FFOBS - 11. Till I’m Old and Gray, por Hellica Miranda

Finalizada em: 05/10/2019

Capítulo 1

I wanna hold on to you
Find us a corner for two



Eu era o bebê de azul. Ela era o bebê de rosa. As convenções sociais importavam um pouco mais naquela época do que importam hoje. Felizmente.
Eu nasci no hospital. Ela nasceu em casa. No mesmo dia.
Nossas famílias se conheceram cinco anos antes do nosso nascimento.
A mãe dela trabalhava na minha casa antes e hoje, dezessete anos depois, ainda trabalha.
Isso significa que e eu crescemos juntos, apesar da distância social entre nós. A casa toda em que ela vive com os pais é do tamanho do meu quarto, mas eu nunca a ouvi reclamar. Depois que minha mãe permitiu que ela adotasse um cachorro, sete anos atrás, ela nunca reclamou de nada na vida. Wednesday, a cachorrinha dela, e Bruce, o meu cachorro, cresceram juntos no mesmo quintal, assim como ela e eu.
Por seis anos não frequentamos a mesma escola, até que ela conseguiu, com o mérito próprio da inteligência, uma bolsa integral no colégio particular onde eu estudo.
Eu nunca fui muito popular, apesar das tentativas e rios de dinheiro que meus pais gastaram tentando me dar festas de aniversário lendárias, roupas e tênis da moda e um carro sensacional.
Para ser sincero, isso nunca adiantou de nada. Todo ano, no meu aniversário, os mesmos babacas que me humilham na escola aparecem na minha casa, comem e bebem e brigam no quintal como animais selvagens.
E meu incrível carro, um BMW vermelho e elegante, conheceu a vida como é a de logo em seu primeiro dia na escola. O órgão genital brutalmente cravado contra a lataria chamava mais atenção que o próprio carro no caminho de volta para casa.
No banco do carona, parecia não dar a mínima. Ela nunca parece ligar para nada. Talvez por isso seja inatingível, a ponto de não ser ridicularizada na escola, e até bem respeitada, mesmo fazendo parte do grupo dos bolsistas.
Nesse exato momento, está no quintal, bem de frente à minha janela, jogando frisbee com Wednesday e Bruce.
Há muitas coisas sobre que as pessoas na escola não sabem, porque não conseguem ver através de sua fachada imaculada. Como o fato de que, apesar de não combinar nada com o exterior dela, ela dança balé perfeitamente, o que também foi um de seus pontos extras na prova para a bolsa na escola. Ela também se diverte genuinamente brincando com os cachorros no quintal.
Ela finalmente percebe que a estou observando, e corre até minha janela, prontamente sacando um dedo do meio para me oferecer. Ofereço outro como resposta, e ela ironicamente sorri.
Em alguns segundos ela está invadindo meu quarto, se jogando na cama com Bruce e Wednesday.
— O que está fazendo aí? — ela pergunta, apontando para mim, sentado em frente ao computador. Eu imediatamente fecho a janela do navegador. — Pornô? — quer saber.
Faço uma careta em resposta e ela começa a rir.
— É sério. — ela pergunta. — O que está fazendo que te estressou tanto? — aponta meus dedos ensanguentados.
Dizer que roo a unha é um belo eufemismo.
— O baile de formatura. — respondo. Ela arqueia uma sobrancelha, em sua expressão natural de curiosidade e surpresa. Como ela continua me encarando, respiro fundo antes de continuar. — Eu só... meio que estou pensando em convidar a Melanie. — eu não ouso olhar para a cara dela por alguns bons segundos até achar que é seguro. Não é. Quando a encaro, ela sustenta uma expressão exagerada de choque. — Pare com isso.
— U-A-U. — responde, jogando em mim meu pato de pelúcia, Ziggy. Eu o coloco gentilmente em cima da mesa, dando uma bronca nela com o olhar. — Bom, você e mais uns vinte caras. — ela diz. — Estão pensando em convidá-la.
Eu assinto, voltando a olhar pela janela.
Bruce e Wednesday já perderam o interesse em nós e estão de volta correndo no quintal. A vida é mais fácil quando se é um cachorro.
— Eu sei. É um dos motivos pelos quais estou tão nervoso. — respondo, reabrindo a página do navegador no meu computador.
Logo à minha frente, uma foto em que Melanie foi marcada no Facebook, com as outras meninas da equipe de líderes de torcida. Ela é simplesmente tão bonita que chega a doer. É uma beleza comum, um padrão americano esperado, mas Melanie consegue ser original. E incrível. E ela é a única entre os adolescentes mais populares da escola que nunca me fez uma vítima de bullying. Na verdade, ela nunca fez ninguém uma vítima de bullying.
— Qual é o outro motivo? — pergunta. Olho para ela com curiosidade. Não sei do que está falando. — Para você estar tão nervoso. — ela explica, gesticulando para eu desenvolver o assunto.
— Eu não sei dançar, .
Ela fica em silêncio por alguns segundos, depois começa a rir.
— Eu te ajudo, idiota.


