Capítulo Único
Por
Londres — 2015
Encarei o espelho e gostei do que eu vi. A maquiagem estava impecável e os cabelos soltos com pequenos cachos em suas pontas. Minha roupa estava adequada e havia feito questão de escolher minha melhor roupa, afinal, hoje seria um grande dia, o melhor dia de toda a minha vida. O dia de mostrar a ele que o mundo dava voltas e em uma dessas voltas, ele podia surpreender, e como. E era hora de entrar em ação, afinal, foi exatamente pra isso que eu voltei pra Londres e não iria desistir porque meu troféu seria suas lágrimas, sua dor, sua humilhação e ele iria sentir na pele o que era sofrer e não ter ninguém pra lhe ajudar.
— Bom dia, senhorita — minha secretária sorriu e eu sorri de volta.
— Com certeza será um bom dia — sorri e peguei os recados que estavam em sua mesa — Um ótimo dia pra você.
“Pode vir aqui fora um minutinho?” xx
“Claro, lindo.” xx
Caminhava em passos apressados até encontrá-lo no meio do escritório, segurando um buquê de rosas vermelhas, e eu sabia que era o momento que estava esperado durante todas aquelas quatro semanas que passei com ele, fingindo ser quem ele queria, fingindo ser a e não quem eu realmente sou.
— O que é isso? — sorri e ele pediu a atenção de todos.
— — sorriu e fingi um sorriso, afinal, não estragaria tudo, não agora — Há dois meses você entrou nesse escritório e quando olhei pra você, eu pensei: “Oh, meu Deus, essa é a nora que minha mãe pediu”. Mas não foi fácil conquistá-la, foi um mês de conversas, foras e vários “nãos”, mas um dia ela, enfim, aceitou me deixar conhecê-la melhor e também me conhecer melhor. Cada minuto do mês que passei ao lado dessa mulher me fez perceber que ela é tudo que eu sempre quis, mesmo sem saber, era alguém como ela, e eu sou tão sortudo por ter encontrado. — e ele sorria parecendo tão feliz que uma ponta de remorso tentou me atingir, mas não deixei e logo fiz questão de lembrar que o mesmo não sentiu isso quando fodeu minha vida.
— Awnn!! — podia escutar as vozes dos nossos colegas de trabalho que estavam animados mesmo sem saber que tudo era um plano, tudo era planejado antes mesmo de colocar meus pés na empresa, tudo foi pensando e repensado por cinco anos.
— Na frente de todas essas pessoas, quero dizer que eu estou apaixonado por você — se ajoelhou e me aproximei dele. Não tinha mais voltas e eu sabia disso — você quer namorar comigo? — seus olhos brilhavam e tentei não focar neles, porque eu precisava fazer isso.
Cinco anos de dor que guardei pra mim, mas que estavam prestes a ser compartilhada com todas as pessoas. Tinha noção do que eu faria, iria fazê-lo se sentir totalmente humilhado, mas era necessário e eu tinha lutado muito para conseguir levar essa vingança a diante. Não iria me deixar levar pela noite anterior ou por esse sentimentalismo ou pelos lindos e intensos olhos do homem que eu amava, mas que não deveria amar. E era a hora do show, a hora da vingança, o dia que eu esperei nos últimos cinco anos.
— Não! — seus olhos estavam confusos, mas, logo ele entenderia perfeitamente — eu nunca aceitaria namorar com você.
— , o que houve? — ele já havia se levantado e era melhor assim, pelo menos seria uma humilhação a menos.
— Você foi apenas uma vingança — sorri e todos, inclusive o mesmo, me olhava incrédulo — você achou mesmo que eu gostava de você? Eu sentia nojo todas as vezes que você me beijava. E foi por isso que não fiz amor com você, porque eu não queria me sentir suja por completo.
— , o que você…
— Cala a porra da boca — gritei e sentia os olhares em nós dois — Eu tinha doze anos quando começou a me humilhar diariamente, tornando a minha vida escolar e pessoal ainda pior do que era. O seu show partícula,r onde a vítima era eu. Ele zombava da menina que tinha mais problemas do que alguém da idade dela deveria ter, mas ele era sujo, gostava de pegar a dor das pessoas e transformá-las em algo cada vez pior. No segundo ano do ensino médio, ele me causou a pior humilhação que já sofri em toda a minha vida e olha que não foram poucas. E um dia, não sei por que, decidi ir naquela festa. Talvez fosse porque meus pais brigavam sem parar e quebravam toda a mobília da casa e eu quis fugir daquilo e entrei no primeiro lugar que encontrei. E então um rapaz, ou melhor, , se aproximou e usou minha fragilidade contra mim mesma. Eu o amava sim, amava e eu estava triste, desesperada, vendo meus pais sendo rudes um com o outro. E quando ele se aproximou, eu não entendi, mas eu queria que fosse verdade. Ah, meu Deus, eu pensei que fosse verdade quando senti aqueles lábios encostando nos meus e me causando sensações maravilhosas. Já tinha sido beijada por um cara, mas nunca alguém tinha conseguido me fazer ter borboletas no estômago, ter as pernas bambas ou então, senti vontade de sorri e há muito tempo não sentia isso.
— Eu não quero ouvir mais, por favor…
— Você vai ouvir. Isso me matou por anos e anos, mas eu quero que você sinta cada palavra e veja a merda que você é — seu olhar estava triste — e enquanto eu pensava que estava sendo beijada de verdade, adivinha? Era mais uma das suas idiotices. Lembro como se fosse até hoje as palavras de uma das putas do seu grupinho: “, parabéns os duzentos dólares são seus, cumpriu com a aposta e beijou a esquisita.”. Eu tinha sido uma aposta suja entre pessoas idiotas, tem noção do que isso faz com você? Da forma que isso fode sua vida fodida? Eu estava naquela festa pra esquecer dos meus problemas com minha família e tive a pior humilhação da minha vida. Todos riam de mim, todos apontavam para a gorda, nerd e esquisita. E ele não pediu desculpas, ele não se mostrou arrependido, pelo contrário, ainda na minha frente, pegou o dinheiro sujo e guardou em seu bolso. Eu pensei por muito tempo como ele conseguiu usar esse dinheiro, mas ele era um bêbado, um idiota, um drogado que precisava manter seu vício e eu era uma oportunidade de dinheiro fácil. é uma farsa criada para me ajudar no meu plano de te fazer sentir o que eu senti. Nunca existiu essa mulher perfeita que você ficou apaixonado. Sempre foi a , a gorda que você sempre humilhou, mas ela fez uma porção de tratamentos para conseguir emagrecer, não usa mais os óculos, não usa mais as roupas largas, porém eu sou a mesma pessoa que teve sua vida fodida desde o dia que nasceu e em todos os dias da minha vida eu fui infeliz. Mas olhando pra você ai, humilhado na frente de todos, eu não consigo rir igual você fez há cinco anos. Eu sinto pena, muita pena. A senhora e seu irmão não mereciam sofrer ½ do que sofreram por sua culpa, por suas merdas, por seus amigos idiotas, por você ser uma vergonha de pessoa.
— O emprego foi uma farsa? — ele estava sem reação — não existe?
— Soube da oportunidade de emprego através de um professor da universidade e eu sabia que trabalhava aqui, ou seja, a oportunidade perfeita pra acabar com você, seu merda — meu sorriso era falso perto das verdadeiras lágrimas que queriam sair, mas não hoje, não hoje — é uma personagem criada para destruir um homem que ferrou com a minha vida. Sou e sempre fui e você foi enganado, . Qual a sensação de não causar dor e sim, sentir essa dor?
— É horrível — sua voz estava fraca — doí no fundo da alma.
— E assim que você vai ficar todas as vezes que lembrar de mim — olhava dentro dos seus olhos — é assim que vai ficar todas as vezes que lembrar da dor que causou a mim e assim que você merece, e eu quero que esteja. — o empurrei e saí o mais rápido possível e me tranquei em minha sala. Arrumei as minhas coisas, afinal, não tinha mais motivo para estar ali porque minha vingança estava concluída e eu deveria estar feliz, mas não, eu não estava.
Por
Londres — 2010
— O que vocês fariam por duzentos dólares — Nanete chamou a atenção de todos e nos viramos para encará-la com um sorriso diabólico em seu rosto. Vindo dela, com certeza, não era algo bom.
— Tudo — brinquei — Porra, duzentos dólares. É muito dinheiro.
— Tudo mesmo? — os olhos da garota brilhavam.
— Não, Nanete — Emma sorria — não vai aceitar fazer isso.
— Porra, vocês enrolam demais — Clark parecia impaciente — Nanete e Emma, querem dar uma lição na esquisita da .
— Por que diabos apostar duzentos dólares com essa garota? — não conseguia entender.
— Não gosto dela — Nanete franziu o cenho — e isso é o suficiente.
— Vai fazer ou não? — Emma estava impaciente.
— Faço — sorri — tudo pelo dinheiro, baby.
— Daqui a duas semanas terá o show da banda — Nanete sorria e assenti que sim — você vai beijá-la na frente de todo mundo e o restante deixa comigo. — apenas assenti com a cabeça e seria divertido fazer a esquisita achar que alguém gosta dela.
Naquela época, eu era um merda que só pensava em beber, transar e agir como um idiota com os meus amigos. Éramos imbecis, não tínhamos limites e no meio do caminho, deixamos muitas pessoas tristes pelas merdas que fizemos. Tinham se passado cinco anos e eu não era mais aquele idiota que um dia aceitou fazer de uma garota uma aposta. Não era mais o que humilhava a garota acima do peso que escondia seus olhos atrás de um óculos, e ela definitivamente não era mais a que era o alvo fácil de piadas, porque hoje ela tinha feito de mim o seu alvo fácil para fazer comigo, o que eu fizera a cinco anos atrás.
Londres — 2015
Seus cabelos estavam presos em um coque frouxo e com calma analisava os papeis em sua mesa. Poderia observá-la por horas e horas que não me cansaria ou enjoaria. era diferente de todas as mulheres que havia conhecido e eu queria aquela mulher pra mim e não me permitiria desistir de conquistá-la.
— ? — sua voz me assustou e em seus lábios tinha um sorriso doce.
— Desculpe incomodá-la, mas você é tão linda que não me canso de olhá-la.
— Eu sei — sorria — tenho espelho em casa. — a porta do seu escritório foi fechada e ela não era fácil, mas ela não me conhecia e por isso não sabia que “determinação” era meu sobrenome.
A dor que causei naquela mulher foi tão forte que a mesma carregou com si mesma por cinco anos uma raiva que se transformou em uma vingança e ela poderia comemorar porque não só tinha me humilhado, mas me fez descobrir o que era ter o coração quebrado. Nunca existiu “ ” na verdade, era apenas , uma mulher que quis se vingar do babaca que a humilhou por anos e por duzentos dólares havia concordado com a porcaria de aposta que envolveu beijá-la, humilhá-la na frente de todas as pessoas da escola. Se eu mereço? Sim, merda, eu merecia sofrer isso e muito mais. Se eu pudesse apagar alguma coisa da minha vida, com certeza seria a dor que causei aquela garota. E ela tinha razão, era apenas uma menina que já tinha problemas suficientes para vir um merda se amostrar pros amigos e envolvê-la em uma aposta.
Londres —2010
— — a chamei e ela me olhava sem entender — não pensei que fosse encontrá-la por aqui.
