Capítulo 01
Enrolei o casaco o máximo que pude para me proteger do frio. Nunca vi uma noite com tanto vento como aquela em questão. Andei algumas quadras e parei na frente da casa que eu tanto queria chegar. Subi os pequenos lances de escada e apertei a campainha várias vezes. Olhei de um lado para o outro e sacudi o corpo para espantar o frio que insistia em me rondar.
As luzes antes apagadas, acenderam-se e uma sombra apareceu atrás da porta de vidro. Abri um sorriso largo e senti alívio. Ouvi os clics das várias trancas de segurança que ela havia colocado na porta e logo seu rosto apareceu em meu campo de visão.
semicerrou os olhos e abraçou o próprio corpo, ajustando o roupão longo. Bocejou e andou até a beirada da porta.
— ? — olhou por cima dos meus ombros. — O que você está fazendo aqui? Já é tarde, não?
— Eu... Ãn... Estava ali no Moon’s com os caras e decidi passar aqui.
Ela fechou os olhos por pouco tempo e respirou fundo. Quando os abriu, me encarou com certo pesar e fez negação com a cabeça. Um riso escapou de sua garganta, mas não era um riso dos bons e eu sabia daquilo; era um riso temeroso.
— Você está bem? — quis saber.
— Eu posso entrar? — apontei para dentro.
Ela não respondeu de imediato. Hesitou bastante até. Pensou por longos segundos, senti uma eternidade passar por nós. Arrisco dizer que ela não queria que eu entrasse, ou talvez eu estivesse errado. Mas, não a culparia se negasse, procuraria entender seu lado, afinal, eu não estava na minha melhor condição, muito menos no meu melhor dia.
— É que eu estou precisando conversar, sabe?
— Você bebeu, não é? — procurou por meus olhos, assim que os desviei para outro canto.
Eu podia tentar mentir ou omitir tais fatos, mas ninguém me conhecia da maneira como ela conhece. Eu não queria sorrir naquele momento, mas sem que eu percebesse acabei fazendo esse gesto, por espontaneidade. Porém, eu estava me sentindo vazio por dentro, não estava feliz, que dirá bem. Beber faziam todas as coisas desagradáveis sumirem e eu me contentava com tal feito. Eu sabia onde encontrar ajuda quando precisasse, só não sabia se a ajuda estaria disposta todas as vezes em que eu pisava na bola ou aprontava uma.
— Estou um pouco bêbado agora — confessei. — Eu acho que é melhor eu ir andando — apontei com o dedo para o lado e tentei mostrar meu melhor sorriso.
continuou quieta e aquilo estava acabando comigo por dentro, tanto que senti meu peito afundar e o coração acelerou de um jeito horrendo. Meu nariz começou arder e eu pensei ser efeito do frio, mas só percebi que não era quando a sensação subiu para os meus olhos, fazendo com que eles marejassem.
Virei o corpo ligeiramente para que ela não visse nada, e desci os mesmos lances de escadas que havia subido. E, antes que eu pudesse caminhar mais um pouco, escutei sua voz:
— , vem! Não vai embora. Pode entrar.
Fiz o mesmo trajeto até parar de frente para ela, sorri abertamente e passei da porta para dentro. bateu a porta e a trancou. Esfreguei uma mão na outra e assoprei aquela região.
— Achei que não ia me deixar entrar. Você ficou me encarando sem dizer nada.
— São quase três da manhã, eu estava dormindo. Quero dizer, ainda devo estar — sorriu um pouco. — Até eu assimilar as coisas, leva um tempo.
— Eu sei — enfiei as mãos nos bolsos da calça.
— O que você estava fazendo no Moon’s? — passou por mim e eu senti o cheiro floral que ela emanava.
Nunca me cansei de sentir aquele cheiro e provavelmente tive até abstinência daquele aroma. Era um floral puxado para o adocicado, mas não enjoativo, era leve e aconchegante. Ótimo para o olfato.
Segui seus passos até a cozinha e recostei numa bancada enquanto ela preparava um café para bebermos. Aquele cheiro invadiu meu nariz e eu pude sentir o gosto antes de experimentar.
— O de sempre — comentei, evitando contato visual com ela.
— Não me surpreende, . Mas o que te fez de fato vir aqui?
— Eu queria ver a Soso.
parou de fazer o que estava fazendo e me encarou. Senti seu olhar de julgamento sob mim e a olhei de cima a baixo. Cocei a nuca e troquei o peso do corpo para a outra perna.
— Você trouxe ela anteontem.
— Mas já estou com saudades.
Depois de muito me analizar, disse:
— A Sophie está dormindo.
— É, eu sei — eu disse, calmo. — Mas não custava tentar, não é?
— Mas não é só por isso que você veio.
Bingo!
Realmente me conhecia como ninguém no mundo, e tal ato me deixava com o coração transbordando, pois eu sentia que estava em boas mãos, desde sempre, mesmo que não estivéssemos mais juntos, nunca deixou de me estender a mão.
— É o meu pai, mais uma vez.
Ela revirou os olhos e transferiu o café para duas xícaras. Me chamou para sentar na mesa e eu puxei uma cadeira, sentando de frente para ela.
Eu sou o irmão mais novo de dois irmãos, mas venho do segundo casamento. Meu pai sempre me cobrou por eu não querer entrar no lance da família, já que meus irmãos faziam questão. Enrico é um ganancioso por grana e Tales é um quebrado que quer ganhar a vida em cima das finanças da família. Sempre deixei claro que meu lance era a música, nunca neguei fogo para isso, e fui taxado de ser a parte fraca dos irmãos. A parte errônea. Em várias discussões meu pai sempre jogou na minha cara que não sabia onde tinha errado comigo, e mesmo que eu fingisse não me importar, eu me importava para um caralho. Consequentemente, me afetava.
Então procurei ajuda psicológica para saber lidar com situações que eu sabia que não iria conseguir sozinho. Eis que conheci a . No começo, era apenas assunto profissional; ela fazendo o trabalho dela e eu contribuindo para progredir. Mas, chegou um momento em que estava tão nítido a atração que sentíamos que não conseguimos deixar pra lá. Aí, ela me disse que se ficássemos juntos, ela não poderia mais ser minha psicóloga por motivos óbvios. Não me arrependo de ter concordado em mudar para outro especialista, porque a escolha que eu fiz, me trouxe grandes responsabilidades e também um presente maravilhoso no meio disso tudo; nossa Sophie.
Vivemos bem por seis anos e meio. Quando a pediu o divórcio, eu senti meu mundo todo parar e desabar ao mesmo tempo. Me questionei onde havia errado e se estávamos fazendo certo. Até cheguei a pensar que meu pai estava certo esse tempo todo. Mas aí, a com seu jeito meigo de sempre, disse que eu não estava sendo o mesmo há tempos e havia dado mais lado para os meus amigos do que para a nossa família. E eu reconheci essa falha.
Então, ela propôs que déssemos um fim em tudo antes que as coisas piorassem e nos afetassem de maneira aguda. Cortamos o mal pela raiz.
Eu acho que tive medo. Medo de não ser um bom pai e transmitir para a Sophie tudo o que meu pai foi pra mim, e acabei me afastando sem notar.
Eu ainda tento ser presente o máximo possível na vida dela e fazer a diferença, porque a sempre fez questão de me lembrar que eu não sou e nunca serei a espécie do meu pai, e isso me bastava.
— Ele não desistiu ainda? — colocou dois cubos de açúcar no café e o mexeu com uma colherzinha.
— Quando ele desistir vai chover canivete.
Sua risada invadiu meus ouvidos e eu a acompanhei.
— Eu já disse isso e repito: seu pai nunca vai mudar. A melhor coisa que você faz é ignorar as provocações dele. Deixa estar. Quando um não quer, dois não brigam, entende?
— Fala mais — pedi e escorei o cotovelo na mesa, apoiando o rosto na mão.
— Ele só tem poder sobre você porque você permite que ele tenha. A partir do momento que você começar a não dar poder, ele perde. Digo, discussão necessita de duas pessoas, certo? — concordei com a cabeça. — Se você não discutir, ele vai perder a graça e será fim de papo, porque ele não terá com quem bater boca. Tem coisas que não valem a nossa dor de cabeça — finalizou, serena.
Eu estava admirado, encantado e até... apaixonado (?) por ela. Na verdade, nunca deixei de amá-la e acredito que ela também não. Mas éramos adultos o suficiente para vivermos pacificamente. Sabíamos até onde podíamos ir e conhecíamos o nosso limite. Respeito sempre foi crucial e eu nunca, jamais, em hipótese alguma desrespeitaria aquela mulher.
sorriu tímida e bebericou de seu café, para desviar a atenção.
— Todos os dias eu me pergunto como deixei você escapar — sorri um pouco.
Ela travou e seu semblante mudou, parecia estar nervosa. Abriu a boca para responder, mas escutamos passos adentrando a cozinha. Seus olhos correram em outra direção e um riso espontâneo apareceu em seus lábios. Que sorriso!
— Oi, meu amor — levantou e estendeu os braços. — Vem com a mamãe.
Virei o pescoço e uma alegria tomou conta de mim. Soso estendeu os braços para que a pegou. Levantei e andei até elas, parando ao lado da mulher. Soso coçou os olhinhos e deitou a cabeça no ombro da mãe.
— Olha, filha, o papai veio te ver — girou um pouco o corpo para que eu tivesse uma visão mais clara de Sophie.
— Oi, meu anjinho. Como você está? — estendi os braços e ela se jogou em minha direção.
Cruzou as perninhas em volta do meu corpo e apertou meu pescoço em um abraço. O abraço mais gostoso do universo. A segurei com o maior cuidado e zelo, apreciando aquele momento. Fechei os olhos e senti minhas narinas inflarem, provocando uma vontade de chorar. Forcei uma das mãos em meus olhos e a mão de encostou na minhas costas, fazendo um leve carinho. Em seguida, senti seus braços envolverem nós dois juntos. Eu havia sentido falta daquele acolhimento e a sensação de estar em casa, cercado por pessoas do bem e que me amavam de verdade.
Algumas poças de lágrimas desceram ligeiramente pela minha bochecha e eu beijei o rosto de Sophie. Enxuguei algumas lágrimas e olhei para ela.
— Por que você está chorando, papai? — Sophie perguntou, com a voz doce. Mexeu as mãoszinhas e me encarou. Eu ri um pouco e acariciei seu couro cabeludo. — Você está triste?
— Não, meu amor. São lágrimas de felicidade.
— Por quê?
— Porque o papai está feliz em te ver.
Ela olhou para e voltou os olhinhos para mim.
— Por quê?
— Porque eu amo muito você.
— Ah! Por quê?
Comecei a rir e ela gargalhou em seguida, uma risada que era música para os meus ouvidos. entrou na nossa também. Ela estava na famosa fase dos “porquês” e queria saber tudo sempre.
E aquela foi a primeira vez na noite onde eu senti a felicidade me consumir. Não existia lugar melhor para se estar e eu queria tudo aquilo de volta.
there you are
you're there with open arms
there you are
there you are
and I run”
Sophie dormiu depois que nos divertimos um pouco com ela para que ela pegasse no sono. Me joguei no sofá ao lado de e ficamos em silêncio por um bocado de tempo, tanto que achei que ela tivesse dormido. Eu estava um pouco melhor no quesito: psicologicamente e bebedeira. Decidi cortar o silêncio:
— Me desculpa por ter decepcionado a única pessoa que se importou comigo durante esses anos. Me desculpa por ter sido falho com você.
— Você não precisa pedir isso, . Errar é humano e está tudo bem com isso. Eu não vou te apedrejar, até porque você teve mais acertos do que erros. Então, relaxa.
— Esse é o seu lado psicóloga falando, ou? — estreitei os olhos.
— , eu deixei de ser sua psicóloga há anos, mas isso não impede que eu use meus dotes profissionais. Quando eu digo que não precisa se desculpar é porque está tudo bem.
— Não está, , e sabemos disso. Então deixa eu me desculpar. Eu preciso disso porque a falta de atenção e desconfiômetro me levaram a perder tudo o que eu mais temia perder: vocês.
Seus olhos ternos e acolhedores me trouxeram paz no momento que encontraram os meus. Ela se mexeu no sofá e se aproximou de mim. Puxou meu braço para cima do seu ombro, deitou a cabeça no meu peito e soltou um suspiro pesado e longo.
— Você sendo você — disse, baixo e eu sorri.
only you forgive me when I'm sorry
even when I messed it up
there you are”
Capítulo 02
Era quase oito da noite quando estacionei na frente da casa da , era meu dia de ficar com a Soso. Mandei uma mensagem para a mulher avisando que estava na porta, já que a campainha estava quebrada.
Ela abriu a porta e disse boa noite, eu respondi à altura, mas eu estava focado no celular, vendo uma notícia qualquer no twitter e entrei sem olhar para os lados.
— Soso, seu pai chegou — gritou.
Um cheiro adocicado invadiu minhas narinas e meus ouvidos ficaram atentos a barulho de salto batendo no chão. Ao levantar os olhos, vislumbrei em um vestido azul marinho. Meu queixo quase bateu no chão. Ela estava linda. Andou para lá e para cá, parou próxima ao espelho na sala de jantar e ajeitou os cabelos. Eu não consegui tirar os olhos dela, muito menos dizer um A que fosse.
Guardei o celular de qualquer jeito no bolso e encostei no pilar da sala, assistindo ela toda afoita. Sorri com a situação e ela parou de se ajeitar.
— O quê? — sorriu, nervosa.
— Nada. Vai sair?
— Então... As meninas inventaram de me mandar para um encontro e cá estou eu toda afobada. Eu não sei mais como se faz isso.
Ergui as sobrancelhas enquanto ela falava. Ela pareceu se incomodar com a situação, por estar me falando, acredito.
— , você não me deve satisfação. Relaxa — forcei um sorriso e torci para que ele tivesse sido bonito.
Era bom ver que ela estava feliz e bem, mesmo que eu tivesse sentido um pouco de ciúme e medo – sentimentos nada bons. Mas ela realmente não me devia satisfação alguma a respeito da vida pessoal dela. O nosso único vínculo no momento era a Sophie e eu tinha plena noção daquilo. Porém, isso não quer dizer que eu não tema pela , afinal, de gente ruim o mundo está cheio e têm de sobra.
Um pensamento ligeiro passou por mim me deixando incomodado. Ela estava seguindo em frente.
— Está exagerado? — perguntou, apontando para si mesma.
— Não. Você está... — suspirei. — Você está muito linda.
Ela sorriu agradecida e pendeu a cabeça para o lado. Veio até mim e jogou os braços em torno do meu pescoço. Envolvi sua cintura e a apertei num abraço firme. Levei o nariz até a curva de seu pescoço e inalei seu cheiro, fechando os olhos em seguida. se afastou e apoiou as mãos uma de cada lado do meu ombro.
— Obrigada.
— Disponha.
Olhou para o andar de cima, procurando algo e se afastou de mim.
— Vou trazer a Soso pra você. Já volto — subiu até o segundo andar e sumiu por lá.
Passei a mão no meu rosto e a direcionei para os meus cabelos, desci até a nuca onde cocei o local. Cruzei os braços e foquei em um ponto qualquer no chão, estava em transe.
Saí dos meus devaneios quando a apareceu com a Soso e suas coisas.
— Papai — correu até mim e eu agachei para pega-lá no colo.
— Ei, menininha. Como você está?
— Bem — me abraçou. — Aonde vamos?
— Aonde você quer ir?
— Tomar sorvete! — falou, alto.
— Então vamos tomar sorvete.
— Eba! — vibrou com a notícia.
Sophie desceu do meu colo e sentou no pé da escada que levava ao segundo andar, enquanto eu conversava com a .
— Nessa bolsa tem roupa. Nessa outra tem itens higiênicos dela — saiu explicando as coisas como se eu fosse novo naquilo.
— Tenho coisas dela em casa também — eu ri.
— Ela entra às sete na escolinha e sai às três da tarde. Ela gosta de comer panqueca com carinha feliz pela manhã e...
— — chamei sua atenção e peguei em suas mãos unindo-as até as minhas. — Não sou novato nisso, eu sei os gostos da Sophie — sorri. — Fica tranquila. Respira.
— Ai, desculpa. É que eu estou meio... sei lá.
— É por que vai ser o primeiro cara com quem você sai depois da gente? — quis saber.
Ela me encarou por um longo período e chacoalhou a cabeça.
— Eu não sei o que fazer. Nem sei se quero ir.
Mesmo toda a minha parte irracional gritando para que eu dissesse: “não vai, fica comigo”, a minha parte racional falou mais alto. Eu não queria prender ela em mim, mesmo que eu a quisesse por perto. Ela merecia pelo menos tentar ser feliz de novo e, quem sabe, ter sucesso. Me doía pensar nessa hipótese, como doía. A mulher da minha vida estava prestes a ter um encontro com um carinha que não fazia a mínima ideia do quão maravilhosa ela é; mas isso ele provavelmente descobriria no decorrer da noite.
Umideci os lábios e senti a garganta seca. Puxei ela para um abraço e tentei ao máximo ser compreensível.
— Vai se divertir um pouco, você merece.
Escutamos vários murrinhos seguidos na porta e olhamos naquela direção. Ela levantou o olhar até mim e sua expressão me preocupou. Não soube distinguir se era medo, ansiedade ou insegurança, mas me incomodou.
— Se te conforta dizer isso, saiba que você está linda de morrer. E se ele não notar nada além da sua beleza, sai fora que é cilada.
— Nossa, . Ajudou muito — bufou.
Eu ri e logo fiquei sério.
— Não, sério. Agora é sério. Não foca no que pode dar certo ou não, apenas curta o momento. Se você não se sentir bem, pode me ligar que eu te busco aonde você estiver.
— Obrigada por tanto. Você é incrível — beijou minha bochecha e andou na frente, para abrir a porta.
Chamei a Sophie e segurei em sua mão. cumprimentou o cara com um beijo no rosto e eu travei a mandíbula, talvez tivesse sido melhor se eu não estivesse mais ali, porém, queria ver quem estava saindo com a mãe da minha filha. disse para ele esperar um minuto e veio até nós, abaixou até Sophie e deu vários beijos nela. Disse algumas coisas, mas eu não estava prestando tanta atenção, pois meu foco estava no cara parado na porta, com as mãos na frente do corpo, chacoalhando-o para frente e para trás. Ora me olhava, ora desviava. Acho que o intimidei de certa forma, pois sabia como minha feição devia estar. E confesso que não tinha sido por mal – juro!
andou apressada na frente e eu fui logo atrás. Ela trancou a casa e eu peguei a Sophie no colo, enquanto ajeitava suas bolsas em meu outro ombro.
— Da tchau pra mamãe, filha — eu disse.
