.
Eu assinto.
. — Jamie diz, cambaleando a alguns passos de nós. — Você tem que demitir esse cara. — é tudo que ele diz antes de dar as costas e entrar em casa.
— Não. — eu digo, furiosamente. — Você vai embora. Você vai embora da minha casa agora! — eu grito. — Agora!
Jamie me encara com descrença.
Paul e Wes aparecem, e as meninas logo em seguida.
— Você vai subir, pegar as suas coisas e ir embora!
— O quê? — Jamie volta. — Você tá maluca? Eu não vou a lugar algum! Não vou embora!
— Cara. — Wes diz, puxando Jamie pelo braço. — Vamos lá. Já chega, acabou.
— Não! — o grito de Jamie parece animal. Ele avança em minha direção, mas Wes e Paul o seguram.
— Vamos pegar suas coisas, Jamie. — Paul diz.

***


Na manhã seguinte, me levanto sem nem mesmo ter pregado os olhos durante a noite toda. São sete da manhã, e provavelmente nenhum dos meus amigos está acordado.
Desço as escadas na ponta do pé, evitando fazer qualquer barulho.
Luisa está na cozinha, então tento passar direto para o lado de fora.
? — ela me chama.
Paro exatamente onde estou.
— Querida. — Luisa se aproxima de mim e não diz nada, apenas me abraça apertado. — Está tudo bem. Vai ficar tudo bem.

***


— Nós viemos ver se você quer sair para almoçar. — Kate diz timidamente.
Todos estão sem graça depois do vexame da noite anterior.
Eu assinto.
— Claro. Onde vamos?
Permanecer ali, sem fazer nada, entregue à tristeza que Jamie tinha causado, seria a pior das opções. Não foi para isso que fomos para a casa de praia em primeiro lugar.

***


As meninas fazem de tudo o dia inteiro para me animar outra vez. Não é difícil.
Jamie vinha sendo um peso difícil de carregar, e agora que ele foi embora tudo parece mais leve e divertido.
Jogamos bola na areia e mergulhamos no mar completamente vestidas.
Compramos uma garrafa de vinho e bebemos enquanto o sol se põe, as quatro praticamente atoladas na areia, rindo das histórias que relembrávamos.
— Sabe... — Lauren começa. — é um cara encantador...
Nós três olhamos para ela. Confesso que estou curiosa para saber se algo aconteceu entre os dois.
— Mas não tem o menor interesse em mim. — ela completa.
— Que tipo de idiota não se interessaria por você? — Kate pergunta, incrédula. — Só um cara muito louco.
— Ou um cara apaixonado. — Lauren diz. — Eu não sei... tenho essa impressão, de que ele não vai ver graça alguma em se envolver com alguém que não seja a pessoa que ele quer.
Por um instante minha curiosidade fica maior ainda.
Quem teria fisgado o coração de Whittier?

***


Now the days are getting cooler
And the burning of our limbs
Doesn’t happen quite as bad
As the burn is just skin
Deep in the fantasies and dreams of the winter
Like the movies that we watched
To pretend it wasn’t winter

De madrugada o vento faz com que as portas todas batam, causando um efeito dominó de barulhos assustadores. Eu e as meninas nos encontramos no corredor. Elas estão todas assustadas e meio perdidas.
— É só o vento. — explico. A ventania do lado de fora deixa quase impossível que elas me ouçam.
Saio fechando todas as portas e janelas pelo caminho. Desço as escadas com as três em meu encalço.
Os meninos só aparecem quando tudo está mais quieto.
De repente reparo em Wes, a cara inchada e as mãos apertando... um revólver.
— Wes! — eu grito. — Que porra é essa?
— O que está acontecendo? — ele grita de volta. — Alguém entrou na casa?
— Onde você arranjou a porra de um revólver? — Kate grita, correndo até ele e pegando o revólver.
De repente a porta da cozinha se abre, e Kate aponta o revólver naquela direção. Ninguém pensa duas vezes antes de se refugiar atrás dela, a garota baixinha com pijama de bichinho apontando uma arma para o escuro.
— Mas o que...
É . Assim que percebemos quem é, todos relaxamos.
E começamos a rir.

***


São quatro da manhã e nenhum de nós reencontra o sono.
Eu e as meninas estamos jogadas nos sofás enquanto Paul, Wes e estão sentados no chão, jogando conversa fora.
A leveza do momento é perfeita e isso me faz olhar para com admiração.
Como ele pode ser tão calmo? Como pode ser tão tranquilo? Como ele faz com que todo mundo goste dele sem esforço nenhum?
É aí que me lembro de Jamie. Os olhos injetados quando encara . O ódio exalando pelos poros. Balanço a cabeça como se isso pudesse afastar os pensamentos.
Não quero pensar em Jamie. Nunca mais. Tenho certeza disso agora, mais do que já tive sobre qualquer outra coisa na vida.