— Ah, por favor, não começa com os insultos ou…
— Calma, gata — me aproximei e ela estava nervosa ótimo — não é minha intenção fazer mal a você, pelo contrário.
— O que você está dizendo? — e eu sentia que suas pernas tremiam e ela estava nervosa. Ótimo, a gorda se sentia atraída por mim e isso seria ainda mais divertido. Sua pele se arrepiou quando meus dedos passearam pelo seu rosto e ela fechou os olhos e quando olhei pro lado meus amigos gargalhavam, mas não podia fazer o mesmo, afinal, a brincadeira ainda não tinha terminado e faltava a cartada final.
— , o que você… — fechei os olhos e tentei imaginar que era alguma gostosa na minha frente e não a gorda esquisita, a nerd que vivia rodeada pelos seus livros, a puritana que usava saias longas e que nunca vira com algum garoto. Encostei meus lábios no dela e ela tentou recuar, mas não deixaria, não agora que cheguei tão perto de ganhar meu dinheiro. Minha boca procurou pela sua e me surpreendi quando ela cedeu e deu passagem para a língua. Sentia nojo por beijar aquela garota, mas saber que ela seria humilhada, que ririam dela, que iria fazê-la chorar valia o sacrifício de beijá-la. Minhas mãos seguravam sua cintura e ela não desfazia nosso contato. Porra, por quanto tempo mais teria que beijá-la? Nanete disse que não demoraria para chegar e fazer sua parte? A garota estava entregue ao beijo e isso com certeza faria com que sua humilhação fosse ainda pior. Não sei por que, mas algo em mim dizia que pra ela aquilo não era apenas um beijo qualquer. Será que a esquisita era apaixonada por mim? Melhor ainda, os estragos seriam maiores.
— , parabéns, os duzentos dólares são seus — ouvi a voz da Nanete e em fim, pude cessar o beijo — cumpriu com a aposta e beijou a esquisita.
— Droga! — franzi o cenho e esfregava as mãos em minha boca — demoraram muito e não aguentava mais beijar esse troço. — Meus amigos gargalhavam e a gorda nos olhava com um olhar triste e era poucos segundos para as lágrimas rolar pelo seu rosto.
— Ah, ela vai chorar — gargalhei — a gorda achou o que? Que eu estava apaixonado por você?
— …
— Olha pra você — gargalhava — gorda, quatro olhos, nerd, esquisita, ou seja, tudo o que cara nenhum quer. Achou mesmo que logo eu poderia estar a fim de você?
— Você apostou? — as lágrimas rolavam no seu rosto e todos gargalhavam — me beijar?
— Você é surda? — guardei em meu bolso o dinheiro que Nanete havia me entregado — tão inteligente na escola, mas tão burra pra vida.
— Você vai se arrepender — sua mão estalou forte em meu rosto, mas só sentia vontade de rir da dor alheia bem na minha frente — você vai se arrepender.
— Isso é uma ameça? — brinquei e a empurrei — você é só uma gorda esquisita.
— Vamos ver. — enxugou as lágrimas e saiu correndo.
Aquelas pessoas não eram meus amigos ou se importavam comigo. Eram pessoas fúteis, idiotas, que achavam graça na dor das pessoas, mas a dois quando completei meus dezenove anos, decidi deixar de lado aquela vida, aquelas pessoas que nunca acrescentaram nada e sabia que nunca acrescentaria. Eu mudei muito e quando eu decidi fazer isso, sabia que os fantasmas do passado viriam me assombrar, mas eu não sabia, não esperava que minha maior vítima se tornaria a mulher por qual sou completamente apaixonado. Nossa vida era baseada nas consequências dos nossos atos e o que tinha acontecido há algumas horas foram anos e anos de dor guardada pra si mesma, até que decidira explodir. No passado, fui um cara idiota, irresponsável que um dia chegou a achar graça em ver alguém sofrer, mas hoje minha vida inteira passou diante dos meus olhos. Todas as pessoas que eu humilhei para me mostrar na frente dos meus “amigos”, todas as pessoas que eu fiz sofrer, todas às vezes que chegava em casa bêbado e mal conseguindo me manter em pé fazendo minha mãe se sentir uma porcaria por não conseguir ser uma boa mãe, todas as vezes que eu via a Mayara chorar na biblioteca porque mais uma vez havia zombado por ela estar acima do peso, por ela usar óculos, por ser nerd ou até mesmo por culpá-la pela vida de merda que levava. Não sabia de metade do que acontecia em sua vida e saber de tudo que ela passava, só me fez me sentir ainda pior.
— Não quer dividir? — meu irmão adentrou a sala do apartamento em que dividíamos — faz bem conversar com alguém.
— na verdade é a — meu irmão me olhava de uma forma estranha e eu sentia que ele sabia mais do que imaginei — Ah, meu deus, você sabia que ela não era quem dizia ser? Por que você não me contou?
— A reconheci assim que eu coloquei meus olhos nela. Apesar de não usar mais os óculos e ter emagrecido, ela continua a mesma — ele me olhava e eu queria socar meu irmão — não contei, primeiro: porque ela me pediu para não fazer isso e segundo: porque você precisava sofrer.
— Você é meu irmão — gritei — você deveria me alertar e não querer que eu sofra.
— Eu sou o seu irmão, , mas eu sou a prova viva das merdas que você fez — seu tom de voz estava alto — eu vi todas as pessoas que você magoou, eu via as suas idiotices. Como era mesmo a merda que chamava a ? “Gorda, estúpida”. Eu estava na porra daquele dia da aposta, na frente de todas aquelas pessoas que riram alto da humilhação que você e seus amigos a fizeram passar. E pode ter certeza que não teve ninguém ou um irmão que a alertou ou a protegeu. Então você não merecia isso.
— Julian, eu fui um merda, mas você, mais que ninguém, sabe que eu mudei de verdade. Deixei de andar com aquelas pessoas, comecei a estudar e até mesmo parei de beber — gritava — porra, você sabia que eu sofria todos os dias por todas as merdas que eu havia feito e por todas as pessoas que eu havia magoado, mas se você tivesse me contado que era ela, eu faria igual eu fiz com as outras pessoas, pediria desculpa olhando nos olhos dela.
— Você precisava mais do que isso — ele gritava — de todas as suas merdas aquela aposta foi a pior e você precisava ser humilhado, porque eu sabia que era isso que ela faria. Você precisava passar pelo que ela passou e até mesmo pior.
— Porra — taquei o copo de água no chão — eu não precisava me apaixonar por ela, eu não precisava me apaixonar pela pessoa que eu causei tanto mal que por erros do passado, não poderia nunca ser minha.
— Você se apaixonou por ela? — sua feição não era boa.
— Sim — lágrimas rolavam pelo meu rosto e nunca havia acontecido — eu me apaixonei por cada pedacinho daquela mulher e é por isso que doí tanto amar alguém que eu machuquei de uma forma que ela nunca esquecerá.
— Você sabe que ela nunca vai ficar com você, não sabe? — assenti que sim e fui até o bar — você acha que é bebendo que se resolve as coisas? Você está limpo há dois anos e justamente agora vai decidir se afundar de novo?
— Você quer que eu faça o que? — gritava — eu fodi tudo há cinco anos atrás, a vida inteira eu fui um merda de filho, de irmão. Precisei quase morrer pra perceber pra mudar, pra colocar um rumo na vida minha vida.
— Você tem que agir como um homem— sua voz era firme — você precisa encarar o maior fantasma do seu passado e mostrar a ela que você mudou, que você sofreu por nove meses dentro de uma reabilitação para dependentes químicos. Que você entrou pra faculdade, conquistou um estágio em uma empresa importante e que você se tornou humano.
— Não, Julian — peguei um refrigerante na geladeira — eu sempre vou ser o que tinha os amigos imbecis, que humilhava, que fazia apostas, que bebia até chegar no seu limite, que se envolveu com drogas…
— Para! — meu irmão gritou e ele estava com raiva. Era difícil pra ele lembrar daquela época onde nossa mãe chorou por dias, enquanto me internava em uma clínica para dependentes químicos — você era um merda sim, você era, mas você mudou, ou melhor, você nasceu de novo. Poderíamos ter perdido você quando quase teve uma overdose, mas não perdemos e você lutou muito para ser o que é hoje.
— O que eu faço? — as lágrimas molhavam meu rosto. As mesmas lágrimas durante nove meses na clínica sentindo vontade de beber e usar as drogas que havia me deixado viciado. As mesmas lágrimas libertadas todas as vezes que ia pessoalmente me desculpar pelas merdas do meu passado. — eu não aguento mais, Julian… eu não aguento mais ser assombrado por todas as minhas besteiras.
— Fala tudo que me disse, mas fale pra — sua voz era calma — conta pra ela de tudo que você passou, conta da clínica, das pessoas que você procurou pra se desculpar. Conta a sua vida pra ela e diz que a ama e não adianta dizer que não porque eu vejo em seus olhos. — ele se levantou e me deixou novamente sozinho com meus pensamentos. E ele tinha razão, eu não era mais o mesmo merda de cinco anos atrás, porém, eu precisava daquilo. Eu precisava sentir na pele o que era ter todos rindo, zombando da sua dor.
— Por que você está me olhando dessa forma? — ela sorria enquanto me fazia cafuné. E queria ver seu sorriso amanhã quando a pedisse em namoro na frente de todos nossos colegas de trabalho.
— Observando sua beleza única — e ela sorria — você é única, .
— Para de falar besteira — levantou-se e caminhou até a cozinha — sou uma mulher normal e não tenho nada de interessante.
— Ouviu o que você falou? — envolvi meus braços em sua cintura e podia sentir seu cheiro maravilhoso — você tem tudo de interessante. É inteligente, linda, engraçada, gostosa, dedicada, inteligente, especial, única…
— Nunca me elogiaram tanto. — ela sorriu e a apertei ainda mais contra meu corpo.
— Porque nunca a observaram de verdade — depositei um beijo em seu pescoço — basta te olhar de verdade pra perceber o quão única você é.
Meus lábios procuraram pelos seus e ela deixou algumas lágrimas escapar antes de ceder ao meu beijo. Minha língua circulava pela sua boca sugando-a com vontade. E era um beijo diferente mais cheio de sentimentos. Nunca uma mulher chorou enquanto a beijava, mas ela queria tanto quanto eu queria. As lágrimas em seu rosto desciam com mais intensidade e cessei o beijo para encará-la e ela escondeu o rosto em meu peitoral e abracei fortemente.
— Anjo — acariciava seus cabelos — por que está chorando?
— Você não pode gostar de mim — ela chorava — não pode gostar de mim.
— Por que meu anjo? — segurei seu rosto para encará-la — você é perfeita.
— Porque não pode — ela se afastou — você não pode se apaixonar.
— Mas eu me apaixonei por você — disse firme e se virou pra me encarar — eu estou apaixonado por você, .
— O pior de tudo é que eu sinto isso — ela abaixou seu olhar fitando o chão — eu sinto tudo até mesmo o que você não vê.
E ela me dava pistas várias e várias vezes, mas eu não percebi o seu recado. Ontem à noite, enquanto estávamos em seu apartamento, ela havia me dado a chance de ter lembrado dela e me desculpado, mas eu não a enxerguei de verdade e então tudo aconteceu da forma que aconteceu. E ela teve sua vingança e eu tive minha humilhação.
