Capítulo 1
– Papai? – null gritou na escada, tentando fazer sua voz alcançar seu pai, que estava no andar debaixo – Paaaaaaaaai!
– O que foi, querida? – o homem respondeu, um pouco cansado. Não era fácil fazer mudança e organizar uma casa enorme sozinho.
– Não estou achando a caixa com as minhas bonecas. – reclamou a garotinha, batendo o pé no chão para fazer barulho.
Patrick suspirou e contou até 10. As caixas no caminhão haviam acabado, o que só podia significar que as bonecas de null não tinham chegado.
– Acabaram as caixas no caminhão, null. Você deve ter se esquecido de embalar.
Ele contou até 10 mais uma vez e então ouviu o grito da pequena. Outro suspiro. Quando subiu as escadas correndo para tentar fazê-la parar, ela já tinha saído, pulando pela janela. null era bem mais forte e mais esperta do que aparentava e Patrick tinha muito medo do momento em que ela finalmente descobrisse isso.
null correu pelo jardim da casa nova com as bochechas coradas pelo choro. Sua cabeça estava uma confusão desde que “os homens maus tinham pegado a mamãe”, como eles disseram. Ela não comprava essa história, mas como Alyson realmente não havia voltado, ela acabou por acreditar no pai e no delegado porque não havia outra alternativa. Eles se mudaram logo depois que a mãe desapareceu e Patrick não deu uma explicação concreta para a garota sobre isso, apenas algo como “só podemos morar nessa casa com a mamãe”, que ela também não tinha comprado. Novamente, a única opção era aceitar. Agora, para completar a tragédia, tinha deixado suas caixas com suas bonecas em Ohio. Sua vida era, oficialmente, um desastre.
E ela nem tinha feito 7 anos ainda.
null não tinha medo de muitas coisas. Escuro era uma delas. Sair pela noite, sozinha, em um bairro totalmente novo e desconhecido não a assombrava. Sempre pensou que a escuridão era só a falta de luz e nada mais. Não tinha medo de se perder porque sabia que acharia o caminho de volta. A única coisa que realmente a preocupava era saber como a mãe encontraria a ela e o pai se estavam em uma casa nova, em um lugar novo, que era tão longe de Ohio que fora necessário viajar de avião. Ficar sete horas dentro de um avião fora uma das maiores torturas para null, com todas aquelas pessoas juntas, em um espaço tão pequeno, respirando o mesmo ar... Argh! Ela sentia que todos os outros passageiros – seu pai incluído – estavam roubando seu ar e ela morreria sufocada a qualquer momento.
A luz da lua estava iluminando Seattle adoravelmente. Forte e brilhante, o suficiente para null enxergar seu caminho pelas ruas, sempre perto das árvores. Por algum motivo, seu pai quisera uma casa perto das florestas e lagos de Seattle. null gostava da natureza, então pensou que esse era um dos pontos positivos da mudança, mas ficou frustrada quando não encontrou nenhum outro.
Assim que as árvores desapareceram, null viu um parquinho. Um sorriso iluminou seu rosto molhado de lágrimas, porque ela adorava parquinhos! Havia algumas árvores no meio dos brinquedos e até uma casa na maior delas. Foi ali mesmo que null subiu.
A casinha de madeira não parecia ter uma estrutura confiável, mas não era como se a pequena tivesse medo de se machucar. Ela só queria um lugar bom para descansar e chorar um pouco, sem ser interrompida.
Seus olhos pularam de surpresa quando percebeu que já tinha outra pessoa dentro da casa.
– Quem é você? – ele perguntou, franzindo as sobrancelhas em desconfiança.
– null. Eu sou nova aqui. – null respondeu, limpando o rosto rapidamente, na esperança de que o garoto não tivesse visto seus olhos vermelhos e as lágrimas.
– Por que estava chorando? – perguntou outra vez, se levantando e se aproximando de null. Ele não gostava de ver pessoas chorando, principalmente meninas.
– Eu não estava! Chorar é coisa de criança! – null mentiu e protestou, batendo o pé. O garoto sorriu para ela – O que foi?
– Sou null. – respondeu, estendendo a mão para ela.
null olhou para a mão pequena, sem saber muito bem o que fazer.
– Você precisa apertar minha mão. – null explicou, com um tom cansado – É isso que os adultos fazem quando se conhecem.
Ela apertou a mão do garoto.
– Por que está aqui? – null perguntou, sentando-se ao lado dele, os dois encostados no canto da casinha.
– Eu briguei com o meu pai. – null contou – Ele não quer me falar para onde a mamãe foi.
Imediatamente, null sentiu uma conexão com null. Ela já tinha passado por isso.
– Ei! Meu pai também me disse isso!
– Mesmo?! E onde estava a sua mãe?
A empolgação no rosto de coração de null sumiu na mesma hora.
– Ele disse que algum homem mal levou ela embora. E aí nós tivemos que mudar de casa.
– Será que a minha mãe também foi levada? – null indagou mais para si mesmo do que para null. Instantaneamente, seus olhos se encheram de lágrimas – Era por isso que você estava chorando?
Ela assentiu, sem se dar conta do garoto que estava começando a chorar ao seu lado. null estava desesperado, totalmente em pânico. O que ele iria fazer sem a sua mãe? Ainda precisava dar o presente de aniversário dela, que tinha feito na escola, enquanto matava uma aula da senhora Donovan Nariz Melequento.
– Você está chorando?
– Não. – ele mentiu, com a voz embargada – Chorar é coisa de menina.
– É porque meninas são corajosas e mostram seus sentimentos! – null se apressou para se defender. Afinal, ela era uma menina! – Se você está chorando, não precisa ficar com vergonha disso... Eu também estava, quando cheguei aqui.
A última frase foi dita baixinho, como uma confissão. Isso fez null se virar para null novamente, voltando a se aproximar dela.
– Por causa da sua mãe?
– É. Eu sinto falta dela, sabe? Mas o papai disse que, um dia, ela vai voltar. E vai ficar tudo bem. E a sua mamãe também vai voltar, null.
null assentiu, para demonstrar que estava ouvindo tudo, mas não estava realmente acreditando na garota.
– Se ela não voltar, eu vou ser sua mãe, ok? – null tentou outra vez, colocando a mão no ombro dele.
null não se aguentou e soltou uma gargalhada.
– Você não pode ser uma mãe!
– Mas é claro que eu posso! Nós somos a equipe perfeita, null! Sua mãe sumiu e as minhas bonecas também! Eu preciso de alguém pra cuidar e você precisa de alguém que cuide de você!
– Faz sentido... – null respondeu, coçando o queixo. Já tinha visto alguém fazer isso em um filme, quando estava pensativo – Mas aí... Você vai me levar para a escola? As mães levam os filhos para a escola.
– Sim, a gente pode ir junto! E aí podemos ser amigos também!
– Tudo bem, então. Você pode ser minha mãe.
Os dois ficaram felizes imediatamente e desceram para brincar no parquinho. null era a mãe, então ela teve que empurrar null na balança, mas ficou chamando o garoto de criança o tempo todo, porque viu que isso o deixava irritado. Eles já estavam suados e vermelhos de tanto correr e brincar quando null parou na frente de uma enorme parede vermelha, que ficava mais aos fundos do parquinho.
– null, para! – ela gritou, parando de correr bruscamente. null estava muito rápido e não conseguiu frear, caindo em cima da “mãe”. Os dois começaram a rir porque o impacto na grama molhada fazia cócegas e eles tinham muita adrenalina no corpo para descarregar. Quando finalmente pararam de rir e respiraram fundo, null apontou para o paredão vermelho – O que é isso?
Levantando-se de cima da garota, null limpou a sujeira das calças.
– É um labirinto. – respondeu, dando a mão para null, fazendo-a se levantar – É muito difícil de sair daí, então eu nem entro.
Ele deu de ombros e estava preparado para correr outra vez, mas null o parou.
– E o que tem atrás dele?
– Eu não sei. Nunca cheguei até o final.
– E os seus amigos?
– Eu não tenho amigos que gostam de brincar aqui. Eles gostam de video-game. E de qualquer jeito, nunca tive nenhum interesse. Você se cansa na metade. – deu de ombros outra vez e deu um tapinha leve no ombro de null, começando a correr logo depois – Agora tá com você!
– Não, null! – null gritou, andando em direção a entrada do labirinto – Eu quero atravessar.
null bufou e deu meia volta.
– A gente vai se perder, null. Já tá de noite e não dá pra ver nada aí dentro.
Um sorriso malvado, porém sem más intenções brotou no rosto de null. Aquele tipo de sorriso que só crianças conseguem dar.
– Você está com medo!
– Eu não estou com medo! – null se defendeu – É só que eu já fui aí um milhão de vezes! Não tem saída, null. A gente só vai perder tempo.