***


Na manhã seguinte acordamos todos na sala. Sou a primeira a acordar, e faço o possível para não acordar mais ninguém enquanto levanto e vou até a cozinha.
Luisa já está lá, cortando algumas frutas para o café da manhã.
Ela sorri para mim. Seu semblante mudou completamente desde que Jamie foi embora.
— Como você está? – ela pergunta.
Eu jogo meus braços em volta dela.
— Ótima. – respondo. – Ótima.

***


Duas horas depois ninguém levantou ainda. Estamos Luisa e eu jogando conversa fora na cozinha quando ouço os passos no corredor.
É . Ele tem a cara inteira inchada e está andando todo torto. Não consigo evitar uma risada.
Luisa também ri.
— Ótimo. — ele diz. — Mulheres sem coração. – resmunga, puxando uma cadeira e sentando ao meu lado. — Nunca mais... nunca mais na minha vida eu durmo no chão.
Luisa e eu rimos de novo.
Encaro como se o analisasse.
— O que foi? — ele pergunta, curioso. — Tem alguma coisa na minha cara? — a preocupação genuína em seu rosto é quase infantil.
Apenas balanço a cabeça. Como não fui capaz de perceber isso antes? Ou será que percebi e me recusei a acreditar?


***


Na praia um vento de chuva me cerca, a areia gruda na minha pele e machuca meus olhos. Tudo no meu coração é uma confusão. Jamie tinha ido embora há uma semana, e para minha surpresa a frustração é maior que a minha dor. Maior que meu pesar. Tem o . O cara cheio de sorrisos e toques gentis. O cara que por acaso eu também estava evitando. Meu motivo para estar sozinha no meio da praia, com uma tempestade se formando.
— Ai, que merda. — digo em voz alta, talvez para os passarinhos escutarem, mas talvez eu seja um pouco louca. Ou totalmente, nunca se sabe.
Vários pontos de chuva começam a cair e encharcam minha roupa em questão de segundos, começo a correr, o vento tão forte que parecia quase me arrastar. Sinto um pouco de desespero, imagino as manchetes... “Garota morre no temporal”, “única idiota na praia em um temporal morre atolada na areia”, nada promissor. Continuo lutando contra a chuva e o vento, então uma figura me aparece. . Ele está encharcado, mas segura uma capa de chuva, que eu sei, seria inútil a essa altura do temporal. Mesmo assim ele corre na minha direção, me alcançando relativamente rápido.
— Sua louca! Eu estava morrendo de preocupação! — ele fala e a blusa dele parece flutuar em volta de seu corpo por causa do vento. — Veste isso! — Sem me perguntar ele joga a capa por cima da minha cabeça, tentando inutilmente enfiar pela minha cabeça — Merda.
— Deixa, . — grito, o vento e a chuva tornando a comunicação difícil — VAMOS EMBORA! — insisto. Ele olha para mim, confuso. Provavelmente não ouviu uma palavra do que eu disse. Eu o puxo pelo braço, me aproximando dele para falar mais alto ainda.
Quando me aproximo, vira o rosto. Seus olhos brilhantes estão fixos nos meus. Por um segundo esquecemos da chuva, das roupas encharcadas, da capa de chuva inútil...
segura minha mão e, meio que me arrastando, corremos como loucos para casa.