— Tchau, mamãe — balançou a mão para lá e para cá.
mandou beijo para ela e sorriu para mim, logo sussurrando um “obrigada”. Fiz um aceno de cabeça e puxei um riso de canto.
Escutei o cara perguntar o que eu era dela e ela pigarreou dizendo que eu era ex marido. Um nó se formou na minha garganta e senti como se tivesse levado um soco no estômago, mas disfarcei o incômodo.
Esperei que ela entrasse no carro, para só então entrar no meu. A noite ia ser longa…
Ela abriu a porta e disse boa noite, eu respondi à altura, mas eu estava focado no celular, vendo uma notícia qualquer no twitter e entrei sem olhar para os lados.
— Soso, seu pai chegou — gritou.
Um cheiro adocicado invadiu minhas narinas e meus ouvidos ficaram atentos a barulho de salto batendo no chão. Ao levantar os olhos, vislumbrei em um vestido azul marinho. Meu queixo quase bateu no chão. Ela estava linda. Andou para lá e para cá, parou próxima ao espelho na sala de jantar e ajeitou os cabelos. Eu não consegui tirar os olhos dela, muito menos dizer um A que fosse.
Guardei o celular de qualquer jeito no bolso e encostei no pilar da sala, assistindo ela toda afoita. Sorri com a situação e ela parou de se ajeitar.
— O quê? — sorriu, nervosa.
— Nada. Vai sair?
— Então... As meninas inventaram de me mandar para um encontro e cá estou eu toda afobada. Eu não sei mais como se faz isso.
Ergui as sobrancelhas enquanto ela falava. Ela pareceu se incomodar com a situação, por estar me falando, acredito.
— , você não me deve satisfação. Relaxa — forcei um sorriso e torci para que ele tivesse sido bonito.
Era bom ver que ela estava feliz e bem, mesmo que eu tivesse sentido um pouco de ciúme e medo – sentimentos nada bons. Mas ela realmente não me devia satisfação alguma a respeito da vida pessoal dela. O nosso único vínculo no momento era a Sophie e eu tinha plena noção daquilo. Porém, isso não quer dizer que eu não tema pela , afinal, de gente ruim o mundo está cheio e têm de sobra.
Um pensamento ligeiro passou por mim me deixando incomodado. Ela estava seguindo em frente.
— Está exagerado? — perguntou, apontando para si mesma.
— Não. Você está... — suspirei. — Você está muito linda.
Ela sorriu agradecida e pendeu a cabeça para o lado. Veio até mim e jogou os braços em torno do meu pescoço. Envolvi sua cintura e a apertei num abraço firme. Levei o nariz até a curva de seu pescoço e inalei seu cheiro, fechando os olhos em seguida. se afastou e apoiou as mãos uma de cada lado do meu ombro.
— Obrigada.
— Disponha.
Olhou para o andar de cima, procurando algo e se afastou de mim.
— Vou trazer a Soso pra você. Já volto — subiu até o segundo andar e sumiu por lá.
Passei a mão no meu rosto e a direcionei para os meus cabelos, desci até a nuca onde cocei o local. Cruzei os braços e foquei em um ponto qualquer no chão, estava em transe.
Saí dos meus devaneios quando a apareceu com a Soso e suas coisas.
— Papai — correu até mim e eu agachei para pega-lá no colo.
— Ei, menininha. Como você está?
— Bem — me abraçou. — Aonde vamos?
— Aonde você quer ir?
— Tomar sorvete! — falou, alto.
— Então vamos tomar sorvete.
— Eba! — vibrou com a notícia.
Sophie desceu do meu colo e sentou no pé da escada que levava ao segundo andar, enquanto eu conversava com a .
— Nessa bolsa tem roupa. Nessa outra tem itens higiênicos dela — saiu explicando as coisas como se eu fosse novo naquilo.
— Tenho coisas dela em casa também — eu ri.
— Ela entra às sete na escolinha e sai às três da tarde. Ela gosta de comer panqueca com carinha feliz pela manhã e...
— — chamei sua atenção e peguei em suas mãos unindo-as até as minhas. — Não sou novato nisso, eu sei os gostos da Sophie — sorri. — Fica tranquila. Respira.
— Ai, desculpa. É que eu estou meio... sei lá.
— É por que vai ser o primeiro cara com quem você sai depois da gente? — quis saber.
Ela me encarou por um longo período e chacoalhou a cabeça.
— Eu não sei o que fazer. Nem sei se quero ir.
Mesmo toda a minha parte irracional gritando para que eu dissesse: “não vai, fica comigo”, a minha parte racional falou mais alto. Eu não queria prender ela em mim, mesmo que eu a quisesse por perto. Ela merecia pelo menos tentar ser feliz de novo e, quem sabe, ter sucesso. Me doía pensar nessa hipótese, como doía. A mulher da minha vida estava prestes a ter um encontro com um carinha que não fazia a mínima ideia do quão maravilhosa ela é; mas isso ele provavelmente descobriria no decorrer da noite.
Umideci os lábios e senti a garganta seca. Puxei ela para um abraço e tentei ao máximo ser compreensível.
— Vai se divertir um pouco, você merece.
Escutamos vários murrinhos seguidos na porta e olhamos naquela direção. Ela levantou o olhar até mim e sua expressão me preocupou. Não soube distinguir se era medo, ansiedade ou insegurança, mas me incomodou.
— Se te conforta dizer isso, saiba que você está linda de morrer. E se ele não notar nada além da sua beleza, sai fora que é cilada.
— Nossa, . Ajudou muito — bufou.
Eu ri e logo fiquei sério.
— Não, sério. Agora é sério. Não foca no que pode dar certo ou não, apenas curta o momento. Se você não se sentir bem, pode me ligar que eu te busco aonde você estiver.
— Obrigada por tanto. Você é incrível — beijou minha bochecha e andou na frente, para abrir a porta.
Chamei a Sophie e segurei em sua mão. cumprimentou o cara com um beijo no rosto e eu travei a mandíbula, talvez tivesse sido melhor se eu não estivesse mais ali, porém, queria ver quem estava saindo com a mãe da minha filha. disse para ele esperar um minuto e veio até nós, abaixou até Sophie e deu vários beijos nela. Disse algumas coisas, mas eu não estava prestando tanta atenção, pois meu foco estava no cara parado na porta, com as mãos na frente do corpo, chacoalhando-o para frente e para trás. Ora me olhava, ora desviava. Acho que o intimidei de certa forma, pois sabia como minha feição devia estar. E confesso que não tinha sido por mal – juro!
andou apressada na frente e eu fui logo atrás. Ela trancou a casa e eu peguei a Sophie no colo, enquanto ajeitava suas bolsas em meu outro ombro.
— Da tchau pra mamãe, filha — eu disse.
— Tchau, mamãe — balançou a mão para lá e para cá.
mandou beijo para ela e sorriu para mim, logo sussurrando um “obrigada”. Fiz um aceno de cabeça e puxei um riso de canto.
Escutei o cara perguntar o que eu era dela e ela pigarreou dizendo que eu era ex marido. Um nó se formou na minha garganta e senti como se tivesse levado um soco no estômago, mas disfarcei o incômodo.
Esperei que ela entrasse no carro, para só então entrar no meu. A noite ia ser longa…
Capítulo 03
...um mês depois.
— Papai! — ouvi a voz da Soso vindo do quartinho dela, pela milésima vez.
Eu não me cansava da minha filha, nunca, jamais. Ela era a melhor parte da minha vida, mas aquela era a sexta vez em que ela me chamava para simplesmente nada. Era incrível como ela se parecia com a mãe, interessada em ser o centro da minha atenção, o que ela realmente era.
— Oi, bebê! — falei recebendo-a em meus braços.
— Não sou um bebê — disse zangada. — Sou uma mocinha! — ela penteou meus cabelos com as pequenas mãos, e eu sorri. — Papai, estou com fome.
— E você quer comer o que? — perguntei indo para a cozinha, abrindo o freezer com algumas comidas congeladas. — Tem pão de queijo, lasanha, hambúrguer, batata. Credo, tem ervilha aqui? — perguntei levantando o saco e jogando de volta no lugar.
— Quero lasanha!
Tirei a lasanha do freezer e coloquei dez minutos no microondas. Aquele seria o nosso jantar, somente eu e minha pituquinha. Ela estava sentada na cadeira a minha frente, vendo um vídeo no meu celular enquanto eu pegava a lasanha.
Era incrível como ela era tão parecida com a . Os olhos, a boca, o sorriso, os cabelos... O nariz era meu, sem dúvidas, assim como os cílios longos e encurvados. Ela era uma belíssima obra de arte, e eu não me cansava de olhar para aquela belezura.
Coloquei dois pratos sobre a mesa, e dois copos com sucos de uva — o favorito dela —, e então entreguei-lhe o garfo, tirando o celular de sua mão por alguns minutos.
— Hora de comer — falei, e ela animou-se pegando o garfo. — Se sua mãe me ver te dando essas coisas, ela me estrangula.
— A mamãe e o Ritchie fazem algumas coisas gostosas também, tipo pizza! — eu congelei na cadeira, sentindo o frio passar pelas pontas dos meus dedos. — Ele sempre leva sorvete para mim, e vinho para a mamãe e...
Então eles estavam realmente juntos? Havia passado um mês desde aquele primeiro encontro e então, fico sabendo que ele está frequentando minha antiga casa? Bom, eu não tinha direito algum de ficar bravo ou puto, mas eu estava me sentindo estranho, ainda mais com a minha filha falando tão bem do novo namorado da mãe dela.
Isso me fez ir ao passado e perceber o quão inútil eu era. Simples assim; por que eu não dei o valor merecido para ? Ter alguém para viver uma vida simples sempre foi tudo o que ela quis, e eu nunca me importei. Eu sabia que ela preferia um dia em casa, fazendo coisas simples como cookies e brownies a ir em um restaurante cinco estrelas; mas eu não percebia ou me fazia de besta.
Enquanto ela precisava do meu papel de pai com a Sophie, não para ajudá-la e sim para ser PAI, eu não estava ali. Eu estava com meus amigos, bebendo e jogando golf.
Realmente ela merecia alguém milhares de vezes melhor do que eu, e sinceramente? Isso me deixava completamente impotente e dilacerado. Eu ainda era evidentemente louco por ela, e se eu pudesse voltar no tempo, venderia minha alma, apenas para conseguir seu perdão.
— Papai? — Sophie bateu em minha mão e olhei para ela. — Eu disse que tá muito quente.
Reparei em seu rosto e ela parecia estar um pouco vermelha. Talvez realmente estivesse quente, então assoprei a lasanha até que estivesse numa temperatura ambiente e entreguei a ela. Terminei de comer mesmo que sem vontade, e observei a Soso fazer o mesmo.
Lavei as coisas enquanto ela ia para o quarto brincar, e vi se tinha alguma mensagem em meu celular realmente importante, mas não, somente grupos dos meus amigos inventando algum passatempo de última hora.
Guardei as coisas e voltei para a sala com minha garrafa de cerveja. Comecei escolher algum filme para assistir, mas logo fui interrompido por Sophie que vinha do quarto novamente me chamando.
— Papai — choramingou.
Ela estava se coçando, e seu pescoço parecia todo cheio de pelotas. Estava vermelho, assim como os braços, e seus olhos pareciam lacrimejar.
— Filha, o que houve? — perguntei preocupado olhando seu corpo na mesma situação. — Meu Deus, temos que ir ao hospital!
— Papai, coça muito! — ela choramingou. — Eu quero a mamãe, nunca acontece quando estou com ela!
Parecia que uma grande bigorna havia sido enfiada em minha cabeça, porque eu fiquei paralisado com essa frase, sem reação alguma. Eu sempre soube que não seria um bom pai, fui pior quando me botou para fora de casa, mas eu estava tentando, mas como eu poderia fazer uma criança de quatro anos entender que eu estava tentando não ser inútil?
— Temos que ir ao hospital, bebê. De lá podemos ligar para a mamãe.
Fui até o quarto, coloquei os documentos de Sophie na mochilinha dela e vesti um moletom qualquer. Peguei as chaves do carro e antes de abrir a porta de entrada, peguei minha filha no colo.
Coloquei-a na cadeirinha, e segui em direção ao hospital de emergência infantil, tentando manter contato com a , mas ela não parecia disponível naquele momento.
Assim que chegamos ao hospital, dei entrada na recepção e em menos de cinco minutos fomos chamados pelo médico. Eu não soube explicar o que havia acontecido, porque realmente não fazia ideia.
Quando estávamos entrando para o exame de sangue, meu celular tocou, e era . Respirei fundo, nervoso com o que diria em seguida, mas atendi logo.
— Oi, .
— ? Me ligou? — perguntou um pouco risonha, e eu estranhei. — Aconteceu alguma coisa?
— Ah, é... — pigarreei nervoso. — Sim, é... Soso passou mal, estamos no hospital agora. Ela está fazendo alguns exames e...
— Em qual hospital vocês estão? — ela falou eufórica, e pude ouvir alguém atrás tentando ajudá-la. — O que houve, ?
— Acho que foi uma reação alérgica a alguma coisa, não sei ainda, mas estou no hospital central.
— Onde ela está? — perguntou nervosa. — Estou indo aí agora! Por que você não está com ela?
— Eu vim atender sua ligação — tentei me explicar e logo voltei a me sentir mal novamente. Eu era duplamente um péssimo pai. — Eu já estou me sentindo mal, ok? Tenta chegar logo, ela quer você.
Apenas desliguei o telefone e voltei para o quarto onde Sophie estava. Parecia mais calma, e assim que me viu, ela fez bico, começando a chorar. Fiquei ao seu lado, sentindo a dor de todas as picadinhas que ela estava tomando, e tentando tranquiliza-la.
Alguns minutos depois, adentrou o quarto largando a bolsa em cima do sofá e correndo até a maca, abraçando nossa filha por cima da cama. Logo atrás dela vinha aquele mesmo cara com quem ela estava saindo e ele me cumprimentou.
— O que aconteceu, meu anjo? — a mãe perguntou olhando o corpo da filha. Virou-se para mim aparentemente furiosa. — Você sabe que ela tem alergia a amendoim!
— Eu não dei amendoim para ela — justifiquei ficando um pouco mais nervoso. — Na boa, , eu sou pai dela, sabe? Sei muitas coisas que você pode achar que não, mas eu sei. Posso ter sido um imbecil, porém estou tentando mudar isso.
Ela nada disse, apenas desviou os olhos e voltou-se para Sophie, que agora sorria com algumas coisas que a mãe falava. O cara que chegou com ela sentou-se ao meu lado, e eu apenas levantei, saindo do quarto.
Andei até a cafeteria do hospital, pois precisava de um pouco de espaço e café. Pedi uma xícara de expresso e sentei em um dos bancos, suspirando. Passei as mãos pelo rosto, trazendo meu celular para minha visão. Haviam algumas mensagens, mas nada era tão importante quanto a vida da minha menininha.
Tentei relembrar o que comemos durante todo o dia, mas nada a longo prazo teria causado tais feitos na Soso, pois toda e qualquer reação alérgica tem efeito imediato, então só me veio a lasanha na mente. Terminei de tomar meu café e andei devagar até chegar na frente do quarto, o médico passou por mim e acenou com a cabeça. Encostei o corpo no batente da porta e permaneci ali, ninguém pareceu notar minha presença e eu não soube julgar se aquilo era bom ou ruim.
O Richard estava ao lado da maca, abraçando a e brincando com o nariz da minha filha, que sorria abertamente. Aquilo não deveria me incomodar, afinal, é ótimo ter alguém que cuide do seu filho como ele merece; mas eu poderia estar ali, e eu joguei todas as chances fora.
— ? — ouvi a falar. Entrei no quarto, percebendo que uma lágrima escorreu pelo meu rosto. Fiz questão de limpar o mais rápido possível. — Desculpa pela forma que falei com você, estava muito nervosa. O médico veio aqui, disse que foi uma reação alérgica a alecrim, e não sabíamos disso, realmente.
— Deve ter sido no tempero da lasanha que nós comemos — comentei.
— Se você quiser ir embora, eu posso assumir daqui — ela disse, andando até a mim. — De verdade, obrigada. Você é um ótimo pai, e a Soso te ama.
— Tem certeza que não precisa que eu fique? — tentei garantir, ela sorriu. — Sei lá, levar vocês para casa, talvez?
— Ritchie vai nos acompanhar — ela sorriu, e eu apenas assenti.
Me aproximei da Sophie que tinha os olhos atentos em nós e beijei sua testa, disse que a amava e que tudo ficaria bem. Ela apertou minhas bochechas com seus dedos delicados e me mostrou o melhor sorriso do mundo. Ali, naquele momento, eu tive mais uma vez a certeza de que por ela tudo valia a pena, e todas as outras coisas eram apenas as outras coisas. Acenei para os outros dois enquanto saia do quarto e fechei a porta atrás de mim.
~♡~
Passei pela recepção e a porta de vidro abriu-se para que eu passasse. Procurei meu carro com os olhos e o encontrei logo mais adiante. Adentrei o veículo e bati à porta com força, em seguida dei alguns murros no volante. Eu não sabia o motivo de tanto stress, mas provavelmente tinha muito a ver com o fato de eu estar me sentindo um zero à esquerda. Não só pelo fato da não fazer um pingo de questão da minha presença, mas também por outro alguém estar fazendo o papel que eu deveria fazer.
Mesmo que eu ficasse com a Soso nos dias marcados e às vezes nos dias em que eu queria ficar, nada se comparava ao cara que frequentava minha antiga casa. Não sei dizer exatamente qual era o meu sentimento em relação a ele, mas meu ego estava ferido, disso eu tinha certeza. Richard aparentava ser um bom cara, aparentava mesmo, mas ainda assim eu me sentia ninguém.
Os vários pensamentos me visitaram e eu não me senti à vontade para dirigir. Permaneci do jeito que estava, parado no mesmo local, enquanto os minutos corriam. Me peguei cochilando assim que senti minha cabeça pender para baixo, e logo tratei de me manter acordado. Eu ia voltar para dentro do hospital e a não precisaria saber que nem sequer fui embora.
Antes que eu pudesse abrir a porta, vi o Richard e a do lado de fora do hospital, conversando algo e me interessei de imediato, mesmo que não desse para escutar um piu. Eles trocaram abraços e beijos, senti um asco. Por último, ele deu um beijo na testa dela e se afastou, indo em direção a um carro, logo o ligando e sumindo.
permaneceu onde estava, cruzou os braços e continuou parada. Desci do carro e fui até ela. A mulher levou um pequeno susto ao me ver ao seu lado, mas riu.
— Achei que tivesse ido embora — comentou.
— É. Como está a Soso?
— Ela está melhor. Os médio deram remédio para que ela descansasse e evitasse ficar coçando o corpo.
— Entendi.
