Blind Man
Essa é a história de como minha vida mudou de cabeça para baixo e eu deixei de ser um zé ninguém para o herói de um mundo diferente em outra dimensão. Eu sou , nasci e cresci num lugar chamado Hull – Reino Unido. É, eu sei, você nunca ouviu falar ou não sabe como alguém como eu poderia ter vindo de uma vizinhança cara como aquela...ah, se eu pudesse te explicar...mas também, não é como se estivesse perdendo alguma coisa.
Em resumo, ao contrário do que muitos pensam, além da parte bonita, não é uma vizinhança onde você encontra jardins floridos e a rainha em todo lugar. Na esquina vive uma mulher que é chamada de rainha, mas ela não é bem uma dama...
Sem dar voltas, o que importa é a minha história de origem como um herói. Pois é? Espantoso, né? Com certeza muita gente está chocada agora. O órfão cujo os pais morreram tragicamente, criado nas ruas que se tornou um herói.
Eu estudei num colégio de nome Hallelujah, mas que não tinha nada de sagrado. Era o que chamavam de garoto prodígio, alguns podem dizer que era problema, mas você não deve acreditar neles. Eu definitivamente amava aquela fama, era uma das boas coisas que tinha, e ali não era um desconhecido, era o alguma coisa. As pessoas sabiam meu nome e como uma vez disse um poeta (ou minha vizinha de esquina, não me apego a esses detalhes) falem bem ou falem mal, mas falem de mim e eu era sinônimo de confusão, o cara que as mães pedem ao filho para se afastar, em todos os sentidos.
Isso era uma das únicas coisas que me animavam, eu ia a escola a noite pela tristeza e obrigação, usei umas drogas porque disseram que seria legal, mas nada parecia acender minha vibe ou ser bom o suficiente. O tempo passou e consegui algum destaque como um exímio jogador, ganhava pequenas fortunas em jogos de cartas, vez ou outra era descoberto e levava algumas surras, mas geralmente era bom. Meu lema era, se pode ser roubado, pode ser vencido e geralmente funcionava, me gerava algum respeito na vizinhança. Mas um dia tudo muda, o destino é irônico e de repente, quando você menos imagina está diante da decisão que pode mudar sua vida e nem se dá conta disso.
Na minha vizinhança havia um homem cego e misterioso morando no final da rua. O velho Dall era um homem de meia idade que geralmente passava os dias arremessando garrafas de uísque vazias nos cães que tentavam entrar em seu jardim. Calado, estranho, ranzinza e cego. Nesse momento você deve estar se perguntando como nossas histórias se encontraram. Não? Não ficou curioso? Okay, não está mais aqui quem interrompeu.
Como eu ia dizendo, num dia frio e normal de tempestade e céu cinza, quando precisei buscar abrigo dos pingos grossos e pesados, a única casa com portão aberto era a do velho Dall. Não posso dizer que ele ficou muito feliz com minha presença, mas o que podia fazer? Estava caindo o mundo lá fora.
Assim que pisei dentro da casa escura e estranha dele, percebi porque ele devia ser tão mal-humorado. Era uma bagunça, papéis e livros espalhados, nenhuma TV, só garrafas de bebida e cigarros, nada de luz ou coisas que fossem legais, estava mais para um tipo bizarro de covil. Exceto por uma estrutura grande e larga, com cerca de dois metros de altura e largura, coberta por um lençol grande e pesado, puído e com cheiro de muito, muito velho. E que ele alertou para que eu não chegasse perto, agressivamente. Mas não era como se houvesse muito o que fazer naquele porão com cheiro de tabaco e poeira, a curiosidade era infinitamente maior, como se algo me pedisse para descobrir o que havia atrás daquele lençol. Meus dedos estavam há apenas alguns centímetros do tecido, quando o velho Dall deu um tapa na minha mão.
- Você não entende o que a palavra não significa? – Ele resmungou e eu olhei para ele e de volta ao objeto desconhecido, confuso sobre como ele poderia ter me visto já que era cego.
- O que tem de errado em dar uma olhada? – Argumentei. – É alguma coisa errada? Contra lei, não é? – Suspeitei, apontando para ele enquanto sorria.
- Não é da sua conta, garoto. – Ele disse entredentes, aproximando-se da janela que estava tão suja que era quase impossível enxergar através do vidro.
- Mas o senhor não pode ver, eu posso dar uma olhadinha e te contar como está. – Sugeri.
- Se eu ouvir sua voz mais uma vez, você vai para a chuva. – Sentenciou, abrindo uma garrafa e bebendo seu líquido sem utilizar um copo e pensei que talvez nem houvessem mais copos naquele lugar.
- Tudo bem, eu o respeito, senhor Dall, respeito mesmo. – Fingi. – Se não posso ver o que há atrás do lençol, não verei. – Disse, aproximando-me dele com cuidado, para que não ouvisse meus passos.
- Assim está melhor. – Ele bufou. – Vocês garotos de hoje em dia...nunca respeitam ninguém. – Dall reclamou e eu balancei a mão frente a seu rosto, me certificando de que ele realmente não podia me ver.
Senhor Dall tinha a postura curvada para frente, andava arrastando os pés e com ajuda de uma bengala, que usava para tatear o espaço a sua frente. Tinha poucos cabelos e os que restavam eram um misturado ressecado de fios brancos e preto, enquanto uma barba rala fazia companhia a uma verruga esquisita que ele tinha no queixo. E era completamente cego, os olhos esbranquiçados, leitosos, tornavam aquela figura ainda mais assustadora.
O velho havia sequer movido um fio de cabelo com meu movimento, por isso entendi que ele não perceberia se eu fosse silencioso. Voltei na ponta dos pés até a coisa que o lençol protegia e ainda sem tocar completamente o chão, me estiquei para olhar o que estava por detrás do tecido.
Antes que eu levantasse o lençol, o velho Dall avançou sobre mim como um cachorro furioso, numa velocidade quase impossível a alguém em seu estado, impedindo-me de puxar o tecido velho e me fazendo perder o equilíbrio, caindo no chão e batendo as costas na coisa que ele tanto protegia.
- Eu disse, não toque! – Ele gritou. – A única coisa que...
O grito foi interrompido quando a coisa atrás de mim começou a se balançar e a fazer um barulho esquisito, tremendo como se estivéssemos atravessando um terremoto e depois toda a casa acompanhou seu movimento. Senhor Dall levantou os olhos devagar, como se temesse o que encontraria e engoliu seco.
- Não é possível. – Falou embasbacado. – Não. Você...você...o que você fez? Não é possível... – Repetiu, pálido e com olhos arregalados.
- Eu juro que foi sem querer. – Expliquei assustado.
A casa começou a tremer ainda mais e livros empilhados sobre uma estante velha começaram a cair sobre nós, assim como poeira do teto e garrafas de uísque. Enquanto o dia virava noite, o velho Dall correu até uma cômoda de mogno quase tão antiga quanto ele mesmo e começou a revirar uma de suas gavetas, enquanto eu me deitei no chão, cobrindo a cabeça e fechando os olhos. Hull estava cada vez mais estranho.
Quando o tremor pareceu ficar insuportável e meu estômago deu sinais de que eu vomitaria, percebi o velho homem passando por cima de mim, pulando minhas costas e arrancando de uma vez o tecido puído que protegia seu misterioso tesouro. Mas quando levantei o olhar para contemplar, a poeira que o tecido guardava me cegou e não tive escolha a não ser cobrir o rosto de novo.
E então tudo se acalmou.
O tremor cessou de repente, da mesma forma que se iniciou e sentiu frio. Devagar abriu os olhos e começou a levantar o rosto, preparando-se para encontrar uma nuvem de poeira a seu redor, mas para sua surpresa, tudo que viu foi uma bonita e verde floresta. “Está de brincadeira! ”, ele pensou enquanto se levantava, batendo as folhas do moletom escuro e olhando ao redor, chocado com a paisagem. Musgos, cogumelos, florezinhas coloridas, árvores com troncos verdes e tão largas quanto um prédio, terra fofinha e até algumas borboletas azuis.
- Eu morri? – Perguntou, tocando o próprio corpo em busca de alguma parte faltando.
continuou olhando embasbacado a seu redor, até encontrar duas coisas que chamaram sua atenção. A primeira, uma grande porta de madeira talhada com vários desenhos estranhos, que definitivamente não fazia parte daquele cenário. A segunda coisa era um homem que encarava a grande porta, ele era alto, cheio de músculos e com uma postura digna de super-herói. Enquanto ainda o encarava atordoado, o homem se voltou para ele, sorrindo de canto e revelando um rosto belíssimo, cabelos perfeitamente arrumados e pretos, uma barba sutil e olhos azuis de causar inveja, e arregalou os olhos sem se esforçar em fechar a boca ou disfarçar sua surpresa.
- Então era você. – O homem sorriu, aproximando-se de que ainda continuava estático, chocado. – Todos esses anos naquele lugar e era você quem eu buscava.
- Espera, o que? – chacoalhou a cabeça, encarando o homem que agora tinha uma das grandes mãos em seu ombro.
- Você. Eu estava a sua espera. – O homem excessivamente bonito sorriu. – Todos esses anos naquela caverna escura, tentando criar uma forma rápida de encontrar você...é uma maravilha. – Enquanto ele dizia, pensou que os olhos do homem eram tão azuis que pareciam falsos.
- Do que você está falando? Eu o que? Você estava me esperando? – indagou confuso, com cenho franzido, sobrancelhas juntas e lábios apertados numa linha fina.
O homem misterioso abriu a boca para responder, porém antes que pudesse falar qualquer coisa, passos sobre folhas secas chamaram sua atenção e ele desviou o olhar, adotando uma postura protetora que faria qualquer mulher se apaixonar.
- Atrás de mim. – Ele pediu e se sentiu perdido em meio à confusão, já que sequer entendia o que estava acontecendo.
Quando o homem se virou, percebeu a postura dele enrijecer e dar um passo para trás, levantando as mãos em rendição, e esticou o pescoço, curioso, tentando ver o que acontecia a sua frente.
- Duinedall. – Uma voz rouca feminina falou. – Não devia estar aqui.
- Devia. – O homem misterioso respondeu. – Chegou a hora.
- Do que está falando? – A voz indagou.
- Estou com ele. Ele me encontrou. – O homem falou. – O herdeiro. – Dizendo isso, o desconhecido se afastou para o lado, revelando a uma mulher misteriosa.
A dona da voz rouca vestia roupas que pareciam pertencer a outra época e segurava uma lança afiada, com penas rosas amarradas perto da ponta, tinha cabelos cacheados que caiam sobre os ombros e rosto, selvagem. a acharia bonita se não estivesse com medo dela.
- Isso? – Ela perguntou com desdém, olhando de para o homem. – Esse é o herdeiro que você trouxe? Depois de dezoito anos?
- A porta funcionou com ele. – O homem deu de ombros.
A mulher misteriosa se aproximou de , ainda sem baixar a lançar, observando-o mais de perto.
- Ele não se parece com eles, nem um pouco. – Ela comentou, esticando uma das mãos em direção a , como se estivesse curiosa para tocá-lo.
- Hey! – reclamou, dando um pulo para trás. – Primeiro...o que? – Indagou exaltado ao homem. – Eu sou o que? Segundo, onde é que eu estou e quem são vocês?
- Não contou a ele? – A mulher perguntou arqueando uma sobrancelha.
- Não tive tempo.
- Não me contou o que? Será que alguém pode me dizer o que está acontecendo? – tornou a indagar, exaltado e com um pouco de medo. – É aquilo de shifting? Realidade desejada? Olha, eu vi sobre isso no Tiktok, não me leve a mal...eu respeito, mas é que essa não é a minha parada. – Disse e os dois se entreolharam confusos.
- Você...- O homem começou a dizer, mas franziu o cenho. – Como mesmo você se chama?
- . – Ele respondeu balançando a cabeça negativamente, incrédulo.
- Certo. Você, , é o herdeiro que esperávamos, o filho da profecia. – Contou e começou a gargalhar descontroladamente, fazendo os outros dois trocarem olhares confusos,e precisando escorar-se a uma árvore para manter-se de pé.
- Tem certeza que esse é o herdeiro? Esse? Não tinha mais nenhum melhor? – A mulher perguntou de novo.
- Assim como na profecia, ele surgiu e então, o portal estava aberto. – O homem levantou os ombros, igualmente atordoado.
- Essa piada...- tentou falar entre uma gargalhada e outra. – Vocês são...quem são vocês? – Quis saber ainda rindo.
- Duinedall, guardião da profecia, protetor do caminho da Lua, protetor da Floresta dos Carvalhos no Leste. – Ele declarou como se fosse um tipo de poema e inclinou a cabeça sobre o ombro. – Fui enviado pela Anciã e por seus pais até seu mundo para procura-lo e traze-lo de volta, para que se cumprisse a profecia de Aotrom e você retornasse no tempo certo para cumprir seu destino.
A cada palavra dita apertava mais os pulmões dentro de si, sem conseguir respirar, confuso, chocado e incrédulo com o que ouvia.
- Espera...- Ele levantou o dedo indicador. – Você disse...meus pais?
- Sim. Seus pais. – Duinedall confirmou paciente.
- Mas eu sou órfão.
- Não contaram para ele? – A mulher perguntou a Duinedall, parecia chocada por não saber uma informação tão trivial a seus olhos.
- Ele foi enviado para aquele mundo muito pequeno, não tinha como saber. – Duinedall explicou.
- Enviado? Do que vocês estão falando? – inquiriu, sua cabeça rodava com aquelas informações. Sempre se perguntara sobre seus pais e seus tios que o criaram constantemente o respondiam com a mesma história, mortos num acidente de carro, sem abraços ou meus sentimentos.
- Vamos ter que contar a história toda? – A mulher quis saber entediada e Duinedall a dirigiu um olhar repreensivo.
- Há muitos anos, Fearan, onde estamos agora, era dominada por um rei tirano que queria roubar as riquezas dos povos da terra e escravizar a todos. Esse rei só se tornou rei por ter usurpado o lugar de seu irmão, um jovem rei gentil e bondoso, que se apaixonou por uma fada. – Com a menção ao ser mágico, arregalou os olhos. – Do amor dos dois, nasceu uma filha, Tanit. Mas com o levante de seu irmão mais novo, cego pela ganância, o rei e sua jovem rainha fada foram mortos para proteger os povos da terra e a pequena princesa fora criada pelos povos da terra, sem saber de seu direito pelo trono. Até que um viajante misterioso caiu por engano num portal e veio parar aqui.
- Você está falando de fadas, portais, guerras com reis? Onde é que eu estou? – interrompeu, mas Duinedall o ignorou.
- Juntos, Will, o viajante e Tanit lideraram os povos da terra contra o rei e conseguiram enfim instaurar a paz entre nossos povos. Mas uma feiticeira, que não concordava com a ideia da paz entre os habitantes das terras do rei se rebelou contra os novos rei e rainha, unindo-se a outros que também não queriam a paz. Com um feitiço poderoso ela aprisionou o rei e rainha de Fearan, espalhando trevas por todo reino, confundindo e amedrontando todos. – Narrou. – Mas o casal real havia tido um filho e a feiticeira não soube antes do encantamento. Quando a notícia sobre o bebê chegou aos seus ouvidos, ela o caçou afim de matá-lo e quando a feiticeira o encontrou, tentou mata-lo, mas não pode atravessar o encantamento da anciã, tudo que pode fazer foi enviá-lo para outro mundo para que ele nunca mais soubesse como voltar para casa. A anciã sucumbiu ao poder da feiticeira, mas antes de cair encantou um portal que ligava os dois mundos, enviando um guardião, responsável por encontrar a criança e guia-lo até aqui. E foi lançada a profecia, quando fizesse dezoito anos, a criança retornaria para libertar seu povo das trevas e vencer a feiticeira.
- Você está querendo dizer que...- estava completamente chocado.
- Estou. – Duinedall assentiu.
- Você me encontrou? Do que está falando? – afastou-se um pouco, tentando respirar. – Nunca te vi antes.
- Não nessa forma. – Duinedall explicou paciente.