***


Chegamos encharcados, a casa está escura e o carro dos pais de não está na porta. Entramos tilintando, encharcando o chão de madeira. Tentamos acender as luzes sem sucesso.
— E agora? — se tem uma coisa que me incomoda é o escuro. Mais que barata, aranha, cobra. Mais que tudo. — O que vamos fazer nesse breu?
— Vou pegar velas. — treme muito. — Espera aí, estão em uma caixa no banheiro.
— Está bem, vou ficar. — fecho os olhos enquanto se afasta, tentando reprimir meu medo. Em segundos ele está de volta, acendendo várias velas aromáticas com fósforos. — É sério? Velas aromáticas? Não tinha nada menos clichê?
Ele riu, sem graça.
— É isso ou escuridão total. O que você prefere? — dou de ombros. — Onde está o seu celular? Tentei te ligar várias vezes. Tiro meu celular do bolso do shorts, encharcado. Perda total. Adeus, celular. encara, balança a cabeça e vai buscar ele próprio o celular dele na casa dos fundos.
Tudo que eu quero é um banho quente, mas, sem energia elétrica, isso não é nem uma opção. Mas eu preciso me esquentar. Arrancar a roupa molhada é um começo. Seguro uma vela e corro para o andar de cima. Arranco roupa por roupa e visto o moletom mais quente e confortável que levei comigo. Desço com cuidado, morrendo de medo de me queimar com a vela. Vou direto para a casa dos Whittier.
está ligando para alguém, enquanto eu espero na soleira da porta. Ainda me sinto molhada, encharcada e provavelmente próxima de ter um resfriado.
— Ei, meus pais estão do outro lado da cidade, ilhados em um quiosque. Seus amigos estão em outro lugar, também ilhados... vão voltar só depois que a tempestade passar. — olha para o meu moletom achando graça — Um coelhinho? Sério? — ele aponta para as orelhinhas no capuz do moletom.
— É a roupa mais quente que eu trouxe! — meu tom de indignada faz ele rir e sair. Que coisa mais clichê, dois adolescentes, sozinhos, com velas aromáticas para todos os lados, no maior temporal. Destino é uma coisa muito tradicional. Volto para a casa principal atrás de um cobertor. aparece só de cueca , com uma toalha na cabeça e algumas roupas
Penduradas no ombro.
— Ei! — falo alto, num tom de repressão.
— “Ei” digo eu, você que tá aí parada olhando pra mim, sua tarada. — Virei de costas, desejando olhar só mais um pouquinho.
— Eu estava procurando um cobertor, estou com frio. — vai até a salinha embaixo da escada, volta e joga em mim um edredom. Eu viro para olhá-lo e ele ainda está de cueca. — Ai, meu Deus, o que você tem contra roupas?
— Você me vê de sunga o tempo todo e não dá esse escândalo. — ele ri, achando graça do meu constrangimento.
— Sunga é uma coisa, cueca é outra. Isso é muito íntimo! — ele ri mais um pouco — Vai, coloca uma roupa!
Me jogo no sofá, espalhando o edredom.
aparece, vestindo um shorts e uma camisa. Me pergunto se ele não tem calças. Ele senta do meu lado. Muito perto.
— Você está muito calada, está tudo bem? — ele me encara, mas só consigo olhar para a sua boca, aquela boca, a minha primeira boca...
— Está sim, é que é estranho ficar sozinha com você em casa depois de tanto tempo.
abre um sorrisinho.
— Hm... medo de cair no meu charme irresistível? — Meu rosto queima na mesma hora.
— Bom, eu sou uma presa fácil, e você um cara experiente. Vamos ser sinceros. Essa casa deve ser seu abatedouro. Quantas meninas inocentes você e seus lindos olhos atraíram? — parece perplexo, o que significa: ponto para mim.
— Aqui não é meu abatedouro.
— Não? Tem alguma gruta ou...?
— Sem grutas. — Ele está sério e completamente sem graça.
— Não estou entendendo. De verdade. Onde você está levando suas garotas? — rola os olhos.
— Assim, eu nunca... Nunquinha. — ele balança a cabeça de um jeito fofo demais.
— O quê? — insisto.
— Nunca fiz... — solta um sorrisinho torto, envergonhado, que me fez perder o compasso.
— Não? — finalmente entendo. Ele é virgem. Meu Deus, é virgem! Não é possível. Semicerro os olhos, encarando como se pudesse ler sua alma. — Eu não acredito! Você todo... todo bonito e...
— Você me acha bonito? — ele pergunta, sorrindo.
Reviro os olhos.
— Você tá falando a verdade, não tá? — pergunto.
— Sim, estou. — Ele me olha sério, sem graça e infinitamente sério.
— Nem eu. — admito. arregala os olhos — Jamie tentou. Essas férias... era pra isso. Mas o tiro saiu pela culatra.
Rimos um pouco, e ficamos nos olhando um tempo, um clima estranho pairando sobre nós dois.
— Quando te vi, na praia, no primeiro dia... admito que lembrei daquele dia, lembra? Do beijo? — assinto com a cabeça — Você estava tão bonita, mas aí aquele cara apareceu e eu vi que tinha que tirar meu time de campo.
— Você iria colocar seu time em campo? — rio da sinceridade dele.
— O time e toda a torcida junto! — Rimos mais um pouco — Mas eu sei meu lugar.
Antes de ter mais tempo e acabar pensando demais, eu puxo pela camiseta e selo nossos lábios.
Consigo sentir a surpresa exalando de seus poros. Ele se afasta rapidamente, me encarando com curiosidade.
se aproxima mais de mim. Meu coração dispara e o frio na barriga só cresce. Então ele me beija, devagar no começo, esperando que eu me afaste, e então ele se ajeita e me beija com mais força, mais vontade, menos pudor. A língua dele se enrosca na minha. me puxa para seu colo, enquanto as mãos dele percorrem meu corpo e as minhas arrancam sua camisa. Paramos para tomar fôlego e observamos um ao outro. E então voltamos a nos beijar com mais vontade ainda. puxa minha blusa para cima, e percorre meu colo com os lábios, arrepiando cada parte minha, e então me deita no sofá, me encarando e diz:
— Tem certeza? — Os olhos dele estavam escuros, o desejo explícito.
Eu rio do quão clichê o momento todo é.
— Tenho, eu quero. — e então, do nada, ele fica em pé, penso que é o momento em que ele vai dizer “isso é errado” e sumir, mas, em vez disso, me ergue no colo e me carrega pelo corredor até o quarto dele, me coloca na cama e volta a me beijar com mais delicadeza.
— Eu não sei... vou tentar não te machucar, mas é minha primeira vez também... então... me avisa por favor?
Faço que sim com a cabeça. A única coisa que eu consigo pensar é: está acontecendo, está acontecendo de verdade. Enquanto meu coração se acalenta e derrete ao mesmo tempo.