Capítulo 2

When you grow older
I’ll be your shoulder still


Quando eu tinha cinco anos, me dei conta de que e eu éramos diferentes. Acho que, até então, eu acreditava que tudo era igual para nós dois. Parecia fazer sentido, já que morávamos na mesma casa, brincávamos no mesmo quintal, nos divertíamos juntos.
Mas era o centro das atenções, até mesmo para os meus pais. Eu vivia à sombra.
Uma vez se machucou com uma tesoura de jardinagem no quintal. Tanto meu pai — o jardineiro — quanto minha mãe — a empregada —correram a seu resgate. Era meu aniversário. Eles me deixaram sozinha na imensa casa que não era minha, para leva-lo ao hospital.
Sozinha em casa, eu chorei. Achei que meus pais o amavam mais do que a mim. Mas, quando eles chegaram, com costurado com seis pontos na perna, minha mãe chorava copiosamente. Meu pai derramou uma lágrima, que ele nunca soube que eu vi.
Eles tinham certeza de que iam ser demitidos. A tesoura não devia estar onde estava. Estava ali por um descuido do jardineiro, o meu pai.
Foi aí que eu entendi que eles me amavam demais, e era por isso que estavam desesperados com o acidente de . Sem o emprego, como fariam para cuidar de mim?
Quando os pais dele chegaram em casa, me trazendo de presente um par de sapatilhas de balé, meus pais encararam com coragem a possibilidade da demissão. Felizmente, isso não aconteceu.
Os pais de quiseram saber se ele estava bem de verdade, e isso foi tudo. A mãe dele abraçou a minha, e o pai dele deu um tapinha no ombro do meu.
Acho que esse foi o momento em que eu soube que e eu não éramos iguais.
Teríamos sempre a mesma idade, compartilharíamos o dia do aniversário e um monte de gostos peculiares e lembranças de todos os tipos, mas nunca seríamos iguais.
Mesmo assim, eu nunca tive raiva dele. Muito pelo contrário. Éramos amigos desde sempre, nos divertíamos juntos e compartilhávamos piadas e segredos desde sempre. Quando ele tinha medo do monstro embaixo da cama, corria para dormir no meu quarto ou me chamava para acampar na sala dele, com uma barraca de verdade e lanternas.
Não é possível — ou sequer justo — que as classes sociais sejam mais forte que isso, certo?
Errado. Enquanto deixo o quarto dele e vou para o meu, com a promessa de ajuda-lo diariamente nas semanas seguintes a aprender a dançar, só consigo pensar que toda nossa proximidade emocional foi para o ralo com a simples menção de Melanie Collins, a garota alta, magra, loira e rica por quem se apaixonou.
Bato a porta atrás de mim, assustando a minha mãe, que está em frente à pia, lavando nossa louça.
— O que aconteceu? — ela pergunta, olhando pela janela como se esperasse encontrar a resposta exatamente do outro lado.
— Desculpa. Não sabia que você estava aqui.
Ela tira o pano de prato do ombro e seca as mãos, andando até mim e sentando-se do outro lado do balcão.
— Onde você estava? — de início, ela sequer olha para mim. Não é uma pergunta difícil de se responder. — O que estavam fazendo dessa vez?
— Ele precisa de ajuda com... um problema. Coisa da escola.
Minha mãe assente, movendo algumas coisas em cima do balcão enquanto espera que eu fale mais.
— O baile é daqui algumas semanas. A formatura. — pego o molho de chaves da mão dela, girando-o entre meus dedos. — Ele está planejando chamar a Melanie.
Ela assente outra vez.
— Certo. E você vai com quem? — pergunta, finalmente me encarando.
Dou de ombros.
— Eu não vou a bailes. — é uma resposta óbvia. Cheguei até aqui sem participar desse show de horrores, e não pretendo ceder agora.
— Não é só sobre o baile que estou falando, sabe? — minha mãe diz. Ela sustenta o olhar sobre mim. Como é possível que pareça que ela vai ler toda a verdade de dentro de mim?
— Tem um monte de garotos por aí, não é? Não é como se não houvesse opção.
Minha mãe está certa, mas não gosto do rumo que as coisas estão tomando.
— Precisa de ajuda? — pergunto, apontando o restante de louça sobre a pia.
Minha mãe rola os olhos. Ela me conhece, sabe que estou desviando do assunto.
Mas eu a conheço, sei que não vai insistir nele.
E é por isso que nos damos tão bem.


Capítulo 3

And I will take you as my wife
You take my soul, take my life



Na hora do jantar, não consigo pensar em qualquer coisa que não seja o baile.
Quanto mais tempo esperar, menos chances terei, então decido que, logo após o jantar, vou mandar uma mensagem para Melanie e convidá-la para qualquer coisa em que eu possa olhar para ela e fazer o convite pessoalmente.
Só de pensar nisso já estou suando, e parece que meus pais podem ler minha mente e subtrair de lá todo tipo de informação constrangedora sobre isso e usá-las para me julgar em silêncio.
Enxugo as mãos suadas na perna da calça, e olho para os meus pais, um de cada lado da mesa.
Uma pontada de tristeza cresce em mim.
Seu casamento está morto há séculos e, como as estrelas, só vemos o que restou depois de muito tempo. Os dois são infelizes, mas não há realmente nada que eu possa fazer para mudar a situação.
Não trocamos uma palavra durante o jantar, e a primeira interação humana é só quando Bernice, a mãe de , chega para recolher os pratos e eu agradeço quando ela recolhe o meu.
Minha casa, em momentos como esse, é mais silêncios que um templo. Eu costumava me incomodar com isso, mas agora já sei que isso é um dos fatores que me moldaram como sou. Uma casa enorme e silenciosa, com pais infelizes vivendo de aparências... isso molda muitas pessoas por aí.
Em situações assim, não consigo evitar sentir inveja de e sua família, sempre tão íntimos, conectados, falantes. A esposa do meu tio uma vez disse que pobres são barulhentos. Sempre tive raiva dela por falas como essa, até que respondi a esta mesma fala com “Talvez a gente se parecesse uma família se fôssemos pobres” quando eu tinha doze anos.
Meu pai bebe um gole de suco antes de fazer a pergunta diária.
— Como foi seu dia?
Acho que isso o faz sentir-se bem, um bom pai, presente e atencioso. Eu não o culpo, mas seu interesse nada genuíno às vezes consegue me deixar furioso.
— Ótimo. — é minha resposta diária, seguida por algum comentário vazio sobre qualquer acontecimento irrelevante na escola. Ele suspira aliviado, com certeza tudo que ele menos deseja é se envolver em drama adolescente e, de qualquer forma, ele vai se esquecer em segundos, quando tirar o celular do bolso, olhar o horário e deixar a mesa de jantar. Ele então irá para a sala, onde ligará o laptop e trabalhará mais um pouco, com a desculpa de que precisa zelar pelo meu futuro, quando, na verdade, ele é simplesmente incapaz de sequer ser qualquer coisa além do próprio trabalho.
— O baile está chegando, não é? — minha mãe pergunta, esforçando-se para parecer animada e casual ao mesmo tempo.
Eu assinto, mas ela continua me encarando.
Minha mãe é uma mulher muito bonita.
Mesmo com todas as coisas pelas quais passou nos últimos anos, que lhe renderam algumas rugas ao redor dos olhos, ela ainda é bonita como nas fotos de seus bons momentos na escola.
Ela fora líder de torcida durante todo o ensino médio e capitã da equipe nos dois anos finais. Ela é esse tipo de pessoa, que faz tudo perfeito.
— Vai levar a ? — minha mãe pergunta, mantendo-se no controle de seu tom de voz, especialmente para não me assustar. Ela sabe que tenho tendências a me fechar no meu próprio casulo emocional.
Não respondo à pergunta dela. Já faz dois anos desde que ela cismou que e eu somos um casal, e nada nesse mundo é capaz de faze-la acreditar que não somos nada além de amigos.
— Estou planejando levar a Melanie. — respondo, já que ela continua a me encarar. Alguma louça bate com força na cozinha.
— Melanie...?
— Collins. Melanie Collins. — digo. A expressão de alívio e o sorriso em seu rosto só reforçam o que eu já sei. Apesar de acreditar em mim e como um casal, ainda é óbvio que ela prefere me ver circulando com uma garota que se encaixe no padrão das festas idiotas que ocasionalmente frequentamos só pelas aparências.
— Posso ajudar vocês com o traje, se quiserem. — ela diz, desistindo de conter a animação.
Assinto outra vez. Até que não é má ideia.