- Hein?
- Podia ser reconhecido caso a feiticeira enviasse alguém para seu mundo a sua procura, por isso me disfarcei durante todos esses anos e andei por todos os lugares em busca do herdeiro. – Ele contou.
- Mas eu não...- De repente, se lembrou de que três coisas estranhas estavam naquele porão, ele, a coisa misteriosa que o senhor Dall protegia e o velho cego Dall. – Não, não pode ser...Dall? – Arregalou os olhos e o homem assentiu. – Mas você...você está bonito. E você não era cego? Era cego, tenho certeza.
- Existem muitas coisas para explicar e pouco tempo. – Duinedall sorriu cortês.
- E ela? Quem é você? – Perguntou a mulher entediada, que encarava as unhas preguiçosamente.
- Ela é uma Gaisgeach. – Duinedall apresentou e a mulher o cumprimentou, levantando rapidamente o queixo, com orgulho. – É uma guardiã guerreira, protetora das florestas. Durante a guerra contra a feiticeira, as gaisgeach foram a barreira entre nosso povo e as forças malignas de Kahira, a feiticeira.
- De nada. – Ela sorriu pela primeira vez e mesmo que fosse cheio de presunção, era um sorriso naturalmente lindo na opinião de .
- Como você se chama? – Quis saber um pouco derretido.
- Meu nome pertence a seu mundo. Meu pai era conselheiro do rei e amigo, meu nome significa felicidade, união, bons momentos. – Ela narrou orgulhosa e fez uma sutil reverência. – Me chamo .
permaneceu sério por alguns instantes, esperando que ela continuasse, mas quando percebeu que ela não faria isso, piscou algumas vezes, confuso e estreitou o olhar.
- ? – Repetiu.
- . – Ela confirmou com orgulho.
- ...- mordeu os lábios, não podia rir, ela tinha uma lança grande demais. - Realmente, me traz lembranças felizes.
- É hora de seguirmos. – Duinedall o trouxe de volta. – Ele precisa passar pelo teste, para comprovar que tem o sangue dos reis de Fearan.
- Ele não vai passar. – deu de ombros, batendo com o cabo da lança no chão. – Você sabe.
- Ele vai, é um deles. – Duinedall respondeu com paciência, mais uma vez, começando a caminhar seguido por .
- E se eu não quiser...- miou, ainda parado no mesmo lugar, fazendo com que os dois girassem o pescoço para encará-lo.
- Não pode não querer, Cein.. – levantou novamente a ponta da lança, diminuindo um pouco a distância entre eles e fazendo prender a respiração.
- Não o chame assim, ele não é um cein, um estrangeiro, é um príncipe. – Duinedall zangou, fazendo baixar a lança. – É a sua missão, . Você é filho de dois grandes líderes, seu povo espera isso de você. Há anos, você é a esperança.
- Seu povo, não meu. – balançou a cabeça negativamente. – Eu não tenho pais, meus pais morreram num acidente de carro. Eu só sou um cara comum, com uma vida comum e problemas comuns. Não sou um príncipe herdeiro ou o que quer que seja. – Tudo aquilo parecia uma fantasia, um grande sonho para , ou qualquer outra coisa, menos verdade. – E eu quero ir para casa agora.
- Você está em casa. – Duinedall sussurrou, olhando em seus olhos.
- Essa não é minha casa, esse não é meu lar.
- Eu devia amarrá-lo e arrastá-lo até a anciã. – avançou sobre mais uma vez, mas foi impedida por Duinedall. – Covarde.
- O povo precisa de você, seus pais precisam de você. – Duinedall tentou argumentar mais uma vez.
- Eles já têm você...e ela. – apontou, levantando um dos ombros. – Eu não sou um guerreiro, nem um herói...nem um príncipe herdeiro de nada. Só quero ir para casa.
- Essa escolha é você quem tem que tomar, . Não posso força-lo a nada. – Explicou calmamente. – Mas também não posso ajudá-lo a voltar para casa, não fui eu quem ativou o portal, foi você. Infelizmente, não há nada que eu possa fazer.
- Eu preciso voltar. – pediu com certa intensidade no olhar.
- Ali está a saída. – Duinedall apontou para a porta de madeira talhada. – Mas não posso ajudar, só você pode faze-la funcionar. – assentiu com um pouco de orgulho. – É chegado meu tempo, preciso ir até a anciã junto a . Adeus, .
Duinedall se despediu com honra e calma, sem tentar convencer o jovem a ficar ou aceitar qualquer destino, causando certa estranheza a e revolta a , que tinha o olhar inflamado em direção ao suposto herdeiro. Duinedall quase arrastava a mulher enquanto se afastavam, a segurando firme para garantir que não voltasse e ferisse com sua lança.
- Vai realmente ir embora? Trouxe ele até aqui para deixar que ele vá sem nem tentar? – questionava inconformada e Duinedall sorriu.
- Ele vai ficar.
- Como sabe?
- Foi assim com o pai dele também. – Lembrou sorrindo.
os assistiu se afastar, ainda estava confuso e incrédulo. Fora bombardeado de informações que mais pareciam ter vindo de um livro de fábulas. Aquilo não era real, não podia ser. Uma vida se perguntando sobre seus pais, como eram, como seria se estivessem vivos, para descobrir que eram um viajante e uma filha de fadas?
Não, não.
Não era possível, não mesmo.
encarou a porta talhada com desenhos de vários tipos e coisas escritas em uma língua estranha, “Então somos só nós dois”, pensou ele.
A porta tinha uma energia sinistra, igual a todo o resto. Pai e mãe? pensava. Em um dia era órfão e no instante seguinte filho de reis e com um destino a cumprir? Não, não podia ser verdade. Claro que não era verdade, não podia ser. Fadas? Portais? Seres Místicos? Definitivamente não.
tocou as gravuras em alto relevo na porta, seguindo um desenho em espiral, sentindo a textura da madeira e pensando em como tudo aquilo era insano, torcendo para que acordasse depressa do sonho que estava tendo, simplesmente por que era uma verdade mais fácil de conceber do que ser um príncipe. , uma guerreira, Duinedall, um guardião disfarçado há anos como um velho cego, e ele, . Um babaca qualquer de qualquer lugar sem qualquer importância ou talento. Não podia ser verdade.
continuava tocando o relevo na madeira, preso na continuidade dos desenhos que representavam espirais, animais, uma grande árvore, guerreiros, arqueiros e espadas. As portas se dividiam em duas partes, com dois pedaços longos e lisos de âmbar que serviam como puxadores. Quando os dedos de atingiram a divisão entre a duas portas, o som da fechadura sendo destrancada ecoou pela floresta fria e a porta se abriu em uma fresta, deixando escapar uma luz branca e quente que iluminou o rosto de , fazendo-o arregalar os olhos e, mesmo incerto, empurrar a porta. Quando atravessou o clarão de luz quente, tocou o próprio corpo, certificando-se que estava realmente ali, já que a sensação que a luz o causava era boa demais para ser verdade. Olhando por sobre o ombro ele pode ver a porta pela qual passara, ainda aberta e iluminada a distância de alguns passos.
- Estava a sua espera. – Uma voz masculina chamou atenção de , fazendo-o prender a respiração. Um homem alto, com roupas de guerreiro e uma alijava nas costas, ele segurava um arco e sorria aberto, feliz. Parecia com um daqueles guerreiros que se vê em filmes antigos, sua postura exalava nobreza e força, os olhos eram azuis, os cabelos claros cortados curtos e o sorriso embora grande era tímido.
- Quem é você? Não estou em casa? Achei que se passasse pela porta iria para casa. – disse nervoso.
- Já está em casa, . Mas no momento certo, se quiser partir, estará livre para ir. – O homem respondeu em um tom suave e acolhedor.
- Quem é você? – Perguntou um pouco bambo. – Como sabe meu nome?
- Porque eu o escolhi. – O homem sorriu. – Há certa diferença, mas creio que no nosso mundo talvez não soubessem pronunciá-lo corretamente. – Comentou, aproximando-se de que estava estático, confuso e incrédulo. – , o que reinará para sempre. Este é seu nome, o nome pelo qual é conhecido aqui.
- O que? Não sei do que está falando. – Negou balançando a cabeça negativamente. – Está enganado.
- Não precisa ter medo, . Está seguro agora, está em casa. – O homem afirmou, tocando com a mão quente o ombro de .
- Não. Não estou em casa. Eu não moro aqui, não sei quem é você. – Lamuriou um pouco nervoso, afastando-se. – Eu só quero ir para casa.
- Em nosso mundo, sou William Graham, ou Will. – Ele sorriu com paciência. – Aqui, tenho muitos nomes: Will, o viajante, Will da Floresta de Carvalhos, Rei Willahelm...Mas há apenas um, o que mais gosto e que infelizmente é menos utilizado do que penso ser bom. Por que só você pode usá-lo, só você pode me chamar de pai.
arregalou os olhos e abriu a boca, mexendo o queixo, mas não conseguia dizer nada. Pai? Aquele era seu pai? Era verdade? Não estava sonhando? Tinha mesmo um pai?
- Estava ansioso para que chegasse, filho. – Will sorriu caloroso.
- Mas...não pode ser...eu não tenho um pai...nunca tive...- repetia confuso.
- Existem muitas coisas para explicar e sei que as circunstâncias não foram boas para nenhum de nós. Mas chegou a hora. Apenas você pode tomar essa decisão e apenas você pode libertar este mundo do poder da feiticeira.
- Não, não posso...eu não...não posso. – negou assustado. – Sou só eu. . Não tenho nada de especial, não sou um guerreiro.
- Você é o mais especial dos seres, . – Will sorriu mais uma vez, tocando o ombro de com um pouco mais de firmeza. – Desde que estava no ventre de sua mãe, ela sempre soube que estaria destinado a coisas grandiosas...a feitos infinitamente maiores que os nossos.
- Minha...mãe? Eu tenho uma mãe? – levantou o olhar, olhando nos olhos do pai pela primeira vez, reconhecendo certa semelhança com seu próprio olhar.
- Claro. E ela confia que tomará a decisão certa, assim como eu tomei quando foi a minha vez. – Will contou. – Quando cheguei a este mundo também tive medo, mas aprendi que o medo só te segue até a porta, mas não a atravessa com você.
- Eu não sei...- balançou a cabeça negativamente. – E se...e se eu falhar? E se eu não conseguir fazer o que esperam? Se eu for a pessoa errada e não o verdadeiro herdeiro?
- Você é. Eu o reconheço, pois temos a mesma marca, bem aqui. – Will mostrou, tocando sobre o coração de . – Você é meu filho, príncipe e é hora de assumir seu lugar.
- Mas e se eu falhar? Estou com medo. – Assumiu, considerando seriamente seguir em frente com aquilo, não se importando com para onde o levaria.
- Você não estará sozinho, sua mãe e eu, junto a todos espíritos guardiões estaremos com você. – Will enfatizou, olhando nos olhos do filho. – Ouça meus conselhos. – Pediu e assentiu com a cabeça. – Não fuja de quem você é. Você é , príncipe de Fearan, guardião dos bosques e florestas, protetor dos povos da terra, senhor do castelo de Ór e dos Vales de Hafif. Mas ainda e primeiro, é Wilson, do Hull.
assentiu, unindo as sobrancelhas e respirando fundo.
- Ninguém pode fazer esta escolha por você, nem o obrigar a faze-la. Pode ir embora para nosso mundo agora, se quiser. – Will avisou, afastando-se um passo do filho e o observou curioso.
Tudo era uma loucura, coisa de livros de histórias, mas ao mesmo tempo sentia tudo com tanta certeza. Hesitante, olhou mais uma vez por sobre os ombros, buscando a porta pela qual entrara, e ao contrário de antes, quando a luz branca a cobria, agora podia ver carros e um pedaço de sua vizinhança pela fresta. Respirando profundamente, ele encarou os tênis e alguns florezinhas rosas que cresciam junto a relva e que eram esmagadas por seus pés. Mal podia crer que estava mesmo tendo uma conversa com seu pai e a àquela altura sabia que internamente havia resolvido ignorar a chance de tudo ser apenas um sonho e embarcado em sua jornada, ou o que diziam ser sua jornada. Acreditava e sentia com o coração de que ali, naquele momento, era seu lugar.
- Eu quero ficar. – Declarou, levantando os olhos para o pai, que sorriu.
- Então tenho um presente. – Will sorriu, depois puxou a alijava que usava e o arco, oferecendo-os a .
- Um arco e flechas? Mas não sei como usar. – revelou um pouco envergonhado.
- É um arco encantado, você vai descobrir quando tentar. – Explicou. – Eu o recebi quando cheguei aqui e me foi muito útil, use-o bem. – Sorriu.
- E agora? – quis saber, encarando o arco e a alijava em suas mãos, ainda confuso.
- Agora você deverá ir até a anciã, e Duinedall te guiarão. – Disse ele, assentindo com a cabeça uma vez. – Não tenha medo e tente não enxergar este mundo com os olhos do outro, é um bom conselho. – Will piscou, satisfeito.
- Eu o verei de novo? – indagou e Will sorriu com carinho.
- Sempre que for preciso, meu filho. – Disse apertando o ombro dele mais uma vez. – E eu e sua mãe estaremos acompanhando você e no final de tudo, nos encontraremos. – Garantiu. - Eu...será...será que posso pedir mais uma coisa? – Perguntou hesitante e William piscou. – Será que...eu...poderia te abraçar? – Pediu envergonhado, sentindo o rosto esquentar. Will expirou sorrindo e puxou para um abraço caloroso.
- Meu filho. – Saudou ele.
- Pai. – riu. – Meu pai. Eu tenho um pai. Meu pai. Eu tenho mãe e pai. – Comemorou gargalhando.
e Duinedall estavam sentados sob a sombra de um grande freixo, limpava e afiava a ponta de sua lança, enquanto Duinedall se refrescava com um pouco de água, enxugando o suor das têmporas. Inesperadamente, saltou frente a eles, fazendo Duinedall escorregar da raiz que estava sentado, e ficar de pé, apontando para ele a lança recém afiada.
- Adivinhem? Eu vou ficar. – cantarolou sorrindo, ignorando completamente o fato de ter a lança de apontada para seu rosto, e ainda sorridente ele arqueou as sobrancelhas, empurrando com o dedo indicador a ponta afiada para longe.
- Ficar? – repetiu surpresa.
- Que loucura, não é? – ironizou. – Duine, meu amigo...posso te chamar de Duine, não é? Duinedall é tão...antiquado. – Quis saber, aproximando-se de Duinedall, mas ele não o respondeu, apenas o observava. – Sabe aquela história de ver a idosa e tudo mais? Ainda está de pé, não é?
- Anciã. – Corrigiu, levantando-se. – Sim. Se for essa sua escolha.
- E o que estamos esperando? – perguntou, com as mãos na cintura, encarando os dois a sua frente, que também se encararam um pouco confusos com a mudança tão drástica e repentina.
- Você bateu com a cabeça? – indagou, aproximando-se dele. – Ou é um impostor?
- Sou eu, eu mesmo. – garantiu.
- Tenho certeza de que o príncipe teve suas razões para mudar de ideia. – Duinedall interveio, concordando com a cabeça e arqueando uma das sobrancelhas e ao contrário de , que estreitou o olhos suspeitando da decisão, sorriu grande.
- É, , não temos o dia todo, vamos lá. – chamou, começando a caminhar pela estreita trilha entre as árvores. – Tenho que salvar um mundo.
- Ele não é o príncipe, pelo menos você ainda não tem certeza. – sussurrou para Duinedall quando os dois começaram a acompanhar .
- Logo teremos a confirmação. – Disse ele.
- Como é isso? Eu vou ter um exército? Vamos usar roupas maneiras? – perguntou, aproximando-se deles novamente.
- O exército de um homem só. – rolou os olhos. – Acha que se tivéssemos um exército estaríamos esperando você até agora? Por dezoito anos?
arregalou os olhos.
- Como assim um homem só?