– Por favor, null! Você nunca se perguntou o que tem do outro lado? Não está curioso?
null ficou alguns segundos em silêncio, olhando para null. Depois olhou para o labirinto e voltou a fitar a amiga.
– Não.
– Eu sou sua mãe e estou mandando! – a garota usou a cartada final.
null bateu o pé com força e apertou as mãos. Com raiva, chutou o ar e deu meia volta.
– Droga!
Os dois entraram no labirinto de mãos dadas. null estava um pouco apreensivo, mas não era possível ver nenhum vestígio de medo ou coisa parecida nos olhos de null. Ela estava realmente empolgada e adorava aventuras.
– Qual é o mais longe que você já chegou? – perguntou null, que reparou pela primeira vez como era maior que null. Talvez por isso ele tenha aceitado que ela fosse sua mãe.
– Vou mostrar pra você.
null guiou a garota por alguns caminhos, às vezes dando de cara com uma parede ou um lugar sem saída, mas então ele bufava, dizia “droga” – mania que null percebeu que era bem comum dele – e ia por outra direção. Ele parecia concentrado com seus olhos cerrados para enxergar melhor e o rosto franzido em concentração, então ficou em silêncio na maior parte do percurso, para não atrapalhá-lo.
Quando chegaram na parte que null não conseguia entender, pararam.
– É aqui. Eu sempre me perco aqui.
Eles estavam na frente de algo que parecia ser o meio do labirinto. Havia uma separação de uns cinco metros entre a próxima passagem, que se dividia em três.
– Você já tentou ir pelos três caminhos?
– Já. Mas sempre acabo em uma parede.
null assentiu, colocando sua cabeça para pensar. Ela era uma garota bem inteligente. Foi a primeira da turma no seu primeiro ano na escola e pretendia manter essa média agora, no segundo ano. Ganhou um prêmio que ficava pendurado na sala da casa antiga, que a própria null havia ajudado a mãe a pendurar e...
Um estalo soou na cabeça de null.
– Por cima. – ela murmurou.
– O quê? – null indagou, um pouco desconfiado, mas com um sorriso no rosto. Ele estava totalmente mesmerizado pelo jeito pouco comum de null.
– Vamos por cima. Nos muros!
– null, isso não faz sentido! É muito alto...
– Podemos subir pelas pedras, null! Vem!
Sem saber o que fazer, null seguiu null.
O muro estava velho e desgastado, então eles colocaram os pés nas falhas que haviam ali e conseguiram subir facilmente. O muro não era grosso o bastante para que ficassem em pé de modo estável, então se apoiaram um no outro para conseguirem estabilidade.
– O que foi, null? – null perguntou para o amigo, vendo que ele estava paralisado ao ver o que tinha ao longe. Ela estava de costas para o fim do labirinto, então não conseguia ver o que ele via.
null reparou na respiração barulhenta do amigo e em como seu peito se mexia de forma irregular e seus olhos pareciam feitos de vidro. O corpo de null estava subitamente gelado ao tocar o dela e isso era estranho, porque eles estavam no final de agosto.
– null! Você tá me deixando com medo!
Medo. null nunca tinha medo, mas ver null daquele jeito estava prejudicando seus sentidos.
– null...
Eles ouviram passos atrás deles e null se desequilibrou. null tentou segurá-lo, sem sucesso. No fim, os dois acabaram no chão, o braço da garota torcido de uma maneira nada normal. null ainda parecia atônito, mas voltou a vida ao ver o braço de null e as lágrimas nos olhos dela.
– Droga! Olha o que eu fiz! Desculpa, null, desculpa! – ele chorava, abraçando a amiga que ainda não tinha coragem de se mover.
null ouviu os passos se aproximarem. Por um momento, ele havia esquecido que fora isso que o derrubara. Tirou do bolso da bermuda o canivete que seu pai o obrigava a manter com ele. Pelo menos agora, aquilo seria útil.
– Vai embora! – gritou, apontando o canivete para a escuridão. A lua estava atrás de uma árvore e ele não conseguia ver quem estava vindo. Ao mesmo tempo, null estava atrás dele, gemendo no chão – Eu vou matar você!
– null? – o garoto abaixou a arma ao ouvir a voz familiar. Logo, o rosto de seu pai e de mais um homem apareceram em sua frente – O que está fazendo aqui?
– null!
O outro homem correu em direção de null, empurrando o garoto para o chão sem o menor pudor, fazendo de tudo para alcançar null. null se sentiu fraco e idiota, caído ao chão. Outro homem mal estava prestes a levar sua outra mãe e ele estava no chão, chorando. Mesmo com uma arma na mão, ele não prestava para nada!
– null, meu amor, o que esse maldito null fez com você?
– Pai?
null estava com muita dor. Não conseguia ver muita coisa ao seu redor. Seu braço esquerdo estava estranho, mas a dor mesmo era em suas costelas. Ela não tinha reparado em como o muro do labirinto era alto quando eles subiram, do outro lado.
– Maldito null? Você empurra uma criança de seis anos e eu sou o maldito null?! Vá à merda, null.
– Seu filho de seis anos tem a porra de um canivete e sequestrou a minha filha! Você é um pai de merda. Não é a toa que Penny foi embora!
null não estava entendendo nada. Notou que o homem que o empurrara estava tentando encontrar um modo de pegar null no colo e não gostou. Limpou as lágrimas dos olhos do melhor jeito que pode e tentou se aproximar da amiga, ignorando o olhar mortal do homem para ele. Não podia ser um covarde a vida toda.
– Quem é você? – perguntou para o homem.
– Sou o pai da null, garoto. E acho bom você não se aproximar mais dela.
Com um único movimento, Patrick null levantou a garota do chão. As lágrimas de null correram com mais rapidez ao ouvir null gritar de dor.
– Você tá machucando ela! – ele gritou, mas foi ignorado.
– Deixe seu demônio longe da minha filha, null. – Patrick murmurou para George null, levando null em seus braços – Se ele fizer mal à ela de novo, eu juro que vou te caçar até o fim do mundo. Você e seu pequeno... – ele se virou para null, que ouvia tudo e tentava conter as lágrimas e ignorar os gritos de dor de sua nova mãe – Demônio.
– Vai se foder, null.
null e null sumiram na escuridão da noite. null não queria ir embora sem null. Ela queria saber o que ele tinha visto que havia o assustado tanto. A dor nem era assim tão forte! Ele tinha uma faca, null tinha percebido. Será que ele pretendia fazer alguma coisa com ela? Não, null não era assim. Ele era bom. Ele tinha tentado defendê-la e confiava nela para ser sua nova mãe.
A última coisa que null viu antes de apagar, foi a imagem de null null, segurando uma faca e brilhando no amanhecer, como se ele fosse algum tipo de herói, feito especialmente para protegê-la.
Do outro lado do parque, George puxava null pela mão, um pouco orgulhoso por ver o filho empunhar uma faca tão bravamente, já que null só tinha seis anos e demonstrava ser um completo covarde. Mas então ele se lembrava de que ele se impusera pela filha de Patrick null e sua raiva voltava cem vezes mais forte. Tudo que passava pela sua cabeça era como ele iria criar null sem Penny.
Já null, estava aterrorizado. Ele nunca tinha empunhado uma faca antes. Ficou tão aterrorizado por null que acabou usando a arma que tinha jurado nunca usar. Quando ganhara – no seu aniversário de seis anos – vira a mãe sorrir como nunca e o pai esbanjar orgulho. Ele não queria decepcionar ninguém, então disse que havia adorado o presente, o que era uma mentira descarada. null era totalmente contra violência.
Mas então null precisou dele e ele ainda estava um pouco desestabilizado pela queda e pelo que ele havia visto atrás do labirinto e agiu por instinto e... Oh, o labirinto. Ele havia se esquecido disso. Os pelinhos de seu braço se arrepiaram outra vez e suas pernas queriam bambear de novo, mas ele se obrigou a manter-se estável, dessa vez.
null precisava contar para null que havia um cemitério atrás do labirinto.
null acordou com várias luzes iluminando seu rosto. Piscou algumas vezes para tentar clarear a visão, mas ainda estava difícil de enxergar. Um lençol áspero a cobria e a pequena não podia sentir um de seus braços – ela ainda estava trabalhando no conceito de “esquerda-direita”.
– Papai? – chamou. Pensou ter ouvido alguém com ela.
– Ah, null! Graças a Deus você acordou!
null tinha uma agulha conectada no braço que estava sentindo, mas estava apreensiva de mexê-lo e a agulha se perder dentro dela. Começou a entrar em pânico quando notou que não podia mexer nenhum dos braços.
Patrick notou a agitação da filha e colocou uma mão na testa da garota em uma tentativa de impedir as lágrimas que ameaçavam cair.
– Está tudo bem, null. Está tudo bem agora.
– Onde estou?
– No hospital. O filho daquele maldito George quebrou seu braço.
null franziu o cenho, sem entender direito.