Capítulo 4

I know I just met you
But I want to take this ride



Às vezes agradeço por ver certas cenas horríveis. É sério, agradeço mesmo. É melhor ver cenas como Melanie Collins girando uma mecha de cabelos loiros enquanto conversa animadamente com atrás da arquibancada do que ser cega.
No único dia da semana em que chego bem mais cedo para o treino da equipe de corrida, dou de cara com o espetáculo circense de mau gosto que é toda e qualquer interação humana das quais garotas como Melanie Collins participam. É tudo tão artificial que já me sinto ficando doente só de olhar.
Eu sabia que a procuraria para fazer o convite para o baile pessoalmente, mas não esperava ter que assistir.
Quando percebo o que está acontecendo, penso honestamente em dar as costas e ir embora, mas a curiosidade é maior que eu. Não consigo evitar me esconder como uma criminosa e assistir de camarote como uma vizinha fofoqueira.
Aparentemente cheguei um pouco tarde, porque Melanie está saltitante depois de dizer “Claro que sim!” para .
— Pensei que você nunca convidaria. — ela diz, ainda sorrindo. Seus dentes brancos são tão artificiais que chegam a ter um brilho azulado. Me pergunto se esse dentista um dia vai pagar pelos crimes cometidos contra a humanidade.
— O quê? — pergunta. Meu Deus, como ele é lerdo. Ela está quase esfregando os peitos na cara dele e ele ainda parece confuso e incrédulo.
— Sabe, eu estava esperando que você me convidasse, tipo... mesmo, mas achei que você não convidaria. — ela explica.
fica vermelho. Imbecil.
— Ah, então...
— Está tudo bem, ! Fico feliz que tenha me convidado finalmente. — ela aperta o ombro dele com sua mãozinha de Barbie princesa, e ele fica mais vermelho ainda.
— A minha mãe se ofereceu para comprar os nossos... hum... trajes. — diz. Ele não consegue sequer olhar para ela por mais que dois segundo. Me pergunto como vai ser essa dança. — Claro que você pode escolher, claro. — e ele vai só ladeira abaixo.
— Nossa! Vai ser superlegal! — ela não consegue fechar a boca e guardar os benditos dentinhos azuis? — Então... a gente se vê mais tarde, né? Tenho trigonometria agora. — Melanie diz, finalmente tirando a mão do ombro dele.
— Claro. Claro! — ele responde.
Quando percebo que Melanie vai passar exatamente por onde estou, me enfio em um vão embaixo da arquibancada, encolhida e ajoelhada, tão insignificante ali que consigo passar despercebida.
O que exatamente estou fazendo da minha vida?


Capítulo 5

You and I
Never, ever, ever to return



Curiosamente, eu não consigo falar com durante todo o dia. Ela também não aparece no tempo combinado de sempre, e suponho que já tenha ido para casa. Talvez tenha ido de ônibus ou pegado uma carona com alguém do clube de música. Talvez.
Tenho muita coisa para fazer quando chegar em casa, e começar os ensaios para o baile é uma delas. Merda. Preciso de para isso também.
Espero chegar em casa para ver se ela está lá. Não está. Espero meia hora. Nada.
Envio uma mensagem e fico parado, que nem um idiota, esperando a resposta.
Nada ainda.
Saio do quarto e atravesso o quintal até a casa de . Sua mãe está lá, passando alguns dos meus uniformes da escola.
— Oi. — eu digo. — Licença. A já chegou?
Bernice olha para mim com curiosidade, depois sua expressão suaviza.
— Ela vai chegar mais tarde hoje. Não te avisou?
Balanço a cabeça, negando.
— Você sabe para onde...?
Bernice faz uma careta, indicando que não, ela não sabe onde está. É um pouco estranho, mas dou de ombros.
Ela nunca faltou a um compromisso comigo, então tento não ficar preocupado, mas não consigo. Tem alguma coisa errada, e isso me incomoda.
Decido esperar no quintal, jogando as bolinhas de tênis para Bruce e Wednesday correrem atrás, me devolverem e repetirmos o ciclo.
Treinar os dois fora uma tarefa difícil, mas divertida. e eu passávamos o dia todo insistindo, oferecendo petiscos para cada acerto, insistindo mais um pouco... os resultados foram bons. Nenhum dos dois fazia as necessidades dentro de casa, não destruíam os móveis e se comportavam bem com as visitas. Bruce e Wednesday são os cachorros perfeitos.
Olho a hora no celular mais uma vez. Combinamos às seis, e já são cinco e quarenta. Começo a ficar irritado. Vou para o meu quarto, bato a porta e me jogo na cama, surpreendentemente aborrecido.
Sem perceber, acabo caindo no sono.