- Você é o príncipe herdeiro, cabe a você derrotar a feiticeira. – Duinedall concordou sorrindo. Sabia bem que era um exagero, mas não seria ruim zombar um pouco do outro.
titubeou, talvez tivesse sido impulsivo demais em aceitar tão rápido aquela missão sem nem mesmo saber exatamente o que seria.
- Espera. – Pediu, andando de costas para encarar os dois. – Você disse que estão me esperando, mas quantos anos você tem? – Perguntou a , que rolou os olhos, mas Duinedall a cutucou, lançando a mulher um olhar compassivo.
- Cento e oitenta e sete. – Ela deu de ombros e arregalou os olhos, abrindo a boca. – Ele vai ser sempre assim? - questionou a Duinedall.
- Co-como?
- O tempo aqui passa diferente do tempo em seu mundo, . – Duinedall explicou. – Quando seu pai chegou ao nosso mundo, tinha trinta e quatro anos, mas quando você nasceu, o Rei havia recém completado duzentos e vinte e oito.
- Quer dizer que...meu pai é tipo...uma múmia? – indagou, mas Duine apenas sorriu abafado, quase incrédulo com a indagação. – Sabe, , para alguém da sua idade, você até que está bem conservada.
- No nosso mundo, se usássemos de alguma comparação com o seu... seria mais nova que você. – Duinedall explicou e arqueou uma sobrancelha desafiadoramente.
- Uau. – riu, tocando o peito. – Então eu sou velho aqui. Sábio, maduro.
- Você é insuportável. – resmungou, apressando o passo, mas a seguiu.
- Quando isso acabar, vou levar você até um bar de verdade. – Prometeu, recebendo um olhar desconfiado. – A música, a bebida, você vai amar. Vai melhorar o seu humor.
- Mal posso esperar...- sussurrou. – Para tudo acabar e você ir embora. Meu humor só vai melhorar quando não precisar mais ver você. Nunca mais.
maneou a cabeça e arqueou uma sobrancelha, como se não acreditasse no que a mulher dizia.
- Duine. – chamou. – Ela tem uma carinha de maluca, não é? – O viajante sorriu zombeteiro. – Se o tempo passa diferente aqui e no meu mundo, há quanto tempo estão me esperando?
- Dezoito anos. – O guardião contou. – Quando a feiticeira enfeitiçou nosso mundo e você foi enviado para longe, o tempo começou a passar infinitamente mais lento, assim como no seu mundo. Por causa do feitiço da anciã, que protegeu a você e todos nós. Era preciso que nós estivéssemos vivos para guia-lo em sua missão.
- Nós?
- A Anciã, eu, e outros que você ainda vai conhecer. – Duinedall explicou.
- Achei que ela tivesse morrido, segundo sua história.
- Houve outra depois, para substituí-la. – Duine explicou.
- Estamos chegando? – perguntou empolgado. – Temos elfos aqui? São como os de Senhor dos Anéis? Será que eu, como príncipe, posso me casar com uma elfo? – Começou a questionar e rolou os olhos.
Diante o silêncio dos outros dois, deu de ombros, aproveitando para apreciar os detalhes do bosque, a terra fofinha, flores coloridas e borboletas azuis e vermelhas que passeavam por entre arbustos. Os frutos do azevinheiro pareciam excepcionalmente mais vermelhos e o perfume que exalavam também parecia diferente, decidiu quebrar um pequenino galho, pretendia sentir o aroma fresco para se distrair do tédio da caminhada. Até que percebeu se aproximarem do fim da trilha, por perceber que mais raios de sol iluminavam as plantas e a vegetação se tornava mais rasteira.
- Bem-vindo a Vila de Prata. – Duinedall, um pouco mais afrente, puxou os ramos de um pinheiro grande, revelando a claridade de uma grande clareira.
sorriu fraco para o guardião antes de atravessar e quando seus olhos enfim contemplaram o que estava do outro lado, sentiu-se tomado por uma gigante sensação de pertencimento, como se já tivesse estado ali antes.
Haviam algumas estradas de terra batida, mas com alguns trechos esburacados e tomados pela relva. O resto era de pequenos colinas e montes cobertos por uma grama verde macia que parecia convidativa demais para um momento como aqueles. No topo dos pequenos montes e colinas e nas junções de ruas haviam algumas ruínas estranhas, muito estranhas, algumas pareciam casas, outros troncos de árvores apodrecidos. Mais ao longe, pode enxergar pequenas e grandes casas, envelhecidas e malcuidadas, mas que estavam de pé e incrivelmente pareciam ter a forma de botas, cogumelos, pinhas. analisava tudo com atenção à medida que caminhavam para dentro da pequena vila, sendo observado de soslaio por e Duinedall, vez ou outra.
A cada passo dado tudo se tornava um pouco mais estranho para , principalmente quando seres exóticos surgiam em seu caminho. Enquanto caminhava com os outros dois pela estradinha, ele os viu cumprimentando alguns destes seres, entre eles um camundongo vestido e andando sobre as duas pernas, o camundongo tinha cerca de um metro e meio e conversava como se fosse um ser humano comum, mais a frente eles encontraram com uma coelha usando um vestido maltrapilho, esta era um pouco maior do que o camundongo. Eles andavam como seres humanos, falavam como seres humanos, para estranhamento de . Depois de virarem uma esquina, uma mulher cruzou-lhes o caminho, ela tinha as orelhas um pouco pontudas e os dedos azuis, e Duinedall a cumprimentaram com respeito. Mais à frente, um idoso aparentemente normal que usava um gorro vermelho engraçado e uma grande barba suja, passaram então por um homenzinho mais baixo que , e aparentemente normal, quando os viu, o homenzinho caminhou até eles esfregando as mãos ansiosamente e pode observa-lo melhor.
- Scrul! – Duinedall cumprimentou e inclinou-se para frente, numa reverência, seguido por , que imediatamente espetou doloridamente a barriga de pare que ele fizesse o mesmo. - Não esperava vê-lo, senhor.
- Sinto cheiro de azevinho. – O homenzinho acusou, depois de tentar aspirar o cheiro fresco no ar e levantou o canto da boca enquanto pensava sobre como a voz dele era engraçada.
- Desculpe, senhor, mas não o entendo. – Duine respondeu confuso.
, que depois de rir internamente e imaginar a voz do homenzinho em algum desenho animado, se atentou a pergunta e levantou o ramo que tinha consigo, surgindo detrás de Duinedall, atraindo a atenção de todos.
- Sou eu. – Declarou sorrindo.
- Quem é esse? Ele é das Terras do Rei? Amigo da Feiticeira? Ele me parece amigo da feiticeira. Não. Ele me parece um caçador de Kahira, a Feiticeira ou um caçador de duendes, quem sabe de Gnomos, Elfos, Fadas...Oh, é o nosso fim. – O homenzinho gritou desesperado enquanto andava em círculos, gesticulando, Duine e pareciam confusos e incertos sobre o que fazer, por isso só o observava.
- Eu não sou um caçador. – declarou, tomando a frente e chamando a atenção do homenzinho. – Estou aqui para falar com a senhora, a senhora importante. Vim derrotar a feiticeira.
Os olhares dos outros três para ele foi de total espanto.
- O que disse? – O homenzinho chamado Scrul indagou aproximando-se de . – Um impostor! Um impostor! Temos um impostor! – Começou a gritar, pulando, tentando alcançar , mas o máximo que atingia era o meio de sua cintura.
- Senhor, Scrul. – Duinedall chamou. – Tenha calma, por favor. Iremos explicar tudo.
- Eu não sou um impostor. – defendeu chateado. – Eu sou...como é mesmo...- hesitou, tentando se lembrar exatamente as palavras ditas por seu pai. – Ah! Eu sou , príncipe de Fearan, protetor dos bosques e florestas, guardião da terra, senhor de Ór e dos Vales de...vales, muitos vales. – Disfarçou, embolando-se nos títulos.
- Estranho. Estranho, estranhíssimo. - Scrul rosnou coçando o queixo, analisando o jovem .
- Você disse isso a ele? – perguntou confusa a Duinedall.
- Não eu. – O guardião deu de ombros.
- Meu pai me disse. – Fora a vez de rolar os olhos, encarando os outros dois por sobre os ombros.
- E quem é seu pai? – Scrul arqueou uma sobrancelha assustadoramente, fazendo recuar alguns passos.
- Will Graham. Will.
- Não seria possível, seria? – Scrul perguntou a si mesmo, voltando a andar em círculos com as mãos na cintura. – O filho de Tanit. O príncipe herdeiro retornou? Ele devia voltar em dezoito anos...hoje são vinte e três, sobem dois...a primavera deve ser contada...mais três safras de açafrão...joaninhas laranjas...igual a dezoito...mais os testes...descem quatro, vinte anos...Will de Maryland...sobem mais dois...a profecia. A profecia.
- O portal enfeitiçado respondeu a ele e nos trouxe de volta, senhor Scrul. Por isso estamos aqui. – Duine contou, o homenzinho arqueou ainda mais a sobrancelha, levantando o rosto de forma assustadora até que seus olhos se encontrassem com os de Duinedall e então, assustadoramente, sorriu, puxando pelas mãos.
- Ele voltou! O Príncipe voltou! Ele voltou! – Celebrou dançando e cantando em uma ciranda de mãos dadas a que acompanhava tudo confuso.
- Ei! Pare. Pare, por favor. – pediu confuso. – Já chega. – Bronqueou, afastando-se.
- Este é o Senhor Scrul, . Guardião dos duendes e conselheiro de Fearan. – Duinedall apresentou e Scrul fez-lhe uma sutil reverência. – E amigo de sua mãe.
- Olá. – acenou com a mão, um pouco tonto.
- Depressa, depressinha. Temos que falar com a Anciã, mostrar você. – Scrul puxou pelo braço, dirigindo-o para dentro da vila. – Ah, como cresceu rápido, tão rápido. Era um bebezinho pequenininho. Pequenininho.
Enquanto era puxado por Scrul, direcionou um olhar um pouco desesperado a Duinedall e , que apenas deram de ombros. Os dois sabiam que Scrul levaria até a Anciã e considerando a posição do duende, não havia ser melhor para apresenta-lo a autoridade máxima de Fearan.
estava confuso, esperava assustar-se na presença de um duende e de todas aquelas criaturas, mas estava em paz, talvez porque parte sua ainda acreditava, bem no fundo, se tratar de um sonho maluco. Sentia-se ansioso também, não sabia como seria conversar com a tão falada Anciã.
Arrastado pela vila, pôde perceber porque o pequeno amontoado de construções e ruínas carregava aquele nome, várias árvores tinham as pontas de suas folhas brilhantes e reluzentes como prata líquida. A Vila de Prata parecia um lugar malcuidado, mas que um dia havia sido palco de muitos acontecimentos, as construções em ruínas, a vegetação espessa que engolia algumas casinhas, tudo parecia tão antigo e ao mesmo tempo tão novo.
Quando enfim Scrul parou, se viu diante de uma grande porta de madeira, de uma pequena toca de coelho no meio de uma colina rodeada por tulipas maiores do que ele estava acostumado a ver em seu mundo. Scrul bateu na porta uma vez e uma voz melodiosa atravessou a madeira, era uma voz maternal, doce e forte ao mesmo tempo, uma voz de mãe. “Entre”, a voz pediu e os quatro obedeceram de pronto.
Respeitosamente, entraram em um grande salão, que quando visto de fora, mal se podia crer que tamanho espaço estava contido naquela pequenina toca. Nos fundos, iluminada por um foco de luz natural que atravessava o topo da colina por uma abertura na terra, havia uma grande cadeira talhada e nela, uma mulher estava sentada. Era uma mulher mais alta que as mulheres altas do mundo de e tinha modos elegantes e suaves, vestida com um grande tecido branco e tudo a seu redor cheirava a flores e chá doce. foi a primeira a se ajoelhar, e depois de alguns passos, Duinedall, como se fosse mais digno do que a guerreira de estar na presença daquele ser luminoso, e depois, Scrul que empurrou mais para frente, possibilitando que ele enfim enxergasse o rosto dela.
A mulher tinha olhos vivos, numa mistura líquida de amora e prata, os cabelos prateados escorriam pelos ombros e o sorriso era doce, como se espera que o sorriso de uma mãe seja. A mulher sorriu com os olhos e inclinou a cabeça sobre o ombro, depois levantou-se graciosamente e foi ao encontro de .
- Desculpe-me. – Pediu, enfim pondo-se de joelho. Mal podia pensar diante de tal maravilha.
- Levante-se, , príncipe de Fearan. – Ela pediu em um tom sereno e levantou o olhar, surpreso e um pouco tenso pela proximidade. – É chegada a hora de ficarmos todos de pé. – A mulher sorriu também para Scrul, Duinedall e .
- Eu sou...- tentou se apresentar enquanto se levantava, mas a mulher sorriu.
- Sei quem você é assim que passou pelo portal. Estava a sua espera. – Contou. – Fearan sempre estará em dívida com você, Duinedall. – Disse, aproximando-se do guardião. – Seus nobres esforços jamais serão esquecidos. – Garantiu a ele e Duine levantou o queixo orgulhoso depois de fazer uma sutil reverência.
- Por Fearan. – Duine bradou.
- Suponho que tenha muitas perguntas, meu príncipe. – Ela falou, voltando-se a seu lugar e sentando-se com elegância.
- Eu...bem...- fora atingido repentinamente por um dos brancos que tinha quando estava prestes a fazer uma prova importante na escola, a presença daquela mulher o acalmava da mesma forma que o deixava tenso. – Quem é você? – Perguntou por fim, não sendo capaz de julgar estar sendo ou não rude.
- Tenho muitos nomes, aqui ou em seu mundo e nos outros. – Disse ela. – Mas neste tempo pode me chamar por Anciã. – não conseguiu esconder a surpresa que tomou seu rosto, fazendo-o abrir a boca e juntar as sobrancelhas. – Não se prenda a minha aparência, . – A Anciã sorriu. – Meu espírito já viveu quase tantas eras quanto o ar que respiramos, assim como as que vieram antes de mim e as que virão após minha partida.
- Desculpe. – Pediu envergonhado.
- Há muito o que descobrir, você ficou longe de casa por muito tempo. – Ela sorriu de novo. – Desde que foi enviado para o outro mundo muito mudou em Fearan. Os poderes da feiticeira estão cada vez maiores e a cada dia que passa, os poderes da terra e dos espíritos guardiões estão enfraquecendo.
- Então temos que ir, não é? – chamou. – Temos que ir agora.
- Fique em paz, . – A Anciã levantou-se mais uma vez. – Existem muitas coisas que precisam ser reveladas a você antes que parta.
Dizendo isso, a Anciã caminhou até uma das paredes de pedra que circundavam o salão em que estavam e, delicadamente a tocou com a ponta de seus dedos. Instantaneamente uma quente luz azul irradiou e como serpentes iluminadas e líquidas, alcançaram toda extensão das grandes paredes do salão, iluminando formas, desenhos e relevos. Duine, , Scrul e caminharam até ela hipnotizados com os desenhos brilhantes.
- Há mais tempo do que se pode contar, Fearan foi construída com o auxílio dos Espíritos Guardiões que habitam nas árvores, nos mares, nos ventos, no fogo, e tudo estava em paz e harmonia. Todos os seres, fadas, gigantes, sereias, duendes, ninfas, faunos, coelhos, centauros, raposas e anões, todos em harmonia. – Contou a Anciã. – Mas um dia, assim como seu pai, um navio entrou em nossas águas depois de muito tempo perdido no vão entre os mundos. Um navio com famílias do seu mundo fugindo da guerra, que se instalaram numa costa quente de Fearan e sem saber onde estavam ou como voltar para seu mundo, tornaram-se habitantes deste. Mas eles não entendiam a vida, não ouviam os espíritos guardiões, não respeitavam os povos da terra. Muitos foram mortos, os espíritos das árvores adormeceram, alguns para sempre, ninfas morreram, faunos foram quase dizimados, assim como outros seres.
A medida com que a Anciã contava, as gravuras nas grandes paredes se animavam, representando as guerras que a Anciã se referia. Flechas atravessavam de um lado para o outro, espadas se chocavam, seres corriam, árvores murchavam.