– null? Ele não quebrou meu braço, papai. A gente só estava brincando. – null se justificou, deixando de lado a parte em que eles resolveram entrar no labirinto e o que null tinha visto que havia assustado os dois.
– Não quero ver você com ele, null. Nunca mais.
– Por quê? Ele é meu amigo! O único amigo que eu tenho aqui!
– Ele é filho do George null. Não preciso te dar mais nenhum motivo.
– Mas, papai...
– Sem mais, null!
null se calou. Seu pai nunca a chamava de null. Pelas duas semanas que se seguiram, não ouviu falar de null null. Tentou perguntar do garoto para o pai uma ou duas vezes, mas isso resultou em uma hora de castigo, sentada na cadeira da janela. Depois de duas semanas, a pequena simplesmente tentou esquecer null e o que ele tinha visto no labirinto.
Na noite anterior ao primeiro dia de aula, null bateu na porta de Patrick. Ela dormiu nos braços do pai, chorando por sentir falta da mãe. O homem mau que seu pai tinha mencionado ainda não tinha devolvido sua mãe e isso não fazia o menor sentido para null. Pensou que, com o tempo, a mãe apareceria, mas não foi bem assim. A mulher tinha realmente ido embora.
Seu pai não sabia fazer um rabo de cavalo descente. Ficava torto e os fios escapavam e lhe dava um ar desleixado. null estava a beira de mais lágrimas quando olhou pela janela de seu quarto e, para sua surpresa, viu null sair de dentro da casa. Ela não podia acreditar que eles eram vizinhos!
null pensou em comentar com o pai sobre null, mas se lembrou dos castigos e simplesmente ficou quieta. Na escola, viu null outra vez. Ela devia ter deduzido que eles estudariam juntos, já que aquela era a escola mais perto de casa. Assim que teve a oportunidade, se aproximou dele.
– Oi! – ela tocou seu ombro. null bebia um suco de caixinha de uva – Ainda lembra de mim?
Surpreendendo null, null se virou e começou a se afastar.
– Ei! – ela gritou, correndo atrás dele – null! Sou eu!
null suspirou, mas pelo menos respondeu dessa vez.
– Desculpa, null. Meu pai disse que não posso ser seu amigo.
– Mas...
– Eu não posso fazer nada.
null se afastou sem dizer mais nada ou dar chance de null responder. Magoada e com vergonha, ela deu um pulo quando sentiu uma mãozinha em seus ombros.
– Você não devia falar com ele. – o garoto apontou para null – Ele é estranho.
null fez uma careta para o menino novo.
– Ele é meu amigo!
– Não é, não. O null não é amigo de ninguém. E, por falar em amigo, eu sou o Kyle.
– O meu nome é null.
– Você quer ser minha amiga?
O rostinho de coração de null brilhou com a possibilidade de fazer um amigo logo no primeiro dia. Assentindo, ela deu a mão para Kyle, que a levou para uma rodinha de amigos, onde ela fez amizade com outras garotas. Logo, a professora Judy veio chamá-los para voltar para a aula. Ao longe, null observou null fazer amizade com Kyle enquanto ele estava sozinho no balanço, tomando seu suco de uva. A sensação que tomou seu peito foi desconfortável e não queria deixá-lo nem quando entrou na sala de aula e sentou no seu canto no fundo da sala; todas as crianças – inclusive o nojento do Kyle – queriam sentar na frente, mas null odiava ficar perto da professora, que vigiava tudo o que ele fazia. null se sentou na primeira mesa, ao lado de Kyle. Talvez seu pai estivesse certo; null era tão ruim quanto o resto das crianças.
– Romeu e Julieta eram namorados que não podiam ficar juntos. – explicou Judy. null estava hipnotizada pela história – Eles eram melhores amigos também.
Sem querer, null se pegou observando null. A menina sentiu suas bochechas esquentarem quando viu que ele estava olhando.
– Sim, Hannah?
– Minha irmã disse que o Romeu e a Julieta morrem. É verdade? Porque eu não quero aprender sobre uma história onde os personagens principais morrem.
– Romeu e Julieta é uma tragédia. – Judy tentou outra vez. As aulas de literatura eram as mais difíceis – Uma história linda de amor e amizade, mas uma tragédia.
– Por que eles morrem? – foi a vez de Sarah perguntar. As garotas eram as únicas que pareciam interessadas na história.
– Porque seus pais não aceitavam seu relacionamento.
– Como assim?
Por um momento, a sala foi silenciada. null null havia feito uma pergunta. Todo mundo sabia que null jamais se misturava ou fazia uma pergunta.
– null? Que surpresa boa ver que está se interessando pela aula. – Judy comentou, quase fazendo o menino revirar os olhos. Ele só queria uma resposta – Quer saber por que os pais não aceitavam o relacionamento deles? Bom, Romeu e Julieta pertenciam a famílias inimigas. Os pais se odiavam e queriam que seus filhos se odiassem também. Quando descobriram que os dois estavam juntos, não ficaram nada feliz.
– Então eles eram amigos, mas escondido? – null perguntou. Judy sorriu. As crianças estavam finalmente participando da aula!
– Exatamente, null. Agora que não temos mais perguntas, peguem suas cópias do livro e vamos começar a leitura, sim?
null pegou uma cópia de Romeu e Julieta Para Crianças e arriscou olhar para trás mais uma vez. null não desviava o olhar dela.
Mais tarde, as crianças foram dispensadas para a aula de educação física. null estava indo se encontrar com Kyle quando sentiu uma mão a puxando para dentro da casinha do escorregador, no parquinho.
– Que susto você me deu, null! – null bronqueou, não chamando-o pelo apelido. Ela estava chateada demais com ele para isso.
– Desculpe, null. Eu queria te pedir desculpa. Porque eu fui bem malvado com você. – ele murmurou. Pelas caretas que ele fazia, null soube que null fazia um enorme esforço para dizer aquilo.
– Tudo bem. Meu pai também me disse que eu devia ficar longe de você.
– Acho que eles não se gostam. Mas a gente ainda pode ser amigo, né?
null assentiu.
– A gente não tem nada a ver com eles!
– Podemos nos encontrar escondido, igual Romeu e Julieta. – null sugeriu, ficando empolgado.
– Sim! Nossos pais não precisam saber!
null concordou e pegou a mão de null. Ele gostou de sentir que a pele da garota era macia e quentinha.
– A gente vai namorar também? – null perguntou, em um ato de coragem. null corou violentamente. Ela pensava que só adultos namoravam – Quer dizer... Romeu e Julieta eram amigos e namorados.
A garotinha parou para pensar. null podia sim ser seu primeiro namoradinho. Por que não? Eles estavam só brincando de Romeu e Julieta.
– Sim. Vamos namorar!
Os dois trocaram um sorriso cúmplice e null deu um beijo carinhoso na bochecha da namorada. Quando saíram da casinha, cada um foi para um lado, prometendo guardar o segredo por quanto tempo fosse necessário.
You’re all I wanted
Respira. Fundo. Calma. Não é nada demais. É só o null. Se você quiser parar, ele vai parar. Não tem motivo pra entrar em pânico. Meu Deus, eu estou em pânico!
null estava parada na frente do espelho de seu quarto, se sentindo ridícula. Ela tinha ido a uma sexshop com Hannah para comprarem calcinhas minúsculas e sutiãs ousados, mas só conseguiram passar perto. Tiveram um ataque de riso e se sentiram idiotas por estar entrando em um lugar que exalava sexo quando ainda eram virgens. Mesmo assim, passaram em uma loja de lingeries e null havia comprado algumas coisas. Na hora, se sentiu sexy e poderosa, como se tivesse se tornando uma mulher de verdade, mas, no momento, só se sentia ridícula e envergonhada.
Patrick tinha saído durante todo o final de semana. Ele costumava a fazer isso com certa frequência, principalmente depois que null completou 10 anos. Agora, com 16, ela dificilmente ficava acompanhada em casa nos finais de semana; a não ser por null. null estava sempre lá.
Fazia algum tempo que ela se sentia preparada para fazer sexo com null. Quando ele a fez gozar pela primeira vez, apenas se esfregando nela no sofá de casa foi a hora. Naquele momento, quando ela tocou null depois de gozar, viu as pupilas dilatadas e a expressão dele, ela soube que queria fazer sexo propriamente dito. Agora, colocar esse sentimento em palavras era bem mais complicado. Ela sabia que null também queria, mas jamais teria coragem de falar, assim como null. Sendo assim, teve que arrumar um jeito diferente de pedir.
“– O pai não vai estar aqui esse final de semana. Você podia vir e passar noite. Comigo.”. Não tinha sido um pedido muito claro, mas ele entendera por causa do desejo que vira no olhar dela. Isso somado às palavras sussurradas e ao modo como null se pressionava contra ele havia sido o suficiente. Assim, quando null concordou, eles haviam assumido.