***


— Puta que pariu. — eu acordo com o grito supereducado de Maureen. Abro os olhos devagar.
Ela está parada na soleira da porta do quarto de , me encarando completamente surpresa.
— Encontrou ela? — Lauren grita da casa principal. Arregalo os olhos, completamente em choque.
Uma semana antes Lauren estava a fim de . O que isso fazia de mim?
esfrega os olhos.
— Meu Deus, Maureen, o que você está fazendo aqui? — pergunto.
— Você sumiu! Não estava em lugar nenhum... a praia tá inacessível, pensamos que tinha acontecido alguma coisa... e... uau.
Sinto meu rosto queimar. Puxo o edredom com força para me cobrir.
Maureen e gritam ao mesmo tempo.
— Meu Deus, esse é o dia mais louco da minha vida. — ela diz, dando as costas e saindo.
e eu nos encaramos.
E começamos a rir.

***


— E é isso. — eu finalizo, encarando Lauren para analisar sua reação.
Ela sorri.
— Eu sabia! Sabia que você era apaixonada por ele! — ela dá alguns pulinhos em minha direção. — Meu bebê virou mocinha! — Lauren me abraça com força. — Me conta tudo! Como foi?
É uma reação muito melhor do que eu poderia imaginar.

***



Estamos nos últimos três dias de nossa viagem. Isso me entristece um pouco.
Em três dias estarei de volta em casa, de volta ao mesmo lugar que Jamie, de volta a realidade sem .
Enquanto os meninos terminam a fogueira no quintal, as meninas e eu ajeitamos os cobertores e as comidas no chão.
Há anos não tenho a experiência de assar marshmallows em uma fogueira. Me sinto uma criança de novo. Redescobrindo todas as coisas...
Olho para a alguns metros de mim. Ele sorri e dá uma piscadinha fofa. Sorrio de volta involuntariamente.
Meu Deus... como ele é lindo. Como eu sou idiota... como pude demorar tanto e chegar tão longe num erro para perceber que sempre tinha sido ? Que ele sempre fora o dono do meu coração?
Os meninos se exaltam de alegria quando a fogueira finalmente dá certo. teria feito em dois minutos se tivesse admitido a responsabilidade para si, mas tinha deixado Paul e Wes tentarem fazer a primeira fogueira de suas vidas.
se aproxima de mim e me puxa pela cintura.
— Você — ele diz. — não devia ficar olhando para mim com esses seus olhos lindos.
Dou risada.
— Você é um idiota, Whittier.
Ele dá de ombros.
— Você me adora. — ele provoca. — Tenho certeza de que me adora.
Dessa vez eu dou de ombros, puxando-o pelo colarinho da camisa xadrez aberta que ele veste.
— Você fala muito. — digo. — Devia passar mais tempo me beijando.
Ele me encara com surpresa no olhar.
— Não precisa falar duas vezes. – ele diz, me beijando avidamente.
— Ei, pombinhos. — Lauren provoca. — Juntem-se a nós.
segura minha mão e nos aproximamos da roda em volta da fogueira.
Maureen sai da casa trazendo o velho violão do meu pai que estava na sala de estar. Ela já chega dedilhando uma canção e entoando seus versos.
Todos nós nos sentamos no chão. Eu me aninho entre as pernas de , compartilhando um cobertor azul com cheiro de sal.
Nenhuma garota poderia querer nada além disso.


***



No dia seguinte meus amigos saem logo após o almoço para um show na cidade vizinha. Para e eu, é a oportunidade perfeita para passar mais algum tempo sozinhos antes que eu volte para casa.
Nos despedimos das meninas e de Paul e Wes e voltamos para a casa.
Luisa serve a sobremesa, um cheesecake de frutas vermelhas maravilhoso, e comemos na varanda, observando a fina garoa que cai do céu.
tem seus braços ao meu redor e a cabeça apoiada no meu ombro.
Nada no mundo inteiro parecia tão certo quanto aquilo.