Por
Deveria estar me sentindo bem e feliz, mas eu não estava. Durante cinco anos alimentei um misto de raiva com tristeza por tudo que havia feito comigo. E no meio de toda aquela dor surgiu a ideia de vingança e estava determinada a fazer com ele o que ele fez comigo, mas iria além muito mais do que ele foi. Eu queria que ele me conhecesse e ficasse louco por mim. Queria que ele perdesse a cabeça por mim, que se apegasse, que desenvolvesse um sentimento até mesmo mais forte daquele que eu sentia por ele. E foi exatamente isso que aconteceu e não deveria estar tão triste como estou me sentindo. Não deveria ter chorado na noite anterior enquanto ele me dizia todas aquelas coisas, porém estar com ele durante esse tempo me fez descobrir que ainda o amava e não era pouco. Vê-lo fez reavivar um sentimento que pensei ter morrido no dia que me humilhou na frente de todas aquelas pessoas. Pensei que no final de tudo conseguiria rir assim como ele foi capaz, mas não, eu não consegui. Estive a ponto de contar tudo a ele, estive prestes a contar que não era a e sim, . Entretanto, ainda existia tanta raiva em meu coração, tanta dor que eu prossegui com essa farsa. Nas minhas imaginações eu não sofria, não sentia vontade de chorar, não sentia vontade de abraçá-lo, não sentia pena, mas na realidade eu senti tudo e até mesmo culpa por ter agido como ele, como alguém que eu nunca fui.
Londres – 2010
Não aguentava mais um dia naquela escola, aquelas pessoas… não poderia ter me apaixonado por aquele que faz dos meus dias os piores e não deveria querer bem que faz da minha vida um inferno. Pessoas como te fazia sentir vontade de dar fim a própria vida por conta das suas maldades e suas palavras rudes. E ele sabia o ponto fraco de cada pessoa e atacava sem dó nem piedade. E ele sabia todos os meus pontos fracos, um por um, até usá-los para me machucar na frente de todas as pessoas.
— Desculpa, eu não quis… — estava furioso e me abaixei para recolher as suas folhas caída no chão.
— Qual o seu problema? — gritou quando entreguei suas folhas — É tão gorda que não enxerga as pessoas na sua frente?
— Estava distraída e eu sinto muito. — tentei me afastar, mas ele não pararia pelo menos, não agora.
— “Eu queria que me amasse como eu te amo, queria que me beijasse como eu quero te beijar. Queria fazer dos seus braços meu lugar favorito…” — E ele ria, mas puxei o papel de suas mãos. Como era burra por ter escrito meus sentimentos e pior que pensei em entregar para ele, mas isso renderia uma piada para ele.
— Você é um idiota.
— Amor não é pra pessoas como você — apontou pra mim — ninguém vai te beijar como você quer ser beijada e ninguém vai querer te abraçar, porque uma pessoa como você é tudo que ninguém quer.
Naquele dia eu me tranquei em meu quarto e eu chorei agarrada ao meu travesseiro. Eu odiava a minha vida e odiava ainda mais ter alguém me fizesse me sentir ainda pior do que eu sou. Como se não bastasse, me olhar no espelho e sentir vontade de chorar por não gostar do que eu via, como se usar aqueles óculos que meus pais haviam feito questão de escolher porque segundo eles era o ideal pra uma pessoa como eu, ainda tinha ele, o cara mais idiota do mundo, porém o babaca que havia roubado meu coração de uma maneira que jamais foi de outro.
“Hauting”
“I was as pure as a river
But now I think I'm possessed
You put a fever inside me
And I've been cold since you left
I've got a boyfriend now and he's made of gold
You moved past your own mistakes in a bed at home
I'm hoping you could save me now but you break and fold
You've got a fire inside but your heart's so cold”
“'Cause I've done some things that I can't speak
And I've tried to wash away but you just won't leave
So won't you take a breath and dive in deep
'Cause I came here so you'd come for me”
Os meus fones de ouvidos estavam no último volume e eu não queria ouvir mais nada, nenhuma briga dos meus pais, nenhuma risada enquanto passava no corredor da escola, não queria ouvir a voz do ou dos seus amigos idiotas. Não queria mais viver nesse mundo cheio de pessoas doentes que usam a sua dor pra lhe causar mais dor ainda. Eles fazem você descobrir que o fundo do poço nunca é o mesmo e que ele pode se tornar ainda mais fundo. Eles te humilham sem se importar com o que você sente, sem se importar se o seu pai e sua mãe brigam todos os dias pra decidir quem vai embora, sem se importar que você tenha uma doença que acaba fazendo você engordar, ninguém se importa que você se sente sozinha muito sozinha. A porra do mundo não se preocupa ou para porque você está sofrendo.
“I'm begging you to keep on haunting
I'm begging you to keep on haunting me
I'm begging you to keep on haunting
I'm begging you to keep on haunting me”
“We walk as tall as the skyline
And we have roots like the trees
But then your eyes start to wander
They weren't looking at me
You were looking for me”
“'Cause I've done some things that I can't speak
And I've tried to wash away but you just won't leave
So won't you take a breath and dive in deep
'Cause I came here so you'd come for me”
“I'm begging you to keep on haunting
I'm begging you to keep on haunting me
I'm begging you to keep on haunting
I'm begging you to keep on haunting me”
“Gorda, estúpida”; “Baleia”; “Esquista”; “Você é desperdício de oxigênio”; “Seus pais deveriam ter usado camisinha e poupado o mundo de alguém como você”; esse era o meu mundo, a minha vida, a minha dor, a minha falta de vontade de viver, essa sou eu uma gorda que foca toda a sua dor nos livros, nos trabalhos… meu refúgio era estudar, porque era a única coisa que nunca me faz mal, pelo contrário, cada vez aprendia mais e mais. E eu sabia que um dia eu iria ser feliz mesmo que demorasse anos e anos eu não iria perder a esperança de ser feliz.
Com certeza não era a mesma , afinal, não morava mais com os meus pais. Tinha meu emprego em uma importante empresa, era uma das melhores alunas da minha turma na universidade e não era mais a gorda desastrada do ensino fundamental e médio. Depois de muito tratamento com meu médico, uma dieta acompanhada por nutricionistas aliada com exercícios físicos, eu consegui ter um corpo que não me fazia chorar todas as vezes que me olhava no espelho. Os óculos foram substituídos por lentes de contato que permitiram meus olhos escuros e intensos ficassem expostos. Meu guarda-roupa havia mudado e não usava mais roupas dois ou três tamanhos maiores, porque havia aprendido a usar o meu número.
Notei o homem alto conversando animadamente com um homem que aparentava ser poucos anos mais velho que ele e não deixei de reconhecer o dano daquele par de olhos e era ele, , ou melhor, o filho da puta que fodeu ainda mais a minha vida que já era fodida.
— A funcionária nova? — e ele se aproximou e me cumprimentou — prazer em conhecê-la, sou . — eu sei quem é você, eu sei o que você me causou, eu sei de tudo que é capaz.
— Sim, sou a nova funcionária — sorri fraco — Prazer em conhecê-lo. Sou a . — e ele sorria e mal ele sabia que esse sorriso em meu rosto era tão falso quanto meu nome.
Tinha esperanças que ele me reconheceria e pediria desculpas, mas ele não me reconheceu, ele não pediu desculpas e isso só fez alimentar a raiva dentro de mim me fazendo permanecer firme em minha vingança.
Lembrava que chorei por dias, e não queria ir para a aula, porém não poderia fugir pra sempre e no dia que voltei para as aulas eu gravei bem aquele sorriso vitorioso nos lábios de , porque queria fazer aquele sorriso sumir de uma vez por todas. Porém, naquele mesmo dia, quando cheguei em casa, minha mãe arrumava as malas e a guerra havia terminado. Iriamos morar em outra cidade, meu pai ficaria na casa e iriamos seguir com nossas vidas. Bom… na cidade nova onde morei nos últimos cinco anos a minha vida mudou da água para o vinho. Começando pelas brigas que já não existiam, na minha nova escola não tinha um ou seus amigos idiotas pelo contrário, sempre me respeitaram. Mas ao mesmo tempo que tive os melhores cinco anos da minha vida, eles foram também os piores, porque não tinha um dia sequer que eu não chorava por amar um cara como e foi ai que o amor foi dando lugar ao ódio, raiva e quando percebi já estava envolvida em uma vingança que prometi a mim mesma que não desistiria.
— Julian? — minha voz estava nervosa, afinal ele era irmão do cara que humilhei na frente de todos os colegas de trabalho — tudo bem, você não quer falar comigo, né?
— Não é isso, — sua voz estava calma — eu entendo você perfeitamente, mas é o meu irmão e ele está tão mudado...
— Tenho algo que preciso que entregue ao — minha voz estava falha e olhava para o envelope já amarelado devido os anos que estava guardado — pode entregar pra mim?
— Tudo bem, — sorriu fraco do outro lado da linha — posso conversar com você um pouco? Existem coisas que precisa saber.
— Sim, claro — sorri fraco — vou passar por mensagem o meu endereço e você vem buscar o que preciso que entregue e aproveite para falar o que precisa ser dito.
— Em meia hora nos encontramos. — finalizei a chamada e respirei fundo e estava na hora de receber aquela carta escrita por uma garota, apaixonada e iludida.
◊ ◊
A campainha tocou duas vezes e sabia que era Julian e caminhava até a porta, já preparada para lhe entregar algo que eu não queria mais guardar comigo e sabia que ele iria me dizer muitas coisas que poderiam me deixar arrependida das minhas atitudes nos últimos dois meses.
— Obrigada por vir — sorri fraco e dei espaço para que ele pudesse entrar — fico muito feliz que tenha aceitado entregar ao algo que guardei por muitos anos.
— Não precisa agradecer — sorriu e se acomodou em um dos sofás — antes de você entregar o que precisa, podemos conversar um pouco?
— Lógico! — sorri — ouvirei tudo que você quer dizer.
— Conheço ao a vida inteira e mais do que ninguém sei de todas as merdas que ele fez por muitos e muitos anos — ele me olhava e sua voz era tão triste — quando meu irmão completou dezenove anos, ele quase teve uma overdose depois de misturar drogas com bebidas e naquele dia, pensei que fosse perder o meu irmão mais novo e meu mundo parecia desabar. Porém, para nossa alegria, havia conseguido lutar pela sua vida, porém ele estava decidido a mudar, afinal, sua “quase morte” havia mexido com ele. Você já tinha ido embora há dois anos e por isso não soube de tudo. E ficamos surpresos quando ele implorou para que internássemos ele em uma clínica para dependentes químicos e foi nesse dia que começou uma luta dele contra ele mesmo. Foram nove meses preso em uma clínica e os médicos diziam que tinha dias que ele chorava desesperadamente porque precisava beber, precisava das drogas que havia o deixado viciado, porém depois de quase um ano, ele teve alta e meu irmão era outra pessoa. Se desculpou pessoalmente com todas as pessoas que havia feito mal, abandonou aqueles que pensava ser os seus amigos, estudou para o vestibular e conseguiu sua vaga. E ele havia encontrado um rumo para sua vida.
— Eu não sei o que falar, Julian — minha voz estava fraca — eu imagino o quanto todos sofreram e eu sinto muito mesmo porque eu não desejo a ninguém passar por situações como essa. Eu não quis humilhar o por um capricho idiota, sabe? Ele me humilhou por muito tempo e aquela aposta acabou comigo de vez.