- E assim aconteceu por muito tempo. A cada vez que um novo rei dos homens subia ao trono, mais nosso povo era escravizado, explorado e caçado. – Lembrou ela. – Até que um príncipe gentil e nobre, que quando menino fugia do castelo para correr com as fadas, esconder-se entre os duendes e ouvir histórias antigas dos gnomos. – A Anciã sorriu. – Príncipe Edmond, cresceu em bondade e compaixão, assim como em coragem e nobreza e, repudiava todo ódio de seu povo pelos povos da Terra. Edmond, em seus longos passeios pelos bosques, se apaixonou por uma fada, Asia, e por sua honra e gentileza, mostrou a todos súditos a verdade sobre nossos conflitos. No dia de sua coroação, quase todos homens, súditos de Edmond já havia desistido das batalhas contra os povos da terra.
A cena de um casamento se iluminou, assim como a coroação de um rei sorridente, fazendo sorrir, tentando captar cada detalhe do desenho.
- Mas o rei tinha um irmão mais novo, que tomado por inveja e ganância, usurpou o lugar de Edmond. E para proteger seu povo, Edmond e Asia se sacrificaram para que em ao menos nas florestas de Fearan, nosso povo pudesse viver em paz. – A Ancião contou, caminhando ao lado da parede, seguindo o ritmo da luz azul. – Mas com o passar do tempo, os espíritos guias se silenciaram e os seres desapareceram devagar, pouco a pouco, dia após dia. Antes de padecerem, Edmond e Asia tiveram um bebê, que fora protegido e criado pelos povos da terra sem saber de seu direito ao trono ou que era herdeiro de Rei Edmond e sua Rainha fada Asia. – A Ancião voltou seus olhos a e sorriu. – E então, como os espíritos guardiões haviam previsto, um viajante misterioso caiu por engano num portal de seu mundo.
- Meu pai. – lembrou sem perceber, sorrindo fraco.
- Seu pai não era fruto de qualquer profecia ou tinha qualquer dever em libertar nosso povo, mas mesmo assim o fez. – Ela contou e encontrou o sorriso sereno e contido de Duinedall em sua direção. – Quando Will, o viajante chegou a nosso mundo, os guardiões puseram Tanit em seu caminho, a herdeira de Edmond e Asia. E os dois juntos, assim como antes Asia e Edmond, lideraram nossos exércitos para a vitória, libertando nosso povo e unindo de uma vez por todas os humanos aos povos da terra.
- Eles...- sorriu, assistindo as figuras iluminadas revelarem as batalhas de seus pais. – Eles venceram...
- Rei Willahelm e a rainha Tanit foram os mais justos e bondosos monarcas que Fearan já conheceu. – Contou a Anciã, e ainda sorrindo e acompanhando a gravura do rosto de sua mãe, ainda desconhecida, notou a presença de outra mulher, que era pouco iluminada pela luminosidade azul.
- Quem é aquela mulher? – Apontou e a Anciã contemplou a figura em silêncio.
- Está é Kahira. - Disse ela. – Enquanto Tanit e Willahelm eram reis, havia outra anciã e junto a ela, suas sacerdotisas, fadas e elfos. Kahira era a mais bondosa e gentil entre as sacerdotisas, ela que recebeu seu pai quando ele chegou a nosso mundo e depois juntou-se as batalhas contra o rei. – A Anciã contou com um pouco de sombra em sua voz. – Mas Kahira não queria a paz entre os povos, ela acreditava que com a presença de homens aqui, a guerra sempre nos rondaria, por isso queria que todos fossem embora ou que...- A Anciã fora interrompida por .
- Como alguém assim pôde se tornar tão má? – Ela perguntou quase não se dando conta de que falava em voz alta.
- Como sacerdotisa Kahira viu de perto todo sofrimento dos povos da terra, e a raiva...a revolta...são sentimentos tão fortes quanto qualquer sentimento bom. – A Anciã lembrou. – Kahira não aceitou a aliança com os homens e unida a outros povos da terra que também não concordavam, se exilou. Com o passar dos anos, a solidão e o rancor sendo alimentados, ela lançou a maldição que transformou Fearan em ruínas e matou muitos do nosso povo. Mas a Anciã, com ajuda dos espíritos guardiões, conseguiu proteger alguns com um encanto, enviando-os a um lugar desconhecido, e enviando você para seu mudo, para que depois de dezoito anos, pudesse voltar e libertar a todos.
- Mas eu...- hesitou.- Desculpe-me, mas não sei se consigo...eu sou só...- A Anciã o interrompeu.
- Todos somos só e apenas nós mesmos, . Fearan não precisa de mais que isso, apenas de você, príncipe ...ou se preferir... Wilson, do Hull. – Ela piscou sorrindo singelamente.
- Mas e se eu falhar? Se não for como meus pais ou o rei Edmond?
- Confie em quem você é, . Os espíritos guardiões, assim como todos habitantes de Fearan estarão ao seu lado. – Ela o confortou. – Eu estarei ao seu lado, assim como o Espírito Sagrado que move todas as coisas.
expirou pesadamente, tentando internalizar aquelas palavras, depois olhou para os três que o acompanhavam em busca de incentivo, respirou fundo mais uma vez, buscando a coragem que nem sabia possuir e disse:
- Por onde eu começo?
- Devemos prepara-lo para o teste. – Avisou a Anciã.
sentia o sol esquentar a nuca apesar do dia fresco. Observava de longe a Anciã, Duinedall e Scrul conversarem seriamente sobre o importante teste que faria, enquanto , ao seu lado, amolava um punhal. Não estavam mais na Vila de Prata, não haviam árvores bonitas ou arbustos com florezinhas coloridas, apenas uma montanha de pedra calcária, esculpida cuidadosamente pela chuva e vento, para que parecesse com algum tipo de catedral gótica. Não havia relva macia no chão, só uma areia grossa e pesada, misturada a pequenas pedrinhas afiadas que incomodavam ao caminhar, mesmo que não estivesse descalço. também havia trocado de roupa, seu jeans largo e moletom fora substituído por uma calça, botas, túnica, uma cota de malha e um gibão escuro.
Estava profundamente entediado e ansioso para descobrir qual seria o teste, o que precisaria fazer para provar ser quem diziam que ele era. Ao contrário, , com ajuda de uma pedra, afiava cuidadosamente e com muita paciência um punhal com cabo de pedra. Estava tão concentrada que não perceberia se um elefante se aproximasse, pensou. Os cabelos cacheados estavam ainda mais bagunçados devido o vento que soprava em todas as direções, as sobrancelhas juntas e o lábio inferior projetado para frente, dando a ela uma expressão chateada. Parecia alguém perdido há semanas em alguma floresta, era um pouco estranha, o olhar mal-humorado, a voz rouca, a brutalidade com que empunhava sua lança ou a forma com que suas costas estavam curvadas, era uma garota esquisita, mas gostou dela.
Também era forte, corajosa, e tinha olhos bravos.
resolveu testar sua teoria sobre a concentração de , depois de analisar o espaço em que estavam, encontrou um pedaço de galho seco e aproximou a ponta do galhinho, chegando perto da garota.
Antes que atingisse a distância de uma régua, esticou o braço, levanto o punhal de encontro a garganta dele num movimento coordenado e ágil.
- Precisa estar vivo para passar no teste, cein. – Ela rosnou entredentes.
- Entendi, entendi. – levantou as mãos, escorrendo o corpo para trás e expirou profundamente antes de retirar a arma do pescoço dele.
- Príncipe herdeiro...- Ela resmungou voltou a tarefa inicial. – Não vai durar mais que alguns instantes...
- Aposto que duro mais que isso e ainda passo no teste. – cruzou os braços sobre o peito, torcendo os lábios numa careta debochada. – No meu mundo, eu sou mestre em sobreviver.
- Seu mundo não é aqui.
- Quer apostar? – soprou. – Se eu sobreviver a esse teste, você me daria um beijo?
- Nunca! Eu nunca beijaria você! – endireitou-se, afetada.
- Mas você disse que não vou sobreviver. – devolveu e abriu a boca sem conseguir pensar em uma resposta à altura e o príncipe sorriu vitorioso.
- Se eu passar no teste, ganho um beijo seu.
- E se você não passar e eu vencer? – arqueou uma sobrancelha.
- Bom, provavelmente já vou ter morrido, mesmo. – Ele deu de ombros, sorrindo com desdém e o direcionou um olhar fulminante antes de se levantar e ir até onde a Anciã, Scrul e Duine estavam reunidos e ele resolveu segui-la.
- . – A Anciã o saudou quando percebeu que ele se aproximava junto a . – É hora.
- Hora? – arregalou os olhos.
- Sim, tudo está pronto para seu teste. – Ela sorriu.
- É que...todos já sabem que eu sou o príncipe herdeiro...não precisamos disso. Não é? – Ele hesitou, sentindo a barriga se contorcer de medo e olhando para Duine e dele para a Anciã. – Não é? - Você pode ser o filho dos reis, mas passou muito tempo afastado de seu povo, em um lugar sem magia. – Duine explicou tocando os ombros de . – Muito pode mudar o coração de um homem quando ele vive numa terra hostil, sem magia e a condução dos espíritos guardiões.
encarou as figuras a sua frente e então direcionou o olhar para uma grande caverna atrás deles, qual fosse o teste, ele apostaria envolver aquela caverna escura. Não gostava do escuro e naquele instante, pensou em desistir, talvez não valesse a pena, talvez não fosse um herói coisa nenhuma, só o arruaceiro sem salvação de sua vizinhança no Hull.
Como se tivesse o poder de ler sua mente, a Anciã disse:
- Não tenha medo, . Não estará sozinho em nenhum momento. – Ela sorriu. – Imagino que seu pai tenha lhe dado algo. – A Anciã o observou e num estalo se lembrou do arco que havia recebido de seu pai em seu rápido encontro.
- Ele...sim. – Respondeu, retirando o arco das costas e mostrando-o a todos.
- Muitas batalhas foram vencidas por esse arco e todos os guerreiros que o usaram foram honrados e justos, seus espíritos protegem e guiam o arqueiro que o carrega. Lembre-se de quem você é e confie em seus instintos.
- Espera, o que eu tenho que fazer? – questionou um pouco desesperado, quando viu que o grupo se afastava.
- Há um lago encantado dentro da caverna, protegido por uma sereia. – Duine contou e arregalou os olhos, tentando não sorrir. – E um dragão. – congelou o sorriso. – Deve trazer um pouco desta água, ela tem grandes poderes. Quando dragões choram, suas lágrimas se transformam em preciosas e raras pedras, também precisará de uma.
- Você quer que eu te traga água e uma lágrima de dragão? – arregalou os olhos.
- Boa sorte, cein. – o provocou, arremessando a ele um pequeno cantil vazio. – Nos vemos do outro lado.
- Boa sorte. – Duine acenou com a cabeça, empático ao desespero estampado no rosto do viajante.
Então era isso? Estava a sua própria sorte?
Droga, , devia ter desistido quando teve chance. Pensou.
Como passaria por um dragão e por uma sereia? Havia assistido filmes demais para saber que não conseguiria fazer aquilo, nem com a ajuda de um arco mágico guiado por espíritos de guerreiros, o que na opinião de , era no mínimo assustador.
Sua barriga revirava de medo e ansiedade a cada passo dado em direção a caverna, morreria, tinha certeza. Mas não podia não ir e sair correndo em busca da porta na floresta. O que seus pais pensariam? Por mais medo que sentisse, precisava fazer, precisava entrar naquela caverna assustadoramente escura.
Sentia a poeira subir a medida com que arrastava os pés na areia grossa e a luz sumindo enquanto entrava na caverna, que surpreendentemente não era fria e úmida como a maioria das cavernas era. Um dragão, pensou, era a explicação para o ambiente seco e quente dentro daquele buraco de pedra. A entrada da caverna era como um túnel, que se estreitava pouco a pouco, dando espaço para que apenas um homem não muito grande passasse por ele. A temperatura esquentava quanto mais perto do fim do túnel ele chegava, e o único ruído audível era o de seus passos na areia grossa e cascalhenta.
Vamos lá, não vai ser tão difícil, dizia a si mesmo.
Depois de quase infinitamente sentir-se sufocado entre as paredes apertadas de calcário, alcançou um grande salão de pedra, tão grande quanto o salão da Anciã ou maior, esculpido cuidadosamente com o tempo e em seu centro, a relativa grande distância, um brilho azul que era iluminado por um grande buraco no lugar mais alto do teto da caverna, por onde a luz do sol teimava em entrar. Armou-se com seu arco, um pouco atrapalhado em encaixar uma flecha no lugar certo, o segurando de forma incorreta e seguiu, caminhando a passos hesitantes até a luz, apontando seu arco para todo canto, vigilante.
Através dos raios de sol que invadiam a caverna era possível notar flocos de poeira que dançavam brilhantes, movendo-se preguiçosamente ao ritmo de uma melodia dramática e encantadora que saía da fonte de brilho azul. Ao aproximar-se, percebeu se tratar de um pequeno lago que crescia para o interior da caverna, e suas águas azuis tornavam-se escuras e mais escuras a medida que se afastava do foco de luz solar.
A música continuava, como uma guia, conduzindo-o para mais perto e mais perto, até que sentiu os pés molhados pela água morna e densa do lago. Em uma de suas margens, parcialmente coberto pelas sombras, alguém o espreitava, podia ver seus olhos, mas não o contorno de seu rosto. Sua missão ainda estava fresca em sua mente e piscando como um farol em uma noite escura, mas estava enfeitiçado demais com os lamentos tristes declamados com aquela bela e doce voz para pensar direito.
E então a canção parou e os olhos que o encaravam sumiram, agitando as águas.
- Não, não vá! – Pediu, dando mais alguns passos dentro do lago. – Não vá embora! Por favor.
- Não fui. – girou o corpo em busca da voz que o havia surpreendido, e encontrou uma bela mulher apoiada em uma das margens. Ela tinha o nariz um pouco achatado, lábios finos e olhos grandes, apenas parte de seu corpo estava fora da água, um torso bonito e perfeito de mulher, mas sabia do que se tratava, podia estar encantado com o canto e beleza da mulher, mas ainda assim sabia.
- Você. – sorriu. – Você quem cantava.
- E você me ouviu. – Ela respondeu inclinando a cabeça sobre o ombro.
- Ouvi. Ouvi.
- Você é , o príncipe. – Disse ela, aproximando-se mais um pouco e fez o mesmo.
- Sou eu.
- Estivemos a sua espera, meu príncipe. – A sereia sorriu suavemente, aproximando-se e tocando a face de com a ponta dos dedos.
- Não a entendo. – Desculpou-se.
- Ouvimos falar de você, o príncipe prometido, o herdeiro do trono de Ór. – Contou a sereia. – Estávamos ansiosos para conhece-lo.
- Estávamos? De quem diz? – Ele quis saber dando mais alguns passos para dentro do lago quando ela se afastou.
- Meus irmãos e irmãs. – A sereia falou, afastando-se de costas em direção a parte mais escura do lago.
- Existem mais de você? Espere, não vá. – Pediu, avançando e a essa altura já tinha água na altura de sua cintura. – Aonde vai?
- Nadar. – A sereia respondeu sorrindo. – Deseja vir comigo, meu príncipe? Posso mostrar maravilhas nunca antes vistas, belezas que nenhum rei jamais sonhou em conhecer...tocar...
- Me parece bom. – Respondeu sem pensar, dando passos lentos em direção a sereia, que havia aberto seus braços para recebe-lo. Nadar um pouco não faria mal a ninguém, pensou.
- . - Uma voz o chamou, mas ignorou, estava a caminho de fazer coisas mais importantes. - ! Pare.
A voz parecia insistente e suplicante, ao mesmo tempo que firme e pensou já a ter ouvido em algum lugar, mas não se demorou pensando sobre aquilo, uma sereia o esperava.
- Filho! Ouça e enxergue com os olhos do coração e não com os sentidos. – A voz chamou mais uma vez e desta, vislumbrou rapidamente a figura de seu pai ao seu lado, mas sua atenção foi capturada mais uma vez quando a sereia voltou a chama-lo.