***


And everywhere we go
I can feel a subtle taste of the deeds outgrown
And the welcome overstayed
And you’re no better at swimming
Than you were in the beginning
But you come over at night
And we practice all the breathing


Quando anoitece, reclama de dor de cabeça. Só por precaução, num instinto quase materno, levo minha mão até a testa dele. Está ardendo em febre. Raúl não está em casa, então levo até o meu quarto no andar de cima e peço a ele que me espere enquanto dirijo até uma farmácia para comprar alguns remédios para ele. Trêmulo sob o edredom vermelho da cama, ele não protesta.
— Eu já volto. — prometo, dando um beijo rápido em seus lábios antes de pegar a chave do carro na penteadeira e sair.

A farmácia não fica muito longe, apenas uns quinze minutos de viagem, que eu percorro ao som de Sia, batucando as músicas no volante e cantando com a letra toda errada.
Sorrio para mim mesma. Nunca estive tão feliz. Nunca estive tão leve. E a chave para a felicidade estava ali, naquela casa de praia, o tempo todo.
Estaciono o carro em frente à farmácia e entro correndo. Não tem nenhum cliente no lugar, então sou atendida rapidamente e vou embora levando um antitérmico e um analgésico numa sacolinha de plástico.
Dirijo o caminho de volta com a mesma trilha sonora da ida.
A dois quarteirões da casa, meu coração relaxa. Mas quase para quando eu finalmente chego em casa.
O que vejo me deixa em choque.

***



A casa está em chamas. O fogo sobe pelo lado de fora, lambendo as paredes e chegando ao andar de cima com uma fúria avassaladora. Não consigo reagir. Minhas mãos tremem e derrubam a sacola da farmácia e tudo que eu consigo fazer é olhar. Meu corpo não responde a nenhum dos meus comandos desesperado.
. Ele está lá dentro. Sei disso como sei que o céu é azul. está lá dentro.
Começo a gritar. Primeiro não sei o que está saindo pela minha garganta. Mas depois compreendo. É o nome dele. É tudo que eu consigo pensar quando, num ato de loucura, entro correndo pela porta dos fundos.
As chamas queimam a casa pelas laterais, corroendo tudo pela frente e correndo para dentro, ameaçadoras e velozes. Não tenho tempo para pensar em mais nada enquanto me embrenho em meio ao fogo, incapaz de sentir o calor e a dor das chamas que tocam minha pele, e subo as escadas de três em três degraus.
! — eu grito. Minha voz sai roca. Ele não vai me ouvir. Ele não vai me ouvir. O fogo parece me perseguir, cada vez mais empenhado em alcançar o andar de cima, assim como eu. Tropeço no último degrau, caindo de cara no chão. Sinto o gosto metálico e salgado do sangue na boca. Não tenho tempo.
Me arrasto pelo chão até o meu quarto, onde ele está, onde consigo ouvi-lo.
Em algum lugar ali dentro, o homem que eu amo está precisando de mim.
! — eu grito novamente.
Consigo ouvi-lo tossir meu nome.
Estou indo., prometo mentalmente. Não vou te deixar.
Abro a porta do quarto com força. A maçaneta está fervendo com o fogo que sobe.
!
Ele está jogado no chão, com o rosto inchado e o corpo todo úmido.
— Eu preciso que você seja forte. — suplico. — Por mim, . Por mim.
Rezo mil vezes enquanto uno toda a força em meu ser para levantá-lo do chão. Quero beijá-lo, quero dizer que o amo, quero dizer que tudo vai ficar bem. Mas preciso tirá-lo dali. Quando volto para o corredor percebo que o fogo já tomou conta de tudo. Olho para todos os lados em busca de uma saída. Deixo apoiado contra uma parede enquanto abro o armário e começo a puxar lençóis e amarrá-los uns nos outros. Nunca fiz isso na vida. Mas já vi na televisão. Espero que a vida imite a arte enquanto amarro um dos lençóis em volta de .
Seguro seu rosto entre as mãos enquanto corro contra o tempo. O fogo está chegando no quarto.
— Eu te amo. — digo, enquanto o empurro para fora da janela.
Uso o pé da cômoda para controlar a corda improvisada enquanto desço pela janela, olhando para trás a cada milésimo de segundo, sentindo o calor do fogo junto à minha espinha.
Quando vejo que está a uma distância segura do chão, solto o lençol do pé da cômoda.
Olho para trás uma última vez. E pulo.


***



Eu nunca pensei em morrer. Nunca. Nunca fiz planos ou cogitei possíveis fins trágicos à minha vida.
Mas aquele era o pior cenário que eu poderia imaginar. Morrer depois dos melhores dias da minha vida. Sequer ter a chance de viver o amor que me enchia o peito enquanto eu enfrentava as chamas, enquanto eu enfrentava tudo.
Mas eu tenho certeza. Quando não sinto o impacto do meu corpo no chão, tenho certeza de que morri. Tenho certeza absoluta disso. Mas não ligo. A única coisa com que me preocupo é a segurança de . Ele vai sobreviver? Ele vai ficar bem?
Posso perder o que quer que seja, mas, agora que o tenho, ele seria a última coisa da qual eu abriria mão.