Não tinha nada mais a ser dito, nem ela, nem eu. A gente sente quando o assunto acaba e qualquer tentativa de iniciativa poderia, de fato, estragar algo que nem havia começado. A olhei pelo canto dos olhos e pensei em dizer algo, mas nada me veio à mente. Então, joguei qualquer coisa.
— Você quer tomar sorvete? — virei o corpo para ela. — Morango com chocolate, lembra?
Ela riu.
— Não sei, não, .
— Qual é? Como nos velhos tempos — sorri timidamente com algumas lembranças.
Seus olhos sorriram junto com seus lábios, e eu amava vislumbrar sua face daquele jeito. Ainda mais quando eu era o motivo de tal feito.
— E se a Soso acordar?
— A gente não precisa ir muito longe — olhei em volta a procura por qualquer sorveteria, mas achei apenas uma máquina. — Ali, pode ser daqueles? A gente nem sai daqui — busquei por qualquer aceitação e joguei o corpo para o lado, empurrando de leve o dela. — Topa?
Ela fez um suspense e colocou a mão no queixo igual o pensador, me fazendo rir à toa. Sua cabeça moveu-se para cima e para baixo, e enfim eu pude vibrar e respirar melhor.
— Por que não?
— Papai! — ouvi a voz da Soso vindo do quartinho dela, pela milésima vez.
Eu não me cansava da minha filha, nunca, jamais. Ela era a melhor parte da minha vida, mas aquela era a sexta vez em que ela me chamava para simplesmente nada. Era incrível como ela se parecia com a mãe, interessada em ser o centro da minha atenção, o que ela realmente era.
— Oi, bebê! — falei recebendo-a em meus braços.
— Não sou um bebê — disse zangada. — Sou uma mocinha! — ela penteou meus cabelos com as pequenas mãos, e eu sorri. — Papai, estou com fome.
— E você quer comer o que? — perguntei indo para a cozinha, abrindo o freezer com algumas comidas congeladas. — Tem pão de queijo, lasanha, hambúrguer, batata. Credo, tem ervilha aqui? — perguntei levantando o saco e jogando de volta no lugar.
— Quero lasanha!
Tirei a lasanha do freezer e coloquei dez minutos no microondas. Aquele seria o nosso jantar, somente eu e minha pituquinha. Ela estava sentada na cadeira a minha frente, vendo um vídeo no meu celular enquanto eu pegava a lasanha.
Era incrível como ela era tão parecida com a . Os olhos, a boca, o sorriso, os cabelos... O nariz era meu, sem dúvidas, assim como os cílios longos e encurvados. Ela era uma belíssima obra de arte, e eu não me cansava de olhar para aquela belezura.
Coloquei dois pratos sobre a mesa, e dois copos com sucos de uva — o favorito dela —, e então entreguei-lhe o garfo, tirando o celular de sua mão por alguns minutos.
— Hora de comer — falei, e ela animou-se pegando o garfo. — Se sua mãe me ver te dando essas coisas, ela me estrangula.
— A mamãe e o Ritchie fazem algumas coisas gostosas também, tipo pizza! — eu congelei na cadeira, sentindo o frio passar pelas pontas dos meus dedos. — Ele sempre leva sorvete para mim, e vinho para a mamãe e...
Então eles estavam realmente juntos? Havia passado um mês desde aquele primeiro encontro e então, fico sabendo que ele está frequentando minha antiga casa? Bom, eu não tinha direito algum de ficar bravo ou puto, mas eu estava me sentindo estranho, ainda mais com a minha filha falando tão bem do novo namorado da mãe dela.
Isso me fez ir ao passado e perceber o quão inútil eu era. Simples assim; por que eu não dei o valor merecido para ? Ter alguém para viver uma vida simples sempre foi tudo o que ela quis, e eu nunca me importei. Eu sabia que ela preferia um dia em casa, fazendo coisas simples como cookies e brownies a ir em um restaurante cinco estrelas; mas eu não percebia ou me fazia de besta.
Enquanto ela precisava do meu papel de pai com a Sophie, não para ajudá-la e sim para ser PAI, eu não estava ali. Eu estava com meus amigos, bebendo e jogando golf.
Realmente ela merecia alguém milhares de vezes melhor do que eu, e sinceramente? Isso me deixava completamente impotente e dilacerado. Eu ainda era evidentemente louco por ela, e se eu pudesse voltar no tempo, venderia minha alma, apenas para conseguir seu perdão.
— Papai? — Sophie bateu em minha mão e olhei para ela. — Eu disse que tá muito quente.
Reparei em seu rosto e ela parecia estar um pouco vermelha. Talvez realmente estivesse quente, então assoprei a lasanha até que estivesse numa temperatura ambiente e entreguei a ela. Terminei de comer mesmo que sem vontade, e observei a Soso fazer o mesmo.
Lavei as coisas enquanto ela ia para o quarto brincar, e vi se tinha alguma mensagem em meu celular realmente importante, mas não, somente grupos dos meus amigos inventando algum passatempo de última hora.
Guardei as coisas e voltei para a sala com minha garrafa de cerveja. Comecei escolher algum filme para assistir, mas logo fui interrompido por Sophie que vinha do quarto novamente me chamando.
— Papai — choramingou.
Ela estava se coçando, e seu pescoço parecia todo cheio de pelotas. Estava vermelho, assim como os braços, e seus olhos pareciam lacrimejar.
— Filha, o que houve? — perguntei preocupado olhando seu corpo na mesma situação. — Meu Deus, temos que ir ao hospital!
— Papai, coça muito! — ela choramingou. — Eu quero a mamãe, nunca acontece quando estou com ela!
Parecia que uma grande bigorna havia sido enfiada em minha cabeça, porque eu fiquei paralisado com essa frase, sem reação alguma. Eu sempre soube que não seria um bom pai, fui pior quando me botou para fora de casa, mas eu estava tentando, mas como eu poderia fazer uma criança de quatro anos entender que eu estava tentando não ser inútil?
— Temos que ir ao hospital, bebê. De lá podemos ligar para a mamãe.
Fui até o quarto, coloquei os documentos de Sophie na mochilinha dela e vesti um moletom qualquer. Peguei as chaves do carro e antes de abrir a porta de entrada, peguei minha filha no colo.
Coloquei-a na cadeirinha, e segui em direção ao hospital de emergência infantil, tentando manter contato com a , mas ela não parecia disponível naquele momento.
Assim que chegamos ao hospital, dei entrada na recepção e em menos de cinco minutos fomos chamados pelo médico. Eu não soube explicar o que havia acontecido, porque realmente não fazia ideia.
Quando estávamos entrando para o exame de sangue, meu celular tocou, e era . Respirei fundo, nervoso com o que diria em seguida, mas atendi logo.
— Oi, .
— ? Me ligou? — perguntou um pouco risonha, e eu estranhei. — Aconteceu alguma coisa?
— Ah, é... — pigarreei nervoso. — Sim, é... Soso passou mal, estamos no hospital agora. Ela está fazendo alguns exames e...
— Em qual hospital vocês estão? — ela falou eufórica, e pude ouvir alguém atrás tentando ajudá-la. — O que houve, ?
— Acho que foi uma reação alérgica a alguma coisa, não sei ainda, mas estou no hospital central.
— Onde ela está? — perguntou nervosa. — Estou indo aí agora! Por que você não está com ela?
— Eu vim atender sua ligação — tentei me explicar e logo voltei a me sentir mal novamente. Eu era duplamente um péssimo pai. — Eu já estou me sentindo mal, ok? Tenta chegar logo, ela quer você.
Apenas desliguei o telefone e voltei para o quarto onde Sophie estava. Parecia mais calma, e assim que me viu, ela fez bico, começando a chorar. Fiquei ao seu lado, sentindo a dor de todas as picadinhas que ela estava tomando, e tentando tranquiliza-la.
Alguns minutos depois, adentrou o quarto largando a bolsa em cima do sofá e correndo até a maca, abraçando nossa filha por cima da cama. Logo atrás dela vinha aquele mesmo cara com quem ela estava saindo e ele me cumprimentou.
— O que aconteceu, meu anjo? — a mãe perguntou olhando o corpo da filha. Virou-se para mim aparentemente furiosa. — Você sabe que ela tem alergia a amendoim!
— Eu não dei amendoim para ela — justifiquei ficando um pouco mais nervoso. — Na boa, , eu sou pai dela, sabe? Sei muitas coisas que você pode achar que não, mas eu sei. Posso ter sido um imbecil, porém estou tentando mudar isso.
Ela nada disse, apenas desviou os olhos e voltou-se para Sophie, que agora sorria com algumas coisas que a mãe falava. O cara que chegou com ela sentou-se ao meu lado, e eu apenas levantei, saindo do quarto.
Andei até a cafeteria do hospital, pois precisava de um pouco de espaço e café. Pedi uma xícara de expresso e sentei em um dos bancos, suspirando. Passei as mãos pelo rosto, trazendo meu celular para minha visão. Haviam algumas mensagens, mas nada era tão importante quanto a vida da minha menininha.
Tentei relembrar o que comemos durante todo o dia, mas nada a longo prazo teria causado tais feitos na Soso, pois toda e qualquer reação alérgica tem efeito imediato, então só me veio a lasanha na mente. Terminei de tomar meu café e andei devagar até chegar na frente do quarto, o médico passou por mim e acenou com a cabeça. Encostei o corpo no batente da porta e permaneci ali, ninguém pareceu notar minha presença e eu não soube julgar se aquilo era bom ou ruim.
O Richard estava ao lado da maca, abraçando a e brincando com o nariz da minha filha, que sorria abertamente. Aquilo não deveria me incomodar, afinal, é ótimo ter alguém que cuide do seu filho como ele merece; mas eu poderia estar ali, e eu joguei todas as chances fora.
— ? — ouvi a falar. Entrei no quarto, percebendo que uma lágrima escorreu pelo meu rosto. Fiz questão de limpar o mais rápido possível. — Desculpa pela forma que falei com você, estava muito nervosa. O médico veio aqui, disse que foi uma reação alérgica a alecrim, e não sabíamos disso, realmente.
— Deve ter sido no tempero da lasanha que nós comemos — comentei.
— Se você quiser ir embora, eu posso assumir daqui — ela disse, andando até a mim. — De verdade, obrigada. Você é um ótimo pai, e a Soso te ama.
— Tem certeza que não precisa que eu fique? — tentei garantir, ela sorriu. — Sei lá, levar vocês para casa, talvez?
— Ritchie vai nos acompanhar — ela sorriu, e eu apenas assenti.
Me aproximei da Sophie que tinha os olhos atentos em nós e beijei sua testa, disse que a amava e que tudo ficaria bem. Ela apertou minhas bochechas com seus dedos delicados e me mostrou o melhor sorriso do mundo. Ali, naquele momento, eu tive mais uma vez a certeza de que por ela tudo valia a pena, e todas as outras coisas eram apenas as outras coisas. Acenei para os outros dois enquanto saia do quarto e fechei a porta atrás de mim.
Passei pela recepção e a porta de vidro abriu-se para que eu passasse. Procurei meu carro com os olhos e o encontrei logo mais adiante. Adentrei o veículo e bati à porta com força, em seguida dei alguns murros no volante. Eu não sabia o motivo de tanto stress, mas provavelmente tinha muito a ver com o fato de eu estar me sentindo um zero à esquerda. Não só pelo fato da não fazer um pingo de questão da minha presença, mas também por outro alguém estar fazendo o papel que eu deveria fazer.
Mesmo que eu ficasse com a Soso nos dias marcados e às vezes nos dias em que eu queria ficar, nada se comparava ao cara que frequentava minha antiga casa. Não sei dizer exatamente qual era o meu sentimento em relação a ele, mas meu ego estava ferido, disso eu tinha certeza. Richard aparentava ser um bom cara, aparentava mesmo, mas ainda assim eu me sentia ninguém.
Os vários pensamentos me visitaram e eu não me senti à vontade para dirigir. Permaneci do jeito que estava, parado no mesmo local, enquanto os minutos corriam. Me peguei cochilando assim que senti minha cabeça pender para baixo, e logo tratei de me manter acordado. Eu ia voltar para dentro do hospital e a não precisaria saber que nem sequer fui embora.
Antes que eu pudesse abrir a porta, vi o Richard e a do lado de fora do hospital, conversando algo e me interessei de imediato, mesmo que não desse para escutar um piu. Eles trocaram abraços e beijos, senti um asco. Por último, ele deu um beijo na testa dela e se afastou, indo em direção a um carro, logo o ligando e sumindo.
permaneceu onde estava, cruzou os braços e continuou parada. Desci do carro e fui até ela. A mulher levou um pequeno susto ao me ver ao seu lado, mas riu.
— Achei que tivesse ido embora — comentou.
— É. Como está a Soso?
— Ela está melhor. Os médio deram remédio para que ela descansasse e evitasse ficar coçando o corpo.
— Entendi.
Não tinha nada mais a ser dito, nem ela, nem eu. A gente sente quando o assunto acaba e qualquer tentativa de iniciativa poderia, de fato, estragar algo que nem havia começado. A olhei pelo canto dos olhos e pensei em dizer algo, mas nada me veio à mente. Então, joguei qualquer coisa.
— Você quer tomar sorvete? — virei o corpo para ela. — Morango com chocolate, lembra?
Ela riu.
— Não sei, não, .
— Qual é? Como nos velhos tempos — sorri timidamente com algumas lembranças.
Seus olhos sorriram junto com seus lábios, e eu amava vislumbrar sua face daquele jeito. Ainda mais quando eu era o motivo de tal feito.
— E se a Soso acordar?
— A gente não precisa ir muito longe — olhei em volta a procura por qualquer sorveteria, mas achei apenas uma máquina. — Ali, pode ser daqueles? A gente nem sai daqui — busquei por qualquer aceitação e joguei o corpo para o lado, empurrando de leve o dela. — Topa?
Ela fez um suspense e colocou a mão no queixo igual o pensador, me fazendo rir à toa. Sua cabeça moveu-se para cima e para baixo, e enfim eu pude vibrar e respirar melhor.
— Por que não?
Capítulo 04
A ansiedade estava tomando conta de mim, mas fiz meu máximo para permanecer neutro. Apertei o botão da campainha diversas vezes sem dar uma pausa, e acho que meu subconsciente não entendeu a parte do: vai com calma!
abriu a porta e fez uma careta um tanto brava, mas logo sorriu e deu passagem para que eu entrasse. Eu dei um beijo em sua bochecha assim que ela jogou seu rosto na minha direção e abracei seu corpo quando seus braços rodearam meu pescoço. Ela tinha um cheiro bom, viciante e marcante. Aquele perfume era novo, não me recordo de tê-lo sentido antes.
— Tudo nos conformes? — perguntei, após nos afastarmos e ela fechou a porta.
Demos poucos passos até chegar na sala de estar e paramos ali.
— Tudo indo. Quanto a você?
— Estou bem, na medida do possível — enfiei as mãos nos bolsos e seus olhos se direcionaram naquela direção.
Eu tinha o hábito de fazer tal gesto quando estava nervoso, claramente percebeu, já que não hesitou em levantar as sobrancelhas e me lançar um olhar desafiador, junto com um sorriso desconfiado.
— É sério. Estou bem — rimos, ela abanou as mãos. — Estou sentindo falta de alguém — olhei em volta. — Cadê a Soso?
— Ah, isso. Então... — riu, nervosa e bateu uma mão na outra, assim que seu corpo fez um leve movimento para frente. — Eu deixei ela na casa da minha mãe por essa noite.
Meu coração faltou sair pela boca e senti minhas mãos soarem, enquanto minhas pernas faziam o trabalho de tentarem me manter em pé. Pigarreei e tomei impulso para perguntar:
— Então, teremos a noite só para n...
Antes que eu terminasse de falar, a campainha tocou atrás de mim, fazendo com que eu girasse o corpo nos calcanhares e arregalou os olhos do tamanho do mundo. Ela engoliu seco e me encarou, depois encarou a porta fechada, e mais uma vez voltou-se para mim.
— Não vai atender? — questionei, o mais inocente possível.
Ela apenas balançou a cabeça e andou até lá. Abriu a porta temerosa, e eu não soube o porquê, até ouvir a voz que eu conhecia bem. Fechei os olhos instantaneamente e respirei fundo. Travei a mandíbula num ato involuntário e balancei as mãos para mandar para bem longe quaisquer que fossem aquelas sensações, e eu asseguro que não eram das melhores.
Richard adentrou o cômodo logo agarrando a pela cintura, tacando-lhe um baita beijo. Revirei os olhos e quando percebi, já estava de costa para eles.
Eu não estava entendendo. Não entendia o motivo dela ter nos chamado para o mesmo ambiente sendo que era nítido o quanto ambas as presenças não eram agradáveis juntas. Eu não sabia onde ela estava querendo chegar e, sinceramente, não pretendia saber. Estava muito de boa na minha e ele na dele, desde que respeitasse a minha filha e a mãe dela, tudo estaria nos conformes.
Eu sabia que a queria algo, só pelo fato de ter tirado a Soso de casa, aparentemente era sério ou precaução, e aquilo me preocupou. Não pelo fato de nós três estarmos num mesmo local, mas por ela ter se adiantado se algo acontecesse, e em vista disso, tomei conhecimento que pudesse ser da minha parte, já que eu não era formado em paciência, muito menos pós-graduado em bajulação.
— Olha quem está aqui — o ouvi dizer e mais uma vez, revirei os olhos, antes de ficar de frente para eles e abrir o meu melhor sorriso, porém, amarelo. — Como vai, ? — estendeu a mão para mim.
— Ótimo — apertei firme sua mão e vi quando ele fez uma careta.
Vendo que o clima havia ficado estranho, tomou a frente e se enfiou em nosso meio.
— Vamos jantar? — chamou.
— Estou morrendo de fome — eu disse, já os deixando a sós e partindo para a mesa.
Me acomodei em uma das cadeiras e comecei a balançar as pernas num ato desesperado. Escorei os cotovelos na mesa e cruzei as mãos, apoiando-as em meu queixo.
Richard entrou no lavabo para lavar as mãos e veio até mim.
— Foi o sorriso mais falso que eu vi em anos. Pode melhorar — sussurrou.
— Não sei disfarçar minha cara de desgosto. Você nem me disse que ele estaria aqui — sussurrei de volta.
— Eu sei — suspirou.
— O que ele está fazendo aqui?
— Eu preciso que vocês se entendam, . Pelo bem da Soso.
Em um determinado momento, Richard e eu havíamos nos desentendido um bocado de vezes, e aquilo estava afetando em algumas coisas, digamos que nada fluía da maneira que deveria fluir. Mas eu não me importaria se ele, sei lá, de repente saísse de nossas vidas. Seria um favor, hipoteticamente falando.
— Ah, pronto. Não. Não faz isso — apontei para ela.
— Não faz o quê?
