PRÓLOGO
“em 2015, homens negros entre 15 e 34 anos estavam nove vezes mais propensos a serem mortos pela polícia do que outros americanos”
(- The Counted)
Jackson voltava para a casa quando aconteceu.
A viatura parou ao seu lado, e dois policiais já com armas na mão o mandaram parar. Seu sangue gelou. Ele sabia que não existia motivos para ser parado, entretanto lá estava ele: de frente para a parede, com as mãos no pescoço e sentindo um dos oficiais lhe revistar com brutalidade enquanto pedia silenciosamente à Deus que não passasse de uma revista aleatória.
— Qual o seu nome? - Um dos policiais ainda tinha a arma em mãos, apontada para ele. Não existia necessidade para aquilo, Jackson estava cooperando.
— Jackson Brown. - Ele respondeu, tentando manter a voz baixa e calma. Era difícil levando, em consideração o medo que sentia, entretanto sabia que qualquer coisa diferente poderia ser perigosa demais.
— O que cê tá fazendo na rua essas horas?
— Eu estava voltando pra casa depois da aula. - Ele continuou olhando para a parede, com as mãos levantadas para o ar. O incômodo nos braços estava ficando quase insuportável, mas o medo de abaixar as mãos e aqueles homens o interpretarem como uma ameaça era maior. Não era a primeira vez que isso lhe acontecia, nem seria a última. A cor da sua pele o marcava como o “suspeito padrão” para sempre, e por mais humilhante e degradante que fosse, permanecer dócil era sua maneira de se auto preservar. Já havia perdido amigos por muito menos.
— Aula? - O policial que o revistava perguntou desdenhoso. - Desde quando gente que nem você estuda?
O ódio ferveu dentro de Jackson, mas ele não se atreveu a fazer nada. Não valia a pena.
— Eu faço sociologia na Universidade de Nova Orleans. - Ele falou pausadamente, tentando abaixar lentamente a mão para poder pegar a carteira no bolso de trás da calça. - Faço as aulas noturnas, se eu puder pegar a minha carteira posso provar…
Porém o dano já estava feito.
Ao mesmo tempo em que colocou a mão em seu jeans, o policial que segurava a arma gritou para ele não se mover, entretanto Jackson não teve tempo de parar o que fazia. O gatilho foi acionado, e a bala atravessou sua têmpora.
“Eu sou inocente” foi tudo o que conseguia pensar enquanto seu corpo caía pesado no chão.
Ele havia virado estatística.
“Taxa de assassinatos de negros é oito vezes maior que de brancos”
(- O Globo)
Sofia desligou a televisão sentindo a raiva efervescer dentro dela. Seis meses haviam se passado, e nada de justiça havia se alcançado. Jackson estava morto, e os culpados poderiam ser inocentados naquela tarde.
Levantou-se da cama e andou pelo quarto, desesperada. A sensação de impotência lhe dominava por inteiro. Como provar que a polícia matou seu namorado por puro racismo? Não existia como. Os protestos que organizara não eram o suficiente para o quão urgente as pessoas precisavam ouvir sobre aquele tema. Sentiu um suspiro melancólico se formar em seu peito. Como fazer as pessoas entenderem o que ela, Jackson e mais outros 12% dos Estados Unidos sentiam?
Todos são iguais, é o que as pessoas se orgulhavam em dizer, mas então, por quê Jackson virara estatística? Por que ainda sentia os olhares das pessoas quando entrava na aula? Por que ainda se sentia tão inadequada quando estava num ambiente onde todos eram brancos, menos ela? A cor da sua pele havia decidido que ela teria que batalhar e se esforçar mil vezes mais do que qualquer outra pessoa para poder ocupar espaços que, para outros era direito. Não era justo, e as pessoas insistiam em não dar a importância necessária para aquilo.
Caminhou pelo corredor até seus amigos. Sentia o peito apertado em desespero por não ter Jackson a seu lado… Perguntando-se quando o que ocorreu com o namorado aconteceria com ela, ou com qualquer outro amigo.
A rua estava deserta. Sofia andava pela calçada temendo pela própria vida. Desde que Jackson morrera ela não se sentia mais segura. A ideia de que as coisas só acontecem com os outros até que ocorra com você nunca fora tão verdadeira.
Apesar de ser negra, a garota nunca havia se interessado pelo assunto. Seu tom claro lhe fazia passar por menos problemas do que quem tinha uma pele mais escura, e isso lhe acostumou a fechar os olhos para o que acontecia no mundo. As reuniões do movimento negro da faculdade não lhe eram interessantes, a ideia de que racismo desapareceria se todos simplesmente parassem de falar constantemente daquele assunto era propagada pelos seus lábios sempre que entrava em alguma discussão com o namorado… Jackson havia sido seu wake up call, ele abriu os seus olhos para os dados. A violência policial já atingia dois terços da população negra, e não falar sobre isso só daria mais espaço para piorar.
Chegou à porta vermelha e bateu duas vezes, após alguns minutos ouviu passos lentos andarem em sua direção. Instantes depois ela encarava a senhora negra, de cabelos crespos e brancos e rugas profundas na pele. Os olhos inchados indicavam que ela havia passado o dia chorando. Sofia sentiu o peito afundando.
— Eles foram absolvidos. - Janelle chorou copiosamente, abraçando Sofia de imediato, aos soluços. A garota sentiu as próprias lágrimas queimarem em sua garganta, mas não poderia chorar. Precisava ser forte. - Aqueles monstros que levaram meu filho de mim. Eles foram inocentados.
Sofia sentia-se impotente ao abraçar com força sua sogra. As duas sofreram a perda juntas, e desde então todos os processos dolorosos do julgamento dos dois policiais responsáveis pela morte de Jackson foram passados juntos. Seu luto se unia ao de Janelle. Assim como a sua indignação.
Aquilo não poderia continuar assim.
A justiça teria que ser feita. Se não fosse por Jackson, que fosse por todos os outros que poderiam passar por aquilo.
Ela precisava fazer alguma coisa, e sabia que não estaria sozinha.
Continua...
Nota da autora: Oi gente! A ideia inicial de Formation era fazer um conto rápido, mas acabou que as coisas acabaram tornando-se muito maiores na minha cabeça, e se eu fosse colocar tudo o que eu pensei não teria espaço! Então resolvi transformar a ficstape num prólogo para uma longfic que espero desenvolver o mais rápido possível. Qualquer coisa só me avisar!
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