— — me encarava e podia sentir pelo seu olhar que ele não estava com raiva — você tinha o direito de fazer o que bem entendia, afinal, de todas as pessoas, você foi a que mais sofreu pelas maldades do , mas hoje ele não é mais aquele babaca de dezessete anos e sim, um homem de vinte dois que mudou de verdade e que se culpa todos os dias pelo seu passado sombrio.
— O pior de tudo é que eu sinto isso — as lágrimas rolavam pelo meu rosto — eu cheguei perto de contar várias vezes e inclusive ontem, eu ia contar, mas eu lembrei daquela noite da aposta… Eu quis muito fazer ele sentir o mesmo e até pior do que eu, mas quando aconteceu eu não fiquei feliz, eu não sorri como ele fez comigo e parecia que nada daquilo havia me deixado melhor. Na verdade, eu apenas fui alguém que eu não sou.
— Você fez o que era necessário — sua voz era calma — faltava essa última etapa pro seguir com a vida dele e você fez isso, ou melhor, fez o necessário.
— Julian, eu não o odeio, pelo contrário, sempre amei — sorri e ele sorriu — mas ele e os amigos fizeram de mim uma aposta e nunca superei.
— O que foi feito não pode ser apagado — sorriu — errou com você no passado, mas você fez aquilo que achou necessário, mas eu vou te falar algo: não se trata a dor fazendo outra pessoa sofrer o mesmo, porque isso só torna de você alguém igual aquela pessoa que tanto te fez mal.
— Você tem razão, porque a única coisa que senti depois de tudo foi um remorso por ter feito o mesmo que ele — franzi o cenho e peguei o envelope velho e entregando na mão do Julian — essa é uma carta que eu escrevi a muito tempo e ele vai lembrar assim que ele lê as primeiras palavras. E eu senti que ele precisava dela porque nela descrevo meus sentimentos intensos e verdadeiros.
— Existe amor entre vocês — Julian sorriu fraco — pena que vocês estragaram tudo.
— No nosso caso, o amor não é apenas o necessário, durante anos fui assombrada pela sede de vingança — fui sincera — não temos confiança um no outro e sem isso nada consegue ir pra frente.
— Eu sei — se levantou e entendi que iria embora — e eu de verdade sinto muito porque eu sei que mesmo agindo como outra pessoa você estava feliz e ele também.
Por
Nunca chorei por nenhuma mulher, nunca soube o que era estar apaixonado até ela: aparecer na minha vida. E eu não sabia o que era o maldito envelope que meu irmão deixou na minha escrivanhia, mas reconheci sua letra e não conseguia me aproximar do envelope. O papel estava amarelado e isso me fez deduzir que não era algo recente e sim, antigo. As lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto porque eu sabia que novamente meu passado iria me dar uma bofetada na cara e dizer: — olha a grande merda que você foi.
De: ∞ Para:
(Lembra quando sem querer tropecei em você derrubando suas folhas? Então, aquela folha que você segurou e teve a oportunidade de ler as primeiras linhas era sobre mim, sobre você e tudo que eu sentia. Eu senti vontade de rasgar, mas não fiz e achei que hoje você, enfim é merecedor de recebê-la.)
02/01/2010
“Eu queria que me amasse como eu te amo, queria que me beijasse como eu quero te
beijar. Queria fazer dos seus braços meu lugar favorito. Eu queria que você fosse capaz de me enxergar de verdade e mesmo assim não fugir de mim. Você faz dos meus dias já ruins um verdadeiro caos, mas por que diabos eu fui me apaixonar por você? Quando você me humilha, eu sinto que não deveria te amar, mas eu continuo amando cada vez mais, cada dia mais intensamente. E eu sei que deveria te odiar por tudo que já me causou e sei que vai me causar, mas eu não consigo nem por um dia, nem por um segundo. Amo-te em segredo, em silêncio. Preciso colocar pra fora esse sentimento que me consome, me maltrata. Minha única companhia nesse quarto escuro são: essa caneta e essa folha. eu sei que você vai rir ou zombar do que eu sinto, mas tenho um fio de esperança que você não é esse babaca que todos pensam ser. Sei que no fundo bem no fundo você é uma pessoa que precisa de alguém de verdade não essas pessoas que você chama de “amigos”. Saiba que mesmo quando você me humilha não consigo dormir um único dia sem pedir a Deus que o proteja e te ajude a se livrar de todas as besteiras que você se enfiou. E eu sei que você tem algo do seu passado que afetou toda a sua vida e o fez se tornar assim tão, mais tão sujo. Eu consigo enxergar quando alguém não está bem, quando alguém finge que é feliz mesmo sabendo que seus dias são tristes, afinal convivo com uma realidade que está bem distante do que eu digo a todos e do que eu gostaria que fosse. Não vou me prolongar muito porque não sou boa com as palavras, mas eu quero que saiba que sempre vai ter a mim, sempre vai ter o meu amor.”
Com amor, .
— Julian? — gritei, mas ele não respondia — Julian cadê…
— Fala, . — segurava um livro e me olhava com um olhar de interrogação.
— Pode entregar algo a ? — sorri e ele negou com a cabeça.
— Desculpa, mas não sou “correio do amor”. — estava impaciente.
— Por favor, Julian entrega…
— Por que você não vai até ela? — colocou o livro em cima da mesa — por que não enfrenta isso como um homem? Diz tudo olhando pra ela e garanto que vai ser bem melhor do que mandar uma carta. Se ela quisesse palavras iria ler um livro, mas ela quer atitude.
— E se ela não quiser falar comigo?
— Continua falando — ele sorria — fala tudo que você tiver pra falar e se isso não for suficiente, bola pra frente e segue o baile.
— Você é um ótimo irmão — sorri e ele franziu o cenho.
— Sem sentimentalismo — sorriu e pegou o livro — vai ficar olhando pra mim ou vai atrás da sua garota?
Peguei as chaves do meu carro e enquanto esperava o elevador, organizava meus pensamentos para dizer tudo que estava preso dentro de mim. Precisava mostrar que eu havia mudado de verdade e estava disposto a fazê-la feliz todos os dias que estivéssemos juntos. Eu acreditava no que construímos nesse tempo em que estávamos juntos. Via dentro dos seus olhos que ela estava tão feliz quanto eu estava. Girei a chave e dei partida no carro pouco me importando com as multas que receberia por excesso de velocidade, mas eu precisava ser rápido ou então, ficaria com a eterna dúvida de saber se poderia ter dado certo. Quando estacionei em frente ao seu prédio, respirei fundo e adentrei seu prédio. Chegar no décimo segundo andar nunca demorou tanto, mas quando a porta do elevador abriu, respirei fundo e encarei a porta do seu apartamento. Mil coisas me passavam pela cabeça e teria que ser forte para encarar seus olhos e não esquecer das palavras. Apertei a campainha e os segundos foram uma tortura até que ela abriu a porta e seus olhos penetraram nos meus.
Sou completamente apaixonado por ela.
— …
— Por muito tempo eu te humilhei e eu sei que fui um babaca com você quando na verdade, nunca deveria ter feito o que fiz com você ou com todas as pessoas que passou pela minha vida. Era um babaca que descontava nas pessoas a dor que meu pai causou a minha mãe e consequentemente a mim e ao Julian — meus olhos estavam úmidos e ela me olhava com calma — nada justifica meus erros, mas eu realmente mudei. Abri meus olhos depois de quase morrer e perceber que aqueles imbecis nunca foram ou poderiam ser meus amigos porque amigos cuidam e não te arrastam para todos os tipos de merda que o mundo pode oferecer. Um dia estava na minha casa e ouvi uma conversa da minha mãe com meu irmão dizendo que não aguentava mais as merdas que eu fazia e me envolvia e foi nesse dia que eu usei drogas que nunca havia experimentado e lembro dos gritos, do choro e da minha mãe implorando aos meus médicos para me salvar. Ainda de olhos fechados, pude ouvir minha mãe chorar e agradecer a Deus por não ter me levado e aquele foi o meu limite e então, por conta própria, eu pedi para que me internasse em uma reabilitação. Fiquei sem contato com ninguém, sem internet. Tinha dias que eu achava que ia enlouquecer por não ter a droga, a bebida.... — as lágrimas rolavam pelo rosto e aquilo era horrível. Mexer no seu passado, na sua ferida que parece estar sempre aberta.
— Não precisa continuar. — parecia compreender o quanto aquilo me destruía.
— Mas eu consegui superar e estou limpo há muito tempo. Hoje em dia nem ao menos uma cerveja eu tomo porque passei a ter nojo só de sentir o cheiro. Cigarro, bebidas alcoólicas podem ser tão cruéis quanto as drogas “proibidas”. Eu senti na pele o que é sofrer pode ter certeza disso porque passar meses enfurnado em uma clínica para ficar limpo envolve muito mais do que largar o álcool, cigarro e drogas. Eu abri mão da minha vida, ou melhor, do que eu pensei que fosse uma. E então, quando eu percebi quem eu era eu descobri que não tinha amigos de verdade, não tinha uma garota especial mesmo dormindo com metade da escola, não tinha uma relação com a minha mãe, tinha um irmão, mas o afastei. Não tinha perspectiva de vida ou sonhos. Era completamente vazio. De sentimentos, de pessoas, de sonhos, de felicidade ou vontade de viver. Nada nunca vai justificar ou fazê-la esquecer que um dia alguém fodeu o que já era fodido o suficiente, mas eu to aqui sendo sincero e dizendo que se você quiser eu vou ser o melhor namorado do mundo. Todos os dias eu vou te amar tanto, mais tanto na tentativa de enfiar isso na sua cabeça e tentar apagar todas as feridas que eu causei a você. Não posso voltar no tempo e mudar tudo, mas eu posso te fazer rir todos os dias até que meu coração bata pela última vez.
— Eu nunca me arrependi de nada que eu fiz, mas hoje olhando pra você, eu me arrependo muito de não ter conversado, sabe? Talvez, tivesse te xingando, mandado ir a merda e até mesmo ter dado um tapa na sua cara ia ser o melhor e com certeza, eu não sofreria por me sentir tão suja. Eu falei de você, mas, na verdade, eu agi como o que me destruiu por anos e anos. Eu não sou mais aquela menina que se achava indefesa e que aceitava tudo que diziam que era o que ela merecia. Você não é mais o cara que destruía corações para se sentir feliz, ou seja, tudo poderia ter sido tão diferente, mas ferramos tudo....
— Não, — me aproximei e senti sua pele se arrepiar quando meu polegar passeou pelo seu rosto — não ferramos nada porque pra ferrar algo ele primeiro precisa existir. Aquela não era a apenas alguns detalhes dela e aquele não era o que você conhecia, mas é o que ele se tornou.
— Eu não sei. — sorriu sem humor.
— Eu estou disposto a tentar e você ? — me encarava e seus olhos estavam indecisos e sentia isso pelas suas mãos tremendo.
— Uma chance é a única coisa que sou capaz — sorriu e seus olhos estavam úmidos — dou a mim mesma e a você uma chance de nos fazermos felizes.
— Eu te amo, . — me aproximava cada vez mais e nossos olhos úmidos por chorarmos.
— Eu te amo, — e nossos lábios se abriram naturalmente formando sorrisos verdadeiros — sempre amei.