***



Quando a escuridão termina, vejo uma silhueta conhecida correndo em meio à fumaça com algo na mão.
Minha cabeça dói, então sei que estou viva. O que quer que viesse depois da morte certamente não doía.
De repente me dou conta de quem é a figura correndo. E o que ela segura.
É Jamie. E ele está correndo com um enorme galão branco.
A compreensão me vem como a súbita certeza da morte. Jamie causou tudo aquilo. Jamie incendiou a casa. Jamie tentou matar .
Sinto meu corpo congelar em resposta ao medo. Onde está ? Não consigo vê-lo. Não consigo virar o pescoço para procurar por ele.
Só consigo rezar.


***





! , fala comigo! — sinto o toque na pele do meu rosto. Dói. Não reconheço a voz de imediato, então forço meus olhos a me ajudarem. Tudo está nublado, confuso, mas conheço o rosto à minha frente. É Kate. — Graças a Deus. Graças a Deus, você está viva.
Olho em volta.
Maureen, Lauren, Wes e Paul estão ali também. As luzes vermelhas e azuis piscam para todo lado.
Vejo Jamie encostado contra uma viatura policial.
— Pegaram ele. — Kate diz, como se pudesse ler minha mente. — Ele confessou.
, eu não queria... eu não queria te matar... eu não queria machucar você, eu não... — obrigo meu cérebro a dessintonizar do que Jamie diz. Não quero ouvi-lo, não quero vê-lo, não quero que ele sequer exista.
Meus lábios estão secos e tenho a sensação de que viraram pedra.
Abrir a boca dói, mas eu me esforço.
A garganta queima, como se o fogo estivesse subindo por ali.
. — é tudo que eu consigo dizer.
— Ele está bem. — Lauren responde, segurando minha mão com força. Aquilo também dói. — Está naquela ambulância. Vai ficar tudo bem. Vão cuidar de vocês.
Meu cérebro desliga logo após isso.


***


Quando abro os olhos, dou de cara com a minha mãe, dormindo sentada toda torta numa cadeira minúscula ao meu lado. Não preciso pensar muito para saber onde estou.
Num hospital.
— Mãe. — eu chamo tão baixo que eu mesma não consigo ouvir, mas ela consegue. Abre os olhos e levanta numa fração de segundo.
, pelo amor de Deus! — ela me abraça com força.
Solto um gemido baixinho, mas o suficiente para que ela perceba que sinto dor.
— Eu não sabia... eu não sabia o que fazer. — ela diz, chorando. — Quando eles me ligaram, eu não sabia no que pensar... eu pensei que... eu pensei que você estivesse...
— Estou bem. — garanto. O que vejo em mim mesma diz o contrário. Tenho curativos enormes nos braços e uma das minhas pernas está engessada quase completamente. Meu corpo dói, mas parece uma dor amortecida.
Olho ao redor. Estou conectada a três tubos de soro. A anestesia vem dali.
— Mãe. — eu chamo. Ela olha para mim imediatamente. — O ...
Ela dá um sorrisinho terno.
— Ele está bem. Você salvou a vida dele.
Eu assinto, grata. As lágrimas descem pelo meu rosto descontroladamente.
— Eu vou pedir para ele vir te ver, está bem?
Eu assinto novamente.

Depois que minha mãe sai, uma equipe médica completa entra no quarto. Eles checam todas as minhas funções vitais e meu nível de consciência. Enxergo bem, raciocino bem, consigo me lembrar de tudo.
Estou prestes a mandá-los cairem fora quando eu o vejo.
Uma enfermeira vem empurrando-o em uma cadeira de rodas.
Ele sorri para mim. E eu sorrio de volta.