— Não põe a Soso no meio disso porque ela não tem nada a ver com o X da questão. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Ouvimos quando a torneira fora fechada e paramos de falar, mas mantive meus olhos fixos na mulher. Aquele jantar mal tinha começado e eu já queria ir embora. Nunca na minha vida eu pensei que iria querer distância de um lugar onde a estivesse, e aquilo era tudo o que eu mais queria no momento. Ela não era mais ela, havia deixado de ser ela mesma há meses e não estava percebendo aquilo, o que me chateou de fato.
— Ritchie, amor... Você poderia me ajudar na cozinha?
Meus olhos foram dela para ele. Senti asco ao ver a expressão dele, totalmente desligado e sem pretensão alguma de atender ao pedido.
— Sério, amor? — fez uma cara estranha.
Eu travei um riso, mas era um riso de: não estou acreditando no que estou vendo.
— Eu ajudo você, — levantei e joguei o guardanapo bruscamente na mesa.
— Não precisa, , pode ficar tranquilo. Eu me viro — ela disse, calma. Vi em seus olhos uma decepção.
— Faço questão — insisti e ela sorriu gentilmente.
Richard não pareceu se importar e muito menos fez questão de ressaltar uma ajuda, permaneceu na dele como se nada tivesse acontecido, e eu quis descer o murro nele.
Andei atrás da e apenas assisti ela andar de um lado para o outro com as coisas que levaríamos até a mesa. Ela não parou um segundo, e vez ou outra se perdia no que estava fazendo. Senti meu coração pesar e meu estômago retorceu dentro de mim, eu não a via daquele jeito desde que as coisas desandaram entre a gente.
— — chamei uma vez e ela continuou andando de armário em armário. Do forno para a bancada. Do fogão para a pia, e assim sucessivamente. — — dei alguns passos lentos, mas ela não respondeu. — — segurei em seus ombros e a virei para mim, pressionando minhas mãos em seus braços. — Calma!
Ela não me olhou de imediato, manteve contato com o chão e eu observei seu peito subir e descer de uma forma descompassada.
— Você não está bem. Está acontecendo algo? — busquei seus olhos. — Ei, sou eu. Você pode falar comigo.
De uma hora para outra, ela mudou de frustrada para centrada. Nem parecia a mesma mulher de segundos atrás e aquilo me deixou com um pé lá e outro cá.
— Estou bem — disse, o mais seca possível.
— Sinto dizer, mas... Não é só você que conhece quando uma pessoa está na pior. Acho que convivi demais com uma psicóloga e acabei pegando os dotes.
Ela piscou uma, duas, três vezes e desviou o olhar. Apoiou as mãos sob as minhas e as tirou de seus braços.
— O jantar vai esfriar.
Deu as costas para mim e pegou uma das travessas. Bati com a palma da mão na minha testa e pressionei o local, tentando desviar minha tensão. Levei algumas coisas até a mesa e logo tudo estava pronto.
Era audível apenas os sons dos talheres batendo nos pratos e dos copos batendo na mesa. Música, não tinha. Conversa, muito menos. E eu comecei a me sentir muito mais incomodado.
Richard levou a mão à boca tirando alguma coisa de dentro dela, e fez uma careta horrenda
— O que é isso? — olhou o que quer que fosse e tentou analisar o que era. — Isso é palmito? — virou-se para .
— É — ela respondeu, sem rodeios.
— Quantas vezes eu disse que odeio palmito? — alterou um pouco a voz.
— É só tirar do prato — me intrometi e recebi um olhar de desaprovação da .
— Você acha mesmo que eu vou ficar separando palmito por palmito para só então me alimentar? Você definitivamente não me conhece.
Eu quis esmurra-lo mais ainda. Senti meu sangue ferver e larguei meus talheres no prato, porque se eu mantivesse minhas mãos no alto, eu ia acabar com ele ali mesmo.
— Tem razão. Me fale de você, Richard — dei ênfase no seu nome.
— O que você quer saber?
— O que você tem pra me contar? — ajustei a postura e estralei os dedos.
A atenção foi desviada para mim e pelo canto dos olhos, vi a relaxar o corpo. Tinha algo acontecendo e ela não queria me contar, mas eu iria descobrir de um jeito ou de outro.
— Eu venho de uma família de advogados renomados. Minha mãe é muito boa no que faz e meu pai é um espelho para mim. Minhas irmãs têm os maiores escritórios de advocacia já vistos na América e na Europa. Estudei nas melhores escolas e tive um preparo interessante para alcançar meus objetivos. Me formei na melhor faculdade que existe, Harvard. Fui o melhor e exemplar aluno da sala, com notas excepcionais e de dar inveja a qualquer um. Ganho mais do que pode imaginar e tenho uma casa muito bem construída em metros quadrados. Meu carro é de um porte que só existem três no mundo todo e me sinto orgulhoso por tê-lo. Me sinto orgulhoso por ter conquistado tantas coisas por mérito próprio.
Àquela altura, eu fingi um ronco e mantive meus olhos fechados. começou a rir por não conseguir segurar o deboche, e naquele momento eu abri os olhos.
— Qual é a graça? — questionou. — Quanta indelicadeza sua, . O que está acontecendo com você? Não é assim.
— Ah, ela é assim, sim. Provavelmente você não percebeu porque passa tempo demais dando valor em coisas fúteis. Sua vida deve ser um tédio — soltei, por fim.
— Como ousa? — me encarou e avançou para frente.
— Richard, chega. , chega — apartou.
Ele bebericou do vinho e fez como se estivesse degustando.
— Também tenho classe. Tenho tudo que preciso e que quero. Minha vida é bem interessante, . E com certeza eu não preciso provar nada para você.
— Sério? Nossa, não vou nem dormir. Tem grande feito eu saber da sua vida, não me deixe desatualizado, por favor — encenei, sendo pidão.
A travou um riso e se manteve neutra. O Richard estava quase soltando fogo pelas ventas e eu estava adorando provocá-lo.
— Mas e você, ? O que faz da vida?
O líquido escuro que estava na minha taça sumiu ligeiramente assim que o virei de uma vez, mandando goela a baixo. Bati a taça já vazia na mesa e fiquei balançando-a para lá e para cá.
— Bom... Você não precisa saber de mim. Quem está entrando na vida da minha filha agora é você, então sou eu quem precisa saber o tipo de cara que você é.
Ele não pareceu gostar muito, mas se segurou para não dizer algo desagradável.
me pediu ajuda com a sobremesa e eu fui de bom grado, até porque queria conversar com ela em particular.
— O que é aquilo? Sério, ? Aquele cara? — apontei na direção da sala de jantar. — Ele é um babaca em todos os sentidos.
— , se controla — disse, apenas.
— Eu me controlar? Para e me escuta, pelo amor de Deus. Você está bem mesmo? Porque não é possível que não veja as mesmas coisas que eu estou vendo. Esse cara é tóxico e só pensa nele. Você viu como ele se descreveu? Você viu as ambições dele? Aonde você e a Sophie entram nisso tudo? Você é inteligente demais para deixar isso passar e chegar ao extremo. E sinceramente? Eu não estou te reconhecendo. Sinto falta da que eu conheci, e essa, definitivamente não é ela.
Peguei a travessa de vidro que tinha um tiramisu e fui até a sala de jantar. A mulher chegou em seguida, com os pratos de sobremesa e nos serviu com porções generosas.
Richard largou na primeira colherada e criticou, julgando estar faltando café. Respirei fundo e voltei a me saborear com o doce, que por incrível que pareça, estava divino. Tinha uma proporção certa de café, aquele cara que era um otário e não sabia o que estava falando.
— Aí, , está muito bom — apontei para o meu prato. — Você quem fez ou comprou na confeitaria da esquina?
— Que debochado — abriu a boca e começou a rir. — É óbvio que fui eu quem fiz.
— Sei — eu ri, dando outra colherada no tiramisu.
Deslanchamos numa conversa agradável e confesso que até esqueci que Richard estava no nosso meio, pois não ouvi um piu. Levantei os olhos até o homem que estava quase bufando de tédio, estava visível o desconforto dele, e eu dei de ombros.
Ele alfinetou mais algumas vezes e me mantive quieto, em respeito a ela, mas minha paciência estava chegando ao limite e se eu estourasse, as coisas iriam ficar tensas. Ela perdeu a graça do riso e o ar de alegria que emanava. Seu semblante era de constrangimento e desgosto, eu sabia bem.
— Amor, só agora que percebi... Você deu uma engordada ou é impressão minha?
Eu não estava acreditando naquilo e acredito que nem a estava. Reação ela não tinha, pois estava tão surpresa quanto eu. Ela abriu a boca para dizer qualquer coisa e desistiu no meio do caminho. Eu estava agoniado para ver se ela tomaria parte da situação, mas não fez nada.
— , é sério? — eu disse, indignado. — Você não vai dizer nada?
— E o que ela diria? Que estou certo?
— Cala a boca que eu não estou falando com você. Dá licença — apontei o dedo na direção dele e voltei para , buscando algo. — Pra mim deu. Se você não abre a sua boca, eu abro a minha.
— , por favor — pediu.
— Não, para. Que isso?
— Alguém pode me explicar o que está acontecendo? — ele se atreveu a perguntar e eu ri em alto e bom som, colocando a mão sob a barriga, mas logo parei de rir e foquei nele.
— Você está acontecendo, cara. Eu estou me segurando a noite toda pra não dar nessa sua cara deslavada. Você é um babaca, prepotente, mimado, chato e sem graça. Ninguém se importa se você tem grana, muito menos se você tem carro top ou se formou em Harvard, foda-se tudo isso. Foda-se! — eu disse a última frase pausadamente. — Eu já vi gente se rebaixar ao ridículo, mas você ganha sem nem fazer esforço.
— Quem vo...
— Cala a boca que eu estou falando! — disse, a plenos pulmões.
— ... — chamou ao fundo, numa voz doce, porém assustada.
— Você não é homem, é moleque! Acha que pode vir aqui e abusar psicologicamente da ? Ainda mais na minha frente? Você definitivamente está pedindo para levar uns socos nessa sua cara horrorosa. Deixa eu fazer isso? Prometo arrumar essa lata, rápido e fácil.
Ele começou a rir e eu franzi a sobrancelha, tentando entender.
— Ai, . Eu entendo o seu nervosismo, entendo mesmo. Agora eu faço parte daquilo que você não faz. Digo, estou onde você gostaria de estar, com a mulher que você não tem mais e já estou conquistando sua filha. E quer saber? Ela nem sente tanto a sua falta. Além do mais, cuidado com a bebida.
Meu olho esquerdo até tremeu de nervosismo e meu corpo todo não atendeu ao meu “se controla”. Saí de onde estava e avancei na direção dele, por cima da mesa mesmo. Caímos no chão e o agarrei pela camiseta, fazendo com que ele permanecesse de frente para mim. Desci um soco e outro, mais um e outro, etc.
“I got myself in a mess and without you I'm in more
oh, I'm a little drunk now
that's why I went to war
oh yeah, you are my sober
when I'm on the floor
can't see when I'm falling
losing myself
but then I hear you calling”
Perdi a noção das coisas e até mesmo do meu controle. Só voltei a mim quando escutei a gritando para que eu parasse e assim eu o fiz.
— Você é louco — Richard fez força para levantar enquanto tentava estancar o sangue do nariz. — Eu vou te processar!
— Vai lá e processa, seu merda. Ninguém apanha sem ter feito nada e você mereceu. Faria de novo!
— — quase berrou na minha orelha e apareceu no meu campo de visão. Suas mãos espalmaram no meu tórax e eu abaixei os olhos até ela. — Para. Chega. Vai pra cozinha.
— Eu não vou te deixar sozinha com esse cara.
— Vai logo.
— Você vai pagar por isso, . Anota aí — blefou e eu apenas o encarei, atônito.
— Cala essa boca, Richard — voltou-se para ele.
Seus olhos arregalaram-se e ele se calou. Fui até a cozinha e permaneci ali, escutando sussurros vindo da sala ao lado. Os nós dos meus dedos estavam doendo e um ardor passou por eles. Olhei minhas mãos e elas estavam com alguns machucados, nada grave. Escutei a porta da frente bater e a apareceu abraçando o próprio corpo. Cruzei os braços para que ela não visse nada além do que eu queria. E ela realmente não veria, porque a mão era de menos, já o meu coração… estava dilacerado.
— Então? — demonstrei decepção no meu tom de voz.
— Terminei com ele.
Por algum motivo, eu não senti felicidade como achei que sentiria. Não senti ansiedade ou borboletas no estômago como gostaria. Continuei neutro e apenas proferi:
— Você vai ficar bem? — andei e parei a poucos metros dela.
— Acredito que sim. Sinto que me livrei de um peso.
— Ótimo. E... só pra ressaltar, você é uma mulher linda, por fora e por dentro. Também é incrível, e merece coisa melhor do que isso. Ninguém deveria passar por uma humilhação dessas — mostrei meio sorriso, com os lábios fechados. — Bom... agora que o espetáculo acabou, eu vou indo nessa. Precisa de ajuda com as coisas?
— Por que você já vai? Achei que quisesse que ficássemos apenas nós.
Respirei fundo e soltei o peso dos ombros.
— Eu também achei. Mas isso foi antes de eu saber que você quebrou um sigilo a respeito dos meus problemas — ela engoliu seco e eu tentei sorrir, mesmo que sem jeito. — Tenha uma boa noite, — depositei um beijo no topo de sua cabeça.
Passei por ela e andei até a porta de entrada sem olhar para trás. Parei assim que me pus para fora e senti uma vontade arrebatadora de encará-la, mas não o fiz, apenas bati a porta e adentrei meu carro, indo direto para casa.
Eu sabia que aquela noite não deveria ter acontecido, da próxima vez optarei por atender a minha intuição e não duvidar dela. Mas, talvez, se eu não estivesse lá, a continuaria sofrendo psicologicamente e em silêncio. Com tudo isso, tirei de lição que, nós sempre estaremos onde é para estarmos. Muitas vezes no lugar errado e na hora certa ou no lugar certo e na hora errada, sei lá... Quaisquer que fossem os planos do Universo, ele sempre tem um porquê e sempre resolve o X da questão.
Embora eu tenha me decepcionado além da conta, prefiro acreditar que algo de bom saiu de todo o caos.
abriu a porta e fez uma careta um tanto brava, mas logo sorriu e deu passagem para que eu entrasse. Eu dei um beijo em sua bochecha assim que ela jogou seu rosto na minha direção e abracei seu corpo quando seus braços rodearam meu pescoço. Ela tinha um cheiro bom, viciante e marcante. Aquele perfume era novo, não me recordo de tê-lo sentido antes.
— Tudo nos conformes? — perguntei, após nos afastarmos e ela fechou a porta.
Demos poucos passos até chegar na sala de estar e paramos ali.
— Tudo indo. Quanto a você?
— Estou bem, na medida do possível — enfiei as mãos nos bolsos e seus olhos se direcionaram naquela direção.
Eu tinha o hábito de fazer tal gesto quando estava nervoso, claramente percebeu, já que não hesitou em levantar as sobrancelhas e me lançar um olhar desafiador, junto com um sorriso desconfiado.
— É sério. Estou bem — rimos, ela abanou as mãos. — Estou sentindo falta de alguém — olhei em volta. — Cadê a Soso?
— Ah, isso. Então... — riu, nervosa e bateu uma mão na outra, assim que seu corpo fez um leve movimento para frente. — Eu deixei ela na casa da minha mãe por essa noite.
Meu coração faltou sair pela boca e senti minhas mãos soarem, enquanto minhas pernas faziam o trabalho de tentarem me manter em pé. Pigarreei e tomei impulso para perguntar:
— Então, teremos a noite só para n...
Antes que eu terminasse de falar, a campainha tocou atrás de mim, fazendo com que eu girasse o corpo nos calcanhares e arregalou os olhos do tamanho do mundo. Ela engoliu seco e me encarou, depois encarou a porta fechada, e mais uma vez voltou-se para mim.
— Não vai atender? — questionei, o mais inocente possível.
Ela apenas balançou a cabeça e andou até lá. Abriu a porta temerosa, e eu não soube o porquê, até ouvir a voz que eu conhecia bem. Fechei os olhos instantaneamente e respirei fundo. Travei a mandíbula num ato involuntário e balancei as mãos para mandar para bem longe quaisquer que fossem aquelas sensações, e eu asseguro que não eram das melhores.
Richard adentrou o cômodo logo agarrando a pela cintura, tacando-lhe um baita beijo. Revirei os olhos e quando percebi, já estava de costa para eles.
Eu não estava entendendo. Não entendia o motivo dela ter nos chamado para o mesmo ambiente sendo que era nítido o quanto ambas as presenças não eram agradáveis juntas. Eu não sabia onde ela estava querendo chegar e, sinceramente, não pretendia saber. Estava muito de boa na minha e ele na dele, desde que respeitasse a minha filha e a mãe dela, tudo estaria nos conformes.
Eu sabia que a queria algo, só pelo fato de ter tirado a Soso de casa, aparentemente era sério ou precaução, e aquilo me preocupou. Não pelo fato de nós três estarmos num mesmo local, mas por ela ter se adiantado se algo acontecesse, e em vista disso, tomei conhecimento que pudesse ser da minha parte, já que eu não era formado em paciência, muito menos pós-graduado em bajulação.
— Olha quem está aqui — o ouvi dizer e mais uma vez, revirei os olhos, antes de ficar de frente para eles e abrir o meu melhor sorriso, porém, amarelo. — Como vai, ? — estendeu a mão para mim.
— Ótimo — apertei firme sua mão e vi quando ele fez uma careta.
Vendo que o clima havia ficado estranho, tomou a frente e se enfiou em nosso meio.
— Vamos jantar? — chamou.
— Estou morrendo de fome — eu disse, já os deixando a sós e partindo para a mesa.
Me acomodei em uma das cadeiras e comecei a balançar as pernas num ato desesperado. Escorei os cotovelos na mesa e cruzei as mãos, apoiando-as em meu queixo.
Richard entrou no lavabo para lavar as mãos e veio até mim.
— Foi o sorriso mais falso que eu vi em anos. Pode melhorar — sussurrou.
— Não sei disfarçar minha cara de desgosto. Você nem me disse que ele estaria aqui — sussurrei de volta.
— Eu sei — suspirou.
— O que ele está fazendo aqui?
— Eu preciso que vocês se entendam, . Pelo bem da Soso.
Em um determinado momento, Richard e eu havíamos nos desentendido um bocado de vezes, e aquilo estava afetando em algumas coisas, digamos que nada fluía da maneira que deveria fluir. Mas eu não me importaria se ele, sei lá, de repente saísse de nossas vidas. Seria um favor, hipoteticamente falando.
— Ah, pronto. Não. Não faz isso — apontei para ela.
— Não faz o quê?