E agora, lá estava null, se sentindo totalmente boba e inexperiente. Oh, com certeza ela iria passar vergonha e null não iria mais querer falar com ela.
Para seu total desespero, ouviu o rapaz chamar seu nome. Eles tinham uma cópia da chave da casa um do outro, então podiam entrar quando quisessem, sem que George ou Patrick vissem. null estava vestindo apenas o conjunto de lingerie vermelho e preto que havia comprado com Hannah quando null deu batidinhas na porta de seu quarto.
– null? Posso entrar?
Os olhos de null podiam saltar das órbitas.
– Só um minuto, null!
Sem ter uma opção melhor, null pegou o roupão de seda que estava jogado em sua cômoda. Ela pretendia fazer algo melhor e até colocar uma música e se maquiar, mas tinha perdido a noção do tempo dentro da banheira. Pelo menos sua pele estava com o cheiro delicioso e cítrico dos sais de banho.
Olhou-se no espelho mais uma vez antes de finalmente abrir a porta. Seus cabelos estavam com um aspecto bagunçado, mas não estavam de todo ruim. null sempre dizia que gostava de suas mechas bagunçadas, de qualquer jeito. Mais uma respiração profunda e abriu a porta.
null se esqueceu como respirava. null estava sempre bonito, mas, naquela noite, ele estava ainda melhor. Seu rosto estava bem mais maduro do que estava há 10 anos, quando se conheceram. Seus olhos mantinham o brilho azul daquela época e os cabelos continuavam pretos, mas mais cheios e mais rebeldes. null perdera o olhar medroso e agora guardava uma malícia na expressão, como se fosse o único a saber de um segredo sujo. Usava uma camiseta preta – como lhe era tão característico – e um jeans surrado que null já conhecia. Sua postura sempre confiante que havia adquirido aos 13 anos havia dado espaço para uma insegurança que null também estava sentindo. A boca de null estava mais vermelha que nunca, indicando que ele havia mordido os lábios antes de ir encontrá-la e o piercing no lábio inferior estava ainda mais destacado; ele havia furado a boca aos 14 anos, por causa de um desafio feito pela própria null. A boca de null inchara e eles ficaram quase dois meses sem se beijar.
Internamente, null agradeceu por null estar tão nervoso quanto ela.
– Você está... Linda. – null murmurou, com a voz trêmula. null se deu conta de que estava usando somente um roupão por cima da lingerie enquanto o namorado estava totalmente vestido.
– Obrigada. – null devolveu, sem saber ao certo o que dizer. null queria disfarçar para não parecer um idiota deslumbrado, mas não conseguia tirar os olhos do corpo dela.
Eles ficaram em silêncio por alguns segundos. null engoliu em seco e abriu a porta para que null entrasse. Ele entendeu a dica e entrou no quarto, timidamente. Ele conhecia o lugar como conhecia o próprio quarto, mas estava muito mais nervoso do que das outras vezes que estivera ali.
– Você está com fome? – ele perguntou, quebrando o silêncio – Eu posso pedir uma pizza pra gente.
– Não, estou bem.
Na verdade, os dois estavam nervosos demais até para comer.
É só o null. É só o null.
É o meu null.
Em um ímpeto de coragem, null empurrou null para a cama, já que ele ainda não tinha se sentado, esperando um convite da parte dela. Ele caiu sentado no colchão. null subiu em sem colo, como haviam feito tantas vezes, mas agora era diferente. Nenhum dos dois nunca ficou tão excitado quanto estavam naquele momento. Quando suas bocas se moldaram, null percebeu que null ainda tinha gosto de null e não tinha nada para se preocupar. Percebeu também que ele já estava rígido sob o tecido do jeans, pois ela podia sentir já que usava somente o roupão. null perdeu o ar quando tomou consciência desse fato.
– Você está sem...?
– Estou. Cala boca.
null lutou para respirar corretamente e poder dar início a outro longo beijo, mas sentiu o cheiro delicioso que vinha do pescoço de null e não conseguiu ignorar isso. Uma de suas mãos subiu para a coxa nua da menina, onde null apertou para descontar toda a frustração que estava sentindo por não ter um contato mais direto da parte mais necessitada do seu corpo com ela. Aquilo tinha que ser maravilhoso para null, ou então ele tinha medo de que ela não quisesse repetir.
Subitamente, seus jeans estavam muito apertados. A língua da namorada estava fazendo um ótimo trabalho dentro da sua boca e suas respirações quase nulas estavam se misturando.
– Droga, null. – null gemeu quando null mordeu seu lábio inferior, sugando seu piercing para dentro.
As mãos do garoto começaram a agir e ele desfez o nó no roupão de null e acariciou seus ombros, descendo por seus braços, fazendo a seda deslizar pelo corpo aveludado. Ela não vestia nada mais do que um sutiã meia taça vermelho e preto e uma calcinha minúscula fio dental nas mesmas cores. null estava se segurando ali; não podia correr o risco de gozar primeiro que null, então ele precisava começar a ser mais ativo.
Empurrou null delicadamente pelos ombros, fazendo-a deitar na cama, com ele por cima. Beijou seu pescoço com calma deixando tudo mais molhado. Um pouco hesitante, levou as mãos aos seios de null, que preencheram suas palmas perfeitamente, como se fossem feitos para isso. Apertou-os e ouviu a menina soltar uma exclamação de prazer em sua boca. Ele já tinha a maior ereção de sua vida no meio das pernas e estava pronto.
Era mais do que sexo; era mais do que ao ato de juntarem seus corpos. Conforme suas roupas foram sendo jogadas no chão, eles sentiram que estavam unidos. Sentiram todo o poder do amor deles, como se nunca existira algo mais forte. null se agarrava à null como se sua vida dependesse disso e null segurava null como se ele fosse seu oxigênio. Não havia vida para um sem o outro.
– Eles dizem que dói... – null começou, sem saber exatamente como dizer aquilo quando já estava vestido com uma camisinha e null estava sob ele, esperando que começasse logo – Então, se doer, você me avisa e eu paro.
null assentiu, um pouco constrangida. Abriu um pouco mais as pernas para incentivar o namorado e depois arqueou os quadris, tocando-o involuntariamente. Suas mãos prenderam nos bíceps de null e ela mordeu os lábios quando ele a invadiu, bem devagar. Era como uma agulhada no meio das pernas e null quis mandar que ele parasse na mesma hora.
null percebeu.
– Ai, droga. Eu vou parar... – ele resmungou, fazendo menção de se afastar.
A garota respirou fundo e levou as mãos para as costas de null, empurrando-o contra ela. null queria que ele continuasse, porque sabia que ele estava gostando. Podia sentir seu coração disparado e seu pênis pulsando contra ela, como também via suas pupilas dilatadas.
E então null continuou e a dor aumentou, para então tornar-se suportável. null não tinha gostado do ato em si, estava mais concentrada na conexão que tinha desenvolvido com o namorado. Eles nunca tinham estado tão íntimos, desde que se conheceram. Ela o amava. null amava null e faria qualquer coisa por ele.
– Isso foi... Incrível.
null não sabia, mas null não estava falando só do sexo. Ele também sentira a conexão.
Eles estavam jogados um de cada lado da cama, com calor demais para ficarem abraçados. null soltou uma risadinha tensa quando sua barriga roncou alto no silêncio do quarto.
– Acho que aceito aquela pizza agora.
null riu e virou de lado, para poder vê-la. Ele estava encantado; null estava sempre bonita, mas, de algum jeito, ela acabara de ficar indescritível ao seu olhar.
– Tudo bem. – respondeu, se aproximando e dando um beijo em sua bochecha – Vou pedir pra você.
Ele se levantou e procurou sua cueca, encontrando-a jogada no canto do quarto. Vestiu a peça e começou a procurar seu telefone.
– A gente podia fazer alguma coisa, né?
null franziu o cenho.
– E desde quando a gente sabe cozinhar?
– Não é pra fazer uma super refeição, seu bobo. É pra ser romântico.
null fez careta quando null soltou uma gargalhada.
– E desde quando somos românticos?
– Desde agora. Vai, a gente vai fazer sanduiches!
Eles se vestiram, null apenas com sua calça e null de calcinha e a camiseta do namorado. Já tinha lido sobre isso em alguns livros e não queria perder a oportunidade de usar a camiseta de null.
null pegou todos os ingredientes necessários para fazer um sanduíche na geladeira enquanto null colocou duas xícaras de leite para esquentar e pegou os pratos. Fizeram sanduíches e tomaram um chocolate quente, que eles mesmos fizeram; na cabeça de null, eles já podiam casar.
O pensamento de casar com null a deixou um pouco nas nuvens e ele continuava falando besteiras, fazendo-a rir e deixando-a ainda mais leve. Quando percebeu, o prato que estava lavando já tinha caído no chão e se espatifado em pedaços minúsculos, sujando a cozinha.