Algo gritava dentro da cabeça de , mostrando-o e tentando o convencer de que aquilo era errado, de que era o caminho errado a seguir.
- ! - Seu pai chamou mais uma vez e forte demais para que pudesse ignorá-lo. - Não dê atenção a seus sentidos. Concentre-se.
Alguns centímetros antes de tocar a mão ofertada pela sereia, piscou algumas vezes e sacudiu a cabeça, assustando-se ao perceber a água que já tocava seu pescoço. O príncipe tentou nadar com toda força que possuía para a margem, mas a cada movimento seu, sentia as águas ficarem mais pesadas e densas, como areia movediça. A sereia passou a nadar em volta dele, deixando-o ainda mais assustado.
Devia matá-la, usar de seu arco mágico e matá-la, somente assim conseguiria sair vivo daquele lago. Mas como poderia? Como poderia fazer aquilo? Atirar com seu arco e assisti-la sangrar, colorindo aquelas águas de vermelho? Como dormiria?
Mas a sereia provavelmente o mataria, estava prestes a afoga-lo, se não fosse por seu pai...
lutava com seus conflitos internos ao mesmo tempo que lutava com as águas, até que enfim conseguiu sentir os pés tocarem o chão novamente e mais que depressa, agarrou seu arco, que boiava próximo a margem e retirando uma flecha da alijava, apontou para a sereia, que instantaneamente parou de se mover. A respiração dos dois era curta e ansiosa, nos olhos da sereia era possível notar o medo e nos de a culpa, medo e hesitação.
ajeitou a flecha e esticou o fio do arco o máximo que pode, sentindo os músculos tremerem com o esforço. Mordia os lábios com força, tentando controlar com a dor a onda de pensamentos que o invadia.
- Não se esqueça de quem é, . - O pai disse mais uma vez e com um grito sôfrego e decepcionado, deixou que a flecha caísse na água.
- Eu não posso. Não posso matá-la. – Declarou contrariado. Sabia que o que esperavam dele é que cumprisse aquela tarefa como um herói, mas não podia, olhando nos olhos da sereia, simplesmente assassiná-la. – Eu sinto muito. Sinto muito, pai.
A sereia levantou o queixo, ressabiada e aproximou-se de uma das margens novamente, encarando com curiosidade, enquanto ele tentava imaginar porque ela ainda estava ali ou porque ele ainda estava vivo.
- Desculpe-me. – Pediu. – Não posso matá-la. Talvez não seja o herdeiro que precisam, procuram ou esperam. – Desabafou triste, recuperando a flecha e a guardando na alijava.
- O que quer de nós, , príncipe de Fearan? – A sereia perguntou e arqueou uma das sobrancelhas, confuso.
- Água. Água mágica. – Respondeu com simplicidade, atordoado, tocando o pequeno cantil que havia amarrado ao cinto, perplexo diante a atitude dela.
A sereia se aproximou com cuidado e estendeu a mão em direção ao cantil, , continuava desorientado, atônito, mas o desprendeu do cinto e o entregou a ela. A sereia o abriu e com cuidado o encheu de água, devolvendo-o a ele um cantil pesado demais para seu tamanho. a encarou e depois encarou o cantil que segurava e sorriu.
- Obrigado.
A sereia baixou a cabeça numa sutil reverência e então desapareceu nas águas.
não sabia o que pensar, em um instante estava encantado com a música e beleza da criatura e no outro, decidindo se devia matá-la ou não. Talvez ter falhado faria com que sua tarefa não fosse válida, talvez devesse tê-la matado, era assim que heróis faziam, não é? Pensou consigo mesmo. Mas não conseguiria, nem se tentasse, nem se estivesse cego de raiva, não era assim e jamais conseguiria ferir uma pessoa daquela forma, mesmo que a sereia fosse apenas metade pessoa.
Tomando o cuidado de prende bem o cantil no cinto, arrastou-se para fora do lago, precisava encontrar a saída e o bendito dragão, e este, esperava conseguir matar.
Antes que tomasse consciência do espaço ao seu redor, fora surpreendido por um voo rasante de uma criatura grandiosa demais para aquela caverna, escura como a noite e quente como um forno. Por sorte, conseguira se esquivar do ataque, mas em seguida tudo se tornou escuro. Qual fosse aquela criatura, parecia cobrir a entrada do sol, tornando tudo uma noite densa e assustadora. O ar agora tinha cheiro de cinzas e poeira e precisou subir a gola de sua túnica, tentando proteger as vias aéreas.
Que ótimo, pensou assustado, não há chance de matar essa coisa.
Procurando alguma saída, vislumbrou a linha fina de luz que denunciava a entrada da caverna, o apertado túnel pelo qual havia passado, era a única saída à vista e a única chance de escapar dali. Podia ouvir a respiração pesada da fera e o deslizar incessante de cascalhos e pequenas e grandes pedras que seu deslocamento causava. decidiu arrastar-se para a pequena linha de luz engatinhando, mas foi preciso rolar para longe quando ouviu o som agressivo das asas e o rosnado forte e ensurdecedor do que ele pensava ser o dragão, e em seguida uma longa língua de fogo azulado iluminou toda a caverna, revelando pilhas de ossos e que o espaço era muitas vezes maior do que imaginara.
- Seria uma ótima hora para um conselho, pai. – Pediu em voz alta, protegendo-se atrás de uma pedra.
Quando recostou as costas na superfície quente da rocha, sentiu o arco lhe incomodar a cintura e pensou ser uma boa hora para testar enfim seus poderes mágicos. Ainda na mais completa escuridão, ajeitou uma flecha no arco da maneira que pode e mirou para cima, imaginando que qualquer que fosse o caminho da flecha, levaria ao dragão, e puxando-a com toda força, atirou escondendo-se atrás da pedra novamente.
O dragão urrou quando a flecha o acertou e então cuspiu fogo mais uma vez, mas desta vez com mais força e por mais tempo, antes que o fogo iluminasse a caverna, notou o som que o precedia, como uma explosão gigantesca no interior da fera. Talvez houvesse uma forma de matar aquela criatura, pensou consigo, e ajeitando o arco, atirou três flechas seguidas em direção a besta e a ouviu gritar mais alto e perder um pouco de seus sentidos de voo, batendo nas paredes da caverna, causando tremores gigantescos e fazendo com que grandes pedaços de pedra se desprendessem e caíssem quase atingindo .
O dragão cuspiu fogo mais uma vez e precisou atirar-se as águas densas e quentes do lago para que não morresse carbonizado. O ataque durou tempo suficiente para que ele quase se afogasse nas águas doces e azuis. E voltando a superfície, atirou de uma vez duas flechas em direção a grande criatura, que em um urro ensurdecedor denunciou ter sido atingido fatalmente. O dragão caiu no chão fazendo com que mais pedras se desprendessem das paredes da caverna, causando mais tremores que impediam que ficasse de pé e que quase o afogaram mais uma vez.
E então tudo se tornou uma densa nuvem de poeira e cinzas.
não podia ouvir nada além de um zumbido irritante que lhe ocupava os ouvidos, e assim deixou as águas, cuidadoso. Não precisou de mais de meia dúzia de passos para visualizar a figura gigantesca da fera com que havia digladiado. A luz voltara e podia analisar com cuidado parte do corpo do grande lagarto. As asas do dragão eram de um azul quase brilhante quando tocado pelo sol e suas escamas, igualmente azuis, pareciam pedras preciosas e deviam medir mais que cinquenta centímetros de largura cada uma. O pescoço era tão alto quanto uma casa e longo como o mar parecia se fosse visto da areia, e sua cabeça era igualmente gigantesca, mas não assustadora como imaginara. Não haviam milhões de dentes à mostra ou a aparência de um dinossauro, pelo contrário, era belo. Possuía olhos fortes e gentis que se mantinham abertos e fixos em , como num misto de honra, hombridade e dignidade.
- Desculpe-me. – pediu, tocado pelo olhar da criatura e ela piscou devagar, como se o entendesse e aceitasse o pedido de desculpas.
Mas não havia sinal de lágrimas ou pedras diferentes das que haviam sido quebradas pelo peso do dragão. não sabia o que fazer, olhando a criatura sendo tocada pela luz solar e admirando sua beleza fantasiosa, lamentou tê-la ferido. Talvez eu também atacasse caso alguém entrasse em minha caverna sem permissão, disse a si mesmo, tentando justificar as atitudes da grande fera azulada que continuava o encarando com o mesmo olhar.
- Eu provavelmente sou o pior herói que este mundo já viu. – lamentou em voz alta. – E talvez nada disso funcione, já que não fiz como...como devia. E talvez esta seja a decisão mais estúpida que tomarei hoje.- Disse olhando para o dragão. – Se não me matar, posso ajudá-lo. Eu sei, eu sei...não precisaria de ajuda se eu não o tivesse atacado, mas em minha defesa, existem pessoas lá fora esperando que eu complete esse teste vivo. – Explicou-se.
esperou que o dragão se movesse, mas a fera apenas piscou mais uma vez. E assim, cuidadosamente, desprendeu o cantil do cinto e aproximou-se devagar da cabeça do dragão. Não podia despejar as águas curativas nos ferimentos causados por suas flechas pois não era capaz de vê-los devido a posição em que o dragão estava. Decidiu escalar um dos pedaços de pedra solta para alcançar a bocarra do dragão e cuidadosamente despejou um pouco da água do lago, depois prendeu o cantil no cinto novamente. tocou, hipnotizado, a fronte do dragão, que iluminada pelo sol, refletia um arco íris de cores vibrantes e luminosas. Ai. Reclamou o príncipe quando sentiu a mão arder e notou em sua palma corte largo que tomava toda extensão de sua mão, percebendo ter se cortado em uma das escamas da fera, que agora, tinha um pouquinho de seu sangue a impedindo de brilhar tão magnificamente.
- Vamos água, faça sua mágica. – Pediu num sussurro, apertando a mão ferida na roupa, enquanto observava atentamente se o dragão ainda respirava.
No espaço de três respirações o dragão começou a se levantar, apoiando-se em suas asas e quase fazendo com que a caverna escurecesse por completo outra vez. mal podia ver sua cabeça devido à altura da fera, mas a fera abaixou-se e o deslocamento rápido do ar fez cambalear.
- Salve príncipe . – Saudou o dragão e piscou algumas vezes até ter certeza de que havia escutado o que pensava ter escutado.
- Você. Você fala. – Acusou chocado.
- E isto o surpreende? – O dragão devolveu.
- Uau! Mas é que...ele fala...o dragão fala...- riu nervosamente, passando as mãos pelos cabelos e andando em círculos aos pés do dragão.
- Pode chamar-me por Teinegorm. – Apresentou-se orgulhoso.
- Teinegorm. – repetiu. – Desculpe-me por feri-lo...e obrigada por não me matar.
- Por que eu faria isso?
- Bom...- não soube o que dizer, sentia-se envergonhado e triste por falhar em seu teste e por ter atirado em Teinegorm.
- O que vosso coração anseia, meu príncipe? – Teinegorm quis saber, e ponderou sobre dragões e a habilidade de ler mentes.
- Como sabe quem eu sou? – Corrigiu-se em seguida. – Ou quem esperam que eu seja?
- Estivemos todos a sua espera, aguardando que a profecia fosse enfim cumprida. – Explicou.
- Desculpe-me mais uma vez por isso, eu...- hesitou chateado.
- Está livre para ir, príncipe .
- Eu...- Embora fossem situações diferentes, talvez valesse a pena tentar o mesmo que com a sereia, pensou, não sabia se cumpriria o teste agindo assim, mas devia tentar. – Pedras de lágrima de dragão, o que anseio. Você perguntou. Perguntou o que eu ansiava.
- Bom, poderia apenas pedir. – Falou Teinegorm, deixando congelado de demérito.
Teinegorm aproximou-se mais de e de um de seus olhos uma cintilante e límpida única lágrima rolou, caindo no chão aos seus pés e instantaneamente tornando-se uma pedra azul de rara beleza e brilho, tão cintilante que era capaz de iluminar quase toda caverna com o toque de apenas um mísero raio solar. a resgatou, sorrindo, admirado com sua beleza única.
- Obrigado, Teinegorm. Estou em débito com você, se isso serve para algo. – Garantiu tentando ser educado e imitar o que ouvira da Anciã.
- Por Fearan. – O dragão bradou.
assentiu e sorriu, ainda atônito com todos os acontecimentos, guardou a pedra em um dos bolsos e começou a afastar-se, mas Teinegorm interveio.
- Só há uma saída possível, meu príncipe. – Dizendo isso, se abaixou ainda mais, aproximando a asa de , indicando-o a subir.
- Você...está dizendo que...quer que...eu suba? Quer dizer, voar em...eu não...não posso, não sei fazer isso. – Negou gaguejando.
- É o único jeito. – Enfatizou.
balançou a cabeça negativamente, apoiou as mãos nos joelhos, respirou fundo, depois chacoalhou a cabeça novamente.
- Não sei porque sempre aceito esse tipo de coisa.
Com alguma dificuldade e temendo feri-la novamente, escalou a asa de Teinegorm, utilizando suas grossas escamas e espinhos em seu dorso como apoio, até que conseguiu alocar-se entre dois grandes espinhos, perto da cabeça do dragão.
- Segure-se. – Avisou Teinegorm.
- Eu não sei como voarrrr! – gritou assim que o dragão alçou voou, subindo rápido em direção ao buraco no teto da caverna.
Seu estômago congelou e parecia prestes a vomitar a qualquer instante, sentia que todos seus órgãos haviam sido deixados embaixo, dentro da caverna escura, mas embora as sensações ruins, voar com Teinegorm era indescritível, sentia-se livre, apavorado e vivo.
Quando Teinegorm deixou a escuridão da caverna, apertou os olhos, cego por alguns instantes devido a mudança brusca de luminosidade. E quando conseguiu adaptar-se novamente ao mundo exterior, percebeu que estava tão alto quanto helicópteros que voavam por seu mundo, notou também que dali podia ter uma vista completa de Fearan, mares, florestas, dunas, cavernas de calcário e campos, vales e rios, cachoeiras, vilarejos, mais floresta e tudo era perfeito.
Abaixo de seus pés, atrás da caverna, havia um grande vale verde, uma clareira entre a floresta e a caverna e seu solo árido. A medida com que Teinegorm descia do céu, podia identificar pontos que destoavam do verde da relva, pontos que mais tarde reconheceu por Duinedall, a Anciã, e Scrul. Os quatro pareciam orgulhosos e nada surpresos com a chegada de montado a um dragão. Duine mantinha um sorriso discreto e orgulhoso, tinha as sobrancelhas arqueadas e o canto da boca torcido, como se quisesse disfarçar a alegria em reencontrar o príncipe herdeiro. Scrul dava nada sutis pulinhos enquanto sorria e festejava e a Anciã sorria como uma mãe devia sorrir, discreta e docemente.
Quando Teinegorm pousou com pouca sutileza no chão, não soube se segurar e rolou de seu corpo, passando por suas asas, arranhando-se em suas escamas, até cair aos pés dos quatro que o aguardavam, sendo auxiliado por Duine e Scrul a ficar de pé mais uma vez.
Teinegorm movimentou-se, agora sutilmente, deitando-se até que seus olhos pudessem alcançar os olhos da Anciã e com um leve empurrão de sua calda, jogou no chão mais uma vez.
- De joelhos. – Falou um pouco mais baixo e se ajeitou, observando atento a aproximação da Anciã, quando ela estava próxima o suficiente, baixou a cabeça.
- Eu trouxe, trouxe a água e a pedra. – Avisou, desprendendo o cantil do cinto e pegando a pedra do bolso, ofertando-a a Anciã, ainda sem levantar o olhar. – Mas não sei se fui digno. Não acho que concluí as tarefas como deveria...na verdade acho que fiz tudo errado...- Suspirou, encarando de soslaio Teinegorm e murmurando outro pedido de desculpas.
