11. Under Pressure

Última atualização: 05/09/2018

Capítulo Único

pegou um exemplar do jornal ainda quente que acabava de ser impresso. Enquanto a pilha de impressões aumentava, ele corria os olhos pelas folhas em suas mãos.
As notícias eram enxutas, excessivamente objetivas e nem sempre tão verídicas e bem explicadas como ele gostaria. Não era para isso que ele tinha decidido se formar em jornalismo. Acreditava com todas as forças no poder que as informações tinham de mudar o mundo. Acreditava também no direito de acesso igualitário a essas informações e defendia essa causa desde o início de sua formação acadêmica. Dê a um homem o conhecimento e ele mudará o mundo.
Por outro lado, o mundo realmente estava mudando. Grandes obras viárias e energéticas continuavam a ser construídas. Hidrelétricas de um lado, grandes estradas de outro. Mais pessoas tinham carros e, cada vez mais, abasteciam os mesmos com álcool. Mais pessoas estavam matriculadas nas faculdades. Muitas famílias tinham televisores em casa e a rede televisiva tinha se tornado a maior fonte de entretenimento. E também a mais facilmente manipulável e controlável.
Por outro lado, a desigualdade social estava cada vez mais profunda. A liberdade de expressão e o direito à informação estavam cercados de todos os lados, de mãos dadas ao poder político que deveria emanar do povo. Tinham redatores em todos os cantos, controlando cada mísera publicação e edição. Isso sem contar as torturas, assassinatos e exílios daqueles que tiveram o azar de não conseguir se manter em absoluto silêncio.
sorriu pesaroso para as folhas do próprio periódico, ressentido por ter de fazer aquilo, mas um tanto orgulhoso por estar se levantando contra todo aquele mal, mesmo que de forma tímida.
Vários exemplares do mesmo circulavam por universidades e, por isso, as tiragens vinham aumentando. O sucesso estava se consolidando entre a classe média que também manifestava descontentamento.
Cada drible na censura era quase uma festa no jornal. Os cartunistas criavam charges e tirinhas com personagens alegóricos - incluindo a própria figura do Diabo - que representavam sutilmente as diferentes classes representantes da acidez de uma sociedade que sofria. A previsão do tempo, muitas vezes completamente sem sentido para a meteorologia, estava ali para alfinetar o panorama com o prenúncio de “tempos fechados, obscuros” e “ventos fortes que machucam”. Na seção policial, estava uma receita familiar de pão de queijo. No meio de uma publicação do caderno de política, havia um soneto clássico de Luís de Camões escancarando de maneira quase cômica a falta de algo ali. Algo que havia sido retirado à força. E, àquela altura, todos sabiam exatamente o que significava aquele perceptível buraco que os versos portugueses assinalavam.
O jornalista repousou o bloco de papéis sobre sua mesa no canto da sala e procurou seus objetos pessoais espalhados por ali no intuito de guardá-los em sua pasta marrom de couro gasto. Trancou suas gavetas e saiu, exalando o ar com força. Após horas e mais horas de incansável busca por informações e meios para disseminá-las, voltar para casa era como uma lufada de ar fresco. Algo entre o conforto de sentir o cheiro de biscoitos recém-assados e a sensação de pertencimento de retornar aos braços de quem você ama tão incondicionalmente a cada batimento cardíaco.
Dirigiu calmamente até sua casa, buscando evitar o caminho mais movimentado. Ao avistar a pequena casa amarela levemente desbotada, seu coração sorriu involuntariamente. Literalmente, estava em casa. Em todos os sentidos disso. Tudo o que precisava nesse mundo estava logo ali dentro. Só precisava abrir a porta.
Ao ouvir o barulho da trança se virando, a mulher pegou o pano de prato para limpar suas mãos recém-lavadas devido a um pequeno incidente com uma massa um tanto grudenta demais.
se aproximou da mulher com um sorriso acolhedor e beijou levemente os lábios da esposa.
— O que você está fazendo aí?
bufou levemente, sentindo-se frustrada por completo.
— Na verdade, eu estava tentando assar um pão. Mas, aparentemente, essa massa me odeia e virou um puxa-puxa infinito. Parecia bem mais fácil na receita - murmurou fazendo um biquinho que arrancou risadas do homem.
— Tenho certeza de que está maravilhosa, assim como tudo o que você faz.
— Vou me lembrar disso da próxima vez que você reclamar da minha salada de berinjela.
— Mas o problema não é você, é a berinjela - ele disse. — Você sabe que eu detesto.
— Sei - ela admitiu. — Agora, suba e tome um banho enquanto eu arrumo as coisas por aqui.
— Você não quer me acompanhar? - Ele sorria de uma forma brincalhona, mas carregada de malícia.
mordeu os lábios para segurar o riso. Ergueu as sobrancelhas em um completo ar de superioridade, como se não desse a mínima para ele ou para a sugestão.
— Não acho que você mereça minha incrível companhia.
abriu a boca, exagerando uma feição de completo choque. Suas mãos voaram rapidamente para a cintura da esposa, arrancando gritinhos da mesma devido às cócegas recebidas. Em um rápido movimento dos braços, sustentou a mulher no colo e a carregou corredor afora, ignorando completamente os tapas em suas costas que não machucavam nem um pouco.


