Capítulo Único
— Então, como foi?
A pergunta de Darcy parecia simples, quase desinteressada, mas o brilho no olhar entregava toda a malícia por trás da interrogação. Eu não julgava. A cada palavra proferida por durante a entrevista, meu coração palpitava sedento por mais.
Para a nossa sorte, a cantora era um tanto tagarela.
— Temos um material e tanto — adiantei. — Vou transcrever a entrevista hoje à noite, mas posso colocar uma parte do áudio, caso já queira ouvir.
Darcy deu as costas para o computador, me encarando. Seus ouvidos eram todos para uma parte da entrevista.
Saquei o celular de dentro do bolso, os áudios todos separados em uma única pasta. Assim que eu fazia uma pergunta para , iniciava uma nova gravação. Era muito mais fácil para transcrever, e também para sanar a curiosidade da chefe do departamento. Sabia qual era o áudio exato em que a cantora falou sobre seu relacionamento com . Era aquilo que Darcy queria ouvir – Darcy e todas as pessoas acima de 40 anos, nos Estados Unidos.
— não sabia o que queria da própria vida — não haviam rodeios com . — Aquela criatura era uma mistura de vontade com incertezas, e posso dizer isso sem medo de estar cometendo uma injustiça. Conheci como a palma de minha mão, era meu melhor amigo. Bom. Pelo menos era assim que eu o considerava – a recíproca não parecia ser a mesma. As vezes sim, as vezes não.
ficou em silêncio por alguns segundos. Lembro que temi que aquilo seria tudo o que ela teria a dizer sobre o ex-parceiro, até ve-la abrir a boca e retomar a fala.
— era um homem muito recluso, enquanto eu era o completo oposto. Amava uma bagunça. Ele era todo silêncio e calmaria. Isso causou algumas divergências na nossa convivência. Eu queria ir pra farra, ele preferia mil vezes voltar para o hotel. Mas eu queria a companhia dele nas festanças, não queria que fôssemos apenas parceiros de palco. Aí a gente discutia. Não era sempre, não entenda isso. Foram poucas vezes, na verdade, até eu entender que aquele era ele e eu não poderia fazer nada além de respeitar que aquele homem de 25 anos era um verdadeiro idoso.
Daisy posicionou o dedo sobre a tela do celular, pulando um pouco a fala de . Aquela parte da história todos conheciam. A chefe queria saber o motivo pelo qual a dupla havia se afastado.
— Tudo o que eu queria era a companhia de .
Na mosca.
— Estávamos impossibilitados de tocar, graças à quarentena, e eu era grupo de risco. Fiquei enclausurada em casa, sozinha. Consegue imaginar como uma jovem adulta que não parava quieta se sentiu tendo que ficar presa? Eu me afundei.
Era criança quando a pandemia da Covid 19 aconteceu, mas conseguia me lembrar de alguns episódios daquela época. O ensino à distância na escola foi o meu trauma. O de foi a solidão.
— Sentia vontade de ver e, considerando que éramos duas pessoas que realmente estavam respeitando a quarentena, pensei que não teria problemas em nos vermos em casa. Pedir um delivery parecia uma boa opção. Mas ele sempre recusava os convites, limitando nosso contato à conversas pelo celular.
Ele está respeitando a quarentena, pensei. não demorou pra me mostrar que eu não estava completamente certa.
"Chamei Edgar pra beber, mas ele acabou desmarcando." O impacto que aquela mensagem teve sobre mim é algo que não sou capaz de explicar. A mágoa bateu de imediato. Depois de recusar todos os meus convites, ele estava ali me dizendo que convidou um amigo para sair na maior naturalidade. Mesmo ciente do quanto eu vinha me afundando em sentimentos ruins por estar trancada em casa, sozinha, ao longo de tantos meses... estava contando que havia escolhido a companhia de outra pessoa para furar a quarentena, como se isso não fosse me afetar em nada.
Aquela foi a primeira vez que passei por cima dos meus limites, e permaneci ao lado dele.
Mesmo ciente do mal que havia me feito naquela noite de dezembro, três meses depois essa pauta voltou à tona.
"Do nada o Paul me chamou pra beber na casa dele. Acabei indo."
Ele me mandou aquela mensagem às duas da manhã. Acordei com o celular vibrando e, ao ver que era tão tarde, resolvi olhar com medo de que alguma coisa tivesse acontecido.
Até tinha, né? Era mostrando mais uma vez que não se importava com o que eu sentia.
Eu, que sempre acreditei em segundas chances mas nunca em terceiras, quartas, quintas, estava lá passando por cima dos meus limites mais uma vez. Eu realmente queria estar do lado daquele infeliz.
Mas a mágoa plantada meses antes ganhou forma e força, e depois disso não tinha mais como continuar sendo a mesma.
Poderíamos ter conversado a respeito, sei que sim. Eu só não tinha mais disposição. Depois da discussão que tivemos em dezembro, ver tudo se repetir em março foi como encontrar sua assinatura em um documento que atestava o quanto ele não se importava. era meu amigo, minha dupla, mas não tinha interesse nenhum em me ver mesmo ciente do quanto eu estava coberta até pela tampa pela depressão. Eu me sentia inútil, sem valor, a pessoa cuja companhia ninguém apreciava, e ele, na posição de meu amigo mais próximo, mostrava o quanto eu estava certa. O quanto eu era desnecessária. Ele preferia até a presença de alguém como Paul, um cara que nunca fez diferença alguma na vida dele, à minha.
continuava partilhando sua vida comigo. Nesses momentos inevitavelmente eu me sentia especial. Eu era uma das pessoas pra quem ele telefonava pra falar sobre o que estava acontecendo nos seus dias. Eu realmente me senti necessária naquele dia, como se a minha palavra tivesse mesmo algum valor.