- Levante-se, príncipe . – A Anciã ordenou. – Levante-se, para que todos saibam que o herdeiro do trono de Ór, príncipe prometido está entre nós. – a encarou confuso, ainda de joelhos. – Toda vida de Fearan é sagrada e tem valor, você por infortúnio do destino passou muito tempo em um mundo onde as coisas são diferentes. Mas o verdadeiro herdeiro do trono de Ór, protetor de Fearan possui o coração puro, e sabedoria para proteger todas as criaturas, não apenas as que se assemelham a ele.
- Então quer dizer que...- olhou de Teinegorm para Duine e depois para a Anciã. – Quer dizer que eu...- Suspirou, balançando a cabeça negativamente, chocado. - Mas eu quase...quase atirei na sereia...e o...eu o feri. Feri Teinegorm. – Confessou um pouco confuso.
- Mas usou das águas do lago mágico para curá-lo. Usou o primeiro item de sua tarefa para curar a fera que poderia tê-lo matado. – A Anciã lembrou. – E agora, vocês têm uma ligação.
No instante que a Anciã proferiu as palavras, sentiu o ferimento em sua mão arder e ao voltar sua atenção para a ferida, a assistiu cicatrizar como mágica e em seu lugar, uma linha fina e azulada, da mesma cor das escamas de Teinegorm se formou. Olhando da Anciã para Teinegorm, se perguntava o que aquilo devia significar.
- Desde a criação do mundo dragões e os povos da terra vivem em harmonia. Nós dragões protegemos Fearan e nossos espíritos de sabedoria instruíram anciãs por muitos milênios. – Teinegorm contou. - Com a chegada de outros como você, muitos fomos mortos, quase dizimados, mas com seu avô uma aliança foi refeita e aos dignos, passamos a viver e lutar como um, protegendo Fearan. Dragão e rei, protetores de Fearan e da sabedoria mais antiga que este mundo possuí.
- Os dragões são os espíritos mais antigos do nosso mundo, , do seu mundo. – Ela enfatizou. - E agora, você mostrou ser não apenas digno de seus títulos e de toda confiança do nosso povo, mas também como um cavaleiro protetor, o cavaleiro de um dragão. – A Anciã sorriu. – De pé, , príncipe de Fearan, guardião dos bosques e florestas, protetor dos povos da terra, senhor do castelo de Ór e dos Vales de Hafif, cavaleiro de Teinegorm.
- Todos saúdem príncipe , de Fearan! – Scrul gritou.
- Príncipe , de Fearan! – Todos repetiram em uníssono e sentiu-se aquecido, pronto e corajoso como nunca antes.
Uma voz sussurrava longe, chamando-o a distância e se aproximando aos poucos, como quem procura por alguém em um local com muitos cômodos. também procurava a origem daquela voz, nunca a havia visto antes, mas era bela, despertava calma e paz. A voz continuava chamando, até aproximar-se por completo e então o príncipe herdeiro pode ver sua fonte, uma mulher alta como a anciã, com cabelos negros e longos que quase alcançavam o chão, e tão bela quanto as mulheres que costumava ver em revistas em seu mundo.
- . – A mulher chamou-o sorrindo e sentiu-se bem. Faltava apenas uma pessoa para ver, alguém com quem secretamente havia sonhado acordado desde que soubera a verdade sobre seus pais e talvez aquele fosse o momento.
- Mãe? Mamãe? – Perguntou incerto e a mulher sorriu.
- Sim, querido. Por que não vem até aqui? – Chamou e sorriu grande, partindo de encontro a ela e a abraçando, repentinamente a figura de seu pai tomou-lhe a mente.
- Eu achei que...achei que tinha morrido. – tentava manter engolir o nó que havia se feito em sua garganta.
- Eu também. – Sua mãe segurou-lhe o rosto, observando os olhos dele com atenção. – Tem os mesmos olhos de seu pai. – Disse e ele sorriu.
- Onde você está? Vou libertá-la! – Anunciou. – Passei no teste, já sabem quem sou eu.
- Estão se preparando para a batalha?
- Sim, haverá um grande conselho. Em breve. – Contou empolgado, lembrando-se de seu pai mais uma vez. – Vou derrotar a feiticeira e libertar todos. Vamos ser uma família.
- Ouça-me, . – A mãe pediu. – Não deve ir a batalha. – Falou e o príncipe franziu o cenho, confuso.
- Mas eu preciso...ela aprisionou vocês, meu pai, você. Me separou de vocês. – Lembrou afetado. – Eu vou matá-la.
- Não, querido...- Ela sussurrou, abraçando-o forte. – Quem fez isso a nós foi a Anciã e os povos da terra. Não queriam mais ser governados por homens.
- Mas você é parte fada. – Lembrou mais uma vez.
- Eles não são confiáveis, , querido. Deve fugir, voltar a seu mundo...ou vir até mim. – Disse ela, puxando o rosto de em direção a si, olhando-o fixamente nos olhos.
- Mas eu não entendo...o teste...por que? – balançou a cabeça negativamente, afastando-se um pouco e a mãe o puxou de volta com alguma força.
- Tem que vir a mim, . Tem que vir a nós. – Pediu efusiva, mas continuava confuso, em negação. – Venha ou nós morreremos. Todos nós.
Sentia algo errado, a imagem de seu pai invadia sua mente a todo segundo e as palavras de sua mãe o incomodavam, ao contrário do que acontecia com seu pai ou quando falava com a Anciã. A mãe parecia um pouco aflita e impaciente, chamando-o e segurando o com força.
- Mas eu gosto daqui. Gosto deles. – confessou chateado e assustou-se com a figura de sua mãe rumando em sua direção rapidamente e enfurecida.
- Deve deixá-los, . Por mim. Ou prefere que me matem? Prefere que sua mãe seja morta? – Ela indagou.
observou os olhos da mulher a sua frente, pareciam impacientes, amedrontados e ansiosos, lembrou-se de quando vira seu pai pela primeira vez e entendeu.
- Minha mãe...- Sussurrou e a mulher sorriu acenando com a cabeça. – Pelo que sei, para minha mãe seria uma honra morrer por Fearan. – Declarou e a feição da mulher metamorfoseou-se em uma carranca odiosa e irada.
- Tolo! – Gritou. – Não sabe de nada!
- Eu não sei, você tem razão. – concordou, afastando-se alguns passos e sorrindo, feliz por estar certo. – Mas sei que você não é a minha mãe. Não me entenda mal, você até interpretou bem...- Sorriu. – Mas é que de onde eu venho...as pessoas mentem muito.
A mulher irada partiu em sua direção, cheia de fúria e antes que ela pudesse atingi-lo, vislumbrou a figura de seu pai tomando sua frente, como se o protegesse de qualquer ataque e então acordou.
Estava suado, com o peito em chamas e boca seca. Estava em uma das tendas do grande acampamento montado para a grande batalha, ao longe podia ouvir o som das flechas cortando o vento, o tilintar do choque das espadas, vozes e risos, e todos sons que se pode imaginar que haja em um acampamento de guerra. Ao seu lado, limpando sua espada, Duinedall, que levantou o olhar ao ouvir o despertar afobado de .
- Pesadelo? – Perguntou ele, voltando a encarar sua espada.
- Eu vi. Alguém. – contou assombrado e Duine lhe deu atenção. – Havia alguém. No meu sonho. Uma mulher.
- Do que está falando? Que mulher? – Duine sobressaltou-se, preocupado.
- Uma mulher. Ela disse. Disse para não lutar. Disse ser minha mãe, mas não era ela. – voltou seu olhar para o guardião pela primeira vez desde que acordara. – Meu pai estava lá também. E eu...eu acho que ele me salvou.
- Kahira. – Duine trincou dos dentes. – A notícia de sua chegada deve ter se espalhado e ela sabe da profecia, sabe que não poderá fugir de seu destino, a menos que você esteja morto.
- Ela quer me matar? – estremeceu. – Espera. Ela não pode fazer isso por sonho? Pode?
- Matá-lo? Não. – Duine respondeu pondo-se de pé. – A magia que o protege é forte demais e além disso, seus pais continuam te protegendo. Kahira não pode te matar, mas pode machuca-lo se permitir. Se ela surgir de novo em seus sonhos, não siga sua voz. – Duine aconselhou, batendo duas vezes na testa de com o dedo indicador.
- Achei que...- começou a dizer antes que ele se afastasse, fazendo com que Duine girasse em seu próprio eixo para encará-lo. – Achei que fosse minha mãe.
Duinedall inclinou a cabeça sobre o ombro, empático ao lamento de e sorriu.
- Sua mãe não é do tipo que aparece em sonho para pedir que não lute. – O guardião sorriu. – Quando a conhecer, verá. Tanit sempre foi e sempre será a primeira a se levantar.
Duine sorriu e afastou-se, provavelmente para contar do sonho do príncipe aos outros e deixando com o coração um pouco mais aquecido, embora ainda perturbado com a visão e ideia de que a feiticeira podia alcança-lo quando dormisse.
A pedido da Anciã, um grande exército estava reunido no acampamento que fora montado e liderado por Duinedall. Faunos, anões, fadas, animais, homens e mulheres, gnomos, duendes, ogros e gigantes. Seres que jamais sonhara ver, mas que por alguma razão, parecia acostumar-se rapidamente com suas presenças, não os temendo ou estranhando. Todos pareciam concentrados e motivados, ansiosos para que enfim fossem liderados para guerrear pela liberdade de seu mundo.
- Está sendo convocado. – entrou em sua tenda sem avisar e disse.
- Olá, . – a cumprimentou um pouco sobressaltado por sua chegada repentina.
- Não tenho o dia todo. Vamos. – Ordenou ela.
- Você é sempre mal-humorada assim?
- Só quando preciso tomar conta de uma criatura humana. – Ela rosnou.
- Eu não sou humano. Sou metade fada, como minha mãe. – a lembrou orgulhoso.
- Cein. – rosnou com um pouco mais de irritação, dando-lhe as costas.
- O que é isso? Que sempre diz? Cein. – Perguntou ele.
- Você não vai querer saber. – sorriu debochada, numa das raras ocasiões que se permitia fazer aquilo.
- Sabe, , você devia fazer mais essa careta aí. – a provocou. – Ah. Não, não me diga que é um sorriso. – Zombou e ela rolou os olhos, apressando o passo para fora da tenda e fazendo a seguir. – Diga-me, , guerreiras podem se casar com príncipes?
Antes que pudesse responde-lo, empacou no lugar chocado com o grande número de rostos diante dele. Sua tenda ficava sobre uma sutil colina e abaixo dela, o grande conselho de Fearan estava reunido, a Anciã, Duinedall, Scrul, Teinegorm e outros seres que ainda não conhecia.
- Salve o príncipe ! – Scrul gritou assim que percebeu a chegada de .
- Salve o príncipe ! – Todos gritaram de uma só vez e puseram-se de joelhos. Teinegorm cuspiu fogo por alguns instantes, em direção ao céu.
- Meu príncipe, aqui está o grande conselho de Fearan e suas tropas, que vossa alteza deverá liderar nesta guerra. – A Anciã explicou e engoliu em seco.
- Se me permite, vossa alteza. – Duine aproximou-se. – Esses são Ronan e Teinar, os centauros tem liderado tropas desde as primeiras guerras. Nunca ouvi, em todos os tempos de minha existência, sobre uma vez em que tenham sido derrotados. – Os dois centauros imponentes baixaram a cabeça num cumprimento honroso e então se levantaram.
- É uma honra lutar ao lado do filho do grande rei Willahelm. – Um deles disse e assentiu.
- Esses são Freda e Luthien. – Duine fez uma reverencia ao aproximar-se de dois seres espantosamente lindos, altos como a anciã e de aparência quase cristalina de tão cintilante. – Elfos assim como os dragões e Anciã tem sido guardiões da sabedoria, magia e conhecimento de Fearan desde o início dos tempos.
- Não deve temer, príncipe . – Um dos elfos inclinou-se na direção de , tocando-lhe a orelha. – O poder que precisa está dentro de você. – Disse como se pudesse ler a mente de e seu pavor diante de todas aquelas criaturas por saber que as lideraria para uma batalha mesmo sem nunca ter estado em uma.
- Pomenio e Lenóbio. – Duine apresentou dois gentis faunos.
- Meu príncipe. – Os dois o saudaram juntos.
- Grande felicidade, vossa alteza. Grande felicidade! – Um deles, mais alto e com um cajado de pastor saudou e sorriu, sentindo-se contagiar com a animação do fauno.
A apresentação seguiu e conheceu fadas, duendes, gnomos, tigres e lobos. Todos aqueles seres pareciam felizes e orgulhosos por estarem na presença do esperado príncipe, e aquilo assustava . Podia ser filho de seus pais, mas não era como eles, não sabia como ser, como liderar uma guerra ou qualquer coisa parecida. Tinha medo, principalmente por perceber toda a expectativa que aquele povo tinha, toda a esperança sobre si, um garoto qualquer do Hull.
Depois das apresentações, pediu um tempo sozinho, e caminhou solitário até uma outra colina, um pouco mais alta, de onde podia observar toda a extensão do acampamento e o grande número de seres reunidos ali. Tinha tanto medo que sentia que poderia chorar a qualquer momento, todos ali contavam com ele enquanto mal sabia segurar um arco mágico.
- Pai. Mãe. – chamou chateado. – O que vocês fariam agora? Eu não sei o que fazer...queria tanto que estivessem aqui. – Lamentou.
De repente, uma brisa leve tocou seu rosto, e sentiu uma presença confortável aproximar-se, era seu pai. Agora ele sorria e o encarava com os braços cruzados.
- Pai? – chamou, depois do sonho, queria ter certeza de com quem falava.
- Não tenha medo. – O pai aproximou-se mais. – Não deve temer seu destino, meu filho. – Disse ele, tocando com firmeza o ombro de . – Toda força que precisa está dentro de você.
- Mas eu nunca fiz isso. Não sou um herói como você ou minha mãe. – Argumentou.
- Não se nasce herói, torna-se herói. – O pai sorriu. – Mas você já possui coisas dentro de si que muitos demoram tempo demais para adquirir. Eu demorei. – encarou o pai com curiosidade. – Coragem e misericórdia. Já deve ter aprendido que ser um herói não significa ser impiedoso. Você sobreviveu ao ataque de Teinegorm, e acredite muitos e muitos tentaram. Sobreviveu aos encantos de Sedna, a sereia protetora das águas e conquistou seu respeito. Kahira é uma feiticeira má e desonesta, mas não é invencível e enquanto você for quem é, ela não terá chances.
- Mas como farei isso? Não sei lutar ou liderar alguém para uma luta.
- Ouça seu coração, . – O pai sorriu de novo. – Você pode não ter lutado muitas batalhas no neste mundo, mas venceu muitas guerras no nosso. – Disse e se lembrou de todas as vezes que havia passado por péssimas situações, sobrevivido a quase todo tipo de problema e que homens podem submeter outros homens. – Nós estaremos com você.
Garantiu o pai e então desapareceu, assim como havia surgido, mas agora, não sentia mais vontade de chorar. Ainda tinha medo, estava tomado por ele, mas possuía um pouquinho a mais de uma coisa nobre dentro de si, mas muito, muito valiosa: fé.
Ao amanhecer as árvores com seus espíritos trouxeram a notícia de que um grande exército se aproximava rápido, e a armada de Fearan guiada pelos centauros e Duinedall se organizava tomando suas posições, esperando pela inevitável batalha final. estava de pé, ao seu lado Teinegorm e , de onde estavam podiam enxergar quase toda a armada, com gigantes, centauros, fadas, elfos, animais, homens e todas as outras criaturas de Fearan que havia conhecido.
- Vamos vencer. – Disse ele a si mesmo. – Vamos vencer, não é?
- Você é o herdeiro aqui, Cein, diga você. – deu de ombros.
- Mas você já lutou antes, com meus pais, eu não.
- Você é o príncipe herdeiro, se seus guerreiros notarem medo ou fraqueza em sua voz, vão temer a batalha. – disse austera, posicionando-se frente a e olhando-o nos olhos. – Coragem não significa ausência de medo. Mas se não acreditar que pode vencer, por que lutar?