+++



Era um sábado de sol. Um daqueles tão quentes que você quase decide que usar roupas dentro de casa é algo totalmente desnecessário e superestimado. Um daqueles que você torce para que os artrópodes incômodos não encontrem os caminhos das janelas porque as mesmas têm de ficar abertas para que o pouco de vento que ainda existe circule com mais liberdade. Um daqueles que as pessoas comparam ao inferno na Terra, mas essa comparação já não valia de muita coisa quando o verdadeiro inferno tinha sido decretado e institucionalizado por uma certa lei de número cinco.
No entanto, em um dia como aquele em casa, tentava ao máximo ignorar o inferno e trancá-lo porta afora. Afinal, ele ainda era um ser humano como qualquer outro e precisava de algum descanso. Era por isso que estava estirado na cama de casal, sem camisa, aproveitando a massagem incrível dos hábeis dedos de .
O hidratante de morango com champanhe que a esposa usava nas costas dele era um tanto doce demais, mas a doçura acabava sendo inebriante de uma forma bem agradável. A única coisa em que ele conseguia pensar era como desejava poder passar a vida inteira ali.
— Meu Deus! Por que isso tem que ser tão bom?
— Porque eu sou algum tipo de deusa da massagem - respondeu. — Sou tão boa que acho que devia começar a cobrar.
— Não deveria cobrar de mim.
— Não. Você e nossos filhos terão massagem gratuita.
se arrumou rapidamente na cama, virando-se de forma que fosse capaz de visualizar por completo a face de sua amada. O tópico “nossos filhos” era um tanto delicado e paradoxal. Era um sonho que eles tinham de expandir a família e, simultaneamente, um terror pelas tentativas completamente frustradas até então. Como uma linda rosa vermelha e vistosa que chamava a atenção, mas espetava os dedos com seus espinhos. Não era como se tivessem simplesmente perdido as esperanças, mas às vezes a vontade de desistir parecia muito perto de conseguir falar mais alto. Mesmo que mantivessem em mente que valia a pena lutar por algumas coisas, o medo de que todo o esforço simplesmente fosse em vão não poderia ser de todo ignorado.
E se ele nunca fosse conseguir? E se ela nunca fosse conseguir? E se o universo estivesse conspirando contra eles? Eram perguntas que constantemente assombravam suas mentes, mas para as quais morriam de medo de receber a resposta precisa. Existem algumas coisas na vida que você apenas prefere não saber. É como um mecanismo de defesa. Se você não sabe, então não é verdade.
Pense um pouco. Quem realmente estaria interessado em saber o dia e a forma de sua morte e saberia lidar com isso de forma completamente natural e despreocupada? Quem realmente gostaria de ter seus sonhos destruídos pela simples fuga das tentativas frustradas? não era uma dessas pessoas raras - ou mesmo nulas. Ela preferia ter a chance de continuar a acreditar, por mais difícil e exaustivo que isso fosse.
— Ei, não fica assim - disse, erguendo o queixo dela. — Você sabe que ainda vai dar certo.
assentiu com pesar. Naquele momento, tinha mais medo que certezas. Era impossível não se sentir ao menos um pouco decepcionada. Ou muito.
— Inclusive, acho que nós poderíamos tentar mais uma vez - o homem disse, lançando um olhar sugestivo para ela. — O que acha?
— Acho uma ótima ideia.