— Não põe a Soso no meio disso porque ela não tem nada a ver com o X da questão. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Ouvimos quando a torneira fora fechada e paramos de falar, mas mantive meus olhos fixos na mulher. Aquele jantar mal tinha começado e eu já queria ir embora. Nunca na minha vida eu pensei que iria querer distância de um lugar onde a estivesse, e aquilo era tudo o que eu mais queria no momento. Ela não era mais ela, havia deixado de ser ela mesma há meses e não estava percebendo aquilo, o que me chateou de fato.
— Ritchie, amor... Você poderia me ajudar na cozinha?
Meus olhos foram dela para ele. Senti asco ao ver a expressão dele, totalmente desligado e sem pretensão alguma de atender ao pedido.
— Sério, amor? — fez uma cara estranha.
Eu travei um riso, mas era um riso de: não estou acreditando no que estou vendo.
— Eu ajudo você, — levantei e joguei o guardanapo bruscamente na mesa.
— Não precisa, , pode ficar tranquilo. Eu me viro — ela disse, calma. Vi em seus olhos uma decepção.
— Faço questão — insisti e ela sorriu gentilmente.
Richard não pareceu se importar e muito menos fez questão de ressaltar uma ajuda, permaneceu na dele como se nada tivesse acontecido, e eu quis descer o murro nele.
Andei atrás da e apenas assisti ela andar de um lado para o outro com as coisas que levaríamos até a mesa. Ela não parou um segundo, e vez ou outra se perdia no que estava fazendo. Senti meu coração pesar e meu estômago retorceu dentro de mim, eu não a via daquele jeito desde que as coisas desandaram entre a gente.
— — chamei uma vez e ela continuou andando de armário em armário. Do forno para a bancada. Do fogão para a pia, e assim sucessivamente. — — dei alguns passos lentos, mas ela não respondeu. — — segurei em seus ombros e a virei para mim, pressionando minhas mãos em seus braços. — Calma!
Ela não me olhou de imediato, manteve contato com o chão e eu observei seu peito subir e descer de uma forma descompassada.
— Você não está bem. Está acontecendo algo? — busquei seus olhos. — Ei, sou eu. Você pode falar comigo.
De uma hora para outra, ela mudou de frustrada para centrada. Nem parecia a mesma mulher de segundos atrás e aquilo me deixou com um pé lá e outro cá.
— Estou bem — disse, o mais seca possível.
— Sinto dizer, mas... Não é só você que conhece quando uma pessoa está na pior. Acho que convivi demais com uma psicóloga e acabei pegando os dotes.
Ela piscou uma, duas, três vezes e desviou o olhar. Apoiou as mãos sob as minhas e as tirou de seus braços.
— O jantar vai esfriar.
Deu as costas para mim e pegou uma das travessas. Bati com a palma da mão na minha testa e pressionei o local, tentando desviar minha tensão. Levei algumas coisas até a mesa e logo tudo estava pronto.
Era audível apenas os sons dos talheres batendo nos pratos e dos copos batendo na mesa. Música, não tinha. Conversa, muito menos. E eu comecei a me sentir muito mais incomodado.
Richard levou a mão à boca tirando alguma coisa de dentro dela, e fez uma careta horrenda
— O que é isso? — olhou o que quer que fosse e tentou analisar o que era. — Isso é palmito? — virou-se para .
— É — ela respondeu, sem rodeios.
— Quantas vezes eu disse que odeio palmito? — alterou um pouco a voz.
— É só tirar do prato — me intrometi e recebi um olhar de desaprovação da .
— Você acha mesmo que eu vou ficar separando palmito por palmito para só então me alimentar? Você definitivamente não me conhece.
Eu quis esmurra-lo mais ainda. Senti meu sangue ferver e larguei meus talheres no prato, porque se eu mantivesse minhas mãos no alto, eu ia acabar com ele ali mesmo.
— Tem razão. Me fale de você, Richard — dei ênfase no seu nome.
— O que você quer saber?
— O que você tem pra me contar? — ajustei a postura e estralei os dedos.
A atenção foi desviada para mim e pelo canto dos olhos, vi a relaxar o corpo. Tinha algo acontecendo e ela não queria me contar, mas eu iria descobrir de um jeito ou de outro.
— Eu venho de uma família de advogados renomados. Minha mãe é muito boa no que faz e meu pai é um espelho para mim. Minhas irmãs têm os maiores escritórios de advocacia já vistos na América e na Europa. Estudei nas melhores escolas e tive um preparo interessante para alcançar meus objetivos. Me formei na melhor faculdade que existe, Harvard. Fui o melhor e exemplar aluno da sala, com notas excepcionais e de dar inveja a qualquer um. Ganho mais do que pode imaginar e tenho uma casa muito bem construída em metros quadrados. Meu carro é de um porte que só existem três no mundo todo e me sinto orgulhoso por tê-lo. Me sinto orgulhoso por ter conquistado tantas coisas por mérito próprio.
Àquela altura, eu fingi um ronco e mantive meus olhos fechados. começou a rir por não conseguir segurar o deboche, e naquele momento eu abri os olhos.
— Qual é a graça? — questionou. — Quanta indelicadeza sua, . O que está acontecendo com você? Não é assim.
— Ah, ela é assim, sim. Provavelmente você não percebeu porque passa tempo demais dando valor em coisas fúteis. Sua vida deve ser um tédio — soltei, por fim.
— Como ousa? — me encarou e avançou para frente.
— Richard, chega. , chega — apartou.
Ele bebericou do vinho e fez como se estivesse degustando.
— Também tenho classe. Tenho tudo que preciso e que quero. Minha vida é bem interessante, . E com certeza eu não preciso provar nada para você.
— Sério? Nossa, não vou nem dormir. Tem grande feito eu saber da sua vida, não me deixe desatualizado, por favor — encenei, sendo pidão.
A travou um riso e se manteve neutra. O Richard estava quase soltando fogo pelas ventas e eu estava adorando provocá-lo.
— Mas e você, ? O que faz da vida?
O líquido escuro que estava na minha taça sumiu ligeiramente assim que o virei de uma vez, mandando goela a baixo. Bati a taça já vazia na mesa e fiquei balançando-a para lá e para cá.
— Bom... Você não precisa saber de mim. Quem está entrando na vida da minha filha agora é você, então sou eu quem precisa saber o tipo de cara que você é.
Ele não pareceu gostar muito, mas se segurou para não dizer algo desagradável.
me pediu ajuda com a sobremesa e eu fui de bom grado, até porque queria conversar com ela em particular.
— O que é aquilo? Sério, ? Aquele cara? — apontei na direção da sala de jantar. — Ele é um babaca em todos os sentidos.
— , se controla — disse, apenas.
— Eu me controlar? Para e me escuta, pelo amor de Deus. Você está bem mesmo? Porque não é possível que não veja as mesmas coisas que eu estou vendo. Esse cara é tóxico e só pensa nele. Você viu como ele se descreveu? Você viu as ambições dele? Aonde você e a Sophie entram nisso tudo? Você é inteligente demais para deixar isso passar e chegar ao extremo. E sinceramente? Eu não estou te reconhecendo. Sinto falta da que eu conheci, e essa, definitivamente não é ela.
Peguei a travessa de vidro que tinha um tiramisu e fui até a sala de jantar. A mulher chegou em seguida, com os pratos de sobremesa e nos serviu com porções generosas.
Richard largou na primeira colherada e criticou, julgando estar faltando café. Respirei fundo e voltei a me saborear com o doce, que por incrível que pareça, estava divino. Tinha uma proporção certa de café, aquele cara que era um otário e não sabia o que estava falando.
— Aí, , está muito bom — apontei para o meu prato. — Você quem fez ou comprou na confeitaria da esquina?
— Que debochado — abriu a boca e começou a rir. — É óbvio que fui eu quem fiz.
— Sei — eu ri, dando outra colherada no tiramisu.
Deslanchamos numa conversa agradável e confesso que até esqueci que Richard estava no nosso meio, pois não ouvi um piu. Levantei os olhos até o homem que estava quase bufando de tédio, estava visível o desconforto dele, e eu dei de ombros.
Ele alfinetou mais algumas vezes e me mantive quieto, em respeito a ela, mas minha paciência estava chegando ao limite e se eu estourasse, as coisas iriam ficar tensas. Ela perdeu a graça do riso e o ar de alegria que emanava. Seu semblante era de constrangimento e desgosto, eu sabia bem.
— Amor, só agora que percebi... Você deu uma engordada ou é impressão minha?
Eu não estava acreditando naquilo e acredito que nem a estava. Reação ela não tinha, pois estava tão surpresa quanto eu. Ela abriu a boca para dizer qualquer coisa e desistiu no meio do caminho. Eu estava agoniado para ver se ela tomaria parte da situação, mas não fez nada.
— , é sério? — eu disse, indignado. — Você não vai dizer nada?
— E o que ela diria? Que estou certo?
— Cala a boca que eu não estou falando com você. Dá licença — apontei o dedo na direção dele e voltei para , buscando algo. — Pra mim deu. Se você não abre a sua boca, eu abro a minha.
— , por favor — pediu.
— Não, para. Que isso?
— Alguém pode me explicar o que está acontecendo? — ele se atreveu a perguntar e eu ri em alto e bom som, colocando a mão sob a barriga, mas logo parei de rir e foquei nele.
— Você está acontecendo, cara. Eu estou me segurando a noite toda pra não dar nessa sua cara deslavada. Você é um babaca, prepotente, mimado, chato e sem graça. Ninguém se importa se você tem grana, muito menos se você tem carro top ou se formou em Harvard, foda-se tudo isso. Foda-se! — eu disse a última frase pausadamente. — Eu já vi gente se rebaixar ao ridículo, mas você ganha sem nem fazer esforço.
— Quem vo...
— Cala a boca que eu estou falando! — disse, a plenos pulmões.
— ... — chamou ao fundo, numa voz doce, porém assustada.
— Você não é homem, é moleque! Acha que pode vir aqui e abusar psicologicamente da ? Ainda mais na minha frente? Você definitivamente está pedindo para levar uns socos nessa sua cara horrorosa. Deixa eu fazer isso? Prometo arrumar essa lata, rápido e fácil.
Ele começou a rir e eu franzi a sobrancelha, tentando entender.
— Ai, . Eu entendo o seu nervosismo, entendo mesmo. Agora eu faço parte daquilo que você não faz. Digo, estou onde você gostaria de estar, com a mulher que você não tem mais e já estou conquistando sua filha. E quer saber? Ela nem sente tanto a sua falta. Além do mais, cuidado com a bebida.
Meu olho esquerdo até tremeu de nervosismo e meu corpo todo não atendeu ao meu “se controla”. Saí de onde estava e avancei na direção dele, por cima da mesa mesmo. Caímos no chão e o agarrei pela camiseta, fazendo com que ele permanecesse de frente para mim. Desci um soco e outro, mais um e outro, etc.
oh, I'm a little drunk now
that's why I went to war
oh yeah, you are my sober
when I'm on the floor
can't see when I'm falling
losing myself
but then I hear you calling”
Perdi a noção das coisas e até mesmo do meu controle. Só voltei a mim quando escutei a gritando para que eu parasse e assim eu o fiz.
— Você é louco — Richard fez força para levantar enquanto tentava estancar o sangue do nariz. — Eu vou te processar!
— Vai lá e processa, seu merda. Ninguém apanha sem ter feito nada e você mereceu. Faria de novo!
— — quase berrou na minha orelha e apareceu no meu campo de visão. Suas mãos espalmaram no meu tórax e eu abaixei os olhos até ela. — Para. Chega. Vai pra cozinha.
— Eu não vou te deixar sozinha com esse cara.
— Vai logo.
— Você vai pagar por isso, . Anota aí — blefou e eu apenas o encarei, atônito.
— Cala essa boca, Richard — voltou-se para ele.
Seus olhos arregalaram-se e ele se calou. Fui até a cozinha e permaneci ali, escutando sussurros vindo da sala ao lado. Os nós dos meus dedos estavam doendo e um ardor passou por eles. Olhei minhas mãos e elas estavam com alguns machucados, nada grave. Escutei a porta da frente bater e a apareceu abraçando o próprio corpo. Cruzei os braços para que ela não visse nada além do que eu queria. E ela realmente não veria, porque a mão era de menos, já o meu coração… estava dilacerado.
— Então? — demonstrei decepção no meu tom de voz.
— Terminei com ele.
Por algum motivo, eu não senti felicidade como achei que sentiria. Não senti ansiedade ou borboletas no estômago como gostaria. Continuei neutro e apenas proferi:
— Você vai ficar bem? — andei e parei a poucos metros dela.
— Acredito que sim. Sinto que me livrei de um peso.
— Ótimo. E... só pra ressaltar, você é uma mulher linda, por fora e por dentro. Também é incrível, e merece coisa melhor do que isso. Ninguém deveria passar por uma humilhação dessas — mostrei meio sorriso, com os lábios fechados. — Bom... agora que o espetáculo acabou, eu vou indo nessa. Precisa de ajuda com as coisas?
— Por que você já vai? Achei que quisesse que ficássemos apenas nós.
Respirei fundo e soltei o peso dos ombros.
— Eu também achei. Mas isso foi antes de eu saber que você quebrou um sigilo a respeito dos meus problemas — ela engoliu seco e eu tentei sorrir, mesmo que sem jeito. — Tenha uma boa noite, — depositei um beijo no topo de sua cabeça.
Passei por ela e andei até a porta de entrada sem olhar para trás. Parei assim que me pus para fora e senti uma vontade arrebatadora de encará-la, mas não o fiz, apenas bati a porta e adentrei meu carro, indo direto para casa.
Eu sabia que aquela noite não deveria ter acontecido, da próxima vez optarei por atender a minha intuição e não duvidar dela. Mas, talvez, se eu não estivesse lá, a continuaria sofrendo psicologicamente e em silêncio. Com tudo isso, tirei de lição que, nós sempre estaremos onde é para estarmos. Muitas vezes no lugar errado e na hora certa ou no lugar certo e na hora errada, sei lá... Quaisquer que fossem os planos do Universo, ele sempre tem um porquê e sempre resolve o X da questão.
Embora eu tenha me decepcionado além da conta, prefiro acreditar que algo de bom saiu de todo o caos.
Capítulo 05
Era a vigésima bolinha de papel que ia para o lixo, enquanto eu tentava chegar a algum desenho que fizesse sentido para mim, mas nada parecia certo.
Larguei o lápis em cima da mesa e esfreguei o rosto com as mãos, puxando os cabelos para cima em seguida. Haviam quase dois dias que eu não dormia direito, muito menos comia. O que eu mais fazia era fumar e beber.
Depois de tanta coisa e tantas mudanças, eu ainda ficava caindo nessa merda que é o sofrimento pela . Isso me destruía de um jeito e ainda assim eu aceitava. Pensando melhor, eu precisava me livrar daquilo, de todas as minhas amarras que ainda estavam presas a ela. Pelo menos essa noção eu tinha adquirido.
Meu celular vibrou em cima da mesa e meus olhos correram até ele. O puxei até mim e li no visor uma mensagem de Connor, me chamando para encontrar com ele no bar da esquina. Bufei, porque estava cansado de toda aquela burocracia, mas de um jeito ou de outro eu tinha que ir.
Tomei uma ducha rápida e vesti um look todo preto. Até que não estava frio, pelo menos aquilo, e eu pude sair apenas com camiseta, sem aquele monte de blusões.
Enviei uma mensagem para o Connor avisando que estava chegando no bar, e ele me disse em qual mesa estava, acrescentou que eu o acharia fácil naquele meio, porque o lugar não estava lotado como nos outros dias.
Estacionei numa vaga mais próxima e desci, travando o carro no alarme. Girei o chaveiro na mão e logo o guardei no bolso dianteiro da minha calça.
Passei pela porta e parei de andar, buscando por Connor com os olhos. O homem levantou a mão assim que o avistei e automaticamente eu abri um sorriso de alívio. Odiava ter que ficar parado igual um bocó no meio de qualquer lugar.
— E aí — ele disse levantando do banco e tocando em minha mão.
— E aí, Connor.
— Senta aí — se ajeitou no banco e apoiou os antebraços no balcão. — Vou pagar uma bebida pra você hoje.
— Que isso, cara, nem precisa.
— Faço questão.
— Hoje eu estou tranquilo. Já, já a gente tem que ir e você sabe como os tiras são.
Ele desviou os olhos para o barman e pediu para que completasse o seu copo com uísque.
— Sei bem — voltou para mim.
Fazia pouco mais de uma semana que eu estava fazendo trabalho voluntário num local de eventos. O filho da puta do Richard tinha cumprido com sua promessa em querer me ferrar. Fui chamado a júri para depor depois da surra que dei nele, mas o juiz entendeu ser briga pessoal e não desacato à autoridade, o que me possibilitou escolher entre meses na prisão ou meses em trabalho voluntário. Eu não queria nenhum, mas se formos colocar numa balança, é óbvio que o trabalho voluntário vence fácil.
Conheci o Connor no trabalho e até que estava sendo tranquilo ter alguém para conversar e distrair. Alguém que não fosse do meu antigo convívio e não soubesse tanto de mim. Já que meus amigos – entre aspas – sumiram depois de acharem que eu seria preso por pouca merda.
Até que não era tão ruim trabalhar em eventos, o lado bom era que eu ficava próximo da música – uma paixão. Então, não era lá um sacrifício. Até que o mimado me fez um belo favor. Mas, havia sim um lado ruim em tudo isso... eu não via a Soso há dias, consequentemente não via a . Não tinha como eu passar o final de semana com ela ou levá-la para algum lugar no meio da semana, porque todos os dias eu tinha que cumprir com a lei, caso contrário, estaria vendo o sol nascer quadrado. Vendo por esse ângulo, eu queria descer a porrada no Richard de novo, e dessa vez não pegaria tão leve.
Saí dos meus pensamentos quando Connor quase berrou perto do meu ouvido.
— Vamos nessa? Já está quase na hora. Se chegarmos atrasados o negócio esquenta para o nosso lado.
— Vamos pra mais um dia — revirei os olhos.
Connor estava nessa por questão de briga também, mas no caso dele era bem diferente, e eu preferia não entrar em detalhes, já que o mesmo fez questão de não me falar nada além do necessário... até porque também não era do meu interesse e eu respeitava a decisão dele, inclusive.
~♡~
Meus pés estavam me matando e minha coluna estava pedindo arrego. Minha cabeça começou doer e não parou um segundo sequer de martelar. Não estava no meu melhor dia e tudo o que eu mais queria era ir pra casa logo. Olhei em meu relógio de pulso e faltavam mais de uma hora para encerrar o turno e fechar mais um dia.
No final da noite, fomos liberados dez minutos antes e foi como se eu tivesse ganhado na loteria. Menos um dia pra conta.