Capítulo 6

And I’m asking of you
Let me be the one to
Carry you



— Acorda, imbecil. — eu quase grito, jogando o pato de pelúcia na cara dele, como sempre. Não sei como esse pato ainda está inteiro.
Ele se levanta no susto.
— O quê? O quê? O que foi? — às vezes acho que ele ainda tem pesadelos com o monstro embaixo da cama.
— São seis horas. — digo, virando a tela acesa do celular para a cara dele. — Hora de dançar, Don Juan.
A piadinha sai pela minha boca sem que eu a planeje. A cara de choque dele é grande, mas preciso manter a compostura.
— Te espero lá na garagem. Você tem trinta segundos para colocar uma roupa apropriada.
Saio do quarto dele, batendo a porta atrás de mim e indo esperar por ele na garagem.
Depois de passar o dia inteiro sentada no parque, com um livro que li do começo ao fim no mesmo dia, decidi que seria melhor arrancar o band-aid de uma só vez. quer aulas de dança para ir ao baile com Melanie Collins? terá aulas de dança para ir ao baile com Melanie Collins.
Simples assim. Porque sou esse tipo de pessoa. A idiota.
Ele demora um pouco mais que trinta segundos para aparecer na garagem com uma camiseta branca e calça de moletom verde. Se parece um pouco menos com ele mesmo.
— Vamos começar. — eu digo, virando-me para ligar o aparelho de som.
A música começa a tocar e eu o puxo pela mão.
é mais desengonçado do que um espantalho, mas tenho esperança.
Esperança é a coisa que eu mais tenho.


Capítulo 7

I’ll carry you home
Till I’m old and gray


— Eu não sou uma barata, . — ela diz, puxando-me para perto e esticando meus braços como se eu fosse uma criancinha. — Você vai colocar essa mão aqui na minha cintura. — ela leva minha mão até a própria cintura, dando um tapinha para indicar o local certo. — E esta aqui vai segurar a minha, bem desse jeito aqui. — ela cerra um pouco a mão, ligeiramente o formato de uma concha. — Tem muitos jeitos de fazer isso, mas acho que devemos ir pelo caminho mais fácil. — olha para mim, esperando alguma resposta.
Estou imóvel. Estático. Não consigo sequer abrir a boca. Ainda não estamos dançando e já é muito para mim. Estamos perto demais, tão perto que eu posso sentir o cheiro do perfume Dolce & Gabbana que ela usa desde que o ganhou de presente da minha mãe, dois natais antes.
Ficar tão perto assim de alguém é um pouco estranho. Muito estranho. Mesmo que seja . Ela ainda é uma garota.
? — ela pergunta, me encarando com curiosidade. — Vamos tentar desse jeito mesmo?
Eu assinto. Não sei nem do que ela está falando, mas, se ela está falando, eu confio.
— Você vai imaginar que tem um quadrado ao nosso redor. É assim que vamos nos mover, contornando esse quadrado. Certo? — pergunta, esperando minha resposta. Percebo que ela está usando sombra nos olhos. Ela é uma grande entusiasta do uso de delineador, mas sombra eu nunca a vi usar. Deve estar evoluindo no incompreensível mundo da maquiagem. — . Vamos lá. Um passo para a sua direita. — eu a obedeço. — Isso. Agora para a esquerda. — faço o mesmo. — Agora volte para a direita. Isso. E vire. — ela me empurra, para que eu me mova. — Estamos em outra aresta do quadrado. Certo? — eu assinto. — É assim que vamos nos mover. Direita, esquerda, direita, vira. Acha que consegue? — parece fácil. É claro que eu consigo. — Então vamos lá. Vamos tentar fazer isso no ritmo da música.
Eu assinto outra vez, e me concentro em fechar o quadrado no ritmo da música que toca. Está tudo indo bem, dentro do esperado, até que sinto uma elevação se movendo logo abaixo do meu pé.
— Puta que pariu! — exclama, puxando o pé e pulando com o outro sozinho no chão até o banquinho ao nosso lado. — Cacete, , isso não é um pé, é um tanque de guerra.
— Desculpa. Desculpa, desculpa! O que eu faço? — já estou desesperado. Eu sabia que isso ia acontecer. — Eu disse que não ia dar certo... eu disse que ia ser uma tragédia. Eu sabia. — digo, começando a roer a unha do dedão.
— Calma, cacete! — ela quase berra. — Vai lá dentro e me traz a bolsinha de gelo.
Eu assinto e saio correndo em direção à casa.
Bernice está na cozinha, cozinhando alguma coisa que não tenho tempo para identificar.
Abro o freezer com tudo, pego a bolsinha de gelo e saio correndo. Sinto o olhar de Bernice em minhas costas, mas preciso correr. Vitimei uma pessoa com meus incríveis dotes de dança e preciso contornar meu erro.