***


Depois que toda a equipe médica sai e somos apenas e eu, ele empurra a cadeira para mais perto da minha cama. Eu estendo a mão para ele e ele a segura com gentileza.
— Obrigado. — diz.
Eu o encaro com curiosidade.
— Você salvou a minha vida, . Se você não tivesse feito o que fez... eu não teria sobrevivido. Eu simplesmente não... não tinha força nenhuma... eu não ia conseguir. — ele enxuga uma lágrima que escorre por sua bochecha. — Eu não ia conseguir. — ele repete.
Eu aperto sua mão com mais força.
— Eu nunca deixaria você para trás, . Nunca.
Ele assente.
— Eu sei, . — ele de repente encara os próprios pés. — E eu sou o cara mais privilegiado do mundo por poder contar com você... sou o cara mais privilegiado do mundo. Mas não te mereço.
Eu balanço a cabeça, com raiva.
— É melhor você calar a sua boca. — vocifero.
— Você está aí... toda quebrada... por minha causa... isso dói mais do que essas queimaduras. — ele diz, apontando os próprios curativos.
— Eu faria de novo. — digo. Ele me encara, surpreso. — Faria quantas vezes fosse necessário, . Nada do que eu estou sentindo me doeria mais do que perder você.
Ele dá um sorriso tímido.
— Você não existe, .
— Você me adora. — provoco.
— Me prometa uma coisa. — ele pede.
— O quê?
— Você não vai dizer a ninguém vestido de branco sobre o que estou prestes a fazer.
Arqueio uma sobrancelha, curiosa.
— E o que é?
Ele então se levanta da cadeira de rodas, cambaleando em minha direção.
— Só checando se estou mesmo vivo. — ele sussurra, se aproximando de mim e grudando seus lábios nos meus.
Meus lábios estão feridos e inchados, e os dele também, mas não nos importamos. Nos beijamos até doer.
Só nos separamos quando nos falta oxigênio, e apenas o suficiente para respirarmos de novo e olharmos um nos olhos do outro antes que voltemos a nos beijar.
Somos interrompidos por uma porta batendo.
se afasta de mim rapidamente.
Na porta, nossos pais. Os quatro olham para nós com expressões tão normais que parece que não viram nada. Mas tenho certeza de que viram.
— E choca um total de zero pessoas. — minha mãe comenta, fazendo todos rirem.

Epílogo

Go all the way
Have your fun, have it all
This will take you down
Get through the days
Do your thing, do it well
This will take you down