Deixei Connor na casa dele e parti rumo ao meu apartamento. Arranquei toda a roupa e joguei no chão, sem me importar com a bagunça. Além de tudo em mim estar pedindo arrego, também estava pedindo por um banho, então entrei debaixo do chuveiro e deixei a água levar embora toda e qualquer exaustão.
Enrolei a toalha na cintura e passei a mão pelos cabelos, mandando água para todos os lados. Escutei a campainha tocar várias vezes e em seguida batidas na porta. Franzi o cenho e me perguntei quem poderia ser àquela hora.
As batidas não paravam, e eu me apressei para atravessar todo o corredor o mais rápido possível.
— Já vai! — eu disse, em alto e bom som, mas as batidas continuaram. — Já vai. Calma!
Destravei o pega ladrão e girei a chave no miolo. Girei a maçaneta e puxei a porta de uma vez.
Não sei colocar em palavras o que eu senti ao dar de cara com a . Foram um misto de sentimentos e sensações. Alguns normais, outros não tão bons, tudo de uma vez, e isso me deixou confuso.
Senti ansiedade, apreensão, desconforto. Mas também senti felicidade genuína. Entre tudo, eu quis abraçá-la. Meu coração parecia que ia sair pra fora do peito. Se fosse um desenho animado, com certeza estaria sendo totalmente ilustrado com aquele coração batendo extremamente forte, quase saindo para fora. Senti saudade, mas também mágoa. Saudade por fazer tempo que não a via. Mágoa por ainda não acreditar que ela havia contado da parte mais obscura da minha vida para um zé ninguém. Um cara zero à esquerda. E, além de ter quebrado um sigilo médico, quebrou a minha confiança.
Seus olhos percorreram meu tórax nu, depois de um bom tempo encarando meus olhos. Decidi abusar da oportunidade, então abri um pouco a toalha – não deixando nada a mostra, apenas para dar um gostinho – e a ajeitei novamente. Os olhos de pesaram naquele local e eu quis rir. Embora ainda estivesse me sentindo sufocado, jamais perderia a oportunidade de causar em algo. Cruzei os braços e escorei no batente da porta. Ergui uma das sobrancelhas e busquei por seus olhos.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
Zero resposta.
Travei um riso e apertei meus lábios um no outro.
— ?
— Ãn? Oi? É... Oi — riu, desajeitada. — O que você disse?
— Por que você veio aqui? Cadê a Soso?
Ela apoiou o peso do corpo em uma das pernas e ajeitou a bolsa no ombro.
— Eu queria conversar com você. A Soso está com a minha mãe, vou pegar ela daqui a pouco. Mas, eu preciso falar com você.
Respirei fundo e pensei em várias coisas.
— Não sei se é uma boa ideia. Além do mais, eu acabei de chegar de um evento e estou extremamente exausto.
— Evento? — estreitou os olhos. — Não estou acreditando nisso. Agora estou me perguntando se você nunca vai mudar, .
— Do que você está falando? — uni as sobrancelhas.
— A Sophie pergunta por você há dias e você nem sequer faz uma ligação para saber como ela está. Desde aquele jantar você não vem sendo o mesmo. Eu larguei o Richard por você e você nem deu a mínima pra nada disso. Agora, venho aqui pra gente conversar feito adultos e você me diz que estava em um evento. Então é esse o seu passa tempo agora? Sua filha precisa de um pai presente, e você não está sendo esse cara agora.
Confesso que senti uma pontada no coração, principalmente por tanta coisa jogada na minha cara sem a devida necessidade. Eu permaneci quieto, pois sabia que se eu dissesse algo, correria o risco de machucá-la assim como ela tinha acabado de fazer comigo.
— É sério isso? — perguntei, incrédulo.
— Isso o quê, ? — cruzou os braços.
— Esse show todo, .
— Show? Você só pode estar de brincadeira comigo, não é?
Desviei os olhos para outro canto e ri sarcástico, enquanto balançava a cabeça para lá e para cá.
— Olha pra mim. Olha — pediu, mas seu tom de voz não era dos melhores, e eu estava odiando tudo aquilo. — Soso. Pensa pelo menos na Soso. Você sumiu. Está diferente. Está aproveitando a vida e esquecendo dela.
— É o seguinte, ... Eu vou entrar agora, trocar de roupa e deitar pra dormir porque estou cansado. Não tenho tempo pra todo esse perrengue, não agora. Minha cabeça parece que vai explodir a qualquer momento e você não está contribuindo para uma melhora. Então, se você veio aqui para me insultar e me fazer sentir mais lixo do que eu já me sinto, parabéns, conseguiu. Agora se me der licença, amanhã acordo cedo e terei um longo dia pela frente — dei alguns passos para trás e puxei a porta para fechá-la, mas a mulher parou-a antes que eu fizesse o trabalho.
— Longo dia pela frente, uhu? Em eventos?
Meu riso mais uma vez deu o ar da graça porque eu não estava acreditando naquilo, de fato não estava. Tudo estava conspirando contra mim e eu me senti de mãos atadas.
— Você realmente não sabe, não é?
— Não sei o que? O que eu não sei?
— Nada, — eu disse, o mais sereno possível. Lancei meu sorriso mais convincente, mesmo que estivesse em pedaços por dentro. — Vai pra casa e descansa. Da um abraço na Soso por mim. Boa noite, .
Empurrei a porta devagar e sua fisionomia foi sumindo aos poucos. Eu senti vontade de chorar por toda a situação desastrosa e por todos os acontecimentos nos últimos dias. Eu sentia falta da minha filha e não sabia como estar com ela já que meu dia não parava. Temia que em algum momento ela pudesse desapegar de mim e por alguma razão me estranhar a curto e longo prazo.
Atravessei o corredor e parei na metade dele, já que a não parava de apertar a campainha e dar socos na madeira. Eu sabia que ela não iria embora – bom, talvez fosse vencida pelo cansaço, mas se bem a conheço, ela ficaria ali até eu abrir. E, se eu não abrisse, correria o risco dos vizinhos saírem pra fora e reclamarem do barulho.
Voltei às pressas até a porta e abri de uma vez.
— Se você quiser que a Soso seja abraçada, faça isso você mesmo. Seja um bom pai, . Faça por ela. O que tem de errado com você? Você sumiu. Esses eventos são mais importantes?
— Para — falei um pouco mais alto, mas sem gritar. — Chega, pelo amor de Deus. Damn it! Desde quando você se tornou essa pessoa que julga sem antes saber de toda situação? Você não pode bater na minha porta e falar um monte de coisa sem saber o que está acontecendo...
— Eu perguntei e você disse que não estava acontecendo nada.
— Mas está, . Droga! Você é boa em saber dessas coisas, como não soube agora?
— Eu...
— Você pode dizer tudo sobre mim, só não diz que sou um péssimo pai, porque eu faço o meu máximo para ser tudo aquilo que eu não tive, e você sabe disso — a interrompi. — Se eu falhei em algum momento, eu peço perdão, e juro que não foi a minha intenção, porque falhar com a Sophie não é o que eu quero. Evento nenhum é mais importante do que ela para mim, seria o cúmulo do ridículo se fosse. Eu estou nessa situação por consequência dos meus atos e não quis meter nenhuma de vocês nisso.
Ela me ouvia atenta, sem dar um piu.
— Eu não sumi porque eu quis. Eu me afastei porque desde aquele jantar eu sabia que não ia conseguir olhar pra você, não depois de saber que você quebrou um sigilo. , você quebrou a minha confiança em você. Além do mais, você não terminou com o Richard por causa de mim, você terminou porque eu abri seus olhos para um mal que estava te consumindo. O cara é um escroto e seria burrice se você persistisse no erro. Agora, você falar que eu não dei a mínima é um pouco egoísta da sua parte, não? Eu faria qualquer coisa para te manter bem e longe de pessoas assim. Se você não significasse algo para mim, eu jamais teria feito o que fiz — parei para respirar e me acalmar um pouco, pois já estava sentindo minha voz embargada. — Eu me afastei porque estou fazendo trabalho voluntário em eventos. Poucos dias depois daquele jantar, fui intimado para depor por ter batido no Richard. Então, é isso. Evento não é meu passa tempo, é meu dever com a lei. A Soso sempre será minha prioridade e nada mais importa. Eu poderia ter ligado? Poderia. Mas eu sabia que ela ia querer me ver, e eu não estou tendo tempo nem para dormir direito. Talvez eu tenha sim falhado, mas não sou um péssimo pai — meus olhos encheram-se de lágrimas e eu fiz de tudo para que elas não caíssem. Respirei fundo e engoli o choro.
— , eu... Me desculpa. Eu não sabia disso. Por que não me contou?
— Eu não sei. Só não quis contar.
Eu realmente não sabia o porque não havia contado ou comunicado a respeito. Só me pareceu o certo a se fazer no momento, mas aparentemente, desencadeou coisa pior.
— Estou me sentindo envergonhada. Não achei que o Richard fosse realmente te fazer passar por algo assim.
— Relaxa!
— Eu posso entrar? Faço algo para você comer ou um café, sei lá. Você está com cara de quem não anda se alimentando direito.
Puxei um riso de canto e meu peito desacelerou o processo de parecer que estava numa corrida de fórmula um. Passei para o lado da porta e a abri um pouco mais, dando passagem para .
— Entra.
— Licença.
Ela olhou os cantos e reparou em algumas coisas. Parou no aparador onde haviam algumas fotos minha com a Soso desde que ela nasceu. E um sorriso preencheu seus lábios.
— Você nunca veio aqui, né?
— Nesse apartamento não. É lindo. Olha essa foto de vocês — pegou o porta retrato na mão e eu me aproximei.
— Foi a primeira vez que peguei ela no colo — sorri com uma lembrança distante. — Eu tremia igual vara verde. O melhor sentimento do mundo registrado numa foto.
Na foto eu ainda estava com todos os trajes e acessórios que se usam para entrar na sala de parto. A Sophie estava enrolada num pano azul escuro com os olhinhos fechados. Tinha acabado de nascer. E eu revivi o melhor momento da minha vida naquele momento.
ajeitou o porta retrato no lugar onde estava e se virou para mim.
— Me faz um favor?
— Qual?
— Vai colocar uma roupa porque não irei responder por mim se você continuar de toalha na minha frente.
Sem esperar, acabei gargalhando.
— É simples, não responda! — provoquei.
— ... — disse, lentamente e eu ri.
deixou a bolsa no sofá e adentrou a cozinha. Eu, fui até o quarto e coloquei uma samba-canção, sem cueca mesmo. Me sentia livre. Que mal tinha? Estava em casa mesmo, então…
Larguei o lápis em cima da mesa e esfreguei o rosto com as mãos, puxando os cabelos para cima em seguida. Haviam quase dois dias que eu não dormia direito, muito menos comia. O que eu mais fazia era fumar e beber.
Depois de tanta coisa e tantas mudanças, eu ainda ficava caindo nessa merda que é o sofrimento pela . Isso me destruía de um jeito e ainda assim eu aceitava. Pensando melhor, eu precisava me livrar daquilo, de todas as minhas amarras que ainda estavam presas a ela. Pelo menos essa noção eu tinha adquirido.
Meu celular vibrou em cima da mesa e meus olhos correram até ele. O puxei até mim e li no visor uma mensagem de Connor, me chamando para encontrar com ele no bar da esquina. Bufei, porque estava cansado de toda aquela burocracia, mas de um jeito ou de outro eu tinha que ir.
Tomei uma ducha rápida e vesti um look todo preto. Até que não estava frio, pelo menos aquilo, e eu pude sair apenas com camiseta, sem aquele monte de blusões.
Enviei uma mensagem para o Connor avisando que estava chegando no bar, e ele me disse em qual mesa estava, acrescentou que eu o acharia fácil naquele meio, porque o lugar não estava lotado como nos outros dias.
Estacionei numa vaga mais próxima e desci, travando o carro no alarme. Girei o chaveiro na mão e logo o guardei no bolso dianteiro da minha calça.
Passei pela porta e parei de andar, buscando por Connor com os olhos. O homem levantou a mão assim que o avistei e automaticamente eu abri um sorriso de alívio. Odiava ter que ficar parado igual um bocó no meio de qualquer lugar.
— E aí — ele disse levantando do banco e tocando em minha mão.
— E aí, Connor.
— Senta aí — se ajeitou no banco e apoiou os antebraços no balcão. — Vou pagar uma bebida pra você hoje.
— Que isso, cara, nem precisa.
— Faço questão.
— Hoje eu estou tranquilo. Já, já a gente tem que ir e você sabe como os tiras são.
Ele desviou os olhos para o barman e pediu para que completasse o seu copo com uísque.
— Sei bem — voltou para mim.
Fazia pouco mais de uma semana que eu estava fazendo trabalho voluntário num local de eventos. O filho da puta do Richard tinha cumprido com sua promessa em querer me ferrar. Fui chamado a júri para depor depois da surra que dei nele, mas o juiz entendeu ser briga pessoal e não desacato à autoridade, o que me possibilitou escolher entre meses na prisão ou meses em trabalho voluntário. Eu não queria nenhum, mas se formos colocar numa balança, é óbvio que o trabalho voluntário vence fácil.
Conheci o Connor no trabalho e até que estava sendo tranquilo ter alguém para conversar e distrair. Alguém que não fosse do meu antigo convívio e não soubesse tanto de mim. Já que meus amigos – entre aspas – sumiram depois de acharem que eu seria preso por pouca merda.
Até que não era tão ruim trabalhar em eventos, o lado bom era que eu ficava próximo da música – uma paixão. Então, não era lá um sacrifício. Até que o mimado me fez um belo favor. Mas, havia sim um lado ruim em tudo isso... eu não via a Soso há dias, consequentemente não via a . Não tinha como eu passar o final de semana com ela ou levá-la para algum lugar no meio da semana, porque todos os dias eu tinha que cumprir com a lei, caso contrário, estaria vendo o sol nascer quadrado. Vendo por esse ângulo, eu queria descer a porrada no Richard de novo, e dessa vez não pegaria tão leve.
Saí dos meus pensamentos quando Connor quase berrou perto do meu ouvido.
— Vamos nessa? Já está quase na hora. Se chegarmos atrasados o negócio esquenta para o nosso lado.
— Vamos pra mais um dia — revirei os olhos.
Connor estava nessa por questão de briga também, mas no caso dele era bem diferente, e eu preferia não entrar em detalhes, já que o mesmo fez questão de não me falar nada além do necessário... até porque também não era do meu interesse e eu respeitava a decisão dele, inclusive.
Meus pés estavam me matando e minha coluna estava pedindo arrego. Minha cabeça começou doer e não parou um segundo sequer de martelar. Não estava no meu melhor dia e tudo o que eu mais queria era ir pra casa logo. Olhei em meu relógio de pulso e faltavam mais de uma hora para encerrar o turno e fechar mais um dia.
No final da noite, fomos liberados dez minutos antes e foi como se eu tivesse ganhado na loteria. Menos um dia pra conta.
Deixei Connor na casa dele e parti rumo ao meu apartamento. Arranquei toda a roupa e joguei no chão, sem me importar com a bagunça. Além de tudo em mim estar pedindo arrego, também estava pedindo por um banho, então entrei debaixo do chuveiro e deixei a água levar embora toda e qualquer exaustão.
Enrolei a toalha na cintura e passei a mão pelos cabelos, mandando água para todos os lados. Escutei a campainha tocar várias vezes e em seguida batidas na porta. Franzi o cenho e me perguntei quem poderia ser àquela hora.
As batidas não paravam, e eu me apressei para atravessar todo o corredor o mais rápido possível.
— Já vai! — eu disse, em alto e bom som, mas as batidas continuaram. — Já vai. Calma!
Destravei o pega ladrão e girei a chave no miolo. Girei a maçaneta e puxei a porta de uma vez.
Não sei colocar em palavras o que eu senti ao dar de cara com a . Foram um misto de sentimentos e sensações. Alguns normais, outros não tão bons, tudo de uma vez, e isso me deixou confuso.
Senti ansiedade, apreensão, desconforto. Mas também senti felicidade genuína. Entre tudo, eu quis abraçá-la. Meu coração parecia que ia sair pra fora do peito. Se fosse um desenho animado, com certeza estaria sendo totalmente ilustrado com aquele coração batendo extremamente forte, quase saindo para fora. Senti saudade, mas também mágoa. Saudade por fazer tempo que não a via. Mágoa por ainda não acreditar que ela havia contado da parte mais obscura da minha vida para um zé ninguém. Um cara zero à esquerda. E, além de ter quebrado um sigilo médico, quebrou a minha confiança.
Seus olhos percorreram meu tórax nu, depois de um bom tempo encarando meus olhos. Decidi abusar da oportunidade, então abri um pouco a toalha – não deixando nada a mostra, apenas para dar um gostinho – e a ajeitei novamente. Os olhos de pesaram naquele local e eu quis rir. Embora ainda estivesse me sentindo sufocado, jamais perderia a oportunidade de causar em algo. Cruzei os braços e escorei no batente da porta. Ergui uma das sobrancelhas e busquei por seus olhos.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
Zero resposta.
Travei um riso e apertei meus lábios um no outro.
— ?
— Ãn? Oi? É... Oi — riu, desajeitada. — O que você disse?
— Por que você veio aqui? Cadê a Soso?
Ela apoiou o peso do corpo em uma das pernas e ajeitou a bolsa no ombro.
— Eu queria conversar com você. A Soso está com a minha mãe, vou pegar ela daqui a pouco. Mas, eu preciso falar com você.
Respirei fundo e pensei em várias coisas.
— Não sei se é uma boa ideia. Além do mais, eu acabei de chegar de um evento e estou extremamente exausto.
— Evento? — estreitou os olhos. — Não estou acreditando nisso. Agora estou me perguntando se você nunca vai mudar, .
— Do que você está falando? — uni as sobrancelhas.
— A Sophie pergunta por você há dias e você nem sequer faz uma ligação para saber como ela está. Desde aquele jantar você não vem sendo o mesmo. Eu larguei o Richard por você e você nem deu a mínima pra nada disso. Agora, venho aqui pra gente conversar feito adultos e você me diz que estava em um evento. Então é esse o seu passa tempo agora? Sua filha precisa de um pai presente, e você não está sendo esse cara agora.
Confesso que senti uma pontada no coração, principalmente por tanta coisa jogada na minha cara sem a devida necessidade. Eu permaneci quieto, pois sabia que se eu dissesse algo, correria o risco de machucá-la assim como ela tinha acabado de fazer comigo.
— É sério isso? — perguntei, incrédulo.
— Isso o quê, ? — cruzou os braços.
— Esse show todo, .
— Show? Você só pode estar de brincadeira comigo, não é?
Desviei os olhos para outro canto e ri sarcástico, enquanto balançava a cabeça para lá e para cá.