+++



O cheiro do queijo gratinando lentamente já se espalhava por toda a cozinha. A visão da lasanha borbulhando no forno já instigava o estômago de , que sempre teve muito orgulho daquela receita divina de família. Tinha aberto um suco de uva integral extremamente concentrado para criar a ilusão do vinho acompanhante das massas que ela não poderia consumir naquele momento. O sorriso involuntário estampava seu rosto sempre que a ideia retornava à sua mente. O coração até se perdia entre as próprias batidas, incapaz de conter a própria excitação. Mal conseguia acreditar que aquilo realmente estava acontecendo finalmente.
encarou o relógio de acrílico preto na parede, ansiosa ao perceber que já deveria estar perto de chegar. Fitou o pequeno embrulho azul claro coberto por uma fita branca decotada em laço. Já conseguia imaginar as possíveis reações do marido ao abrir a caixinha e se deparar com o par de sapatinhos tão pequenos que mal preenchiam a palma de uma mão. Ele perderia a fala ou ficaria completamente desacreditado até que a ficha caísse. Tinha certeza de que lágrimas escorreriam e não só da parte dele. Seu corpo parecia completo de tal forma que dava a impressão de estar prestes a explodir a qualquer instante. Se existisse algum tipo de felicidade plena e superior a que um ser humano poderia se submeter, então tinha finalmente encontrado a sua. Aquilo deixava até sua respiração mais profunda coberta de uma leveza sem igual. Suas sensações pareciam todas cobertas pela seda mais pura e o algodão mais fino e macio. Não conseguia de forma alguma tirar aquele sorriso bobo do rosto.
Com uma longa inspiração, a mulher fechou os olhos na intenção de reviver da forma mais nítida possível aquela lembrança que, de repente, retornava-lhe à memória de forma avassaladora. Era a primeira vez que e ela conversaram sobre a possibilidade de expandir a família.