Capítulo 8

I see our kids in the park
Running around ‘till it’s dark
And as they grow older
We’ll help ‘em count the stars



Encerramos o primeiro dia de ensaio em menos de meia hora. é um desastre, e meu pé inchado é a maior prova disso. Faço exatamente como nos piores dias depois dos treinos na escola de balé. Enfio o pé em um balde de água quente e deixo lá por alguns minutos, depois tirando-o, secando e colocando direto na bacia de gelo.
Funciona um pouco, e a dor diminui o suficiente para que eu consiga ajudar minha mãe com a louça do nosso jantar e depois ir deitar.
— E aí? Como foi? — minha mãe pergunta, parada na soleira da porta do meu quarto. Depois de tantos anos, ainda temos o mesmo ritual.
— De todo modo, não foi tão ruim quanto eu esperava. — respondo.
Ela balança a cabeça, em discordância.
— Seu pé não acha isso, não é? — uma leve expressão de “eu avisei” surge no rosto dela, marcada entre as sobrancelhas.
— Acidentes acontecem. — dou de ombros, enfiando-me embaixo do edredom. — Boa noite, mãe.
— Boa noite, querida. — ela fecha a porta, e posso ouvir que ela demora um pouco para ir embora. Depois, ouço-a conversando na cozinha, logo ao lado do meu quarto, com meu pai, pelo telefone.
Já faz dez dias que ele está no México, desde que minha tia sofreu um infarto e ficou internada. Ele deve voltar em breve, mas sinto saudades.
Pego o celular no criado-mudo, e dou uma olhada nas aulas que terei no dia seguinte. Todo meu material está adiantado, então posso dormir em paz.
Bloqueio o celular novamente, conectando-o no carregador. Desligo a luz do abajur e me ajeito no travesseiro.
Estou exausta, mas, mesmo assim, minha cabeça está a mil.


Capítulo 9

Over and over
I’ll be where you are
Never far



Por incrível que pareça, leva pouco mais de uma semana para que eu pare de pisar no pé de em todas as aulas, ou fazê-la tropeçar. Aparentemente, não entendo nada de compasso, mas consigo aprender o suficiente para pelo menos parecer bem feito.
é uma excelente bailaria, e devo cento e dez porcento do meu quase sucesso a ela. Além de tudo, ela ainda é paciente. Na medida do possível, já que ela fala mais palavrões do que minha mãe no trânsito.
Já faz alguns dias que consigo manter o ritmo sem errar, esmagar o pé de ou causar qualquer outro acidente. Falta pouco mais de uma semana para o baile também, então já começo a ficar nervoso.
— E aí. — diz, enquanto contornamos o quadrado imaginário na nossa dança. — Quando vão escolher as roupas?
— Amanhã. — respondo. Estou ansioso por esse momento. Minha mãe nos levará até a boutique de uma grande amiga dela, e já faz uns cinco dias que Melanie tagarela animadamente sobre isso toda vez que nos encontramos na escola ou conversamos por mensagem.
— Boa sorte com isso. — diz, me dando um sorriso de conforto. Sei que não é cem por cento verdadeiro, porque ela está chateada. Sei reconhecer isso na minha melhor amiga.
Depois que o pai dela viajou, algum tempo antes, para o México, ela está diferente. Soube que uma tia dela infartou e foi internada às pressas, e a família não tinha condições de cuidar dela e de seus filhos.
Já faz três dias que o pai dela ligou. A tia não resistiu. Falecera aos cinquenta anos, deixando para trás três filhos, dois ainda menores de idade.
Meus pais haviam oferecido pagar as passagens de e Bernice para o velório e o enterro, mas elas não aceitaram.
— Por que vocês não aceitaram? — pergunto. Ela obviamente não entende do que estou falando. — As passagens. Para o velório.
Ela assente depois de entender o que eu queria dizer.
— Não fazia sentido. — ela responde. — Não vemos minha tia há anos. Não estivemos juntas enquanto ela estava viva, então não faz o menor sentido que façamos essa viagem quando ela não está mais lá.
Eu assinto. O assunto mata a dança, então decidimos parar e sair para dar uma volta.
Vamos à uma sorveteria no centro, onde tem o melhor milk-shake de todos. pede um de chocolate amargo, e eu de frutas vermelhas.
Bebemos em silêncio, sem trocar nenhuma palavra. Mesmo assim, não é desconfortável. Podemos falar sem parar, sobre qualquer coisa idiota, mas também podemos ficar em silêncio por horas a fio, apenas na companhia um do outro, sem nenhuma interação além disso.
Depois de alguns minutos, vejo algumas pessoas da escola entrando na sorveteria. Sinto meu corpo gelar de apreensão. São David, Mike, Connor, Juliet e Sarah, alguns membros do clubinho de elite que faz questão de me diminuir sempre que podem.
Por mais inacreditável que isso seja, eles não fazem nenhuma piadinha comigo. Só me cumprimentam e seguem para uma mesa nos fundos.
parece chocada. Mas só por alguns segundos.
— Isso é porque você está saindo com a Melanie? — ela pergunta, olhando fixamente para eles, que riem e conversam alto.
— Acho que sim. — respondo.
Definitivamente, Melanie Collins é a melhor coisa que aconteceu na minha vida.


Capítulo 10

You’ll never, ever, ever be alone



O baile acontece em dois dias. Nunca fiz contagem regressiva para nenhum evento ou acontecimento, mas estou fazendo agora. Faltam dois dias para o baile, e está desesperado.
Desde o dia anterior, parece que ele esqueceu tudo que aprendeu nas semanas de ensaio, inclusive como não esmagar meu pé a cada passo que ele desse.
Estamos sentados juntos no chão da garagem, com a música com a qual deveríamos estar dançando tocando inutilmente.
Já faz vinte minutos que estamos parados ali, deixando a playlist de músicas românticas do Spotify tocar no modo aleatório, quando decido que é hora de voltarmos a dançar. Chegamos longe demais para ele desistir agora.
Eu me levanto e estendo a mão para ele, que hesita um pouco antes de aceitar.
A nova música já está tocando no aparelho de som conectado ao iPod antigo, que herdei de quando ele ganhou um mais moderno.
não precisa que eu o posicione mais, e é a única coisa que ainda está estável nos ensaios. Ele me oferece a mão, do jeito que ensaiamos para a cordialidade do momento.