Minha boca procurou pela sua que logo foi correspondida com um beijo calmo. Não tinha pressa ou qualquer vestígio de urgência. Nossas bocas procuravam uma pela outra com calma, afinal tínhamos muito tempo para aproveitar tudo sem deixar escapar qualquer detalhe. Nossas línguas travavam uma guerra entre si, mas era bom, muito bom. Suas mãos seguravam firme os meus cabelos enquanto as minhas a apertavam ainda mais contra meu corpo. Naquela carta ela dizia: “queria fazer dos seus braços o meu lugar preferido”. Se depender de mim ela terá tudo que precisa ou que ainda nem sabe que precisa.
Era ela, era o meu verdadeiro eu e uma única chance.
Encarei o espelho e gostei do que eu vi. A maquiagem estava impecável e os cabelos soltos com pequenos cachos em suas pontas. Minha roupa estava adequada e havia feito questão de escolher minha melhor roupa, afinal, hoje seria um grande dia, o melhor dia de toda a minha vida. O dia de mostrar a ele que o mundo dava voltas e em uma dessas voltas, ele podia surpreender, e como. E era hora de entrar em ação, afinal, foi exatamente pra isso que eu voltei pra Londres e não iria desistir porque meu troféu seria suas lágrimas, sua dor, sua humilhação e ele iria sentir na pele o que era sofrer e não ter ninguém pra lhe ajudar.
— Bom dia, senhorita — minha secretária sorriu e eu sorri de volta.
— Com certeza será um bom dia — sorri e peguei os recados que estavam em sua mesa — Um ótimo dia pra você.
“Claro, lindo.” xx
— O que é isso? — sorri e ele pediu a atenção de todos.
— — sorriu e fingi um sorriso, afinal, não estragaria tudo, não agora — Há dois meses você entrou nesse escritório e quando olhei pra você, eu pensei: “Oh, meu Deus, essa é a nora que minha mãe pediu”. Mas não foi fácil conquistá-la, foi um mês de conversas, foras e vários “nãos”, mas um dia ela, enfim, aceitou me deixar conhecê-la melhor e também me conhecer melhor. Cada minuto do mês que passei ao lado dessa mulher me fez perceber que ela é tudo que eu sempre quis, mesmo sem saber, era alguém como ela, e eu sou tão sortudo por ter encontrado. — e ele sorria parecendo tão feliz que uma ponta de remorso tentou me atingir, mas não deixei e logo fiz questão de lembrar que o mesmo não sentiu isso quando fodeu minha vida.
— Awnn!! — podia escutar as vozes dos nossos colegas de trabalho que estavam animados mesmo sem saber que tudo era um plano, tudo era planejado antes mesmo de colocar meus pés na empresa, tudo foi pensando e repensado por cinco anos.
— Na frente de todas essas pessoas, quero dizer que eu estou apaixonado por você — se ajoelhou e me aproximei dele. Não tinha mais voltas e eu sabia disso — você quer namorar comigo? — seus olhos brilhavam e tentei não focar neles, porque eu precisava fazer isso.
Cinco anos de dor que guardei pra mim, mas que estavam prestes a ser compartilhada com todas as pessoas. Tinha noção do que eu faria, iria fazê-lo se sentir totalmente humilhado, mas era necessário e eu tinha lutado muito para conseguir levar essa vingança a diante. Não iria me deixar levar pela noite anterior ou por esse sentimentalismo ou pelos lindos e intensos olhos do homem que eu amava, mas que não deveria amar. E era a hora do show, a hora da vingança, o dia que eu esperei nos últimos cinco anos.
— Não! — seus olhos estavam confusos, mas, logo ele entenderia perfeitamente — eu nunca aceitaria namorar com você.
— , o que houve? — ele já havia se levantado e era melhor assim, pelo menos seria uma humilhação a menos.
— Você foi apenas uma vingança — sorri e todos, inclusive o mesmo, me olhava incrédulo — você achou mesmo que eu gostava de você? Eu sentia nojo todas as vezes que você me beijava. E foi por isso que não fiz amor com você, porque eu não queria me sentir suja por completo.
— , o que você…
— Cala a porra da boca — gritei e sentia os olhares em nós dois — Eu tinha doze anos quando começou a me humilhar diariamente, tornando a minha vida escolar e pessoal ainda pior do que era. O seu show partícula,r onde a vítima era eu. Ele zombava da menina que tinha mais problemas do que alguém da idade dela deveria ter, mas ele era sujo, gostava de pegar a dor das pessoas e transformá-las em algo cada vez pior. No segundo ano do ensino médio, ele me causou a pior humilhação que já sofri em toda a minha vida e olha que não foram poucas. E um dia, não sei por que, decidi ir naquela festa. Talvez fosse porque meus pais brigavam sem parar e quebravam toda a mobília da casa e eu quis fugir daquilo e entrei no primeiro lugar que encontrei. E então um rapaz, ou melhor, , se aproximou e usou minha fragilidade contra mim mesma. Eu o amava sim, amava e eu estava triste, desesperada, vendo meus pais sendo rudes um com o outro. E quando ele se aproximou, eu não entendi, mas eu queria que fosse verdade. Ah, meu Deus, eu pensei que fosse verdade quando senti aqueles lábios encostando nos meus e me causando sensações maravilhosas. Já tinha sido beijada por um cara, mas nunca alguém tinha conseguido me fazer ter borboletas no estômago, ter as pernas bambas ou então, senti vontade de sorri e há muito tempo não sentia isso.
— Eu não quero ouvir mais, por favor…
— Você vai ouvir. Isso me matou por anos e anos, mas eu quero que você sinta cada palavra e veja a merda que você é — seu olhar estava triste — e enquanto eu pensava que estava sendo beijada de verdade, adivinha? Era mais uma das suas idiotices. Lembro como se fosse até hoje as palavras de uma das putas do seu grupinho: “, parabéns os duzentos dólares são seus, cumpriu com a aposta e beijou a esquisita.”. Eu tinha sido uma aposta suja entre pessoas idiotas, tem noção do que isso faz com você? Da forma que isso fode sua vida fodida? Eu estava naquela festa pra esquecer dos meus problemas com minha família e tive a pior humilhação da minha vida. Todos riam de mim, todos apontavam para a gorda, nerd e esquisita. E ele não pediu desculpas, ele não se mostrou arrependido, pelo contrário, ainda na minha frente, pegou o dinheiro sujo e guardou em seu bolso. Eu pensei por muito tempo como ele conseguiu usar esse dinheiro, mas ele era um bêbado, um idiota, um drogado que precisava manter seu vício e eu era uma oportunidade de dinheiro fácil. é uma farsa criada para me ajudar no meu plano de te fazer sentir o que eu senti. Nunca existiu essa mulher perfeita que você ficou apaixonado. Sempre foi a , a gorda que você sempre humilhou, mas ela fez uma porção de tratamentos para conseguir emagrecer, não usa mais os óculos, não usa mais as roupas largas, porém eu sou a mesma pessoa que teve sua vida fodida desde o dia que nasceu e em todos os dias da minha vida eu fui infeliz. Mas olhando pra você ai, humilhado na frente de todos, eu não consigo rir igual você fez há cinco anos. Eu sinto pena, muita pena. A senhora e seu irmão não mereciam sofrer ½ do que sofreram por sua culpa, por suas merdas, por seus amigos idiotas, por você ser uma vergonha de pessoa.
— O emprego foi uma farsa? — ele estava sem reação — não existe?
— Soube da oportunidade de emprego através de um professor da universidade e eu sabia que trabalhava aqui, ou seja, a oportunidade perfeita pra acabar com você, seu merda — meu sorriso era falso perto das verdadeiras lágrimas que queriam sair, mas não hoje, não hoje — é uma personagem criada para destruir um homem que ferrou com a minha vida. Sou e sempre fui e você foi enganado, . Qual a sensação de não causar dor e sim, sentir essa dor?
— É horrível — sua voz estava fraca — doí no fundo da alma.
— E assim que você vai ficar todas as vezes que lembrar de mim — olhava dentro dos seus olhos — é assim que vai ficar todas as vezes que lembrar da dor que causou a mim e assim que você merece, e eu quero que esteja. — o empurrei e saí o mais rápido possível e me tranquei em minha sala. Arrumei as minhas coisas, afinal, não tinha mais motivo para estar ali porque minha vingança estava concluída e eu deveria estar feliz, mas não, eu não estava.
Por
— O que vocês fariam por duzentos dólares — Nanete chamou a atenção de todos e nos viramos para encará-la com um sorriso diabólico em seu rosto. Vindo dela, com certeza, não era algo bom.
— Tudo — brinquei — Porra, duzentos dólares. É muito dinheiro.
— Tudo mesmo? — os olhos da garota brilhavam.
— Não, Nanete — Emma sorria — não vai aceitar fazer isso.
— Porra, vocês enrolam demais — Clark parecia impaciente — Nanete e Emma, querem dar uma lição na esquisita da .
— Por que diabos apostar duzentos dólares com essa garota? — não conseguia entender.
— Não gosto dela — Nanete franziu o cenho — e isso é o suficiente.
— Vai fazer ou não? — Emma estava impaciente.
— Faço — sorri — tudo pelo dinheiro, baby.
— Daqui a duas semanas terá o show da banda — Nanete sorria e assenti que sim — você vai beijá-la na frente de todo mundo e o restante deixa comigo. — apenas assenti com a cabeça e seria divertido fazer a esquisita achar que alguém gosta dela.
Naquela época, eu era um merda que só pensava em beber, transar e agir como um idiota com os meus amigos. Éramos imbecis, não tínhamos limites e no meio do caminho, deixamos muitas pessoas tristes pelas merdas que fizemos. Tinham se passado cinco anos e eu não era mais aquele idiota que um dia aceitou fazer de uma garota uma aposta. Não era mais o que humilhava a garota acima do peso que escondia seus olhos atrás de um óculos, e ela definitivamente não era mais a que era o alvo fácil de piadas, porque hoje ela tinha feito de mim o seu alvo fácil para fazer comigo, o que eu fizera a cinco anos atrás.
Seus cabelos estavam presos em um coque frouxo e com calma analisava os papeis em sua mesa. Poderia observá-la por horas e horas que não me cansaria ou enjoaria. era diferente de todas as mulheres que havia conhecido e eu queria aquela mulher pra mim e não me permitiria desistir de conquistá-la.
— ? — sua voz me assustou e em seus lábios tinha um sorriso doce.
— Desculpe incomodá-la, mas você é tão linda que não me canso de olhá-la.
— Eu sei — sorria — tenho espelho em casa. — a porta do seu escritório foi fechada e ela não era fácil, mas ela não me conhecia e por isso não sabia que “determinação” era meu sobrenome.
A dor que causei naquela mulher foi tão forte que a mesma carregou com si mesma por cinco anos uma raiva que se transformou em uma vingança e ela poderia comemorar porque não só tinha me humilhado, mas me fez descobrir o que era ter o coração quebrado. Nunca existiu “ ” na verdade, era apenas , uma mulher que quis se vingar do babaca que a humilhou por anos e por duzentos dólares havia concordado com a porcaria de aposta que envolveu beijá-la, humilhá-la na frente de todas as pessoas da escola. Se eu mereço? Sim, merda, eu merecia sofrer isso e muito mais. Se eu pudesse apagar alguma coisa da minha vida, com certeza seria a dor que causei aquela garota. E ela tinha razão, era apenas uma menina que já tinha problemas suficientes para vir um merda se amostrar pros amigos e envolvê-la em uma aposta.
— — a chamei e ela me olhava sem entender — não pensei que fosse encontrá-la por aqui.