Há oito meses não vejo . Oito meses que ele não me lança aquele sorriso malicioso ou me puxa para algum canto da casa. Oito meses desde a nossa última noite juntos.
Casos de verão costumam ser assim, intensos, fortes e rápidos. São casos de verão, não para o ano todo. Acabam quando o verão acaba, e eu tenho que seguir em frente.
Mas é complicado , principalmente quando todos apontam para você como “a garota que o ex namorado tentou matar em um incêndio” ou “a pobre coitada que quase morreu queimada”. Agora todos que se aproximam é para saber como eu escapei de um relacionamento abusivo, ou como sobrevivi ao incêndio, como ele foi preso, detalhes e detalhes. Ninguém quer saber dos meus planos daqui pra frente ou de como eu me sinto.
Mas, pior do que essas pessoas, são os amigos de Jamie do time. Todos me chamam de vadia, me acusam de ter traído o melhor amigo deles. Nenhum deles parece entender que a história não foi assim, não foi assim que aconteceu, mas eu também não quero me esforçar para debater com nenhum deles.
Se tudo desse certo, a essa mesma hora ano que vem, estarei em Yale ou Brown ou até mais longe, na UVA ou na Universidade da Virgínia. Pelo menos eu não pago por sonhar.
Jamie segue preso. Soube que ele pediu para me ver, para pedir desculpas , mas isso não anulava minha quase morte ou as duas semanas no hospital. Nada apagaria isso, então não consigo me culpar por não ter ido visitá-lo. Talvez depois de um tempo tudo isso não passe de um pesadelo horrível e eu consiga me perdoar por ter me envolvido com alguém como Jamie.
No momento minha preocupação é com o baile. Aqui estou eu, ex namorada de um quarterback preso, alvo de várias fofocas e nenhum par. Nenhum mesmo.
Visto o vestido mais lindo do mundo. Preto, no estilo sereia, bem acinturado e longo. Meu cabelo com uma trança no alto e o restante solto, um enfeite de prata com formato de folhas. Capricho bem no batom.
Essa noite poderia ser um desastre, talvez eu passasse a noite toda sem dançar uma música sequer, somente rindo e abraçando minhas amigas, mas pelo menos nas fotos esse momento ficaria bem representado e eu estaria bonita.
Meu pai está na escada me esperando, abre um sorriso lindo quando me vê.
— Está linda, querida! — ele tira tantas fotos que tenho certeza de que o botão da câmera vai cair. — Tem certeza que não quer que eu vá? Eu sou um bom par de valsa!
— Não, papai, vai por mim, levar o pai é pior do que não ter um par! — nós dois rimos e ele me acompanha para o carro. Lá, como um perfeito cavalheiro, evita falar do fato de que eu provavelmente seria a única garota que o namorado não levou ao baile. Ao baile de formatura, como se já não fosse ruim o bastante. Mas tudo certo. Eu não iria deixar um homem — ou a falta dele — estragar minha noite.
Tento não me abalar com isso, adentro o salão, que está muito bonito e bem decorado, com uma banda tocando ao fundo. Meus amigos estão reunidos, rindo, conversando sobre o futuro. Os casais apaixonados e Lauren abraçada com um garoto novo. Me aproximo e embalamos em uma conversa saudosa, tomando cuidado para não comentar o nome de Jamie, que se fez tão presente nesse último ano. Mas, ainda assim, cercada pelos melhores amigos do mundo, sinto um vazio tão grande, tanta falta da praia, do mar, dos dias quentes e noites agradáveis, de e seus muitos sorrisos, muitos abraços. Escapadas no meio da noite, do dia, em qualquer momento. Sinto tristeza quando me lembro da nossa despedida, da certeza de que nós dois juntos em um relacionamento a distância não era opção. Tristeza por um amor real, dolorido, intenso, totalmente perdido. Todos riem muito para qualquer lado que eu olho, e eu só consigo pensar que essa noite é uma terrível ideia que só vai me machucar, que a melhor coisa agora é me enfiar em um táxi e voltar para casa. Arrancar esse vestido e daqui uns vinte anos contar aos meus filhos histórias mentirosas e inventadas de um baile maravilhoso. Já estou começando a tomar coragem de dar tchau para os meus amigos quando eu o vejo.
Vestido de smoking, o cabelo geralmente bagunçado penteado para trás, o bronzeado destacando sua beleza e maçãs do rosto, vestindo sapatos e pasmem, calças! Com cinto e tudo. Ele segura uma flor silvestre na mão e um sorriso nervoso no rosto e parece procurar alguém. De repente seus olhos pararam em mim, ele me olha dos pés a cabeça e começa a andar a passos largos até mim. Meu coração acelera, fico em choque e paralisada no lugar, sem conseguir me mover ou falar qualquer coisa.
— Oi. — diz assim que me alcança.
— Oi — repito, atônita, tentando entender o que ele está fazendo aqui, bem na minha frente.
— Olha, eu sei que falamos sobre um relacionamento a distância não dar certo, mas... nossa, eu não consigo dormir sem pensar em você. Faz oito meses que não consigo achar nenhuma garota no mundo bonita, porque eu só penso em você e no seu cheiro e no seu jeito maluco que me deixa doido. — mexe as mãos tentando se expressar com mais clareza e parece muito nervoso, falando como se estivesse correndo uma maratona com as palavras. — E eu sei que você passou em Yale e na UVA e... olha, eu fui aprovado nas duas, eu juro que deixo você escolher, onde você for eu vou, só me dá uma chance, eu não consigo nem mais dormir! Eu amo você! — ele finalmente para de falar e fecha a boca, me olhando em busca de uma reação. Meu coração perde o compasso, me movo quase instintivamente e o beijo, provando aquele gosto de saudade, de felicidade, de medo, tudo misturado.
Quando finalmente nos separamos, eu o olho nos olhos.
Eu me aproximo lentamente, encostando os lábios em sua orelha.
— Não acredito que você está usando calças. — eu sussurro.
Ele começa a rir e me agarra pela cintura, me balançando no ar.
— Me diz uma coisa. — ele pede. Eu assinto. Meus braços estão em volta do pescoço dele. — Na casa de praia... no incêndio... você... você disse que... me amava? — seus olhos estão cheios de expectativa enquanto ele aguarda uma resposta.
— Eu disse. — respondo. — Porque é verdade. — completo. — Eu te amo. Provavelmente desde o primeiro dia em que nos vimos, quando ainda nem sabíamos andar... e eu demorei tanto para perceber isso que... mereço um prêmio por tanta estupidez.
Ele ri. Eu o puxo em direção à pista de dança, no meio de todos os casais dançando a música romântica que está tocando.
— Eu quero ser seu namorado. — ele diz. — E eu falei com o seu pai há uns cinco minutos lá fora. Depende de você.
Eu sorrio.
— Eu não poderia ter uma ideia melhor.
me puxa pela cintura, selando nossos lábios com tanta delicadeza que tudo parece um conto de fadas.
Quando ele se afasta, coloca uma mecha de cabelo minha atrás da orelha.
— Quer sair daqui? — pergunto.
Ele sorri.
— Eu não poderia ter uma ideia melhor.

***



— Sabe — começa, acariciando meu braço. — Notei uma coisa.
— O que é? — pergunto, levantando a cabeça para olhá-lo no rosto.
Ele se levanta e estica a perna esquerda em cima do banco.
não precisa dizer nada. Bem no meio da canela, ele tem uma cicatriz igualzinha a minha. Uma queimadura abobadada de uns dois centímetros. É um fato engraçado, mas a lembrança me deixa melancólica.
— Nós tínhamos nosso próprio paraíso, mas outra pessoa destruiu tudo. — eu digo.
me puxa para si.
— Nós sempre teremos nosso próprio paraíso, contanto que tenhamos um ao outro.




Fim!



Nota da autora: Sem nota.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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