Take my hand
I’ll teach you to dance
I’ll spin you around
Won’t let you fall down

Como sempre, eu o guio em todos os passos, esperando que ele saiba conduzir a dança quando a hora certa chegar. Com Melanie.
Torço para que ele não acabe pagando mico, mas sei que fiz o que pude e ensinei a ele tudo que podia nas condições que eu tinha.

Would you let me lead?
You can step on my feet
Give it a try
It’ll be alright

ainda não é bom em controlar a velocidade dos passos, mas evoluiu bastante. Nos primeiros ensaios, ele dançava como se estivesse fugindo desesperadamente. E ele devia mesmo.

The room’s hush hush
And now is our moment
Take it in
Feel it all
And hold it
Eyes on you
Eyes on me
We’re doing this right

Conforme a música vai acelerando, consigo sentir os batimentos cardíacos de acelerarem também. Ele sempre fica nervoso quando a música se torna mais rápida. Eu olho para ele para confortá-lo, mas ele não parece se acalmar nem um pouco.
Pelo contrário. Demora menos que um segundo para que eu sinta meu pé direito sendo esmagado outra vez. Pobre pé.
Eu me abaixo imediatamente para ver o estrago dessa vez, e sinto um choque contra minha cabeça.
também está abaixado, parado logo à minha frente, olhando apreensivamente para o meu pé.
Os olhos dele são mais bonitos desse ângulo. Não se parecem tanto com os olhos da mãe dele, mas com ele mesmo.
Ele me encara, os lábios entreabertos de susto e preocupação, e seu rosto fica inteiramente vermelho.
Ele está tão perto que posso sentir sua respiração batendo em meu rosto da mesma maneira que meu coração batendo no peito.


Capítulo 11

All I’m asking of you
Let me be the one to
Carry you



O vestido de Melanie é rosa, adornado por desenhos florais brancos do topo até a barra. Minúsculos cristaizinhos aplicados cuidadosamente pelo tecido brilham de longe.
Ela parece uma princesa da Disney, ou alguma celebridade.
Ela também escolheu minha roupa, então visto um terno todo preto, com um colete preto com o mesmo padrão branco de seu vestido, e uma gravata do mesmo tom de rosa, com os mesmos cristaizinhos brilhando.
Me sinto muito parecido com o boneco Ken, mas o que importa é que Melanie parece satisfeita e feliz enquanto segura minha mão sobre seu colo no banco da limusine.
Estamos em oito no carro, e estamos todos rindo de piadas idiotas e comentários sem sentido. Connor, Mike e David já estão bebendo garrafas de cerveja quando chegamos ao hotel onde vamos jantar antes de irmos para o baile.
O motorista nos deixa na porta do hotel, com o combinado de que nos encontraríamos ali em duas horas.
— Não é lindo? — Melanie pergunta, animada. Ela segura meu braço como uma dama segura o de seu cavalheiro, e isso faz com que eu me sinta muito bem.
— É. É lindo. — respondo, olhando para o hotel e para ela, que sorri para mim com delicadeza.
— Vem, Mel! — Sarah grita, no meio do caminho entre nós e o resto do grupo, que já está acomodado em banquinhos no bar.
Eu sequer me pergunto o porquê de oferecerem bebidas alcoólicas tranquilamente para um grupo de adolescentes. Temos dinheiro. Isso resolve tudo.
— O que você vai querer? — Melanie pergunta, virando-se para mim. Ela tem um cheiro doce.
— Eu não bebo. — respondo.
— Tudo bem. — Connor diz, dando um tapinha em meu ombro. — Você não bebe em dias normais. Hoje não é um dia normal. — ele diz, me abraçando de lado em sinal de camaradagem. — Hoje, ... hoje é o melhor dia da sua vida.


Capítulo 12

I’ll carry you home
Till I’m old and gray



Minha mãe, meu pai e eu estamos sentados na sala assistindo a um episódio aleatório de Grey’s Anatomy, mantendo os olhos fixos na TV enquanto os médicos operam o cérebro de um menino que é campeão de soletração.
No ensino fundamental, e eu fazíamos parte do clube de soletração, e éramos imbatíveis. O pensamento me faz bufar, estressada.
A esta hora, ele já deve estar no baile com Melanie e os amigos dela. Quando ele saiu de casa com o carro, algumas horas antes, eu havia prometido a mim mesma que não ficaria pensando nisso.
Estaria ocupada ajudando minha mãe em casa, e fazendo companhia ao meu pai, que ainda está deprimido com a morte da minha tia. Mas parece que simplesmente não consigo não pensar nisso.
Fico imaginando a escola, lotada, com todos olhando para e Melanie chegando juntos, um casal improvável e inesperadamente bonito.
Sim. Eles ficam bonitos juntos. Sei disso porque vejo no Facebook a foto em que a mãe de Melanie os marcou. Eles estão parados, quase abraçados, em frente à gigantesca piscina da casa de Melanie, parecendo um casal de mister e miss alguma coisa.
. — minha mãe diz, desviando o olhar da televisão para mim pela primeira vez. — O baile já começou? — rolo os olhos com a pergunta. Sei o que ela está tentando fazer. Ela quer que eu vá ao baile, de qualquer maneira.
— Querida. — surpreendentemente, dessa vez é meu pai quem diz. — Não perca a oportunidade por orgulho. Não é uma experiência que vai se repetir em algum momento. É o último baile. A última chance.
Sei que olho para ele com os olhos arregalados.
— Não tenho um vestido. — é a primeira coisa que surge na minha cabeça.
Meus pais se entreolham.
— O que está acontecendo? — pergunto.
— Vem. Vem comigo. — minha mãe diz, puxando-me pela mão.
Ela me leva até a minúscula despensa, onde a tábua de passar roupas está em pé, encostada na parede. Pendurado nela, está um saco plástico com um formato que posso reconhecer de longe.
— Mãe...
— Não se preocupe com o preço. — ela diz. — O que importa é o valor. Vale muito para mim. E sei que vai valer muito mais para você.
Sinto meus olhos arderem.
Ela puxa o saco, entregando-o para mim. Eu o abro imediatamente, e um vestido incrível surge logo à minha frente. É todo preto, e suponho que deva ir até o joelho, justo até a cintura, e aberto em uma saia evasê com pregas arredondadas.
Sem palavras, eu abraço minha mãe, bem apertado, depois corro para a sala e abraço meu pai da mesma maneira.