— Ah, por favor, não começa com os insultos ou…
— Calma, gata — me aproximei e ela estava nervosa ótimo — não é minha intenção fazer mal a você, pelo contrário.
— O que você está dizendo? — e eu sentia que suas pernas tremiam e ela estava nervosa. Ótimo, a gorda se sentia atraída por mim e isso seria ainda mais divertido. Sua pele se arrepiou quando meus dedos passearam pelo seu rosto e ela fechou os olhos e quando olhei pro lado meus amigos gargalhavam, mas não podia fazer o mesmo, afinal, a brincadeira ainda não tinha terminado e faltava a cartada final.
— , o que você… — fechei os olhos e tentei imaginar que era alguma gostosa na minha frente e não a gorda esquisita, a nerd que vivia rodeada pelos seus livros, a puritana que usava saias longas e que nunca vira com algum garoto. Encostei meus lábios no dela e ela tentou recuar, mas não deixaria, não agora que cheguei tão perto de ganhar meu dinheiro. Minha boca procurou pela sua e me surpreendi quando ela cedeu e deu passagem para a língua. Sentia nojo por beijar aquela garota, mas saber que ela seria humilhada, que ririam dela, que iria fazê-la chorar valia o sacrifício de beijá-la. Minhas mãos seguravam sua cintura e ela não desfazia nosso contato. Porra, por quanto tempo mais teria que beijá-la? Nanete disse que não demoraria para chegar e fazer sua parte? A garota estava entregue ao beijo e isso com certeza faria com que sua humilhação fosse ainda pior. Não sei por que, mas algo em mim dizia que pra ela aquilo não era apenas um beijo qualquer. Será que a esquisita era apaixonada por mim? Melhor ainda, os estragos seriam maiores.
— , parabéns, os duzentos dólares são seus — ouvi a voz da Nanete e em fim, pude cessar o beijo — cumpriu com a aposta e beijou a esquisita.
— Droga! — franzi o cenho e esfregava as mãos em minha boca — demoraram muito e não aguentava mais beijar esse troço. — Meus amigos gargalhavam e a gorda nos olhava com um olhar triste e era poucos segundos para as lágrimas rolar pelo seu rosto.
— Ah, ela vai chorar — gargalhei — a gorda achou o que? Que eu estava apaixonado por você?
— …
— Olha pra você — gargalhava — gorda, quatro olhos, nerd, esquisita, ou seja, tudo o que cara nenhum quer. Achou mesmo que logo eu poderia estar a fim de você?
— Você apostou? — as lágrimas rolavam no seu rosto e todos gargalhavam — me beijar?
— Você é surda? — guardei em meu bolso o dinheiro que Nanete havia me entregado — tão inteligente na escola, mas tão burra pra vida.
— Você vai se arrepender — sua mão estalou forte em meu rosto, mas só sentia vontade de rir da dor alheia bem na minha frente — você vai se arrepender.
— Isso é uma ameça? — brinquei e a empurrei — você é só uma gorda esquisita.
— Vamos ver. — enxugou as lágrimas e saiu correndo.
Aquelas pessoas não eram meus amigos ou se importavam comigo. Eram pessoas fúteis, idiotas, que achavam graça na dor das pessoas, mas a dois quando completei meus dezenove anos, decidi deixar de lado aquela vida, aquelas pessoas que nunca acrescentaram nada e sabia que nunca acrescentaria. Eu mudei muito e quando eu decidi fazer isso, sabia que os fantasmas do passado viriam me assombrar, mas eu não sabia, não esperava que minha maior vítima se tornaria a mulher por qual sou completamente apaixonado. Nossa vida era baseada nas consequências dos nossos atos e o que tinha acontecido há algumas horas foram anos e anos de dor guardada pra si mesma, até que decidira explodir. No passado, fui um cara idiota, irresponsável que um dia chegou a achar graça em ver alguém sofrer, mas hoje minha vida inteira passou diante dos meus olhos. Todas as pessoas que eu humilhei para me mostrar na frente dos meus “amigos”, todas as pessoas que eu fiz sofrer, todas às vezes que chegava em casa bêbado e mal conseguindo me manter em pé fazendo minha mãe se sentir uma porcaria por não conseguir ser uma boa mãe, todas as vezes que eu via a Mayara chorar na biblioteca porque mais uma vez havia zombado por ela estar acima do peso, por ela usar óculos, por ser nerd ou até mesmo por culpá-la pela vida de merda que levava. Não sabia de metade do que acontecia em sua vida e saber de tudo que ela passava, só me fez me sentir ainda pior.
— Não quer dividir? — meu irmão adentrou a sala do apartamento em que dividíamos — faz bem conversar com alguém.
— na verdade é a — meu irmão me olhava de uma forma estranha e eu sentia que ele sabia mais do que imaginei — Ah, meu deus, você sabia que ela não era quem dizia ser? Por que você não me contou?
— A reconheci assim que eu coloquei meus olhos nela. Apesar de não usar mais os óculos e ter emagrecido, ela continua a mesma — ele me olhava e eu queria socar meu irmão — não contei, primeiro: porque ela me pediu para não fazer isso e segundo: porque você precisava sofrer.
— Você é meu irmão — gritei — você deveria me alertar e não querer que eu sofra.
— Eu sou o seu irmão, , mas eu sou a prova viva das merdas que você fez — seu tom de voz estava alto — eu vi todas as pessoas que você magoou, eu via as suas idiotices. Como era mesmo a merda que chamava a ? “Gorda, estúpida”. Eu estava na porra daquele dia da aposta, na frente de todas aquelas pessoas que riram alto da humilhação que você e seus amigos a fizeram passar. E pode ter certeza que não teve ninguém ou um irmão que a alertou ou a protegeu. Então você não merecia isso.
— Julian, eu fui um merda, mas você, mais que ninguém, sabe que eu mudei de verdade. Deixei de andar com aquelas pessoas, comecei a estudar e até mesmo parei de beber — gritava — porra, você sabia que eu sofria todos os dias por todas as merdas que eu havia feito e por todas as pessoas que eu havia magoado, mas se você tivesse me contado que era ela, eu faria igual eu fiz com as outras pessoas, pediria desculpa olhando nos olhos dela.
— Você precisava mais do que isso — ele gritava — de todas as suas merdas aquela aposta foi a pior e você precisava ser humilhado, porque eu sabia que era isso que ela faria. Você precisava passar pelo que ela passou e até mesmo pior.
— Porra — taquei o copo de água no chão — eu não precisava me apaixonar por ela, eu não precisava me apaixonar pela pessoa que eu causei tanto mal que por erros do passado, não poderia nunca ser minha.
— Você se apaixonou por ela? — sua feição não era boa.
— Sim — lágrimas rolavam pelo meu rosto e nunca havia acontecido — eu me apaixonei por cada pedacinho daquela mulher e é por isso que doí tanto amar alguém que eu machuquei de uma forma que ela nunca esquecerá.
— Você sabe que ela nunca vai ficar com você, não sabe? — assenti que sim e fui até o bar — você acha que é bebendo que se resolve as coisas? Você está limpo há dois anos e justamente agora vai decidir se afundar de novo?
— Você quer que eu faça o que? — gritava — eu fodi tudo há cinco anos atrás, a vida inteira eu fui um merda de filho, de irmão. Precisei quase morrer pra perceber pra mudar, pra colocar um rumo na vida minha vida.
— Você tem que agir como um homem— sua voz era firme — você precisa encarar o maior fantasma do seu passado e mostrar a ela que você mudou, que você sofreu por nove meses dentro de uma reabilitação para dependentes químicos. Que você entrou pra faculdade, conquistou um estágio em uma empresa importante e que você se tornou humano.
— Não, Julian — peguei um refrigerante na geladeira — eu sempre vou ser o que tinha os amigos imbecis, que humilhava, que fazia apostas, que bebia até chegar no seu limite, que se envolveu com drogas…
— Para! — meu irmão gritou e ele estava com raiva. Era difícil pra ele lembrar daquela época onde nossa mãe chorou por dias, enquanto me internava em uma clínica para dependentes químicos — você era um merda sim, você era, mas você mudou, ou melhor, você nasceu de novo. Poderíamos ter perdido você quando quase teve uma overdose, mas não perdemos e você lutou muito para ser o que é hoje.
— O que eu faço? — as lágrimas molhavam meu rosto. As mesmas lágrimas durante nove meses na clínica sentindo vontade de beber e usar as drogas que havia me deixado viciado. As mesmas lágrimas libertadas todas as vezes que ia pessoalmente me desculpar pelas merdas do meu passado. — eu não aguento mais, Julian… eu não aguento mais ser assombrado por todas as minhas besteiras.
— Fala tudo que me disse, mas fale pra — sua voz era calma — conta pra ela de tudo que você passou, conta da clínica, das pessoas que você procurou pra se desculpar. Conta a sua vida pra ela e diz que a ama e não adianta dizer que não porque eu vejo em seus olhos. — ele se levantou e me deixou novamente sozinho com meus pensamentos. E ele tinha razão, eu não era mais o mesmo merda de cinco anos atrás, porém, eu precisava daquilo. Eu precisava sentir na pele o que era ter todos rindo, zombando da sua dor.
— Observando sua beleza única — e ela sorria — você é única, .
— Para de falar besteira — levantou-se e caminhou até a cozinha — sou uma mulher normal e não tenho nada de interessante.
— Ouviu o que você falou? — envolvi meus braços em sua cintura e podia sentir seu cheiro maravilhoso — você tem tudo de interessante. É inteligente, linda, engraçada, gostosa, dedicada, inteligente, especial, única…
— Nunca me elogiaram tanto. — ela sorriu e a apertei ainda mais contra meu corpo.
— Porque nunca a observaram de verdade — depositei um beijo em seu pescoço — basta te olhar de verdade pra perceber o quão única você é.
Meus lábios procuraram pelos seus e ela deixou algumas lágrimas escapar antes de ceder ao meu beijo. Minha língua circulava pela sua boca sugando-a com vontade. E era um beijo diferente mais cheio de sentimentos. Nunca uma mulher chorou enquanto a beijava, mas ela queria tanto quanto eu queria. As lágrimas em seu rosto desciam com mais intensidade e cessei o beijo para encará-la e ela escondeu o rosto em meu peitoral e abracei fortemente.
— Anjo — acariciava seus cabelos — por que está chorando?
— Você não pode gostar de mim — ela chorava — não pode gostar de mim.
— Por que meu anjo? — segurei seu rosto para encará-la — você é perfeita.
— Porque não pode — ela se afastou — você não pode se apaixonar.
— Mas eu me apaixonei por você — disse firme e se virou pra me encarar — eu estou apaixonado por você, .
— O pior de tudo é que eu sinto isso — ela abaixou seu olhar fitando o chão — eu sinto tudo até mesmo o que você não vê.