– Merda. – resmungou – Eu sabia que ia derrubar o prato!
– Então por que não prestou atenção? – null repreendeu, pegando uma sacola de plástico e começando a jogar os pedaços maiores dentro. Xingou alto quando cortou a mão em um caco.
– Quem é que precisa prestar atenção agora? – null desafiou, mostrando a língua.
– Besta. Pega uma vassoura e me ajuda com isso.
– Vem comigo. Tem um kit de primeiros socorros no porão. Aí eu já limpo o corte e depois a gente sobe pra varrer.
null assentiu e seguiu null até o porão. Eles nunca desciam para lá, porque era o lugar onde Patrick guardava suas coisas e os dois não queriam ser pegos mexendo ali. Apesar de já estar acostumado, null ainda não entendia o ódio do pai da namorada.
– Olha a bagunça que meu pai deixou aqui! – null comentou quando chegaram. Várias ferramentas de mecânico estavam espalhadas pelo porão, pois nas últimas semanas o carro de Patrick estava dando defeito e ele se recusava a levar em um mecânico – Não custa nada guardar no armário.
Começou a ajuntar as peças, recebendo um olhar de advertência.
– Não vai mexer nisso, null. Seu pai odeia que mexam nas coisas dele.
– Ele deve ter esquecido. Vai ficar ainda mais nervoso quando voltar e ver que esqueceu por aqui.
Guardou tudo como pôde no armário de ferramentas, percebendo que este não queria fechar.
– Eu avisei. Essas coisas não devem ficar aí.
– Cala boca.
null bufou porque null era muito teimosa.
– Onde fica o kit?
– No armário do banheiro.
O sangue estava escorrendo por sua mão e incomodando um pouco. null nunca gostou de sangue, principalmente o seu. Era como se uma onda de desespero o atingisse e ele precisasse desesperadamente estancar. Entrou no banheiro às pressas para jogar um pouco de água no corte e parar o fluxo de sangue.
A água escorreu vermelha pelo ralo. Cortes com vidro faziam um verdadeiro estrago e null xingou por isso. Abriu o armário para procurar o tal kit e acabou encontrando outra coisa bem interessante.
– O que é isso? – perguntou para null, mostrando o controle remoto.
Não era exatamente um controle remoto; era mais como um controle de abrir portões elétricos, daqueles que só têm dois botões, com a diferença de que esse só tinha um, bem no centro do aparelho quadrado. Em uma mão, null mostrou o controle e com a outra segurou o kit de primeiro socorros.
– Sei lá. Deve ser alguma tralha do meu pai. – deu de ombros – Me dá o kit e deixa eu ver a sua mão.
Os dois se sentaram em duas cadeiras que estava ali, onde antes estavam as ferramentas de Patrick. null espalhara todas no balcão e procurava um jeito eficiente de guardar tudo no armário, como se fosse um quebra-cabeças. Enquanto não conseguisse, não pretendia sair do porão.
null começou a trabalhar na mão de null; parecia que ele tinha enfiado o caco de vidro dentro da mão, porque aquele sangramento todo não era comum. null, para não ter que se concentrar no sangue, começou a tagarelar e a analisar o controle recém-encontrado.
– O que você acha que faz? – perguntou, virando a peça na mão.
– Nada. Deve estar quebrado. Pode ser o antigo controle do portão.
– Mas controles de portão têm dois botões. E você nunca trocou de controle, null.
– É só um controle, null.
– Então vou apertar!
null deu de ombros de novo, não acreditando que ele fosse realmente apertar.
Mas null apertou.
Eles ouviram algo bater. null deu um pulo da cadeira, derrubando-a. null olhou para trás, mas não viu nada.
– O que aconteceu? – perguntou null, em pânico por ter mexido em algo do seu pai.
– Eu não sei. – null respondeu, olhando ao redor. A luz do ambiente era fraca demais e já estava muito escuro – Acho que fiz merda.
– null do céu, o que eu faço com você?
– Quer que eu dê sugestões? – devolveu, com um sorriso malicioso.
null revirou os olhos, não conseguindo evitar sorrir também.
– Idiota.
Ela terminou de limpar a mão de null e ele colocou o controle ao lado do kit. Quando fosse devolvê-lo para o banheiro, colocaria o controle exatamente no mesmo lugar, para que Patrick nunca desconfiasse de que tinham entrado em seu covil do mau.
Mas aí, ele viu outra coisa que o surpreendeu.
– null... Acho que descobri o que o controle faz...
null correu para o banheiro, onde encontrou uma parte da parede solta, que abria-se como uma porta. Ela nunca tinha visto aquilo antes.
– O que é isso? – indagou, mais para si mesma. Não estava muito convencida de que havia uma parte de sua própria casa que não conhecia.
– Vamos entrar? – null perguntou, se aproximando da porta, para ver o que tinha do outro lado.
– Com certeza. – null afirmou, se movendo para parar null. Ela queria entrar primeiro.
Era uma sala pequena, sem janelas e totalmente escura. Tateando pelos cantos, null encontrou um interruptor e o acionou, fazendo a sala se iluminar. A luz era forte e branca fluorescente, cegando os dois jovens por alguns segundos, mas logo eles conseguiram enxergar de novo.
– Puta que pariu! – null murmurou. null ainda estava atônita demais para dizer algo – O que são essas coisas?
Haviam armas de todos os tipos nas paredes. Algumas grandes, outras menores e algumas prateadas. Haviam estacas de prata e prateleiras com potes cheios de um líquido roxo desconhecido. No fundo da sala, algumas espadas e machados também existiam, tudo separado por prateleiras de vidro. A sala tinha um estilo clean que não era característico de Patrick e isso estava confundindo-a.
– Você não sabia disso, sabia?
– Lógico que não, null. Mas eu vou falar com o pai assim que ele voltar. Vamos sair daqui antes que a gente quebre alguma coisa.
Eles saíram da sala e não falaram mais disso. Quando Patrick chegou em casa, null não falou uma palavra sobre seu final de semana.
null não queria estar ali. Não queria mesmo. Ele estava com vontade de mandar todo mundo à merda e sair da quadra como se realmente não precisasse da aula. Mas null era capaz de fazê-lo ficar ali.
Era uma maldita aula de educação física e null odiava porque era quando ele mais precisava interagir com as outras pessoas. Ele não entendia como podia gostar de null, que estava perdida no meio de outras garotas enquanto eles jogavam futebol, garotos contra garotas. null não sabia jogar muito bem, então não fazia questão de relar na bola, deixando as outras garotas jogarem, enquanto suas amigas a rodeavam e elas riam. null era goleiro porque não precisava ficar perto dos outros garotos do time e era muito fácil só defender a bola do gol. Não tinha erro.
Estava calor e eles faziam aula na quadra aberta. O sol estava ardendo a nuca de null e ele limpou o suor da testa. Arregalou os olhos quando viu sua null se aproximando rápido do gol, levando a bola em seus pés, descoordenadamente. Kyle vinha atrás dela, tentando roubar a bola, mas sua garota estava fazendo um bom trabalho em desviar dos avanços do outro. null sorriu e se preparou para pegar a bola quando null jogou.
O treinador apitou quando null agarrou a bola.
– Eu odeio você! – null gritou para null, pulando em suas costas – Eu ia fazer um gol.
– Não aqui, garota. – ele devolveu, segurando-a firmemente.
null distribuiu alguns beijos pelo pescoço de null, fazendo o garoto se arrepiar.
– Você vai ver! – null ameaçou, mordendo o lóbulo da orelha do namorado.
– Procurem um quarto! – Hannah gritou, puxando null pelos cabelos.
– Ai, sua vaca! Me solta!
– A gente precisa ir pro vestiário logo, senão não vamos conseguir tomar banho aqui, null.
null suspirou e soltou null.
– Nós vamos conversar mais tarde.
– Mal posso esperar.
null observou a namorada se afastar. Seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo, deixando seu pescoço à mostra. Por algum motivo, aquilo estava deixando-o muito mais excitado que o normal. Talvez o movimento provocante dos quadris de null estivesse contribuindo para sua ereção, ainda mais quando ele sabia que ela estava provocando-o deliberadamente.
Era sexta-feira e Patrick não iria viajar esse fim de semana, o que significava que ele só teria uma chance real de beijar null na segunda-feira. Ele precisava aproveitar a oportunidade antes que fosse tarde demais.
Seguiu null e Hannah até o vestiário, silenciosamente. Quando notou o armário de equipamentos esportivos aberto, passou correndo pelas duas, puxando a mão de null e trazendo-a para dentro do armário. Foi tão rápido que Hannah ficou se perguntando o que tinha acontecido.
– null! – null murmurou, dando um tapinha no peito dele – O que você está pensando?!