Capítulo 13

And I’m asking you
Just let me be the one to
Carry you



Minha visão está turva e escura e, conforme eu me movo, tudo parece rodar ao meu redor. Ouço a música que toca no bar do hotel se distanciando enquanto eu ando para longe dali.
Não sei para onde estou indo, mas Melanie está segurando minha mão, então tento não me preocupar.
Consigo ouvir a risada dos garotos atrás de mim, mas não consigo vê-los quando viro a cabeça de um lado para o outro à sua procura.
De repente, Melanie para em minha frente, estica os braços e os entrelaça ao redor do meu pescoço. Ela cheira a álcool. E doce. Álcool doce.
Ela olha para mim como um predador olharia uma presa, e não sei como me sinto sobre isso até sentir os lábios dela encostando nos meus.
Ela tem gosto de álcool e doce conforme aprofundamos o beijo.
As coisas continuam girando ao meu redor, a risada de Connor, David e Mike continua atrás de mim, eu continuo sem saber onde estou.
Estou com calor. Talvez seja por conta do beijo, mas estou com muito calor.
Tento respirar fundo quando Melanie se afasta de mim, ainda com os braços em volta do meu pescoço.
— Mel... — eu consigo dizer, mas acho que já é tarde demais, porque estou flutuando em direção ao chão, depois vendo os rostos de Melanie e seus amigos logo acima de mim, para todo lado, rindo em volume máximo, ecoando pela minha cabeça.

***
Quando abro os olhos, minha cabeça dói. Na verdade, parece que um vulcão entrou em erupção dentro de mim. Estou fervendo. Levo a mão até a testa, que está úmida e gelada.
Pisco algumas vezes, tentando enxergar melhor. Estou no chão. O teto acima é sujo e encardido, e não tenho a menor ideia de onde estou.
Tento me levantar, mas a tontura é maior que qualquer coisa. Viro a cabeça para olhar ao redor.
Estou cercado por prateleiras brancas cobertas de produtos de limpeza, caixas, rodos e vassouras. Não sei que lugar é esse. Nunca estive aqui.
Sinto frio e, quando olho para baixo, percebo que, exceto pela minha cueca branca, estou pelado.
O entendimento me atinge como um golpe.
Eles tinham armado para mim. Todos eles. Inclusive Melanie.
Sinto a decepção tomando conta de mim, o peito doendo pelo desapontamento.
Sou um idiota. Sou um idiota. Sou um idiota estúpido e burro.
Sou o retrato do fracasso. O mais fodido entre todos os outros fodidos.
Com algum esforço, consigo me levantar, praticamente me arrastando até a porta. Giro a maçaneta, mas nada acontece.
As lágrimas começam a escorrer por meus olhos sem que eu consiga sequer tentar controla-las.
Eles me deixaram preso ali. Melanie me deixou preso ali.
Bato na porta dezenas de vezes, chamo, exclamo, grito, mas ninguém aparece.
Minha garganta já está doendo, e minha mão também, então desisto. Sento-me de costas para uma das prateleiras, encolhido com os joelhos contra o peito. E fecho os olhos.
Algum tempo se passa até que ouço uma chave girar na fechadura. Não consigo ter forças sequer para me levantar.
Não restou muita coisa de mim, e estou enjoado por causa de seja lá o quê eles colocaram na minha bebida.
Uma senhora aparece na porta, e ela dá um berro.
— Meu filho! O que aconteceu com você? — ela pergunta. Me surpreende que ela não esteja assustada, porque ela corre para dentro do minúsculo cômodo e se ajoelha ao meu lado, virando minha cabeça para si.
Estou zonzo. Quero vomitar. Quero chorar mais um pouco. Quero desaparecer.
— Vem. — ela diz, estendendo a mão para mim. — Vamos sair daqui.
Ela puxa uma imensa toalha branca de dentro de uma das caixas, jogando-a por cima de mim como um manto.
A mulher me puxa pela mão por alguns corredores, depois descemos uma rampa e ela abre uma porta.
Quatro pessoas estão sentadas à uma pequena mesa redonda, comendo. Surpresos, todos olham para mim. Eu me encolho ainda mais.
— Doparam o garoto. Deixaram ele pelado no almoxarifado. — a mulher que me resgatou explica.
Todos parecem em choque.
— Tem um uniforme reserva que tenho certeza que vai servir em você. — um dos rapazes diz, prontamente se levantando e abrindo outra porta. Não demora muito para ele voltar, com uma camisa branca, uma calça preta e um par de Crocs pretos desgastados. — O sapato achei nas coisas de um antigo funcionário. — ele diz, entregando-me a pilha.
— Obrigado. — não consigo dizer muito mais que isso. O rapaz me guia até um banheiro pequeno, onde bato a porta e, em silêncio, visto a roupa doada.
Quando saio, todos estão olhando para mim, apreensivos.
— Alguém pode me emprestar um telefone? — pergunto.
Uma das garotas me estica a mão, segurando seu celular, já desbloqueado.
Digito um número e espero.