Dizendo isso, a guerreira se afastou e expirou pesadamente. Apesar do encontro com o pai no dia anterior e das muitas discussões sobre táticas de guerra, ali, frente a verdadeira batalha era difícil manter as pernas firmes. Era uma guerra de verdade, com arqueiros, cavaleiros, espadas, catapultas e todo o aparato que geralmente só se vê em filmes.
- Ela tem razão. – Sussurrou. – Vão ver que estou com medo e perderemos a guerra por minha causa.
- Não seja tolo, . – Teinegorm o censurou. – Não há sequer um coração neste campo de batalha que não esteja sentindo medo.
- Até mesmo o seu?
- O tamanho do medo segue o tamanho do coração. – Respondeu calmo.
- Estamos prontos. – Duine avisou, aproximando-se, subindo até onde o herdeiro e o dragão estavam. – Como príncipe, deve dizer algumas palavras as tropas.
- Não acho que será uma boa ideia. – torceu os lábios numa careta envergonhada. – Por que você não fala? Ou a Anciã? Um dos centauros? ou quem sabe Teinegorm?
Duinedall encarou , como se escolhesse com cuidado o que diria, pensando nas consequências de suas palavras, e então sacudiu os ombros sutilmente e girou em seu próprio eixo, analisando as tropas.
- Estão se aproximando. – Duine avisou e voltou para junto deles.
- Não deve demorar muito, as tropas estão agitadas, as gaisgeach estão prontas. – Avisou ela.
- Eu acho que você me deve um beijo. – disse de repente, atraindo olhares incrédulos. – O que? Foi a aposta e eu sobrevivi aos testes, meu amigo azul aqui está de prova. – Teinegorm balançou a cauda na direção de , fazendo o cair assim que pronunciou as últimas palavras.
- Que aposta? – Duine franziu o cenho curioso.
- Você é definitivamente o ser mais estúpido que já pisou nessas terras. – rosnou.
- Príncipe mais estúpido. – a corrigiu sorrindo debochado. – Aposta é aposta. E eu posso morrer agora, sabia?
não respondeu, mas acertou o estômago de com o cabo de sua lança, saindo de perto do trio, pisando firme, irritada. encolheu-se, ainda no chão e sorriu, disfarçando a dor do golpe.
- Mulheres e sua forma de demonstrar amor...não é? – Duine levantou uma sobrancelha, encarando a cena. – Ela é um copo de uísque bem cheio e eu...um cachorro correndo atrás do próprio rabo. – zombou, tentando levantar-se.
- Às vezes me pergunto se este era mesmo o príncipe certo. – Teinegorm confidenciou.
Nos momentos mais tensos costumava dizer as coisas mais estúpidas, mas pelo menos por alguns instantes, havia se esquecido da guerra que teria pela frente e se concentrado apenas na careta irritada e graciosa de . - Se vossa alteza já terminou, penso que seria uma boa hora para falar com as tropas. – Duine disse assim que pôs-se de pé.
- Duine, amigo, eu nunca termino. – respondeu, aproveitando o apoio de Teinegorm e montando no dragão, que voou com velocidade para frente das tropas, cortando o céu com seu brilho azul estonteante.
Teinegorm pousou e por todo o exército instaurou-se um silencio sepulcral, todos mantinham os olhos fixos no príncipe e no dragão, admirados, com medo, agitados, ansiosos. não sabia o que dizer, mas lembrou-se das palavras de seu pai. Fechou os olhos, concentrou-se em sua respiração, deixando que o medo se calasse e em seu lugar, seu coração falasse.
- Hoje estamos diante de uma longa e penosa batalha. Esperada por muitos anos. – começou a dizer o mais alto que conseguia. – O domínio da feiticeira já feriu muitos de vocês, já houve sofrimento por muito tempo com sua maldade e tirania. É hora de levantarmos nossos escuros, espadas e arcos e lutarmos, mas não apenas contra ela, mais sim contra tudo que queira tirar nossa liberdade. Contra toda ameaça a Fearan! Vivendo ou morrendo, seja qual for nosso destino hoje, será por Fearan! Homens, animais, fadas, elfos, centauros e todos os povos da terra. Unidos. Não sou um herói, nem mesmo estou aqui por ser mais ou melhor, estou aqui porque um homem cego me mostrou que podia fazer minha noite virar dia, ele me mostrou o caminho. Não sou nada. Rei Willahelm e a rainha Tanit, todos vocês aqui são. Mas não eu, e apesar disso temos algo em comum e hoje estamos aqui para tomar de volta o que é nosso, para tomar de volta o poder sobre Fearan, libertar meus pais e derrotar a feiticeira. Assim como vocês, também sou filho de Fearan. – suspirou profundamente enquanto o exército vibrava por causa de seu discurso. – Eu sou , príncipe de Fearan, guardião dos bosques e florestas, protetor dos povos da terra, senhor do castelo de Ór e dos Vales de Hafif e cavaleiro de dragão. E eu estou pronto para morrer por Fearan, se precioso for. – gritou levantando uma das mãos com punho cerrado. – Por Fearan!
bradou e os gritos do exército ocuparam todo o espaço, como se nunca mais houvesse silêncio no mundo, gritos de vitória, animação, apoio, reforço. desceu de Teinegorm quando o dragão baixou seu pescoço e tentou alcançar a Anciã, que tinha ao seu lado os centauros, concentrados e selvagens. Se tivesse que enfrentá-los em batalha, estremeceria, eram altos, grandes e fortes, pareciam invencíveis e o príncipe se prendeu a ideia de que eram, isso o confortava.
- Eu estou pronto. – disse, ajoelhando-se diante a Anciã.
- É chegada a hora, meu príncipe. Hoje à noite se transformará em dia, o céu desmoronará, a luz dos espíritos guardiões voltará a iluminar Fearan, em paz. – Previu ela.
- E se...e se eu falhar...- começou a dizer, mas foi interrompido quando sentiu as mãos da Anciã tocarem-lhe a cabeça.
- É seu destino derrotar Kahira, . Assim como é seu destino libertar seus pais e todos os outros que a feiticeira aprisionou.
- Mas não sei como fazer isso. – Confessou ele e a Anciã sorriu.
- Saberá no momento certo, ouça seu coração, seus instintos. – Sorriu. – Kahira porta um amuleto, uma pedra tão valiosa e poderosa que apenas outra coisa igualmente rara é capaz de destruí-la. Kahira não é uma sacerdotisa, é uma feiticeira, seu poder vem de seu amuleto, sem ele, ela é apenas como qualquer um de nós. Ouça bem, meu príncipe, a única coisa capaz de destruir o amuleto de Kahira é a pedra de lágrima de dragão. – Contou ela e fora a vez de sorrir.
- Então, se eu conseguir seu amuleto...- Ponderou em voz alta. – Bom, se ela pode ser roubada, pode ser vencida e eu sempre tive mãos muito leves. – Piscou, tocando a pedra de dragão que tinha no bolso, um tanto quanto mais motivado. – Sempre soube que aprender a esconder cartas me serviria para alguma coisa.
sorriu e a Anciã sorriu de volta e então uma trombeta soou, tocada por um dos faunos do grande conselho. girou o corpo na direção indicada pelo fauno e visualizou um exército quase tão grande quanto a armada de Fearan avançando sobre eles, porém, a metade das tropas não tinha traços humanos, animais ou dos seres da terra, pareciam sombras, sombras de gigantes, orcs e outros seres que não pode reconhecer, mas que lhe causaram profundos arrepios.
- . – Teinegorm chamou-o e o príncipe preparou-se, subindo e montando no dragão, que alçou voo, preparando-se para mergulhar no ar e atacar as tropas inimigas.
Quando traçaram os planos de guerra, havia nobremente cedido o comando das tropas a Duinedall e aos centauros, reconhecia que eles sabiam mais que ele e não queria atrapalhar. Voaria e lutaria ao lado de Teinegorm, até ter chance de lutar contra a feiticeira e derrota-la.
Antes que Teinegorm mergulhasse, parou no ar e pôde assistir o início do confronto, flechas voavam de um lado para o outro, o som do choque entre as espadas, lanças e gritos de raiva e dor, ás vezes ao mesmo tempo. Temia por os novos amigos que lutavam no chão, sentia a ansiedade antes de cair de corpo e alma no conflito, ansiedade para um possível reencontro com seus pais. Teinegorm mergulhou em direção ao exército da feiticeira, cuspindo fogo e queimando uma parte significativa de sua armada. O dragão repetiu o movimento duas vezes mais, enquanto usava seu arco mágico para acertar um orc e outro, e depois um anão inimigo.
E então seus olhos capturaram a figura mágica que parecia etérea em meio a aquele conflito. A mesma mulher de seu sonho, a reconheceu pelo olhar e os longos cabelos escuros, Kahira, a feiticeira, e também o reconhecendo a bruxa sorriu. não sentia nada mais que temor e repulsa, ao contrário do que havia sentido durante o sonho. Kahira olhava para cima, com uma grande espada manchada de vermelho, como se estivesse encantada pela beleza de Teinegorm, e logo a viu tocar um amuleto que trazia junto a si, no peito, uma pedra vermelha que brilhava como fogo. Fazendo isso, a feiticeira invocou uma sombra que crescia mais que as outras que lutavam ao seu lado, a sombra alcançou o céu, chegando a altura de Teinegorm e então se transformou em um dragão escuro como a noite, que parecia puxar com ele toda luz do dia, escurecendo o céu e tornando o ar mais difícil de respirar.
O dragão de sombras avançou contra Teinegorm, que cuspiu sua chama azulada contra a chama vermelha do dragão. As duas línguas de fogo se combatiam no ar ferozmente, aquecendo todo o corpo de Teinegorm e causando incômodo a . Teinegorm mergulhou do céu, afastando-se do dragão de sombras, mas este o perseguiu.
- Prepare-se. – Ordenou Teinegorm e se segurou com mais firmeza a seus espinhos.
O dragão levantou voo, subindo com rapidez, pegando o dragão de sombra de surpresa e o atingindo no centro de seu corpo, mas a fera não teve qualquer dano, apenas se desfez e em seguida voltou a alinhar-se, partindo com veracidade na direção de Teinegorm. Os dentes serrilhados e tubaronescos dragão de sombras atingiram Teinegorm no pescoço, e o dragão azul urrou, debatendo-se, tentando se desvencilhar da besta alada. mal podia se segurar, temia por Teinegorm e o dragão negro parecia imbatível.
Teinegorm não fora capaz de se livrar do aperto mortal dos dentes do dragão comandado pela feiticeira e como uma fruta que apodrece ou uma grande pedra jogada de um penhasco, Teinegorm caiu. O chão tremeu e muita poeira ocupou o ar, guerreiros dos dois lados também perderam o equilíbrio. mal podia ouvir ou ver, por muito pouco não fora amassado pelo peso de Teinegorm, e agora, no chão, arrastava-se para desviar de pisoteio, golpes de espadas e lanças. Quando enfim conseguiu ficar de pé, correu até Teinegorm, que agora estava livre do tormento do dragão de sombra, que cuspia fogo sobre a armada de Fearan. Buscando apoio em uma de suas asas, desprendeu o cantil do cinto, despejando mais um pouco da água mágica sobre as feridas de Teinegorm. Em seguida, afastou-se para que o dragão pudesse se levantar. O dragão azul agradeceu o príncipe com uma sutil reverência, enquanto afastava-se dele, buscando flechas em sua alijava e atirando contra os guerreiros da feiticeira. Teinegorm voltou para o ar e sentiu-se, enfim, dentro da guerra. Era como se estivesse em modo automático, apenas respondendo a reflexos, atirando flechas sem pensar ou raciocinar antes, apenas atirando.
- Príncipe . O aguardo ansiosamente. – Uma voz assustadora ressoou, capturando a atenção do jovem príncipe, quando virou-se para vê-la encontrou os olhos afogueados da feiticeira.
Kahira era mais assustadora do que em seu sonho, os dentes eram como navalhas, a pele repuxada, queimada, os cabelos longos e espessos eram como couro e seu olhar poderia causar pesadelos a qualquer um.
- Príncipes são ocupados, devia ter marcado uma hora. – debochou, estava nervoso, não sabia como agir.
- Insolente como seu pai. – Kahira girou a espada que carregava. – Terá o mesmo fim. – Declarou, golpeando , que afastou-se com um pulo, direcionando a ela uma flecha.
- Casar-se? Ser feliz? Ter um filho bonitão? – provocou, vendo-a parar sua flecha no ar antes que a atingisse.
- Morte! - A feiticeira gritou.
Kahira atacava com força, sua espada partia a terra quando o príncipe se desviava de seus golpes. Por sorte, era bom em fugir de golpes, cortesia de sua infância, pensou ele em um estalo e sorriu, ao lembrar do que o pai lhe dissera sobre continuar sendo Wilson. rolava pela terra, pulava e corria, atirando flechas e mais flechas, que misteriosamente não acertavam a feiticeira.
Quando um dos poucos raios solares que não havia sido sugados pelo dragão de sombra tocou a face da feiticeira, iluminou também o amuleto que ela usava, e então teve uma ideia perigosa, mas viver era perigoso, pensou. No céu, Teinegorm não tinha uma vida fácil batalhando com o dragão de sombra, na terra, muitos corpos eram dos povos da terra, os guerreiros de sombras da feiticeira eram invencíveis, até para os nobres e selvagens centauros.
- Já chega, Kahira. – bradou e a feiticeira estreitou os olhos parando onde estava quando percebeu o príncipe herdeiro fazer o mesmo. – Você não queria que os povos da terra perdoassem e se juntassem aos homens, e tinha razão. Mas agora você é quem dizima, mata e faz com seu próprio povo o que antes repudiou com tanta veemência que fora capaz de se tornar isso que é hoje.
- Esse é o destino de quem se volta a própria raça. – Kahira declarou. – Logo você estará morto e os povos da terra que sobrarem poderão viver em harmonia conosco, mas os homens serão destruídos.
- Então faça. – pediu cansado. – Faça. Não quero que mais ninguém perca a vida por minha causa, se é isso que quer, se esse é o preço...faça.
- Está entregando sua preciosa vida pela vida deles? – Kahira indagou, seus olhos cintilavam.
- É isso que heróis fazem, não é? É isso que meus pais fariam. – respondeu com orgulho, pondo-se de joelhos.
- Tolos. – A feiticeira sorriu. – Será um prazer. Quais serão as últimas palavras do príncipe de Ór?
- Só peço que não me mate com sua espada, use uma das minhas flechas. – Pediu, ofertando a ela uma pequena flecha.
Kahira sorriu ansiosa, seu olhar cintilava o deleite da guerra vencida e a feiticeira aproximou-se de , ajoelhado, segurando com firmeza a flecha por ele dada e inclinando-se sobre ele o olhou nos olhos.
- Não é irônico? – Perguntou o príncipe e a feiticeira estreitou o olhar, confusa. – No meu mundo não tinha valor algum, era um mentiroso, vivendo de golpes...já aqui. Meu pai devia saber disso quando cheguei. Aliás, depois que eu morrer, mande notícias minhas a ele, pessoalmente se possível. Sempre se lembra dele, vai gostar de vê-lo.
Dizendo isso, sorriu debochado e Kahira titubeou franzindo o cenho, aproveitando seu momento de fraqueza, o príncipe arrancou dela seu amuleto vermelho e com os braços a afastou de si, podendo correr alguns passos, até que alcançasse a pedra de lágrima de dragão em seu bolso. Antes que pudesse destruir o amuleto da feiticeira, ela gritou furiosa e o atacou com a flecha que tinha em mãos, mas fora mais rápido e pensou, fechando os olhos, colocando toda sua concentração na flecha. A feiticeira encarou o príncipe confusa quando a flecha caiu por terra antes de atingi-lo.
- Quem diria, presentinho do meu pai. – piscou e então bateu com toda força que possuía a pedra de lágrima de dragão no amuleto da feiticeira.
E então o silêncio.