– Que eu quero muito você e só vou poder te comer de novo na segunda.
– Isso foi muito mal educado, seu troglodita! – protestou.
– Foda-se.
null tomou posse de seus lábios sem pedir nenhuma permissão. Normalmente, ele era calmo e tímido, mas nos últimos dias null estava bem mais violento. null não tinha do que reclamar, porque gostava dele dos dois jeitos, mas sentia um pouco de falta do null romântico que tirara sua virgindade, um ano atrás.
O armário era pequeno e apertado, então os dois tinham que ficar colados para caberem ali, não que isso fosse algo ruim. null se pressionou contra null com força enquanto mordia os lábios da garota. Logo, desceu os beijos para seu pescoço, onde começou a chupar, morder, lamber e sugar como se quisesse arrancar um pedaço da carne. Suas mãos apertavam a bunda de null, instigando-a a enlaçá-lo com as pernas.
Mas o beijo durou pouco.
null pulou de susto quando alguém abriu o armário. Relaxou quando viu Kyle.
– Se o treinador pega vocês aqui, estão encrencados. – Kyle lembrou-os. Ele estava ajudando o treinador a aguardar o equipamento usado em aula.
– A gente só estava...
– A gente vai transar em alguma sala do segundo andar, então. – null interrompeu, passando o braço sobre os ombros de null e a puxando com ele – Faça o favor de não deixar ninguém subir, sim?
null repreendeu o namorado pelo comportamento com Kyle mais tarde. Ele e Hannah eram seus melhores amigos, mas null tinha um ciúmes irracional de Kyle. Na maioria das vezes, eles simplesmente fingiam que o garoto não existia.
Estava cada vez mais difícil de manter esse plano.
– Você precisa se afastar dele, null. – Kyle disse, mais tarde naquele mesmo dia – null não é uma boa pessoa.
– Eu amo ele, Kyle. – null afirmou, com convicção na voz – E você devia parar de tentar me afastar dele.
– Você é muito teimosa, garota. Tem alguma coisa errada com seu namorado e você sabe disso. Se afastar é o melhor que você faz.
– Se continuar a falar assim dele, vou desligar...
– Só estou avisando. Não precisa ficar nervosa...
Mas as coisas só começaram a dar errado no fim do mês.
null apareceu na casa de null por volta das 2h da madrugada. Patrick ia passar a noite fora, dessa vez com uma de suas namoradas. null não tinha chamado null para passar a noite porque ia estudar para uma prova importante de álgebra na outra semana e não conseguiria se concentrar com ele a rodeando.
– O que você está fazendo aqui? – null perguntou para ele, quando null entrou pela janela. Era uma mania que ele tinha pegado e agora parecia que não conseguia deixar de lado.
– Pensei que seria uma boa ideia fazer uma surpresa... – ele murmurou, com um sorrisinho no canto do lábio. null não pode deixar de sorrir também.
– Você me assustou. – admitiu.
– Pensei que você não tivesse medo de nada.
null puxou null para a cama, puxando-o pelo colarinho da camiseta preta. Eles começaram a se beijar com mais força e necessidade do que o normal, mas null não reclamou. null pressionou os dedos na cintura da namorada e deitou com ela na cama, começando a abrir as pernas dela para que ela entendesse suas intenções.
– Não, null. Estou morrendo de sono. – null murmurou, diminuindo a frequência dos beijos e se desvencilhando dele.
Mas null não a escutou. Pegou seus braços e prendeu-os acima da cabeça com uma das mãos e, com a outra, usou para segurar o rosto de null. Uma sirene vermelha estava piscando em sua cabeça, mas ele estava ignorando aquilo, porque sua necessidade por null estava bem maior. Ela estava protestando agora, mas, dali alguns minutos, estaria implorando por mais.
Deixou uma trilha de beijos molhados por seu pescoço e garganta, descendo para os seios, afastando o tecido fino da camisola de null. Ele podia ouvir seu coração pulsar aceleradamente; podia ouvir o sangue sendo bombeado por todo o corpo; podia ver a veia que pulsava no pescoço de null...
Antes que se desse conta, tinha mordido a base do pescoço de null com uma força exagerada. O gosto metálico do sangue invadiu seu paladar e ele soltou uma exclamação de prazer.
Logo depois sentiu a dor ardida de um tapa.
– Você tá ficando louco, null?!
Ele voltou para o mundo real. Estava com null, na cama. Ele queria sexo, mas ela não. Por um momento, a ideia de forçá-la parecera certa. Por que parecera tão certa? null jamais forçou null a nada, nem a dar as mãos quando estavam em público. Como podia ter forçado-a a...
Havia uma trilha de sangue escorrendo vagarosamente pelo pescoço de null, que tinha os olhos arregalados.
– null, me perdoa. Meu deus. Eu não sei que porra eu tava pensando.
null estava confuso. Havia milhões de vozes em sua cabeça, dizendo-lhe que era um idiota por parar. Ele devia continuar, devia pegar o que queria.
– Você me machucou. – ela acusou e null se sentiu ainda pior.
– Me perdoa, por favor, null.
O sangue continuava a escorrer. Quanto mais ele encarava o rubro contrastando com a pele de null, mais as vozes falavam alto. Ele não conseguia se controlar. Algo estava terrivelmente errado.
Com medo e um tanto quanto assustado, null pulou pela janela que entrou e correu para longe da casa de null, querendo se afastar dela o máximo possível.
***
null sumiu pela semana que se passou. Não foi para a escola os cinco dias e não respondeu as mensagens e os telefonemas de null. Mas ela sabia que o veria na sexta de noite, porque ela era líder de torcida e tinha um grande jogo na escola e ele sempre ia vê-la nos jogos. null sempre encontrava-a depois das apresentações e a levava para comer fast-food, porque null se mantinha de dieta até as apresentações. Seu pai não ia assisti-la porque não tinha mais idade – de acordo com ele – e null fazia questão de estar presente.
Ele tinha que estar.
A tristeza de decepção só cresceu quando o jogo acabou. null procurou por null e dispensou o convite de Kyle para ir jantar na pizzaria. Duas horas depois, quando ficou bem claro que ele não apareceria, null foi para casa, vestida em seu uniforme apertado, chorando seus olhos para fora.
Seu pai viajou naquele final de semana e ela ficou esperando por null, que não apareceu. Já estava preocupada e sua única motivação para ir à escola na segunda-feira era a expectativa de encontrá-lo.
Foi quando finalmente o encontrou.
– Por onde você esteve? – null perguntou para null, assim que o viu. Ele estava guardando alguns livros em seu armário, seu fone de ouvido tocando uma música no máximo – Eu te liguei várias vezes e você não me atendeu.
null levantou os olhos para enxergá-la, mas não respondeu.
– null! Não me ignore!
Ele virou-se para se retirar, mas não sem antes quebrar o coração de null.
– Me esquece, garota.
O modo frio como a frase havia saído dos lábios de null fizeram null se contorcer. Kyle apareceu ao seu lado e, encarando null com raiva, ele abraçou null.
– Eu te disse para ficar longe dele.
null tinha duas opções: 1) podia ficar se lamentando que null não a queria mais ou 2) podia tentar resolver as coisas.
Obviamente, ela escolheu a segunda opção.
null nunca a deixava sozinha durante o final de semana porque tinha medo que algo acontecesse com ela. Vivia vigiando-a pela janela, para garantir que estava tudo bem, o que null achava bonitinho, porém um pouco psicótico.
Ele veria se ela precisasse de ajuda.
Fez os preparativos e, quando foi 12h em ponto, começou a gritar. Fingiu que estava dormindo e começou a gritar desesperadamente, como se estivesse tendo um pesadelo. Como o esperado, null apareceu em menos de um minuto.
null sorriu internamente, pensando que era muito fácil atraí-lo.
– O que aconteceu? – ele perguntou, um pouco exaltado.
null se levantou da cama, se descobrindo e exibindo o corpo coberto apenas por pedaços de tecido vermelho que compunham sua lingerie.
– Você sumiu. Isso aconteceu.
Os olhos de null se arregalaram e ele engoliu em seco.
– Que porra é essa, null?
– “null”. Você nunca me chama de null, null. Eu que te pergunto: que porra é essa?
null tentou desviar os olhos dos seios de null, sem sucesso. Ela percebeu.
– Eu estou indo.
– Ah, mas não vai mesmo.
null puxou null pelo braço e o trouxe de encontro a ela. Deixou um gemido escapar quando suas bocas se tocaram. Era só uma semana, mas parecia uma eternidade desde que eles tinham se beijado pela última vez. null tentou se afastar, mas null segurou sua cabeça com as mãos, impedindo-o de se mover. Forçou sua língua para dentro da boca do rapaz e ele cedeu com um gemido baixinho. Levou as mãos para o quadril de null e a apertou contra sua pélvis, querendo matar a saudade.
null queria perguntar o que estava acontecendo, por que ele tinha fugido e mais um monte de outras perguntas, mas não sabia se conseguiria mantê-lo por perto de outro jeito.