— Olha pra mim. Olha — pediu, mas seu tom de voz não era dos melhores, e eu estava odiando tudo aquilo. — Soso. Pensa pelo menos na Soso. Você sumiu. Está diferente. Está aproveitando a vida e esquecendo dela.
— É o seguinte, ... Eu vou entrar agora, trocar de roupa e deitar pra dormir porque estou cansado. Não tenho tempo pra todo esse perrengue, não agora. Minha cabeça parece que vai explodir a qualquer momento e você não está contribuindo para uma melhora. Então, se você veio aqui para me insultar e me fazer sentir mais lixo do que eu já me sinto, parabéns, conseguiu. Agora se me der licença, amanhã acordo cedo e terei um longo dia pela frente — dei alguns passos para trás e puxei a porta para fechá-la, mas a mulher parou-a antes que eu fizesse o trabalho.
— Longo dia pela frente, uhu? Em eventos?
Meu riso mais uma vez deu o ar da graça porque eu não estava acreditando naquilo, de fato não estava. Tudo estava conspirando contra mim e eu me senti de mãos atadas.
— Você realmente não sabe, não é?
— Não sei o que? O que eu não sei?
— Nada, — eu disse, o mais sereno possível. Lancei meu sorriso mais convincente, mesmo que estivesse em pedaços por dentro. — Vai pra casa e descansa. Da um abraço na Soso por mim. Boa noite, .
Empurrei a porta devagar e sua fisionomia foi sumindo aos poucos. Eu senti vontade de chorar por toda a situação desastrosa e por todos os acontecimentos nos últimos dias. Eu sentia falta da minha filha e não sabia como estar com ela já que meu dia não parava. Temia que em algum momento ela pudesse desapegar de mim e por alguma razão me estranhar a curto e longo prazo.
Atravessei o corredor e parei na metade dele, já que a não parava de apertar a campainha e dar socos na madeira. Eu sabia que ela não iria embora – bom, talvez fosse vencida pelo cansaço, mas se bem a conheço, ela ficaria ali até eu abrir. E, se eu não abrisse, correria o risco dos vizinhos saírem pra fora e reclamarem do barulho.
Voltei às pressas até a porta e abri de uma vez.
— Se você quiser que a Soso seja abraçada, faça isso você mesmo. Seja um bom pai, . Faça por ela. O que tem de errado com você? Você sumiu. Esses eventos são mais importantes?
— Para — falei um pouco mais alto, mas sem gritar. — Chega, pelo amor de Deus. Damn it! Desde quando você se tornou essa pessoa que julga sem antes saber de toda situação? Você não pode bater na minha porta e falar um monte de coisa sem saber o que está acontecendo...
— Eu perguntei e você disse que não estava acontecendo nada.
— Mas está, . Droga! Você é boa em saber dessas coisas, como não soube agora?
— Eu...
— Você pode dizer tudo sobre mim, só não diz que sou um péssimo pai, porque eu faço o meu máximo para ser tudo aquilo que eu não tive, e você sabe disso — a interrompi. — Se eu falhei em algum momento, eu peço perdão, e juro que não foi a minha intenção, porque falhar com a Sophie não é o que eu quero. Evento nenhum é mais importante do que ela para mim, seria o cúmulo do ridículo se fosse. Eu estou nessa situação por consequência dos meus atos e não quis meter nenhuma de vocês nisso.
Ela me ouvia atenta, sem dar um piu.
— Eu não sumi porque eu quis. Eu me afastei porque desde aquele jantar eu sabia que não ia conseguir olhar pra você, não depois de saber que você quebrou um sigilo. , você quebrou a minha confiança em você. Além do mais, você não terminou com o Richard por causa de mim, você terminou porque eu abri seus olhos para um mal que estava te consumindo. O cara é um escroto e seria burrice se você persistisse no erro. Agora, você falar que eu não dei a mínima é um pouco egoísta da sua parte, não? Eu faria qualquer coisa para te manter bem e longe de pessoas assim. Se você não significasse algo para mim, eu jamais teria feito o que fiz — parei para respirar e me acalmar um pouco, pois já estava sentindo minha voz embargada. — Eu me afastei porque estou fazendo trabalho voluntário em eventos. Poucos dias depois daquele jantar, fui intimado para depor por ter batido no Richard. Então, é isso. Evento não é meu passa tempo, é meu dever com a lei. A Soso sempre será minha prioridade e nada mais importa. Eu poderia ter ligado? Poderia. Mas eu sabia que ela ia querer me ver, e eu não estou tendo tempo nem para dormir direito. Talvez eu tenha sim falhado, mas não sou um péssimo pai — meus olhos encheram-se de lágrimas e eu fiz de tudo para que elas não caíssem. Respirei fundo e engoli o choro.
— , eu... Me desculpa. Eu não sabia disso. Por que não me contou?
— Eu não sei. Só não quis contar.
Eu realmente não sabia o porque não havia contado ou comunicado a respeito. Só me pareceu o certo a se fazer no momento, mas aparentemente, desencadeou coisa pior.
— Estou me sentindo envergonhada. Não achei que o Richard fosse realmente te fazer passar por algo assim.
— Relaxa!
— Eu posso entrar? Faço algo para você comer ou um café, sei lá. Você está com cara de quem não anda se alimentando direito.
Puxei um riso de canto e meu peito desacelerou o processo de parecer que estava numa corrida de fórmula um. Passei para o lado da porta e a abri um pouco mais, dando passagem para .
— Entra.
— Licença.
Ela olhou os cantos e reparou em algumas coisas. Parou no aparador onde haviam algumas fotos minha com a Soso desde que ela nasceu. E um sorriso preencheu seus lábios.
— Você nunca veio aqui, né?
— Nesse apartamento não. É lindo. Olha essa foto de vocês — pegou o porta retrato na mão e eu me aproximei.
— Foi a primeira vez que peguei ela no colo — sorri com uma lembrança distante. — Eu tremia igual vara verde. O melhor sentimento do mundo registrado numa foto.
Na foto eu ainda estava com todos os trajes e acessórios que se usam para entrar na sala de parto. A Sophie estava enrolada num pano azul escuro com os olhinhos fechados. Tinha acabado de nascer. E eu revivi o melhor momento da minha vida naquele momento.
ajeitou o porta retrato no lugar onde estava e se virou para mim.
— Me faz um favor?
— Qual?
— Vai colocar uma roupa porque não irei responder por mim se você continuar de toalha na minha frente.
Sem esperar, acabei gargalhando.
— É simples, não responda! — provoquei.
— ... — disse, lentamente e eu ri.
deixou a bolsa no sofá e adentrou a cozinha. Eu, fui até o quarto e coloquei uma samba-canção, sem cueca mesmo. Me sentia livre. Que mal tinha? Estava em casa mesmo, então…
Capítulo 06
Era por volta das onze quando a terminou de fazer algo para comermos, e eu agradeci até os deuses por ter uma comida de verdade na mesa.
Conversamos muito, até mesmo durante a refeição, o que não era um tabu entre a gente se manter de boca fechada igual as famílias tradicionais costumavam fazer.
A mão de pousou sob a minha e meus olhos correram para aquela direção, em seguida, subiu para seus olhos. Ela deu um sorriso mínimo e ajeitou sua mão na minha, segurando-a de um jeito mais certo.
— Eu quero te pedir desculpas de verdade por tudo que eu disse ainda há pouco. Você não é um péssimo pai, nunca foi, e eu não sei porque disse tudo aquilo. Talvez eu tenha ficado nervosa e reconheço que passei dos limites. Você é um ótimo pai, . Sempre irei ressaltar isso.
Minha boca se abriu para um sorriso tímido, mas convicto. Era sempre bom ser reconhecido em algo, mesmo que tivesse sido difamado minutos antes, eu sabia a verdade, e sabia que fazia meu máximo para ser quem eu mais senti falta durante toda minha vida: um pai presente, compreensivo e amável. E saber que a reconhecia aquilo, era algo bom.
— Estamos bem? — ela quis saber.
— Acredito que sim.
Ela sorriu e chacoalhou de leve minha mão.
— Como está sendo a questão judicial? Como aconteceu tudo?
— Está sendo puxado, mesmo que o horário seja flexível, porém não tenho tempo para nada ultimamente. A minha sorte é que eu pude escolher entre prisão ou trabalho voluntário — levou a mão até a boca, indignada.
— Não acredito.
— Pode acreditar. Seu amorzinho está me fazendo passar pelo vale das sombras — eu ri e ela fez cara de nojo.
— Bleh. Ele realmente era um amor, mas antes de se tornar aquele cara sem graça.
— , ninguém se torna, as pessoas se revelam.
Ela pareceu pensar sobre o que eu disse, e não demonstrou nada além de compreensão.
— Faz sentido.
— É claro que faz. Desde quando não tenho razão? — estufei o peito, totalmente convencido e ela desceu o tapa no meu braço. — Ai! — reclamei.
— Isso é por se achar a última bolacha do pacote.
Rimos bastante após eu fazer cara de poucos amigos – o que era uma fachada.
Ela me contou como as coisas estavam sendo para ela, tanto no trabalho quanto em casa com a Soso. Contou também que o Richard havia pedido para voltar e acrescentou ter sido um mal entendido entre eles, que na verdade eu que era o empecilho no meio do caminho. Depois, eu contei como estava sendo realmente fazer um trabalho voluntário, mesmo com tudo, estava me fazendo ter uma visão mais ampla das coisas.
Passados mais algum tempinho, já estávamos jogados no sofá, rindo de coisas antigas. E eu parei para pensar no quão bom éramos juntos, até mesmo quando não estávamos mais juntos.
— E aquela vez que a gente foi patinar no gelo e você quase passou com o patins em cima dos dedos da mulher que tinha caído? — eu fiz cara de dor e ela começou rir.
— Até hoje tento entender como que não passei. Já pensou se tivesse passado? Nem quero imaginar a catástrofe que seria — me arrepiei todo ao imaginar a dor que seria para a mulher. — Nunca mais na vida quero patinar no gelo. Passo longe.
— Ah, para. Não é para tanto também — me empurrou.
— É, sim. Oras — peguei uma almofada e levantei. Ergui ela até uma altura boa e apontou o dedo indicador para mim.
— Não — disse, com ar de riso.
— Um. Dois — comecei a contar.
Ela deu um grito e pegou uma almofada. Desviou de mim e saiu correndo pelo apartamento.
— Três! — fiz o mesmo trajeto que ela e me surpreendi em como ela havia ficado ágil naquele jogo.
— , não — correu desesperada enquanto continuava rindo.
— Então corre.
— Então vem! — parou de correr e armou uma postura, segurando a almofada firme nas mãos.
Nossas almofadas se chocaram e travamos uma batalha de guerra de almofadas. Minha barriga começou a doer depois de certo tempo, de tanto que eu estava rindo. Há tempos eu não me divertia tanto e aquilo estava sendo mais do que bom.
Joguei a minha almofada longe e deixei que ela me acertasse, enquanto eu fazia todo o trabalho de tentar me proteger, arrancando risos e mais risos dela.
Antes que ela me desse mais um golpe parei a almofada no ar e tomei dela. Seus olhos seguiram para onde eu havia jogado a almofada e logo voltaram-se para mim. Eu não estava mais sorrindo, tampouco ela. A energia que eu estava sentindo era satisfatória e fluía por todos os lados. Me aproximei dela e levei uma das mãos até seu rosto, tirando gentilmente mechas de cabelo que estavam bagunçados em seu rosto. Pude notar que sua respiração se tornou pesada e descompassada, e ela ficou imóvel. A mesma mão que eu ajeitei seus cabelos, desci para sua nuca, já a outra, rodei em sua cintura, puxando-a para mais perto de mim, colando nossos corpos.
“need you when I’m broken
when I’m fixed
need you when I’m well
when I’m sick
friends that I rely on, don’t come through
they run like the river, but not you”
Depositei um beijo em seu pescoço e vi sua pele arrepiar, sem contar o suspiro que ela soltou audivelmente. Mais um, e lá estava mais uma vez a confirmação de que ela queria aquilo tanto quanto eu. Os braços de cercaram minhas costas e seus dedos subiram e desceram num carinho leve e sútil. Meu corpo inteiro arrepiou com seu toque e eu mordi meu lábio com força. Segurei seu rosto e olhei para sua boca, depois para seus olhos e eles demonstraram um certo fervor, desejo, vontade.
Fechei os olhos e aproximei-me ainda mais dela – se é que era possível. Nossos lábios se tocaram e meu estômago inteiro gelou. Eu estava sorrindo internamente, porque a sensação de nostalgia era tão presente e marcante que eu não sabia como reagir. Éramos os mesmos, mas tudo estava diferente. Era algo novo. Era como se estivéssemos nos descobrindo naquele momento. Eu havia esquecido o quão bom era sentir seu toque, seus lábios e seu cheiro tão próximo de mim. Eu havia esquecido o quão bem ela me fazia e o quanto eu amava rir de suas palhaçadas. Eu havia esquecido como era ser nós enquanto eu tinha acostumado a ser apenas eu.
“need you when I'm hot
when I'm cold
need you when I'm young
when I'm old
you won't be far”
— Eu senti tanto a sua falta. Ninguém nessa vida me faria tão feliz, porque ninguém lá fora é você — sua voz suave me atingiu, e eu paralisei com sua confissão.
Afastei um pouco apenas para ter certeza de que não estava sonhando e sai do transe quando ela sorriu.
— Me fala que isso não é um sonho.
— Não é um sonho.
Levantou os calcanhares do chão e ficou na ponta do pé, inclinou o corpo para frente e rodeou meu pescoço com os braços. Recostou os lábios sob os meus e mordiscou aquela região, fazendo eu abrir a boca para receber um beijo seu.
As coisas começaram esquentar e quando dei por mim, já estávamos no quarto. Puxei sua blusa para cima e ela ergueu os braços para que eu completasse o serviço.
Joguei ela na cama e desci suas calças. agarrou meus cabelos e arqueou as costas assim que minha boca encostou em sua barriga. Puxei um riso satisfeito e apertei sua cintura. Desci os beijos até a bainha de sua calcinha e ela arfou. Tirei o tecido bem devagar e o joguei em qualquer canto. Minha língua chegou até sua intimidade e meus ouvidos foram atingidos pelos gemidos da mulher.
inverteu as posições e tirou seu sutiã. Minhas mãos foram diretamente naquela direção, e ela jogou a cabeça para trás, enquanto suas unhas cravaram-se em meu tórax. Arrastou meu samba-canção para baixo e expôs meu pênis. Seus dedos delicados envolto da minha intimidade, fez com que todos os meu músculos travassem e relaxassem em seguida. Fechei os olhos automaticamente por conta de toda a sensação incrível que ia e vinha pelo meu corpo.
Sua mão se moveu vagarosamente e foi aumentando a velocidade conforme eu reagia. Ninguém era como ela! Sem que eu esperasse, senti seu hálito próximo a minha intimidade e sua boca quente envolveu toda a minha extensão. Cheguei ver estrelas.
Ela parou de fazer o que estava fazendo e se ajeitou em cima de mim. Deslizou minha intimidade para dentro da sua e minhas mãos agarraram com força seus glúteos. Ela arqueou as costas e gemeu alto. Fez movimentos de sobe e desce, nos levando à loucura.
Puxei-a para fora da cama e a arrastei até o chuveiro. Conforme a água escorria em cima de nós, nossos corpos deslizavam facilmente um no outro. Meus movimentos se tornaram mais precisos e mais ágeis. arranhou minhas costas e gemeu próximo ao meu ouvido, avisando que estava quase chegando lá.
— Não para! — pediu e eu fiz movimentos bruscos.
Seus gemidos se tornaram música para os meus ouvidos e suas pernas tremeram anunciando um orgasmo. Segurei-a firme para que não caísse e continuei me movimentando até que eu finalmente pude sentir a sensação inexplicável me atingindo. Desacelerei e por fim, parei de me mexer. Encostei a testa na curvatura de seu pescoço e ela fez um carinho nos meus cabelos.
— Você é maravilhosa — eu disse e dei um selinho demorado em seus lábios.
Tomamos um banho e voltamos para o quarto. Ela começou se vestir e eu estranhei.
— Por que você não dorme aqui? — ergui e abaixei o edredom.
— Ãn... Tenho que pegar a Soso, lembra?
— , olha a hora. Provavelmente ela já está dormindo, e sua mãe também. Dorme aqui comigo — pedi. — Amanhã eu deixo vocês na sua casa, se você quiser.
Ela sorriu e largou a bolsa no canto.
— Tem razão. Mas vou ligar para a minha mãe e avisar, senão ela fica preocupada.
Apenas fiz um aceno de cabeça e ela buscou por seu celular. Saiu do quarto e eu continuei ajeitando as coisas. Liguei o climatizador e joguei a toalha no chão, vestindo novamente meu samba-canção. Me joguei na cama e a porta se abriu bem devagar. apareceu em meu campo de visão e sorriu terna.
— E aí? — eu quis saber.
— A Soso está dormindo mesmo.
— Mas é claro que está — eu ri. — E sua mãe? Não disse nada sobre você ficar aqui?
— O que ela poderia dizer? Não sou mais criança — sorriu, presunçosa.
Ergui as mãos como quem se rende e ela riu.
— Quer uma camiseta minha pra você dormir melhor? Essa roupa parece ser apertada demais.
— Ai, quero, por favor!
Busquei por uma camiseta no closet e entreguei a ela. Rapidamente ela se despiu e colocou a camiseta que eu havia entregue em suas mãos. Tinha ficado sexy e com certeza ela sabia daquilo. Eu amava ver ela com minhas roupas e não era segredo nenhum.
Tornei deitar na cama e bati com a mão do lado que estava vazio.
— Vem, deita aqui — estendi a mão.
A mulher deslizou no colchão e deitou em cima do meu peito. Afaguei seus cabelos e abracei seu corpo como pude.
— É tão bom estar aqui — comentou. — O melhor lugar é no seu abraço, .
— E eu vou rezar para acordar amanhã e tudo isso permanecer.
Escutei um riso sair de sua garganta. Beijei o topo de sua cabeça e respirei fundo. Meu maior medo naquele momento era acordar no dia seguinte e ver que tudo não passou de sonho ou alucinação. Eu não queria que tivesse sido fantasioso, queria que tivesse sido real, e esperava mesmo que tivesse acontecido, pois se não tivesse, eu ia me sentir um caco.
— Dorme bem, baby — sussurrei, mas ela não respondeu.
Sua respiração se tornou totalmente pesada e eu dei por mim que ela já havia pego no sono. Ainda assim, sorri, totalmente grato.
A mulher da minha vida estava em meus braços e eu não iria soltá-la nunca mais.
Conversamos muito, até mesmo durante a refeição, o que não era um tabu entre a gente se manter de boca fechada igual as famílias tradicionais costumavam fazer.