e estavam sentados ao redor de uma pequena mesa coberta por uma toalha xadrez branca com vermelho. Era um restaurante simples, mas tinha os melhores pratos de massa da região se considerassem o famoso “custo-benefício”. Era o tipo de comida que fazia você salivar só de pensar naquele molho de tomate tão espesso e saboroso.
— Sabe o que eu percebi? - perguntou, usando a mão para disfarçar a boca que ainda não estava completamente vazia.
— Se for para falar que encontrou algo estranho na comida, por favor, não fale - pediu. — É boa demais para eu ter essa decepção gigantesca.
— Claro que não é isso, sua boba. - Ele ria. — É que nós estamos juntos há anos e nunca sequer encostamos no assunto “filhos”.
A mulher suspirou, tranquilizando-se um pouco. Sinceramente, estava esperando algo pior.
— Acho que só não tínhamos encontrado um momento adequado. - Ela deu de ombros, voltando a levar o garfo à boca.
— Bom, acho que eu acabei de forçar o momento, de certa forma. Perdão. É só que me ocorreu de perceber isso e fiquei com receio de que pudesse gerar algum conflito.
— Conflito? Só porque você quer ter filhos? Ou é porque não os quer?
— Não, eu quero. É que, sabe? Não sei. Se você… - começou a dizer de forma atrapalhada, recebendo a risada doce de que decidiu interrompê-lo ao perceber o rubor em suas bochechas.
— Pode respirar. Eu também quero. Sempre sonhei em ter pessoinhas em miniatura correndo pela casa e me obrigando a gastar toda a energia que eu nem sabia que tinha.
O homem estreitou os olhos, de forma a arquear levemente suas sobrancelhas grossas. Aquela declaração não parecia exatamente a mais amistosa de todas.
— Isso soou um pouco irônico - ele murmurou, fazendo com que ela risse novamente.
— Não é irônico. Eu sei que a maternidade vem com o ônus do desgaste até a última gota de suor, mas eu também quero isso. Nunca serão só flores, mas eu estou consciente e disposta o suficiente para passar pelos espinhos. Qual é? Você sempre soube que eu fazia o estilo realista muito mais do que o idealista.
— Sei, sim. E você sabe que eu compartilho desse ponto de vista. Mas tem uma coisa que eu idealizo muito sobre isso.
— Ah, é? O quê?
— Eu sonho muito com a carinha dele. Tudo o que eu espero é que ele tenha o seu sorriso lindo e essa covinha que surge quando você torce o seu nariz para mim.
— Eu espero que ele tenha a sua criatividade e a sua sede de conhecimento. E os seus olhos atentos para as delicadezas do mundo.
— Mas com a sua capacidade de enxergar algo de bom em tudo. Quero que ele tenha esse jeito de levar a vida com mais leveza e, principalmente, esperança.
— Com certeza eles serão crianças maravilhosas. - suspirou, permitindo que sua mente mirabolante já criasse vários cenários familiares. Piquenique, lanches da tarde, festas de criança, o primeiro dia de aula, primeiro dentinho a cair, primeiro beijo… Tantas coisas a reviver, mas agora do outro lado. O lado que cuida, que zela, que oferece um abraço caloroso e seca as lágrimas insistentes que escorrem pela face.
— Eles? - perguntou.
— Claro - ela confirmou rapidamente. — Um menino e uma menina. Não necessariamente nessa ordem.
— E como eles vão se chamar?
— Ele chamará , como o pai. E ela… Bom, não sei. Gosto de Elizabeth.
— Acho que ainda teremos que conversar melhor sobre esses nomes - ele disse entre risadas, recebendo um tapa leve no braço em seguida.

E sabia que era verdade. Depois que desse a grande notícia, eles provavelmente passariam vários dias discutindo uma lista infinita de nomes sobre os quais dificilmente concordariam tão cedo. Ela estava ansiosa por aquela discussão.
Agarrou-se ao pequeno embrulho, permitindo que seus longos dedos brincassem um pouco com a fita que o amarrava delicadamente. Seu coração deu pulinhos no peito ao tomar consciência do horário. deveria chegar a qualquer momento.
Mas não chegou.
E não chegaria.
O jornal estava completamente revirado àquela altura. As impressões estavam permeadas por rasgos, pisões e divisões aleatórias sobre o chão. Todo o material de confecção estava quebrado e degradado devido aos chutes e ataques com bastões e porretes. Os objetos pessoais estavam definitivamente longe demais de suas mesas correspondentes. Os jornalistas sequer estavam lá para contar a história. Tudo isso por causa de uma notícia.
Nas entrelinhas de uma matéria sobre a copa do mundo que se aproximava, estava a denúncia do grande desvio de dinheiro tomado pelas grandes obras públicas rodoviárias. O anúncio da corrupção fora um risco que todos ali aceitaram correr em prol da mínima possibilidade de conseguir difundir aquela informação de alguma forma. Se eram eles os responsáveis por informar, tinham que fazer o possível e o impossível para que as notícias fossem divulgadas.
Infelizmente, não era assim que as cabeças do poder pensavam. e os outros jornalistas foram presos sem maiores avisos para suas famílias ou amigos. Sumiram do mapa com a mesma rapidez com que se desfaz de um cílio indesejado caído no rosto. Como se as vidas não importassem. Como se os sonhos não importassem. Como se as esposas que estavam esperando não importassem. Como se os filhos ainda por nascer não importassem. Porque, para aqueles que só tinham em mente manter o próprio poderio, eles realmente não tinham importância alguma. Era o peso dos anos de chumbo batendo à porta e não havia a opção de não abrir.