Por mais que eles estivessem envolvidos por uma névoa de desejo, null pode sentir a hesitação de null. Ele precisava de um empurrão.
Desceu a mão pelo abdômen dele, arranhando de leve por cima da camiseta, até chegar na calça de moletom que ele vestia. Afastou um pouco o corpo, para poder dar passagem para a mão, que encontrou seu pau já ereto e pronto para ela. Quando null o apertou com um pouco mais de força, sentiu null gemer e parar de beijá-la imediatamente.
Ele a empurrou para longe e se afastou também, levando o punho a boca e apertando os olhos.
– O que foi? O que eu fiz?
Então null se virou para null e afastou a mão. Deixou que ela visse.
A garota conteve um grito horrorizado.
– null, o que é isso? O que está acontecendo?
No lugar de seus caninos, haviam enormes presas que haviam crescido por causa de seus instintos mais animalescos. Ele não sabia se conseguiria explicar isso para null.
– Eu sou um monstro agora, null. Por isso que eu sumi. Nós devemos ficar longe um do outro...
– Vai à merda com essa desculpa, null. Eu quero a verdade. Quero saber tudo o que você sabe. Agora.
null sempre amou a determinação de null. Sem conseguir evitar, se sentou na cama, a garota o acompanhando. E então ele contou tudo que havia descoberto nas últimas semanas.
– É tudo muito confuso pra mim ainda, null. Mas eu estava com problemas. Minha cabeça estava bagunçada e depois, naquela noite, eu vim aqui e te machuquei e... – ele não conseguia falar sobre aquilo diretamente, então pulou essa parte – Você sabe. Então fui atrás do motivo pra isso. Conversei com o meu pai. Perguntei, sem mencionar você, se tinha algo errado comigo. E aí ele me contou, null.
– Ele te contou o quê?
– Ele me contou o motivo de nós não podermos ficar juntos. O porquê nossos pais se odeiam tanto.
null esperou null continuar, pois ele pareceu precisar de um segundo antes de dizer as próximas palavras.
– Eu sou um vampiro, null. Nasci assim. Seu pai é um caçador, como você também vai ser quando ficar mais velha. Isso explica aquelas armas que encontramos no banheiro do porão e o motivo de seu pai sumir todo final de semana. Ele vai caçar monstros como eu. Meu pai era um caçador e costumava ser amigo do seu pai, mas eles brigaram quando o meu pai quis casar com a minha mãe. Eu nasci e seus pais desaprovavam, porque, de acordo com todos os caçadores, eu sou uma aberração da natureza. Nem humano, nem vampiro, mas ambos. Isso também se aplica a Kyle, que me odeia porque sempre soube que eu era um vampiro; ele também é um caçador, mas, diferente de nós dois, sabe de seu passado. Sendo assim, sua mãe queria me matar e então a minha mãe, para me proteger, acabou matando a sua. E então seu pai descobriu e matou a minha. Por isso que nós não temos mãe, null. Porque elas se mataram por causa de uma briga nas nossas origens.
null estava tentando absorver tudo aquilo. Estava tentando entender. Mas isso até que justificava muita coisa. O comportamento do seu pai, o motivo de Patrick e George se odiarem tanto, o modo com null estava agindo ultimamente... Tudo estava fazendo sentido.
– null?
null sorriu quando ouviu-o dizer o apelido.
– Está tudo bem, null. Nós não vamos cometer os erros dos nossos pais.
– Nós não podemos ficar juntos, null. Você não ouviu nada do que eu acabei de falar?
– Isso é o nosso passado, null. Nós somos Romeu e Julieta, como uma tragédia de Shakespeare.
– Eu não quero que a gente acabe em uma tragédia.
– Nós não vamos. Nós não somos nossos pais, null.
Para provar o que dizia, null o puxou para um beijo. Deixou que null soubesse o quanto ainda o amava, mesmo que ele fosse um vampiro ou o que quer que fosse. Ela o amava apesar de tudo e nada, no mundo, poderia mudar aquilo.
– null?
Os dois se viraram a tempo de ver Patrick parado na porta do quarto da filha. Eles sempre escutavam quando Patrick voltava mais cedo, mas dessa vez estavam muito sobrecarregados de informações para se lembrarem de prestar atenção em qualquer outro som. null se colocou na frente de null, que já se preparava para pular a janela.
– Pai, calma...
– Some daqui, sua aberração!
null estava quase conseguindo escapar, mas Patrick tirou uma arma do coldre na cintura e não hesitou em atirar no garoto. null tentou entrar na frente, mas a mira do caçador era perfeita. Ela gritou e correu para ver o que tinha acontecido com null, mas não tinha nada. Ele havia sumido.
null esperava que ele tivesse sobrevivido.
Eles não eram uma tragédia de Shakespeare.
– Você precisa curtir um pouco, null! É seu aniversário!
Hannah e Kyle tinham arrastado null para uma boate. Ela era a primeira a fazer 21 deles, mas eles tinham uma identidade falsa e pretendiam beber como se tivessem muito mais que 21. Só que null não estava nessa mesma empolgação.
21 anos era a idade que seu pai havia estabelecido. Quando fizesse 21, assumiria suas responsabilidades como caçadora. Ela não queria ter nada a ver com esse mundo, mas sentia que devia à memória da sua mãe pelo menos alguns anos de trabalho.
Patrick ficava comparando-a com Kyle, que sempre teve a sede por matar vampiros. Ela não conseguia entender como ele conseguia matar e falar sobre isso com tanta facilidade, como se não fosse nada. Isso lhe dava enjoo.
null null era um assunto morto na casa. Ela não tinha direito de falar sobre ele e não ouvia nada a respeito desde que o pai descobrira o romance dos dois. null e George se mudaram no dia seguinte e simplesmente desapareceram.
Após quase cinco anos sem null, ainda não havia conseguido esquecê-lo.
null pegou uma garrafa de vodca e decidiu que iria tomá-la pura, porque senão não conseguiria se embebedar. Hannah sorriu em aprovação e arrumou uma garrafa de Absinto para elas dividirem.
– A bebida das bruxas e de todos os seres sobrenaturais! – Hannah lembrou, tomando um gole e passando a garrafa.
– Há! – null riu, achando hilário o fato de Hannah sempre saber de tudo, mesmo quando não sabia nada – Onde está Kyle?
– Vi ele no telefone agora pouco. Acho que foi lá fora pra poder falar melhor.
null assentiu e tentou esvaziar a mente.
– Amiga, olha aquele cara. – null apontou para um homem no meio da pista de dança, que não parava de olhar para Hannah – Eu acho que você devia transar com ele.
– Eu não to vendo. Tô sem óculos. – Hannah respondeu, a voz um pouco mole. Ela havia bebido bem mais que Kyle e null.
– Cacete, Hannah. Vou chamar ele. Fica aqui.
– Não, mulher! Ele vai pensar que eu sou atirada e...
– E foda-se, não sai daí!
Sem escutar mais uma palavra de Hannah, null foi falar com o homem, dizendo-lhe para ir encontrar com a amiga. Ele agradeceu a dica e foi até a mulher do outro lado do bar. null lançou um beijo no ar para Hannah, que deu uma piscadinha em agradecimento enquanto começava a conversar com o dançarino gostoso.
– null, você precisa me ajudar.
Kyle estava atrás de null, puxando-a para um canto.
– O que foi?
– Algum vampiro acabou de matar 22 pessoas na cidade.
– 22?!
– Sim. Ele está por aqui. Precisamos matá-lo.
– E Hannah?
– Ela vai ficar bem.
Os dois se viraram só para encontrar a amiga trocando saliva com o dançarino.
null assentiu e seguiu Kyle.
Do lado de fora, as ruas estavam totalmente vazias. null quis parar em um beco para vomitar todo o álcool antes de ir para a missão com Kyle. Ela já tinha acompanhado-o em algumas missões, mas nunca tinha matado um vampiro. Não queria começar a fazê-lo naquela noite.
null começou a colocar pra fora todo o álcool e os petiscos que havia comido naquela noite e pediu que Kyle ficasse longe. Havia levado uma garrafa de água que comprara no bar antes de sair da boate e usou-a para lavar a boca antes de voltar.
Mas Kyle tinha desaparecido.
null olhou ao redor, mas a rua estava totalmente vazia. Ouviu um baque surdo atrás de si e virou-se para ver o que era.
Kyle. Kyle sem cabeça.
Ela agradeceu por já ter vomitado, porque senão o faria agora. O corpo havia sido jogado ali e null logo viu o assassino. Eram 23 mortes, agora.
– null?!