Houve um grande silêncio e o grito da feiticeira não tinha mais som. E então um som ensurdecedor atingiu a todos, como o rugido forte e visceral de um leão e todas as sombras se dissiparam, os guerreiros da feiticeira, o dragão e tudo mais que ela havia criado com magia. O sol voltou a brilhar, iluminando o céu azul e os guerreiros de Fearan ganharam outro sopro de ânimo.
A feiticeira tocava o lugar onde a pedra estivera, como se sentisse dor e nesse instante se desviou dela, atirando uma flecha em um minotauro que corria em sua direção com um machado em punho. Quando o minotauro caiu, ouviu o som de um grande trovão e viu que desciam pela colina de onde antes ele mesmo observara o campo de batalha, um terço dos guerreiros da armada de Fearan, todos correndo ávidos e corajosos em direção a tropa oponente. Faunos, centauros, gigantes e trolls, assim como muitos homens que não sabia de onde vinham.
Aproveitando o momento de desatenção do príncipe, Kahira o atacou com sua espada tomada pelo ódio, quando notara a ação da feiticeira já era tarde demais e o jovem príncipe fechou os olhos, acolhendo seu destino. Mas o som metálico de espada contra espada o fez abrir os olhos novamente, diante dele, suportando o peso da gigantesca e pesada espada da feiticeira estava uma figura que já havia visto antes: seu pai.
- Willahelm. – Kahira balbuciou chocada e hesitante deu alguns passos para trás.
Antes que o rei pudesse responder dois homens partiram para cima dele, dispersando sua atenção da feiticeira que desapareceu entre seu exército, atordoada. usou de seu arco para ajudar o pai e então estavam livres.
- Que bom que cheguei a tempo de alguma diversão. – Will sorriu para o filho, juntos de verdade pela primeira vez.
- P...pai? – balbuciou, sentia a garganta apertar e o coração acelerar, podia sentir o cheiro do pai, a energia que emanava dele, a presença.
- Costumava ser eu. – Will sorriu e abraçou o filho com força, gargalhando e acariciando seus cabelos rapidamente. – Meu filho. Meu filho. Eu sabia que você conseguiria. Estou orgulhoso de você. – Declarou e sorriu aberto.
- Olha, isso é seu. – Disse o príncipe, oferecendo o arco ao pai.
- Não, na verdade não. – O rei negou, protegendo-se de um golpe de outro homem enquanto respondia o filho.
- Mas foi você quem me deu, não foi? – quis saber, confuso.
- E foi dado a mim, mas há muito tempo não me pertence. Luto com espadas agora.
- E quanto tempo demorou?
- Anos. – Will piscou maneando a cabeça e esquivou-se, quando precisou atirar uma flecha em um troll que avançava contra eles. – Pertenceu e pertence a sua mãe.
- Onde ela está?
- Não estava comigo. – Will respondeu, ajudando a se livrar de um minotauro e a cumprimentando rapidamente.
- Minha mãe não estava com você todo esse tempo? – questionou pasmo.
- Como assim a rainha não estava com você? – também quis saber.
- O feitiço era poderoso. Nos separou. – Will respondeu ao mesmo tempo que enterrava sua espada em outro inimigo.
- Bom, se souber...me conte. – Will pediu e avançou sobre outro e mais outro inimigo.
não podia segurar a agitação que sentia ao ver o pai ali, principalmente por sempre ter pensado não ter um pai. Rei Willahelm era um pouco mais baixo pessoalmente do que nas visões de e menos sério, mas era impecável com a espada e sorria ao cruzar com guerreiros da armada de Fearan. o assistiu ser saudado por centauros, fadas e lobos, seu pai era amado e todos estavam felizes em tê-lo de volta.
sentiu um golpe atingi-lo de repente, jogando-o contra uma pequena rocha escondida entre a relva alta, e um ardor, queimação. Sobre si, a figura de Teinegorm que sobrevoava o céu, cuspindo fogo nos inimigos, pouco mais longe, de um lado centauros digladiavam com trolls, do outro, seu pai e o percebiam caído, mas estavam ocupados tentando não serem mortos e não conseguiriam ser rápidos o suficiente para alcança-lo. A sua frente, Kahira, com aparência ainda mais assustadora se inclinava sobre ele, segurando com firmeza a espada que afundava em seu lado. piscou, os sons do campo de batalha pareceram abafados, distantes.
- Não o meu filho. – Uma voz vociferou e a feiticeira fora jogada para longe com um golpe. – Já chega, Kahira.
- . – O rei o chamou, aproximando-se de às pressas e segurando seu rosto. – . Onde está? A água do lago, onde está?
- Água do lago? – repetiu desorientado.
- Não me diga que deu tudo ao dragão. Não! – que também estava de joelhos junto a ele gritou.
tentou levar a mão até o cinto, mas seus movimentos eram lentos, por isso , que já o tinha visto guardar ali seu cantil, o desprendeu, conferindo se havia restado alguma coisa. Will apertou os lábios e esticou-se, segurando o punho da espada da feiticeira.
- Segure-se, vai doer. – Avisou ao filho e antes que tivesse a chance de respirar, o rei puxou a espada.
Imediatamente, despejou o resto da água no ferimento de , cessando a dor imediatamente. Aos poucos, os sons ocuparam os ouvidos do príncipe e a luz voltou a seus olhos e o rei e sorriram.
- Bom garoto. – O pai sorriu, segurando o rosto de .
Em seguida, olhou para onde uma mulher enfrentava Kahira, a mulher se defendia com uma lança, enquanto Kahira empunhava uma grossa espada.
- Tanit! – Will gritou e arremessou a espada que havia retirado de para a mulher, que com destreza a segurou, girando-a no ar e atacando a feiticeira. – Essa é a minha garota. – O rei sorriu orgulhoso.
Tanit. repetiu o nome em sua mente por pelo menos dez vezes, se aquela era Tanit, aquela era sua mãe. A mulher usava roupas de guerreira parecidas com as roupas de , mas parecia ser um pouco mais velha, seus cabelos estavam presos de maneira preguiçosa e caiam por suas costas, mas aquilo parecia não incomodá-la.
Tanit e Kahira travavam uma intensa e barulhenta pequena guerra, felizmente a rainha possuía grande destreza em seus movimentos, sendo capaz de defender-se de Kahira e contra-atacá-la quase sempre. Depois de duas tentativas frustradas da feiticeira de ferir a rainha no peito, Tanit fora precisa em seu contragolpe, arrancando a espada de Kahira e fazendo com que a feiticeira caísse de joelhos diante da rainha. Tanit segurava com firmeza sua espada, a instantes de enfim acabar com o tormento de todos, mas depois de uma longa e profunda respiração a rainha expirou, baixando a espada e estendendo a mão para a feiticeira, atraindo os olhares de muitos que estavam por perto. Entre eles Will, e , que mantinham expressões confuses em suas faces.
- Não a feri antes, não farei agora. – Tanit declarou.
- Mesmo depois de tudo, Tanit? Depois de dezoito anos? – Kahira sorriu com desprezo.
- Não vou fazer isso. Levante-se e será julgada como se deve. Como devia já ter acontecido.
- Não quero sua benevolência. – Kahira cuspiu e a rainha recolheu a mão que havia estendido. – Vocês. Acham que são diferentes? Não são.
- Espero que encontre luz para onde vai, fada. – Tanit inclinou-se, fazendo reverência a Kahira e a deu as costas, encontrando os olhares preocupados de Will e .
- E você também. – Kahira rosnou, pôs-se de pé como num relâmpago e levantou sua espada para Tanit.
Quando a rainha ouviu o vento ser cortado pelo aço da espada, nada pode fazer para defender-se. Porém, antes que a espada a atingisse, Kahira fora ferida mortalmente por uma flecha disparada por . Num reflexo, o príncipe havia atirado e felizmente, salvo a vida de sua ainda desconhecida mãe.
- E está cumprido. – Will suspirou tocando o ombro do filho.
Tanit, depois de olhar o corpo sem vida de Kahira estendido ao chão, voltou o olhar a seu filho e enfim, partiu para junto dele, abraçando como uma mãe devia abraçar sua criança.
- . – Ela repetia. – . . Meu .
- , agora o chamam de . – Will lembrou, unindo-se ao abraço.
- Não escolhi esse nome horrível sem nenhum significado. – Ela resmungou, segurando o rosto do filho e o admirando. – Seu nome é , o que reinará para sempre.. Não esse nome ruim do lugar sem magia para onde você foi e de onde seu pai veio. – sorriu ao ouvi-la. A voz era doce e despretensiosa, como ele sempre imaginara a voz de sua mãe.
- Minha mãe. Você é minha mãe. – Repetiu, se dando conta de tudo que acontecia a sua volta. – Meu pai e minha mãe. Eu tenho mãe e pai. – Celebrou.
Tanit e Will abraçaram o filho o mais forte que puderam, beijando-lhe a face e aproveitando para memorizar a sensação de tê-lo tão perto de si, como há muito tempo não podiam.
- Vossa majestade. – A anciã os chamou, despertando-os do pequeno sonho. – É uma alegria revê-los.
percebeu então, que todos os seres que haviam lutado a seu lado, toda a armada de Fearan estava a seu redor, de joelhos, saudando seus pais, com exceção a Anciã e a Teinegorm.
- Scrul. – Tanit sorriu grande para o duende.
- Majestades. – Ronan, o centauro saudou-os.
- Ronan! Teinar! – Will aproximou-se dos dois centauros, que ficaram de pé. – Bom vê-los. Teinegorm. – Will chamou o dragão, que sutilmente inclinou a grande cabeça. – Continua mal-humorado? – Assim como fizeram com , Teinegorm agitou sua calda, derrubando o rei, mas desta vez o dragão achou alguma graça.
- Bem-vindo ao lar. – Falou Teinegorm.
- Obrigada! – Tanit agradeceu, aproximando-se de Duinedall, e a Anciã. – Obrigada.
- Por Fearan. – Os três responderam em uníssono.
- E quanto a...Kahira? – A rainha hesitou.
- Kahira soube de seu destino assim que desviou seu caminho, talvez antes mesmo que tivesse se dado conta de seu desvio. – A Anciã explicou. – O destino se cumpriu, , o príncipe prometido cumpriu seu destino enfim.
- É, apesar de quase morrer, foi divertido. – sorriu.
- Viva ao príncipe ! Viva ao Rei Willahelm! Viva a Rainha Tanit! – Scrul gritou.
- Viva ao príncipe ! Viva ao Rei Willahelm! Viva a Rainha Tanit! – Todos responderam juntos, unidos mais uma vez como um só povo.
O castelo de Ór era talvez a construção mais linda que havia posto os olhos, suas paredes de pedras brancas eram unidas por fios de ouro, que junto ao sol, refletiam no mar abaixo do penhasco o brilho dourado e quente que apenas poderia ser visto ali. Era tão grande que Teinegorm sentia-se confortável em seu grande salão, junto a todos os convidados para o grande banquete. usava roupas de príncipe, sua mãe e pai trajavam roupas que deixaria qualquer rei e rainha de seu mudo com inveja, tamanha era sua beleza.
Havia música, dança, felicidade. A vida havia voltado a Fearan, todos os povos da terra e homens viviam em harmonia, compartilhando o mesmo pão, celebrando a vitória contra a feiticeira.
Vez ou outra, flagrava olhares ansiosos de seus pais direcionados a ele, o casal real aguardava ansiosamente a decisão do filho sobre ir ou ficar, voltar a seu mundo ou permanecer em Fearan. Parecia uma escolha simples, mas não era. era um garoto comum como milhões de outros garotos comuns em seu mundo e se ficasse, teria que ser um príncipe honrado, justo...e não sabia se era capaz de ser estas coisas.
- . – O rei o cumprimentou, aproximando-se de , que observava o movimento das ondas no mar. – Perdido entre o caminho de casa?
- Como soube? Como decidiu ficar? – quis saber curioso.
- Bom...- Will hesitou, sorrindo. – Não havia outra coisa em minha cabeça senão ficar em Fearan. Aprendi que sou feliz aqui e que Fearan é meu lugar. E talvez você descubra o mesmo.
- Não sou somo você, pai. Eu não sou...bom. – levantou os ombros incomodado. – Não sei ser um príncipe.
- Ser um príncipe...bom, eu não diria isso. Claro, parece mais difícil do que é. – O rei maneou a cabeça. – Governar, ser decente...isso pode parecer difícil agora, mas lembre-se, você fez mais coisas corajosas e boas nos últimos dias do que muita gente em uma vida inteira. Poupou a vida de uma sereia, curou um dragão duas vezes, lutou uma batalha contra uma feiticeira maligna, foi ferido, salvou sua mãe...Talvez a pergunta certa a se fazer não seja se você conseguirá ser um príncipe ou não. Não está sozinho, , tem a todos nós aqui. – Will apertou os ombros do filho. – A pergunta certa é se será possível viver no nosso mundo com a lembrança de Fearan.
O rei sorriu singelo e se afastou, deixando com seus pensamentos. Em instantes seria chamado a apresentar-se diante a Anciã para decidir seu caminho e agora já não fazia ideia da decisão que devia tomar. Mas sabia que o pai tinha razão, jamais seria capaz de esquecer Fearan e todas suas maravilhas, seu povo, sua natureza e seus amigos.
- , príncipe de Fearan, guardião dos bosques e florestas, protetor dos povos da terra, senhor do castelo de Ór e dos Vales de Hafif. Príncipe , o gentil. – A Anciã saudou. – A decisão é apenas sua, vossa alteza.
estava diante da Anciã, no grande salão do castelo de Ór, enquanto dois duendes preparavam o que seria o portal a leva-lo para casa. O príncipe correu os olhos por todos que aguardavam sua resposta ansiosos, Duinedall, Teinegorm, Scrul, até mesmo parecia querer que ficasse. Muitos outros estavam presentes e os encarava, pensando sobre como sentiria falta daquilo, mesmo tendo passado tão pouco tempo naquele mundo. E seus pais, como viveria sabendo que seus pais estavam vivos em outro mundo, mas que havia escolhido deixá-los.
- Eu...eu acho que me decidi. – Avisou , atraindo olhares atentos. – Bom, é como dizem no meu mundo...lar é onde seus pais estão...eu...eu fico.
declarou e enquanto sentia-se abraçado pelos pais, ouviu o coro alegre e feliz de todos, saudando o jovem príncipe por escolher ficar em Fearan, em seu verdadeiro mundo.
- Bom, eu meio que já me sentia parte deste mundo mesmo. – piscou, olhando para que tentou disfarçar um sorriso leve.
- É um dos melhores dias de nossas vidas. – A rainha declarou, olhando nos olhos do filho.
- Espera. – Will franziu o cenho. – O certo é onde seu coração está. Lar é onde seu coração está. – Corrigiu.
- Como é que você sabe? – balançou a cabeça negativamente, incrédulo.
- O que foi? Eu sou o rei aqui, mas era professor de letras. – Will deu de ombros e gargalhou.
- Ouviu isso, ? Ouviu, Teinegorm? Meu pai era um professor. – gargalhou animado. – Professor de letras. Um professor de letras.
E assim terminou...
Nota da autora: Oie, oie gente!
Que felicidade entregar esse ficstape. Essa história é tão antiga que as vezes me pergunto por que é que demorei tanto para postá-la. Mas que bom que agora foi, né?
Eu amo esse universo e esse personagem, embora a história deles não seja a primeira desse universo, é uma das minhas favoritas da vida.
Espero que tenha gostado e que a história faça jus a essa música incrível.
Beijos e até a próxima!
O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
Drive to Survive: Daniel Ricciardo
Drive to Survive: Esteban Ocon
Drive to Survive: Sergio Pérez
Drive to Survive: Valtteri Bottas
Ele
Labios Compartidos
Por Todas as Nossas Vidas
The Curve of a Dream
The Curve of a Dream:A Tribute
Que felicidade entregar esse ficstape. Essa história é tão antiga que as vezes me pergunto por que é que demorei tanto para postá-la. Mas que bom que agora foi, né?
Eu amo esse universo e esse personagem, embora a história deles não seja a primeira desse universo, é uma das minhas favoritas da vida.
Espero que tenha gostado e que a história faça jus a essa música incrível.
Beijos e até a próxima!
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