+++



estava sentada, olhando pela janela. as árvores que balançavam com o vento lá fora. A poltrona reclinável já tinha praticamente se adaptado ao formato de seu corpo após tantos anos de contínua parceria e intimidade. Aquele estofado escuro tinha se tornado sua maior companhia, em especial nos últimos tempos. Gostava de se sentar ali. Adorava observar as folhas dançando e caindo, acompanhadas pela harmonia dos pássaros cantores. Às vezes, alguma criança passava por ali no caminho de sua brincadeira e acenava sorridente, escancarando a boca que sentia falta de alguns dentes recentemente perdidos.
O barulho de chaves na porta fazia com que ela se levantasse para virar o rosto. Queria visualizar o visitante, observar os traços de sua face, as reentrâncias de suas bochechas, o brilho em seus olhos… Apenas queria ver. Era o que podia fazer.
O rosto belo fez com que seu coração se agitasse. As sobrancelhas grossas e escuras lhe arrancaram um sorriso.
, meu amor! Por que demorou tanto para chegar? Alguma reunião no jornal?
O rapaz respirou fundo, sentindo o nó na garganta. Era a menção ao jornal que sempre lhe garantia que ela o estava confundindo uma vez mais.
— Não tem jornal algum, mãe. Quem trabalhava lá era o meu pai. Eu sou Junior, seu filho.
piscou algumas vezes como se estivesse absorvendo uma informação inédita. O filho, no entanto, sabia que era uma situação um tanto - dolorosamente - frequente.
— Vocês se parecem tanto. E quando ele volta?
— Ele se foi, mãe.
A mulher sentiu as lágrimas umedecendo as marcas que a idade depositara abaixo de seus olhos.
— Quando?
— Vou pegar a sua carta - ele anunciou e sumiu de seu campo de vista. Logo, voltou com o envelope e o estendeu a ela.
tentou decifrar os símbolos algumas vezes, dando-se por vencida após algum tempo. Sua visão não estava colaborando. Devolveu a carta ao filho.
— A senhora quer que eu leia?
A mais velha assentiu levemente. respirou fundo antes de começar a vocalizar as palavras que ele já conhecia tão bem.