Por
Deveria estar me sentindo bem e feliz, mas eu não estava. Durante cinco anos alimentei um misto de raiva com tristeza por tudo que havia feito comigo. E no meio de toda aquela dor surgiu a ideia de vingança e estava determinada a fazer com ele o que ele fez comigo, mas iria além muito mais do que ele foi. Eu queria que ele me conhecesse e ficasse louco por mim. Queria que ele perdesse a cabeça por mim, que se apegasse, que desenvolvesse um sentimento até mesmo mais forte daquele que eu sentia por ele. E foi exatamente isso que aconteceu e não deveria estar tão triste como estou me sentindo. Não deveria ter chorado na noite anterior enquanto ele me dizia todas aquelas coisas, porém estar com ele durante esse tempo me fez descobrir que ainda o amava e não era pouco. Vê-lo fez reavivar um sentimento que pensei ter morrido no dia que me humilhou na frente de todas aquelas pessoas. Pensei que no final de tudo conseguiria rir assim como ele foi capaz, mas não, eu não consegui. Estive a ponto de contar tudo a ele, estive prestes a contar que não era a e sim, . Entretanto, ainda existia tanta raiva em meu coração, tanta dor que eu prossegui com essa farsa. Nas minhas imaginações eu não sofria, não sentia vontade de chorar, não sentia vontade de abraçá-lo, não sentia pena, mas na realidade eu senti tudo e até mesmo culpa por ter agido como ele, como alguém que eu nunca fui.
Não aguentava mais um dia naquela escola, aquelas pessoas… não poderia ter me apaixonado por aquele que faz dos meus dias os piores e não deveria querer bem que faz da minha vida um inferno. Pessoas como te fazia sentir vontade de dar fim a própria vida por conta das suas maldades e suas palavras rudes. E ele sabia o ponto fraco de cada pessoa e atacava sem dó nem piedade. E ele sabia todos os meus pontos fracos, um por um, até usá-los para me machucar na frente de todas as pessoas.
— Desculpa, eu não quis… — estava furioso e me abaixei para recolher as suas folhas caída no chão.
— Qual o seu problema? — gritou quando entreguei suas folhas — É tão gorda que não enxerga as pessoas na sua frente?
— Estava distraída e eu sinto muito. — tentei me afastar, mas ele não pararia pelo menos, não agora.
— “Eu queria que me amasse como eu te amo, queria que me beijasse como eu quero te beijar. Queria fazer dos seus braços meu lugar favorito…” — E ele ria, mas puxei o papel de suas mãos. Como era burra por ter escrito meus sentimentos e pior que pensei em entregar para ele, mas isso renderia uma piada para ele.
— Você é um idiota.
— Amor não é pra pessoas como você — apontou pra mim — ninguém vai te beijar como você quer ser beijada e ninguém vai querer te abraçar, porque uma pessoa como você é tudo que ninguém quer.
Naquele dia eu me tranquei em meu quarto e eu chorei agarrada ao meu travesseiro. Eu odiava a minha vida e odiava ainda mais ter alguém me fizesse me sentir ainda pior do que eu sou. Como se não bastasse, me olhar no espelho e sentir vontade de chorar por não gostar do que eu via, como se usar aqueles óculos que meus pais haviam feito questão de escolher porque segundo eles era o ideal pra uma pessoa como eu, ainda tinha ele, o cara mais idiota do mundo, porém o babaca que havia roubado meu coração de uma maneira que jamais foi de outro.
“Hauting”
“I was as pure as a river
But now I think I'm possessed
You put a fever inside me
And I've been cold since you left
I've got a boyfriend now and he's made of gold
You moved past your own mistakes in a bed at home
I'm hoping you could save me now but you break and fold
You've got a fire inside but your heart's so cold”
“'Cause I've done some things that I can't speak
And I've tried to wash away but you just won't leave
So won't you take a breath and dive in deep
'Cause I came here so you'd come for me”
Os meus fones de ouvidos estavam no último volume e eu não queria ouvir mais nada, nenhuma briga dos meus pais, nenhuma risada enquanto passava no corredor da escola, não queria ouvir a voz do ou dos seus amigos idiotas. Não queria mais viver nesse mundo cheio de pessoas doentes que usam a sua dor pra lhe causar mais dor ainda. Eles fazem você descobrir que o fundo do poço nunca é o mesmo e que ele pode se tornar ainda mais fundo. Eles te humilham sem se importar com o que você sente, sem se importar se o seu pai e sua mãe brigam todos os dias pra decidir quem vai embora, sem se importar que você tenha uma doença que acaba fazendo você engordar, ninguém se importa que você se sente sozinha muito sozinha. A porra do mundo não se preocupa ou para porque você está sofrendo.
“I'm begging you to keep on haunting
I'm begging you to keep on haunting me
I'm begging you to keep on haunting
I'm begging you to keep on haunting me”
“We walk as tall as the skyline
And we have roots like the trees
But then your eyes start to wander
They weren't looking at me
You were looking for me”
“'Cause I've done some things that I can't speak
And I've tried to wash away but you just won't leave
So won't you take a breath and dive in deep
'Cause I came here so you'd come for me”
“I'm begging you to keep on haunting
I'm begging you to keep on haunting me
I'm begging you to keep on haunting
I'm begging you to keep on haunting me”
“Gorda, estúpida”; “Baleia”; “Esquista”; “Você é desperdício de oxigênio”; “Seus pais deveriam ter usado camisinha e poupado o mundo de alguém como você”; esse era o meu mundo, a minha vida, a minha dor, a minha falta de vontade de viver, essa sou eu uma gorda que foca toda a sua dor nos livros, nos trabalhos… meu refúgio era estudar, porque era a única coisa que nunca me faz mal, pelo contrário, cada vez aprendia mais e mais. E eu sabia que um dia eu iria ser feliz mesmo que demorasse anos e anos eu não iria perder a esperança de ser feliz.
Com certeza não era a mesma , afinal, não morava mais com os meus pais. Tinha meu emprego em uma importante empresa, era uma das melhores alunas da minha turma na universidade e não era mais a gorda desastrada do ensino fundamental e médio. Depois de muito tratamento com meu médico, uma dieta acompanhada por nutricionistas aliada com exercícios físicos, eu consegui ter um corpo que não me fazia chorar todas as vezes que me olhava no espelho. Os óculos foram substituídos por lentes de contato que permitiram meus olhos escuros e intensos ficassem expostos. Meu guarda-roupa havia mudado e não usava mais roupas dois ou três tamanhos maiores, porque havia aprendido a usar o meu número.
— A funcionária nova? — e ele se aproximou e me cumprimentou — prazer em conhecê-la, sou . — eu sei quem é você, eu sei o que você me causou, eu sei de tudo que é capaz.
— Sim, sou a nova funcionária — sorri fraco — Prazer em conhecê-lo. Sou a . — e ele sorria e mal ele sabia que esse sorriso em meu rosto era tão falso quanto meu nome.
Tinha esperanças que ele me reconheceria e pediria desculpas, mas ele não me reconheceu, ele não pediu desculpas e isso só fez alimentar a raiva dentro de mim me fazendo permanecer firme em minha vingança.
Lembrava que chorei por dias, e não queria ir para a aula, porém não poderia fugir pra sempre e no dia que voltei para as aulas eu gravei bem aquele sorriso vitorioso nos lábios de , porque queria fazer aquele sorriso sumir de uma vez por todas. Porém, naquele mesmo dia, quando cheguei em casa, minha mãe arrumava as malas e a guerra havia terminado. Iriamos morar em outra cidade, meu pai ficaria na casa e iriamos seguir com nossas vidas. Bom… na cidade nova onde morei nos últimos cinco anos a minha vida mudou da água para o vinho. Começando pelas brigas que já não existiam, na minha nova escola não tinha um ou seus amigos idiotas pelo contrário, sempre me respeitaram. Mas ao mesmo tempo que tive os melhores cinco anos da minha vida, eles foram também os piores, porque não tinha um dia sequer que eu não chorava por amar um cara como e foi ai que o amor foi dando lugar ao ódio, raiva e quando percebi já estava envolvida em uma vingança que prometi a mim mesma que não desistiria.
— Julian? — minha voz estava nervosa, afinal ele era irmão do cara que humilhei na frente de todos os colegas de trabalho — tudo bem, você não quer falar comigo, né?
— Não é isso, — sua voz estava calma — eu entendo você perfeitamente, mas é o meu irmão e ele está tão mudado...
— Tenho algo que preciso que entregue ao — minha voz estava falha e olhava para o envelope já amarelado devido os anos que estava guardado — pode entregar pra mim?
— Tudo bem, — sorriu fraco do outro lado da linha — posso conversar com você um pouco? Existem coisas que precisa saber.
— Sim, claro — sorri fraco — vou passar por mensagem o meu endereço e você vem buscar o que preciso que entregue e aproveite para falar o que precisa ser dito.
— Em meia hora nos encontramos. — finalizei a chamada e respirei fundo e estava na hora de receber aquela carta escrita por uma garota, apaixonada e iludida.
A campainha tocou duas vezes e sabia que era Julian e caminhava até a porta, já preparada para lhe entregar algo que eu não queria mais guardar comigo e sabia que ele iria me dizer muitas coisas que poderiam me deixar arrependida das minhas atitudes nos últimos dois meses.
— Obrigada por vir — sorri fraco e dei espaço para que ele pudesse entrar — fico muito feliz que tenha aceitado entregar ao algo que guardei por muitos anos.
— Não precisa agradecer — sorriu e se acomodou em um dos sofás — antes de você entregar o que precisa, podemos conversar um pouco?
— Lógico! — sorri — ouvirei tudo que você quer dizer.
— Conheço ao a vida inteira e mais do que ninguém sei de todas as merdas que ele fez por muitos e muitos anos — ele me olhava e sua voz era tão triste — quando meu irmão completou dezenove anos, ele quase teve uma overdose depois de misturar drogas com bebidas e naquele dia, pensei que fosse perder o meu irmão mais novo e meu mundo parecia desabar. Porém, para nossa alegria, havia conseguido lutar pela sua vida, porém ele estava decidido a mudar, afinal, sua “quase morte” havia mexido com ele. Você já tinha ido embora há dois anos e por isso não soube de tudo. E ficamos surpresos quando ele implorou para que internássemos ele em uma clínica para dependentes químicos e foi nesse dia que começou uma luta dele contra ele mesmo. Foram nove meses preso em uma clínica e os médicos diziam que tinha dias que ele chorava desesperadamente porque precisava beber, precisava das drogas que havia o deixado viciado, porém depois de quase um ano, ele teve alta e meu irmão era outra pessoa. Se desculpou pessoalmente com todas as pessoas que havia feito mal, abandonou aqueles que pensava ser os seus amigos, estudou para o vestibular e conseguiu sua vaga. E ele havia encontrado um rumo para sua vida.
— Eu não sei o que falar, Julian — minha voz estava fraca — eu imagino o quanto todos sofreram e eu sinto muito mesmo porque eu não desejo a ninguém passar por situações como essa. Eu não quis humilhar o por um capricho idiota, sabe? Ele me humilhou por muito tempo e aquela aposta acabou comigo de vez.
— — me encarava e podia sentir pelo seu olhar que ele não estava com raiva — você tinha o direito de fazer o que bem entendia, afinal, de todas as pessoas, você foi a que mais sofreu pelas maldades do , mas hoje ele não é mais aquele babaca de dezessete anos e sim, um homem de vinte dois que mudou de verdade e que se culpa todos os dias pelo seu passado sombrio.
— O pior de tudo é que eu sinto isso — as lágrimas rolavam pelo meu rosto — eu cheguei perto de contar várias vezes e inclusive ontem, eu ia contar, mas eu lembrei daquela noite da aposta… Eu quis muito fazer ele sentir o mesmo e até pior do que eu, mas quando aconteceu eu não fiquei feliz, eu não sorri como ele fez comigo e parecia que nada daquilo havia me deixado melhor. Na verdade, eu apenas fui alguém que eu não sou.
— Você fez o que era necessário — sua voz era calma — faltava essa última etapa pro seguir com a vida dele e você fez isso, ou melhor, fez o necessário.