A mão de pousou sob a minha e meus olhos correram para aquela direção, em seguida, subiu para seus olhos. Ela deu um sorriso mínimo e ajeitou sua mão na minha, segurando-a de um jeito mais certo.
— Eu quero te pedir desculpas de verdade por tudo que eu disse ainda há pouco. Você não é um péssimo pai, nunca foi, e eu não sei porque disse tudo aquilo. Talvez eu tenha ficado nervosa e reconheço que passei dos limites. Você é um ótimo pai, . Sempre irei ressaltar isso.
Minha boca se abriu para um sorriso tímido, mas convicto. Era sempre bom ser reconhecido em algo, mesmo que tivesse sido difamado minutos antes, eu sabia a verdade, e sabia que fazia meu máximo para ser quem eu mais senti falta durante toda minha vida: um pai presente, compreensivo e amável. E saber que a reconhecia aquilo, era algo bom.
— Estamos bem? — ela quis saber.
— Acredito que sim.
Ela sorriu e chacoalhou de leve minha mão.
— Como está sendo a questão judicial? Como aconteceu tudo?
— Está sendo puxado, mesmo que o horário seja flexível, porém não tenho tempo para nada ultimamente. A minha sorte é que eu pude escolher entre prisão ou trabalho voluntário — levou a mão até a boca, indignada.
— Não acredito.
— Pode acreditar. Seu amorzinho está me fazendo passar pelo vale das sombras — eu ri e ela fez cara de nojo.
— Bleh. Ele realmente era um amor, mas antes de se tornar aquele cara sem graça.
— , ninguém se torna, as pessoas se revelam.
Ela pareceu pensar sobre o que eu disse, e não demonstrou nada além de compreensão.
— Faz sentido.
— É claro que faz. Desde quando não tenho razão? — estufei o peito, totalmente convencido e ela desceu o tapa no meu braço. — Ai! — reclamei.
— Isso é por se achar a última bolacha do pacote.
Rimos bastante após eu fazer cara de poucos amigos – o que era uma fachada.
Ela me contou como as coisas estavam sendo para ela, tanto no trabalho quanto em casa com a Soso. Contou também que o Richard havia pedido para voltar e acrescentou ter sido um mal entendido entre eles, que na verdade eu que era o empecilho no meio do caminho. Depois, eu contei como estava sendo realmente fazer um trabalho voluntário, mesmo com tudo, estava me fazendo ter uma visão mais ampla das coisas.
Passados mais algum tempinho, já estávamos jogados no sofá, rindo de coisas antigas. E eu parei para pensar no quão bom éramos juntos, até mesmo quando não estávamos mais juntos.
— E aquela vez que a gente foi patinar no gelo e você quase passou com o patins em cima dos dedos da mulher que tinha caído? — eu fiz cara de dor e ela começou rir.
— Até hoje tento entender como que não passei. Já pensou se tivesse passado? Nem quero imaginar a catástrofe que seria — me arrepiei todo ao imaginar a dor que seria para a mulher. — Nunca mais na vida quero patinar no gelo. Passo longe.
— Ah, para. Não é para tanto também — me empurrou.
— É, sim. Oras — peguei uma almofada e levantei. Ergui ela até uma altura boa e apontou o dedo indicador para mim.
— Não — disse, com ar de riso.
— Um. Dois — comecei a contar.
Ela deu um grito e pegou uma almofada. Desviou de mim e saiu correndo pelo apartamento.
— Três! — fiz o mesmo trajeto que ela e me surpreendi em como ela havia ficado ágil naquele jogo.
— , não — correu desesperada enquanto continuava rindo.
— Então corre.
— Então vem! — parou de correr e armou uma postura, segurando a almofada firme nas mãos.
Nossas almofadas se chocaram e travamos uma batalha de guerra de almofadas. Minha barriga começou a doer depois de certo tempo, de tanto que eu estava rindo. Há tempos eu não me divertia tanto e aquilo estava sendo mais do que bom.
Joguei a minha almofada longe e deixei que ela me acertasse, enquanto eu fazia todo o trabalho de tentar me proteger, arrancando risos e mais risos dela.
Antes que ela me desse mais um golpe parei a almofada no ar e tomei dela. Seus olhos seguiram para onde eu havia jogado a almofada e logo voltaram-se para mim. Eu não estava mais sorrindo, tampouco ela. A energia que eu estava sentindo era satisfatória e fluía por todos os lados. Me aproximei dela e levei uma das mãos até seu rosto, tirando gentilmente mechas de cabelo que estavam bagunçados em seu rosto. Pude notar que sua respiração se tornou pesada e descompassada, e ela ficou imóvel. A mesma mão que eu ajeitei seus cabelos, desci para sua nuca, já a outra, rodei em sua cintura, puxando-a para mais perto de mim, colando nossos corpos.
when I’m fixed
need you when I’m well
when I’m sick
friends that I rely on, don’t come through
they run like the river, but not you”
Depositei um beijo em seu pescoço e vi sua pele arrepiar, sem contar o suspiro que ela soltou audivelmente. Mais um, e lá estava mais uma vez a confirmação de que ela queria aquilo tanto quanto eu. Os braços de cercaram minhas costas e seus dedos subiram e desceram num carinho leve e sútil. Meu corpo inteiro arrepiou com seu toque e eu mordi meu lábio com força. Segurei seu rosto e olhei para sua boca, depois para seus olhos e eles demonstraram um certo fervor, desejo, vontade.
Fechei os olhos e aproximei-me ainda mais dela – se é que era possível. Nossos lábios se tocaram e meu estômago inteiro gelou. Eu estava sorrindo internamente, porque a sensação de nostalgia era tão presente e marcante que eu não sabia como reagir. Éramos os mesmos, mas tudo estava diferente. Era algo novo. Era como se estivéssemos nos descobrindo naquele momento. Eu havia esquecido o quão bom era sentir seu toque, seus lábios e seu cheiro tão próximo de mim. Eu havia esquecido o quão bem ela me fazia e o quanto eu amava rir de suas palhaçadas. Eu havia esquecido como era ser nós enquanto eu tinha acostumado a ser apenas eu.
when I'm cold
need you when I'm young
when I'm old
you won't be far”
— Eu senti tanto a sua falta. Ninguém nessa vida me faria tão feliz, porque ninguém lá fora é você — sua voz suave me atingiu, e eu paralisei com sua confissão.
Afastei um pouco apenas para ter certeza de que não estava sonhando e sai do transe quando ela sorriu.
— Me fala que isso não é um sonho.
— Não é um sonho.
Levantou os calcanhares do chão e ficou na ponta do pé, inclinou o corpo para frente e rodeou meu pescoço com os braços. Recostou os lábios sob os meus e mordiscou aquela região, fazendo eu abrir a boca para receber um beijo seu.
As coisas começaram esquentar e quando dei por mim, já estávamos no quarto. Puxei sua blusa para cima e ela ergueu os braços para que eu completasse o serviço.
Joguei ela na cama e desci suas calças. agarrou meus cabelos e arqueou as costas assim que minha boca encostou em sua barriga. Puxei um riso satisfeito e apertei sua cintura. Desci os beijos até a bainha de sua calcinha e ela arfou. Tirei o tecido bem devagar e o joguei em qualquer canto. Minha língua chegou até sua intimidade e meus ouvidos foram atingidos pelos gemidos da mulher.
inverteu as posições e tirou seu sutiã. Minhas mãos foram diretamente naquela direção, e ela jogou a cabeça para trás, enquanto suas unhas cravaram-se em meu tórax. Arrastou meu samba-canção para baixo e expôs meu pênis. Seus dedos delicados envolto da minha intimidade, fez com que todos os meu músculos travassem e relaxassem em seguida. Fechei os olhos automaticamente por conta de toda a sensação incrível que ia e vinha pelo meu corpo.
Sua mão se moveu vagarosamente e foi aumentando a velocidade conforme eu reagia. Ninguém era como ela! Sem que eu esperasse, senti seu hálito próximo a minha intimidade e sua boca quente envolveu toda a minha extensão. Cheguei ver estrelas.
Ela parou de fazer o que estava fazendo e se ajeitou em cima de mim. Deslizou minha intimidade para dentro da sua e minhas mãos agarraram com força seus glúteos. Ela arqueou as costas e gemeu alto. Fez movimentos de sobe e desce, nos levando à loucura.
Puxei-a para fora da cama e a arrastei até o chuveiro. Conforme a água escorria em cima de nós, nossos corpos deslizavam facilmente um no outro. Meus movimentos se tornaram mais precisos e mais ágeis. arranhou minhas costas e gemeu próximo ao meu ouvido, avisando que estava quase chegando lá.
— Não para! — pediu e eu fiz movimentos bruscos.
Seus gemidos se tornaram música para os meus ouvidos e suas pernas tremeram anunciando um orgasmo. Segurei-a firme para que não caísse e continuei me movimentando até que eu finalmente pude sentir a sensação inexplicável me atingindo. Desacelerei e por fim, parei de me mexer. Encostei a testa na curvatura de seu pescoço e ela fez um carinho nos meus cabelos.
— Você é maravilhosa — eu disse e dei um selinho demorado em seus lábios.
Tomamos um banho e voltamos para o quarto. Ela começou se vestir e eu estranhei.
— Por que você não dorme aqui? — ergui e abaixei o edredom.
— Ãn... Tenho que pegar a Soso, lembra?
— , olha a hora. Provavelmente ela já está dormindo, e sua mãe também. Dorme aqui comigo — pedi. — Amanhã eu deixo vocês na sua casa, se você quiser.
Ela sorriu e largou a bolsa no canto.
— Tem razão. Mas vou ligar para a minha mãe e avisar, senão ela fica preocupada.
Apenas fiz um aceno de cabeça e ela buscou por seu celular. Saiu do quarto e eu continuei ajeitando as coisas. Liguei o climatizador e joguei a toalha no chão, vestindo novamente meu samba-canção. Me joguei na cama e a porta se abriu bem devagar. apareceu em meu campo de visão e sorriu terna.
— E aí? — eu quis saber.
— A Soso está dormindo mesmo.
— Mas é claro que está — eu ri. — E sua mãe? Não disse nada sobre você ficar aqui?
— O que ela poderia dizer? Não sou mais criança — sorriu, presunçosa.
Ergui as mãos como quem se rende e ela riu.
— Quer uma camiseta minha pra você dormir melhor? Essa roupa parece ser apertada demais.
— Ai, quero, por favor!
Busquei por uma camiseta no closet e entreguei a ela. Rapidamente ela se despiu e colocou a camiseta que eu havia entregue em suas mãos. Tinha ficado sexy e com certeza ela sabia daquilo. Eu amava ver ela com minhas roupas e não era segredo nenhum.
Tornei deitar na cama e bati com a mão do lado que estava vazio.
— Vem, deita aqui — estendi a mão.
A mulher deslizou no colchão e deitou em cima do meu peito. Afaguei seus cabelos e abracei seu corpo como pude.
— É tão bom estar aqui — comentou. — O melhor lugar é no seu abraço, .
— E eu vou rezar para acordar amanhã e tudo isso permanecer.
Escutei um riso sair de sua garganta. Beijei o topo de sua cabeça e respirei fundo. Meu maior medo naquele momento era acordar no dia seguinte e ver que tudo não passou de sonho ou alucinação. Eu não queria que tivesse sido fantasioso, queria que tivesse sido real, e esperava mesmo que tivesse acontecido, pois se não tivesse, eu ia me sentir um caco.
— Dorme bem, baby — sussurrei, mas ela não respondeu.
Sua respiração se tornou totalmente pesada e eu dei por mim que ela já havia pego no sono. Ainda assim, sorri, totalmente grato.
A mulher da minha vida estava em meus braços e eu não iria soltá-la nunca mais.
Capítulo 07
Em seis semanas eu vivi coisas com a que não havíamos vivido em anos de relacionamento. Decidimos não definir o que tínhamos, optamos por deixar as coisas fluírem da maneira que fosse, mas que o respeito e a reciprocidade estivessem presente. O amor também, claro.
Eu ainda continuava fazendo trabalho voluntário e faltava pouco para acabar, porém consegui ver a Soso mais frequentemente, já que a passava mais tempo no meu apartamento do que na casa dela.
Até que estávamos nos entendendo super bem e eu estava gostando do que tínhamos. Era incrível o que estávamos construindo. Achei que não podíamos evoluir mais do que já havíamos evoluído, mas me dei conta de que evolução não tem limite. Evoluímos bem!
Estava jogado no tapete da sala, vendo TV e fazendo vários nadas quando meu celular tocou. Era a .
— Alô?
— Está na sua casa? — perguntou e escutei a Soso rindo ao fundo.
— Estou. Estou, sim. Vai vir para cá?
— Estou no meio do caminho, logo estaremos aí.
— Então vou esperar vocês chegarem para pedirmos algo para comermos, tá?
— Tudo bem.
E desligamos.
Não demorou muito para a campainha tocar e eu ouvir mais uma vez a risada da Sophie. Dei um selinho em assim que abri a porta e peguei a Soso no colo para dar um abraço.
— Papai, a gente tem um presente pra você — disse, com sua voz doce.
— É mesmo? Aonde está?
— Cadê, mamãe?
Eu ri e a me acompanhou. A mulher saiu do apartamento por segundos e retornou com uma caixa mediana, mas tava mais pra grande do que pequena. Desci a Sophie de meu colo porque ela começou a se chacoalhar para ir em direção a caixa.
— Aqui, vem, papai — estendeu a mão para que eu a seguisse.
Um som veio de dentro da caixa e eu olhei estranho. Latido. Tinha certeza que um latido tinha vindo dali. Olhei para com um olhar desconfiado e ela tentou não rir.
— Não vai me dizer que é o que eu estou pensando?!
— Abre a caixa, — apontou com a mão.
Antes que eu pudesse abrir, a Sophie abriu por mim e eu não aguentei de rir. Um cachorrinho colocou a cabeça para fora da caixa e começou lamber minha mão. Estávamos todos num momento fofura pelo dog e eu o tirei da caixa. Ele andou pelo apartamento e eu fui até a .
— Obrigado, amor. Eu amei — abracei seu corpo e beijei seus lábios.
— Você gostou, papai? Eu escolhi pra você.
— Eu amei, meu amor. Obrigado — abaixei na altura dela e depositei um beijo em sua bochecha, onde ela se encolheu toda e riu.
— Podemos chamar ele de Plebeus?
Rimos da ideia que ela havia dado. De onde ela tirava aquelas coisas eu não fazia ideia.
— Claro, filha.
Subi meus olhos até a e disse:
— Só temos um problema.
— Qual?
— Eles não aceitam animais aqui no prédio.
Ela abaixou próxima a mim e sorriu de um jeito diferente.
— Eu sei.
— Mas... — virei para o cachorrinho que cheirava o pé do rack.
— Talvez seja hora de voltar pra casa, — virei meu rosto na direção dela e semicerrei os olhos.
— Você me deu um cachorrinho para me subornar? — travei um riso.
— Não, meu anjo. Eu te dei um cachorrinho porque você sempre quis ter um. Mas, olha na coleira dele.
Fui até onde o Plebeus estava e tentei pegá-lo, o que não foi uma tarefa tão fácil. Pensa em um cachorro liso que esquivava de todo mundo. Até que por um milagre divino conseguimos distrai-lo e o pegamos.
Girei sua coleira e forcei a vista para ler. Li uma vez e olhei imediatamente para a , depois para a Sophie. Li de novo porque não estava acreditando. Um sorriso se formou nos meus lábios e eu senti uma felicidade me consumir. Tirei a coleira do Plebeus e a segurei firme.
— Você está me zoando, né? — coloquei o Plebeus no chão.
— Não estou, não — pude ver seus olhos encherem de lágrimas, e automaticamente os meus também encheram-se.
— Amor, não é mentira? É sério?
Àquela altura eu já estava indo em direção a ela, pronto para abraçá-la o mais forte possível. Meu coração estava prestes a sair pela boca e minha felicidade não cabia dentro de mim.
— É sério!
Dei um beijo rápido nela e juntei nossos corpos num abraço apertado, e ela riu numa mistura de choro. Senti algumas lágrimas escorrendo pelo canto dos meus olhos e as limpei. Nos afastamos um pouco e eu ajoelhei de frente para sua barriga, coloquei as mãos ali e dei vários beijos seguidos por toda a região.
“Bebê à bordo!”, era a frase que estava escrita na coleira do Plebeus.
— O Plebeus foi tipo a cegonha dos desenhos animados — rimos. — Eu sou o homem mais feliz e realizado do mundo.
Peguei a Soso no colo e juntei nós três num abraço... ou melhor, nós quatro.
— Agora somos cinco — disse.
— Cinco?
— Eu, você, a Soso, nosso bebê e o Plebeus.
— Ah, claro. Claramente tivemos um aumento na família. Você está de quanto tempo?
— Quatro semanas.
— Por isso você estava passando mal esses dias atrás?
— Bingo! — ela sorriu e me abraçou de lado.
Como eu pude não perceber os sinais? Sempre que pedíamos algo diferente para comer, ela passava mal e achávamos ser coisa de tempero, mas vemos certamente que não era.
Eu estava extremamente contente com a notícia e também com um certo receio, talvez de não saber como fazer tudo de novo, mas as coisas iam dar certo. Juntos íamos nos sair bem.
Eu ia ser pai pela segunda vez! Sempre quis uma casa cheia, uma mesa completa e uma família transbordando amor. Era minha base e meu alicerce.
Decidi de uma vez por todas mudar para a casa da , vulgo minha antiga casa também. Finalmente as coisas tinham entrado nos trilhos e eu faria meu máximo para mantê-la no caminho certo. Do nosso jeito. Da nossa maneira. O porta retrato do nosso casamento estava de volta na estante e eu não me cansava de admirá-lo.
Eu estava em casa, lugar aquele de onde eu nunca deveria ter saído. Descobrimos que seríamos papais de um menino, e transbordamos de ansiedade misturado com alegria. A cena da alisando a barriga e conversando com o nosso bebê ficaria para sempre em minha memória. As pequenas mãozinhas da Soso apoiadas na barriga da mãe esquentou meu coração, e eu observei tudo bem quieto do canto da porta.
Eu a amava e ninguém poderia negar isso. Eu me sentia eu mesmo quando estava com ela, e todo o resto era nada perto da gente.
Ela notou minha presença e sorriu abertamente. Estendeu a mão para mim e eu me juntei a elas. Sentei do seu lado na cama, apoiei uma das mãos em seu ombro e a outra fiz um cafuné na Sophie.
— Eu te amo! — ela disse e encostou os lábios nos meus.
— Obrigado por ser você e por me dar mais do que eu podia imaginar — umedeci os lábios após nosso pequeno beijo. — Eu te amo demais, anjo.
when you're up in the clouds
there you are”