“Querida ,
É um tanto bizarro te tratar em terceira pessoa, mas acho que o ato de escrever uma carta para si própria já é estranho por si só. E triste também. Dadas as condições em que você se encontra, sei que o momento em que precisar ler essa carta será devastador por si só. Sei também que, provavelmente, não será um sofrimento único. Temo que você vá ter de ler essa carta mais de uma vez. Eu definitivamente não queria ter de passar por isso, mas é o que nos resta como manutenção de nossa memória.
Para alguém que viveu em uma época de censura e ausência de informações, é dolorosamente irônico ter descoberto o Alzheimer tão cedo. Não é nada fácil receber a notícia de uma doença como essa. Mas acabou parecendo um fardo ainda maior para quem passou tanto tempo mais no escuro do que gostaria. A expectativa de ter sua mente como uma grande lousa sendo apagada a uma frequência desconhecida é perturbadora demais. Se tem uma coisa que eu gostaria que você pudesse esquecer, essa coisa é o sofrimento. Mas o que fizeram com a sua família é algo que não dá para apagar.
foi preso, . Levaram-no junto com os outros jornalistas por causa de uma matéria que denunciava a corrupção deles. Depois de muito tempo sem um sinal de vida sequer, os meios de comunicação divulgaram a morte dele. Disseram que foi suicídio, mas nós sempre soubemos que não era o tipo de homem que faria isso. Nós sabíamos que estavam nos enganando mais uma vez, contando a versão deles da história. Uma história que eles tentaram apagar.
Foram os piores anos da nossa vida. Vivemos com medo, sentindo a pressão do que eles chamaram de “anos de chumbo”. Finalmente entendemos que pressão era aquela.
A pressão que traz um prédio abaixo, que separa uma família e coloca as pessoas na rua. Era o terror de saber como era o mundo. De saber que outros bons amigos estavam em algum canto gritando por socorro. E nós, em casa, continuávamos rezando. Torcendo para que as coisas pudessem melhorar de alguma forma.
A redemocratização trouxe algumas explicações; não todas, mas algumas. E eles comprovaram que estávamos certas, . O teto sob o qual acusavam de ter se enforcado era baixo demais para isso. Um ser humano de sua estatura jamais conseguiria tirar a própria vida em um lugar como aquele. Além disso, suas costas e costelas estavam marcadas com hematomas, berrando a plenos pulmões a violência que sofreram. Eles tiraram por fazer o trabalho dele. Apagaram para que pudessem continuar seu legado destrutivo em paz. E, depois, assinaram acordos para que os culpados por sua morte - e pela de tantos outros - nunca pagassem por isso.
Junior cresceu sem um pai. Nunca viu em sua frente o rosto daquele com quem tanto se parece. Nunca recebeu o abraço mais acolhedor do mundo. Nunca pôde comemorar o aniversário ao lado daquele que tanto o amou antes mesmo de poder saber de sua existência. Nunca tivemos nossos piqueniques em família e nem passamos os fins de semana jogados no sofá comendo besteiras.
não viu a família crescer e se foi sem saber como é sentir o amor mais incondicional de todo o mundo. Ele teria adorado os banhos que alagavam o banheiro e as gracinhas com os primeiros pratos de comida que raramente terminavam onde deviam. Teria sido um bobo chorão ao ouvir as primeiras palavras e ver os primeiros passinhos. Ah, você foi uma boba chorona. Uma das grandes. Às vezes, até assustava a criança, que pensava de repente que estava fazendo algo de errado.
Contudo, mesmo sem a figura paterna incrível que Junior tinha o direito de poder ter, seu filho cresceu como uma criança linda e generosa, mais preocupada em ajudar os amiguinhos do que em continuar a própria brincadeira. Assim que aprendeu a ler e escrever, ele começou a recriar os contos de fadas que ouvia em casa e na escola. Tinha a maravilhosa e instigante criatividade do pai, exatamente como você sonhava.
A adolescência foi um pouco mais complicada. Os hormônios em alta tinham alguns momentos de negação total sobre a triste história daquele que Junior sequer chegou a conhecer. Mesmo assim, fora um jovem exemplar. Boas notas, bons amigos, boas namoradas... Sempre tão carinhoso e preocupado com todos.
Junior se formou em Letras e você talvez se esqueça de como chorou em sua formatura. Sua maquiagem escorreu ao ponto de parecer que o rímel saía diretamente de seus dutos lacrimais. Ele seguiu a carreira criativa que corria por seus sangues à sua própria forma. Escreveu um livro. Um que contava sobre a vida de seu pai e passava às próximas gerações aquilo que lutaram tanto para apagar de nós: a memória. Temos tanto orgulho dele… Espero que disso a doença ainda permita que você se lembre.
Mas aquela época encontrou seu fim formal. Hoje, , os tempos são outros. No entanto, ainda é difícil estabelecer se são bons. Parece absurdo pensar que tantas pessoas querem voltar a uma época na qual se destruía, em larga escala, famílias gratuitamente pelo simples poder do silêncio. O mundo lá fora é mais ameno, mas continua o mesmo. Tenho medo. Medo por Junior. Medo pelos meus netos que talvez venham a existir. Medo. Um país sem passado é um país sem futuro. E parece que estão todos ignorando a nossa dura história.”





FIM



Nota da autora: Nível de insegurança com esse protótipo de fic: Máximo.
Por favor, digam o que acharam aqui nos comentários.
Para mais informações sobre minhas histórias, entrem no grupo





Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
02. Stitches
03. I Did Something Bad
03. Take A Chance On Me
04. Someone New
04. Warning
05. You In Me
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10. Simple Song
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13. Part of Me
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