— Julian, eu não o odeio, pelo contrário, sempre amei — sorri e ele sorriu — mas ele e os amigos fizeram de mim uma aposta e nunca superei.
— O que foi feito não pode ser apagado — sorriu — errou com você no passado, mas você fez aquilo que achou necessário, mas eu vou te falar algo: não se trata a dor fazendo outra pessoa sofrer o mesmo, porque isso só torna de você alguém igual aquela pessoa que tanto te fez mal.
— Você tem razão, porque a única coisa que senti depois de tudo foi um remorso por ter feito o mesmo que ele — franzi o cenho e peguei o envelope velho e entregando na mão do Julian — essa é uma carta que eu escrevi a muito tempo e ele vai lembrar assim que ele lê as primeiras palavras. E eu senti que ele precisava dela porque nela descrevo meus sentimentos intensos e verdadeiros.
— Existe amor entre vocês — Julian sorriu fraco — pena que vocês estragaram tudo.
— No nosso caso, o amor não é apenas o necessário, durante anos fui assombrada pela sede de vingança — fui sincera — não temos confiança um no outro e sem isso nada consegue ir pra frente.
— Eu sei — se levantou e entendi que iria embora — e eu de verdade sinto muito porque eu sei que mesmo agindo como outra pessoa você estava feliz e ele também.
Por
Nunca chorei por nenhuma mulher, nunca soube o que era estar apaixonado até ela: aparecer na minha vida. E eu não sabia o que era o maldito envelope que meu irmão deixou na minha escrivanhia, mas reconheci sua letra e não conseguia me aproximar do envelope. O papel estava amarelado e isso me fez deduzir que não era algo recente e sim, antigo. As lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto porque eu sabia que novamente meu passado iria me dar uma bofetada na cara e dizer: — olha a grande merda que você foi.
De: ∞ Para:
(Lembra quando sem querer tropecei em você derrubando suas folhas? Então, aquela folha que você segurou e teve a oportunidade de ler as primeiras linhas era sobre mim, sobre você e tudo que eu sentia. Eu senti vontade de rasgar, mas não fiz e achei que hoje você, enfim é merecedor de recebê-la.)
02/01/2010
“Eu queria que me amasse como eu te amo, queria que me beijasse como eu quero te
beijar. Queria fazer dos seus braços meu lugar favorito. Eu queria que você fosse capaz de me enxergar de verdade e mesmo assim não fugir de mim. Você faz dos meus dias já ruins um verdadeiro caos, mas por que diabos eu fui me apaixonar por você? Quando você me humilha, eu sinto que não deveria te amar, mas eu continuo amando cada vez mais, cada dia mais intensamente. E eu sei que deveria te odiar por tudo que já me causou e sei que vai me causar, mas eu não consigo nem por um dia, nem por um segundo. Amo-te em segredo, em silêncio. Preciso colocar pra fora esse sentimento que me consome, me maltrata. Minha única companhia nesse quarto escuro são: essa caneta e essa folha. eu sei que você vai rir ou zombar do que eu sinto, mas tenho um fio de esperança que você não é esse babaca que todos pensam ser. Sei que no fundo bem no fundo você é uma pessoa que precisa de alguém de verdade não essas pessoas que você chama de “amigos”. Saiba que mesmo quando você me humilha não consigo dormir um único dia sem pedir a Deus que o proteja e te ajude a se livrar de todas as besteiras que você se enfiou. E eu sei que você tem algo do seu passado que afetou toda a sua vida e o fez se tornar assim tão, mais tão sujo. Eu consigo enxergar quando alguém não está bem, quando alguém finge que é feliz mesmo sabendo que seus dias são tristes, afinal convivo com uma realidade que está bem distante do que eu digo a todos e do que eu gostaria que fosse. Não vou me prolongar muito porque não sou boa com as palavras, mas eu quero que saiba que sempre vai ter a mim, sempre vai ter o meu amor.”
Com amor, .
— Julian? — gritei, mas ele não respondia — Julian cadê…
— Fala, . — segurava um livro e me olhava com um olhar de interrogação.
— Pode entregar algo a ? — sorri e ele negou com a cabeça.
— Desculpa, mas não sou “correio do amor”. — estava impaciente.
— Por favor, Julian entrega…
— Por que você não vai até ela? — colocou o livro em cima da mesa — por que não enfrenta isso como um homem? Diz tudo olhando pra ela e garanto que vai ser bem melhor do que mandar uma carta. Se ela quisesse palavras iria ler um livro, mas ela quer atitude.
— E se ela não quiser falar comigo?
— Continua falando — ele sorria — fala tudo que você tiver pra falar e se isso não for suficiente, bola pra frente e segue o baile.
— Você é um ótimo irmão — sorri e ele franziu o cenho.
— Sem sentimentalismo — sorriu e pegou o livro — vai ficar olhando pra mim ou vai atrás da sua garota?
Peguei as chaves do meu carro e enquanto esperava o elevador, organizava meus pensamentos para dizer tudo que estava preso dentro de mim. Precisava mostrar que eu havia mudado de verdade e estava disposto a fazê-la feliz todos os dias que estivéssemos juntos. Eu acreditava no que construímos nesse tempo em que estávamos juntos. Via dentro dos seus olhos que ela estava tão feliz quanto eu estava. Girei a chave e dei partida no carro pouco me importando com as multas que receberia por excesso de velocidade, mas eu precisava ser rápido ou então, ficaria com a eterna dúvida de saber se poderia ter dado certo. Quando estacionei em frente ao seu prédio, respirei fundo e adentrei seu prédio. Chegar no décimo segundo andar nunca demorou tanto, mas quando a porta do elevador abriu, respirei fundo e encarei a porta do seu apartamento. Mil coisas me passavam pela cabeça e teria que ser forte para encarar seus olhos e não esquecer das palavras. Apertei a campainha e os segundos foram uma tortura até que ela abriu a porta e seus olhos penetraram nos meus.
— …
— Por muito tempo eu te humilhei e eu sei que fui um babaca com você quando na verdade, nunca deveria ter feito o que fiz com você ou com todas as pessoas que passou pela minha vida. Era um babaca que descontava nas pessoas a dor que meu pai causou a minha mãe e consequentemente a mim e ao Julian — meus olhos estavam úmidos e ela me olhava com calma — nada justifica meus erros, mas eu realmente mudei. Abri meus olhos depois de quase morrer e perceber que aqueles imbecis nunca foram ou poderiam ser meus amigos porque amigos cuidam e não te arrastam para todos os tipos de merda que o mundo pode oferecer. Um dia estava na minha casa e ouvi uma conversa da minha mãe com meu irmão dizendo que não aguentava mais as merdas que eu fazia e me envolvia e foi nesse dia que eu usei drogas que nunca havia experimentado e lembro dos gritos, do choro e da minha mãe implorando aos meus médicos para me salvar. Ainda de olhos fechados, pude ouvir minha mãe chorar e agradecer a Deus por não ter me levado e aquele foi o meu limite e então, por conta própria, eu pedi para que me internasse em uma reabilitação. Fiquei sem contato com ninguém, sem internet. Tinha dias que eu achava que ia enlouquecer por não ter a droga, a bebida.... — as lágrimas rolavam pelo rosto e aquilo era horrível. Mexer no seu passado, na sua ferida que parece estar sempre aberta.
— Não precisa continuar. — parecia compreender o quanto aquilo me destruía.
— Mas eu consegui superar e estou limpo há muito tempo. Hoje em dia nem ao menos uma cerveja eu tomo porque passei a ter nojo só de sentir o cheiro. Cigarro, bebidas alcoólicas podem ser tão cruéis quanto as drogas “proibidas”. Eu senti na pele o que é sofrer pode ter certeza disso porque passar meses enfurnado em uma clínica para ficar limpo envolve muito mais do que largar o álcool, cigarro e drogas. Eu abri mão da minha vida, ou melhor, do que eu pensei que fosse uma. E então, quando eu percebi quem eu era eu descobri que não tinha amigos de verdade, não tinha uma garota especial mesmo dormindo com metade da escola, não tinha uma relação com a minha mãe, tinha um irmão, mas o afastei. Não tinha perspectiva de vida ou sonhos. Era completamente vazio. De sentimentos, de pessoas, de sonhos, de felicidade ou vontade de viver. Nada nunca vai justificar ou fazê-la esquecer que um dia alguém fodeu o que já era fodido o suficiente, mas eu to aqui sendo sincero e dizendo que se você quiser eu vou ser o melhor namorado do mundo. Todos os dias eu vou te amar tanto, mais tanto na tentativa de enfiar isso na sua cabeça e tentar apagar todas as feridas que eu causei a você. Não posso voltar no tempo e mudar tudo, mas eu posso te fazer rir todos os dias até que meu coração bata pela última vez.
— Eu nunca me arrependi de nada que eu fiz, mas hoje olhando pra você, eu me arrependo muito de não ter conversado, sabe? Talvez, tivesse te xingando, mandado ir a merda e até mesmo ter dado um tapa na sua cara ia ser o melhor e com certeza, eu não sofreria por me sentir tão suja. Eu falei de você, mas, na verdade, eu agi como o que me destruiu por anos e anos. Eu não sou mais aquela menina que se achava indefesa e que aceitava tudo que diziam que era o que ela merecia. Você não é mais o cara que destruía corações para se sentir feliz, ou seja, tudo poderia ter sido tão diferente, mas ferramos tudo....
— Não, — me aproximei e senti sua pele se arrepiar quando meu polegar passeou pelo seu rosto — não ferramos nada porque pra ferrar algo ele primeiro precisa existir. Aquela não era a apenas alguns detalhes dela e aquele não era o que você conhecia, mas é o que ele se tornou.
— Eu não sei. — sorriu sem humor.
— Eu estou disposto a tentar e você ? — me encarava e seus olhos estavam indecisos e sentia isso pelas suas mãos tremendo.
— Uma chance é a única coisa que sou capaz — sorriu e seus olhos estavam úmidos — dou a mim mesma e a você uma chance de nos fazermos felizes.
— Eu te amo, . — me aproximava cada vez mais e nossos olhos úmidos por chorarmos.
— Eu te amo, — e nossos lábios se abriram naturalmente formando sorrisos verdadeiros — sempre amei.
Minha boca procurou pela sua que logo foi correspondida com um beijo calmo. Não tinha pressa ou qualquer vestígio de urgência. Nossas bocas procuravam uma pela outra com calma, afinal tínhamos muito tempo para aproveitar tudo sem deixar escapar qualquer detalhe. Nossas línguas travavam uma guerra entre si, mas era bom, muito bom. Suas mãos seguravam firme os meus cabelos enquanto as minhas a apertavam ainda mais contra meu corpo. Naquela carta ela dizia: “queria fazer dos seus braços o meu lugar preferido”. Se depender de mim ela terá tudo que precisa ou que ainda nem sabe que precisa.
Fim
Nota da autora: Mais um ficstape pra conta e com esse já me perdi em quantos já entrei ou quantas histórias. Esse é um projeto que desde o início amei, e sempre fiz questão de participar e até mesmo me arrisquei a organizar um do meu xodó(Minight Memories).
Agradeço pelo convite e espero que curtam essa história pois amei escrevê-la e o seu resultado final.
Uma ótima leitura.
Beijos. <3
Nota da beta: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Agradeço pelo convite e espero que curtam essa história pois amei escrevê-la e o seu resultado final.
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