Aquele monstro não se parecia nada com null. Seu rosto estava coberto de sangue, assim como seus braços e a roupa. Havia sangue até nas pontas dos cabelos claros, o que tornava a imagem ainda mais assustadora. Sua expressão estava mais amadurecida e ele parecia um homem e não um adolescente assustado, como da última vez que null o vira. O brilho de seus olhos também havia sumido.
– Olhe pra mim, null.
null fez esforço para conseguir olhá-lo. Ver null coberto de morte era simplesmente assustador demais.
– Olhe para o que eles fizeram comigo. Eu vou matar todos eles, null.
– Pare de matar, null! Você não é assim. Não se lembra da nossa conversa? Nós não somos nossos pais!
– Eles nos separaram, null! Eu vou matar todos que me separaram de você!
– null, não...
– Eu ainda te amo, null.
E dizendo isso, null correu para longe. Correu tão rápido que null não conseguiu acompanhar. Tudo que pode fazer foi observá-lo fugir mais uma vez e tentar não pensar em seus olhos frios e sem expressão.
– Pai? Pai! – null gritou quando abriu a porta de casa. Já desconfiava de que a encontraria vazia, mas queria ter certeza.
null pegou o carro de Kyle, que tinha deixando a chave com ela, por sorte. Ela preferia ir para casa a pé a ter que pegar a chave nos bolsos do corpo dele.
Correu por toda a casa, procurando marcas de sangue ou de qualquer outra coisa, mas não encontrou nada. Por fim, desceu até o porão, decidida a pegar algumas armas de seu pai antes de ir atrás de null, não que ela pretendesse matá-lo. Na verdade, ela só queria que ele parasse um pouco para ouvi-la e então tudo voltaria ao normal. A saudade estava destruindo seu peito e ela precisava desesperadamente abraçar null sem um manto de sangue ou mentiras envolvendo-os.
O estoque do pai estava vazio. null não entendeu o motivo, pois isso nunca acontecia. Pegou uma arma comum que estava escondida em outro lugar do porão, longe do estoque de Patrick. Por causa de todo o negócio de caçador, ela sabia usar uma arma. Sabia como caçar, mesmo que fosse uma coisa da qual não se orgulhava.
Sabia onde encontrar null.
Ele era uma pessoa dramática e com certeza estava no parquinho onde se conheceram. Foi ali que a tragédia começou e era ali que null pretendia acabá-la. Sem tempo para trocar o vestido cinza, null correu para o parquinho.
A casa da árvore já não existia mais, pois fora destruída por uma chuva forte, anos atrás. De resto, estava tudo como antes. null seguiu para onde o labirinto ficava. Respirou fundo e, quando estava prestes a entrar, pisou em algo que, definitivamente não era grama.
A camiseta de null. Totalmente encharcada de sangue. Suas mãos chegaram a ficar vermelhas só de tocar o tecido.
Ela estava com medo dele, mas não queria encontrá-lo morto.
Tirou os saltos e, descalça, adentrou o labirinto.
Can’t turn back now
null ouviu tiros. Seu coração pulou no ritmo de cada estourou, fazendo seus cabelos se arrepiarem. Estava na metade do labirinto, exatamente onde ela e null haviam parado, anos atrás. Novamente, não havia outra escolha; ela não podia demorar muito, pois eles estavam por ali. Porém, se caísse, voltaria ao começo do labirinto.
Mais tiros.
null resolveu arriscar.
Estava mais alta do que da primeira vez que subiu naquelas paredes, mas agora também tinha pés mais largos. Sendo assim, era difícil se equilibrar no muro, mas ela se concentrou e se focou em um ponto fixo ao longe.
A imagem assustadora do cemitério tirou seu fôlego. Caminhando em passos apressados, porém cuidadosos, ela começou a correr. Não sabia se decidir se o silêncio era mais assustador que os tiros, mas tinha certeza de que estava assustada. Pela primeira vez na vida, null admitia que estava com medo de alguma coisa.
Chegar ao final do labirinto foi bem mais fácil do que da última vez. Os portões do cemitério eram altos, mas estavam arrombados, o que confirmava ainda mais suas suspeitas. Eles estavam lá.
Uma vez que null entrasse no cemitério, não havia volta. Era matar ou morrer e ela sabia disso. Queria acreditar que null pararia e a escutaria, mas não seria assim.
Destravou a arma e adentrou o cemitério.
Andava atenta pelas lápides quando algo puxou seu tornozelo. Em um impulso, apontou a arma para baixo e atirou no que estava tocando-a. Depois, ela prestou atenção, seu rosto se retorcendo em uma expressão horrorizada quando percebeu que havia matado alguém.
George null.
O homem estava tão desfigurado que era óbvio que alguém havia deixado-o lá para morrer. null havia adiantado o processo, apenas.
Isso não a fazia sentir-se melhor ou menos horrorizada.
Chorando lágrimas de medo, null voltou a correr pelo cemitério, com a arma em punho.
Ouviu passos e tentou ficar parada, em silêncio, mas sua respiração acelerada a denunciava. Fechou os olhos e rezou para que o que quer que estivesse por ali simplesmente fosse embora.
– null! Por Deus!
Ela abriu os olhos, encontrando o pai. Ele tinha uma das maiores armas que ela já vira na vida nas mãos e estava empunhando-a; fazia sua pistola comum parecer de brinquedo.
– O que está fazendo aqui?! Precisa ir embora agora! – ele murmurou, falando o mais baixo possível. null notou as mãos cobertas de sangue do pai.
Havia tanto sangue! Todos que encontrava estavam banhados pelo líquido rubro. Percebeu que não era uma exceção, pois seus tornozelos estavam respingados de sangue por causa de George e suas mãos estavam sujas por causa da camiseta.
– Vá embora, null. Estou mandando!
E então o pai desapareceu novamente no meio das lápides. Ela relaxou um pouco por ver que ele estava bem, mas null ainda estava por aí, matando.
E ela não podia deixar null.
Ignorando as ordens do pai, voltou a andar pelo cemitério, dessa vez com a arma empunhada melhor e uma confiança disfarçada de determinação. Ela não ia embora sem null.
Ouviu gritos. E então tiros. Não sabia dizer qual barulho era mais alto, mas seguiu sua direção, a arma em sua frente. Estava difícil de enxergar e seu vestido ficava preso em alguns crucifixos e anjos com as mãos erguidas para os céus, como se estivessem tentando puxá-la de volta para o portão do labirinto. Ela apenas se desvencilhou e continuou seu caminho atrás do som.
Quando encontrou os autores dos gritos e tiros, preferiu que não tivesse.
Havia chegado ao centro do cemitério, onde não havia nada além de grama. As lápides formavam um círculo perfeito ali e a grama parecia mais verde. Exceto que estava manchada com mais sangue.
null estava ali no meio, parado como um monstro. Seu pai estava pendurado na boca do vampiro, que tirava as últimas gotas de sangue de Patrick, antes de finalmente deixar o corpo cair, inerte, no chão.
Patrick estava morto. E null havia matado-o.
null gritou.
I’m haunted
– O que você fez, null?! – null gritou, sem conseguir processar o que estava acontecendo. Seu pai não podia estar realmente morto.
– Eu destruí todos os motivos que nos separavam. – ele respondeu, com uma voz triste. Começou a se aproximar de null, mas ela deu passos para trás, não deixando que ele chegasse perto – Está fugindo de mim, null?
null não respondeu.
– Droga! – ele ralhou e null quase sentiu-se nostálgica. Se não houvesse tanto sangue derramado ao seu redor, poderia dizer que null estava agindo como o mesmo garoto de 16 anos por quem ela era apaixonada – Eu estraguei tudo, não foi? Eu me tornei um dos motivos que nos separam, não é?
null começou a chorar copiosamente. O coração de null não se comoveu com aquilo, porque aquele não era o seu null. Aquele monstro não era o homem que ela amava.
– Não. Não é, null. Está tudo bem agora.
null levantou os olhos, com esperança. Correu em direção a null, abraçando-a. A garota sentiu vontade de vomitar por causa de todo o sangue que havia no corpo dele. Sangue de Kyle. De George. De Patrick. Era coisa demais para simplesmente esquecer.
null posicionou a arma na cabeça de null.
– null...?
– Você não é o meu null.
E então puxou o gatilho.
O corpo de null caiu aos seus pés e ela correu para pegar a arma que havia perto de seu pai. Sabia que uma arma comum não mataria null, mas uma daquelas que o pai carregava, sim. Atirou contra ele algumas vezes, chorando e odiando ver o rostinho angelical que null possuía ser destruído pelo monstro que ele não era.
No final, não sobrara nada de null.
Não sobrara nada de null também. Pegou a arma e a colocou na boca, dando outro tiro.
Caiu morta ao lado de null.
Como em uma tragédia de Shakespeare.
Eu sempre soube disso
Mas nunca pensei que viveria para vê-la se romper
Nunca pensei que veria isso
Fim.
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