Capítulo 14

I’ll carry you home
Till I’m old and gray



Chego no hotel tão rápido que estou sem fôlego, mesmo com a mãe de dirigindo.
Desço correndo, sem nem esperar por ela.
Área de serviço. Área de serviço. Ele está na área de serviço. Onde fica essa porra?
Encontro um rapaz vestindo o uniforme do hotel. Antes que ele possa processar o que está acontecendo, eu o agarro pelo colarinho da camisa branca.
— Onde fica a área de serviço? — eu praticamente solto um rosnado, e ele não responde nada. — Onde fica a porra da área de serviço? — repito.
— Segue o corredor até o final, desce a rampa à esquerda, segunda porta.
Eu o solto, e corro na direção indicada.
Meu nível de adrenalina está alto, e meu coração bate tão rápido que sinto que vou entrar em colapso logo. Que se dane.
Sigo o maldito corredor, desço a maldita rampa, abro a maldita segunda porta e...
está sentado no chão, encolhido, abraçando as próprias pernas. Seu rosto está inchado, e sei que ele chorou muito. sempre foi de chorar, mas, dessa vez, me dói um pouco mais que o normal.
Os cabelos dele estão grudados contra a testa, colados com suor.
. — eu digo, batendo a porta e sentando ao lado dele.
Ele encosta a cabeça em meu ombro, e a dor no meu peito evolui para raiva. Ódio. Quero matar Melanie Collins. Quero matar os amigos dela. Estou tão nervosa que começo a chorar também.
— Eu sinto muito. — digo, envolvendo-o em um abraço. — Sinto tanto, ...
— É culpa minha. — ele diz, com a voz embargada. — Eu sou tão burro, ... sou muito idiota... eu realmente acreditei... acreditei que ela podia gostar de mim e... — ele suspira, tentando se acalmar. — Por que eles fizeram isso comigo? — ele me olha nos olhos, e os seus estão marejados, vermelhos, inchados.
— Porque você é você. — respondo. — E eles são idiotas. Idiotas que não sabem lidar com a pessoa incrível que você é.
Ele fecha os olhos.
— Eu sou muito estúpido... muito estúpido... — ele continua repetindo. Eu seguro sua mão.
A porta se abre, e uma funcionária do hotel aparece. Ela olha para nós com compaixão, mas passa por nós rapidamente.
Com a porta aberta, consigo ouvir a música que toca no saguão.
. — eu chamo. — , vem. Vamos lá. — ainda segurando a mão dele, uso toda a força que tenho para puxá-lo. Ele me olha com curiosidade. — Vem. Vamos fazer isso.
A música que toca é a mesma com a qual ensaiamos tantas vezes. Consigo identificar a melodia — e o compasso — mesmo de longe.
permanece segurando a minha mão, com força.
. — eu digo. — Aceita ser meu par nessa dança? — faço um floreio exagerado e ele solta um risinho, ainda que triste, e assente.
— Vai ser uma honra.

‘Cause lovers dance when they’re feeling in love
Spotlight’s shinning it’s all about us
It’s all about us
And every heart in the room will melt
This is a feeling I’ve never felt but
It’s all about us




Suddenly
I’m feeling brave
I don’t know what’s got into me
Why I feel this way
Can we dance
Real slow?
Can I hold you
Can I hold you close?

e eu dançamos no saguão do hotel, mesmo sabendo que todo mundo olhava para nós. Fora dos parâmetros do ensaio, eu a fiz girar, puxando-a de volta para mim, fechando inúmeras vezes o quadrado ao nosso redor.
— Ei, vocês dois. — é minha mãe chamando, assim que a música acaba. — O que acham de ir para o baile? Ainda dá tempo.
Eu olho para , e ela está olhando para mim. Assentimos juntos, e corremos para o carro.
Descemos em frente à escola em menos de dez minutos.
está linda, e eu estou vestido de garçom, com uma roupa com cheiro de mofo e naftalina, mas não estou nem aí. Posamos para fotos na entrada, cumprimentamos professores no corredor e corremos para a pista de dança.
Posso ver que estão olhando para nós. Um corredor se abre, e Melanie aparece no meio dele, olhando para nós dois, incrédula.
faz menção de ir até ela, mas eu a seguro pela mão.
— Deixa para lá. — digo. — Não vale a pena.
Estou com raiva. Estou puto para cacete, mas não quero estragar a noite que Connor disse que seria a melhor da minha vida.
Eu não tenho nos braços a garota que se parece uma princesa da Disney, mas tenho a garota que esteve ao meu lado a vida inteira. Uma garota mimada, egoísta e fútil como Melanie nunca seria capaz de viver comigo a melhor noite da minha vida.
Pensando nisso, olho para , tão perto de mim, o perfume Dolce & Gabbana suavemente dançando no pequeno espaço entre nós. não se parece com uma supermodelo, mas ela é mais que isso. Ela é minha maior companheira, minha parceria, e meu porto seguro...
Imediatamente, é impossível acreditar — e aceitar — que joguei meu primeiro beijo fora.
— No que está pensando? — pergunta, olhando para mim com curiosidade.
Eu balanço a cabeça. Nada.
— Fala. — ela diz, pisando no meu pé de propósito.
Eu rolo os olhos, envergonhado.
— Eu desperdicei meu primeiro beijo. — respondo. É tão ridículo que não consigo olhar para ela.
Ela começa a rir. Curioso, envergonhado, e agora um pouco irritado, eu olho para ela.
— Mas eu não. — ela diz, parando na ponta dos pés e selando nossos lábios.
Connor estava certo.


Sempre há uma outra chance, uma outra amizade, um outro amor, uma nova força.
Para todo fim, um recomeço.”
— Antoine de Saint-Exupéry
(O Pequeno Príncipe)


Fim



Nota da autora: Sem nota.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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