Era por conta dessas pequenas coisas que eu não abandonava o barco.
Porém, em dado momento deixou de ser suficiente. A mágoa passou a ser mais forte do que qualquer outro sentimento, e não estava me fazendo bem.
Não dava mais pra eu continuar excedendo os meus limites. Depois que eu deixei de atender seus telefonemas, os convites para nos vermos começaram a aparecer. Só que já era tarde.
Darcy apertou o botão de pause.
— Já ouvi o suficiente. Pode transcrever. Agora quero o ponto de vista de mais do que nunca.
Entrevistar naquela altura do campeonato? Certo, teríamos um longo caminho pela frente...
A pergunta de Darcy parecia simples, quase desinteressada, mas o brilho no olhar entregava toda a malícia por trás da interrogação. Eu não julgava. A cada palavra proferida por durante a entrevista, meu coração palpitava sedento por mais.
Para a nossa sorte, a cantora era um tanto tagarela.
— Temos um material e tanto — adiantei. — Vou transcrever a entrevista hoje à noite, mas posso colocar uma parte do áudio, caso já queira ouvir.
Darcy deu as costas para o computador, me encarando. Seus ouvidos eram todos para uma parte da entrevista.
Saquei o celular de dentro do bolso, os áudios todos separados em uma única pasta. Assim que eu fazia uma pergunta para , iniciava uma nova gravação. Era muito mais fácil para transcrever, e também para sanar a curiosidade da chefe do departamento. Sabia qual era o áudio exato em que a cantora falou sobre seu relacionamento com . Era aquilo que Darcy queria ouvir – Darcy e todas as pessoas acima de 40 anos, nos Estados Unidos.
— não sabia o que queria da própria vida — não haviam rodeios com . — Aquela criatura era uma mistura de vontade com incertezas, e posso dizer isso sem medo de estar cometendo uma injustiça. Conheci como a palma de minha mão, era meu melhor amigo. Bom. Pelo menos era assim que eu o considerava – a recíproca não parecia ser a mesma. As vezes sim, as vezes não.
ficou em silêncio por alguns segundos. Lembro que temi que aquilo seria tudo o que ela teria a dizer sobre o ex-parceiro, até ve-la abrir a boca e retomar a fala.
— era um homem muito recluso, enquanto eu era o completo oposto. Amava uma bagunça. Ele era todo silêncio e calmaria. Isso causou algumas divergências na nossa convivência. Eu queria ir pra farra, ele preferia mil vezes voltar para o hotel. Mas eu queria a companhia dele nas festanças, não queria que fôssemos apenas parceiros de palco. Aí a gente discutia. Não era sempre, não entenda isso. Foram poucas vezes, na verdade, até eu entender que aquele era ele e eu não poderia fazer nada além de respeitar que aquele homem de 25 anos era um verdadeiro idoso.
Daisy posicionou o dedo sobre a tela do celular, pulando um pouco a fala de . Aquela parte da história todos conheciam. A chefe queria saber o motivo pelo qual a dupla havia se afastado.
— Tudo o que eu queria era a companhia de .
Na mosca.
— Estávamos impossibilitados de tocar, graças à quarentena, e eu era grupo de risco. Fiquei enclausurada em casa, sozinha. Consegue imaginar como uma jovem adulta que não parava quieta se sentiu tendo que ficar presa? Eu me afundei.
Era criança quando a pandemia da Covid 19 aconteceu, mas conseguia me lembrar de alguns episódios daquela época. O ensino à distância na escola foi o meu trauma. O de foi a solidão.
— Sentia vontade de ver e, considerando que éramos duas pessoas que realmente estavam respeitando a quarentena, pensei que não teria problemas em nos vermos em casa. Pedir um delivery parecia uma boa opção. Mas ele sempre recusava os convites, limitando nosso contato à conversas pelo celular.
Ele está respeitando a quarentena, pensei. não demorou pra me mostrar que eu não estava completamente certa.
"Chamei Edgar pra beber, mas ele acabou desmarcando." O impacto que aquela mensagem teve sobre mim é algo que não sou capaz de explicar. A mágoa bateu de imediato. Depois de recusar todos os meus convites, ele estava ali me dizendo que convidou um amigo para sair na maior naturalidade. Mesmo ciente do quanto eu vinha me afundando em sentimentos ruins por estar trancada em casa, sozinha, ao longo de tantos meses... estava contando que havia escolhido a companhia de outra pessoa para furar a quarentena, como se isso não fosse me afetar em nada.
Aquela foi a primeira vez que passei por cima dos meus limites, e permaneci ao lado dele.
Mesmo ciente do mal que havia me feito naquela noite de dezembro, três meses depois essa pauta voltou à tona.
"Do nada o Paul me chamou pra beber na casa dele. Acabei indo."
Ele me mandou aquela mensagem às duas da manhã. Acordei com o celular vibrando e, ao ver que era tão tarde, resolvi olhar com medo de que alguma coisa tivesse acontecido.
Até tinha, né? Era mostrando mais uma vez que não se importava com o que eu sentia.
Eu, que sempre acreditei em segundas chances mas nunca em terceiras, quartas, quintas, estava lá passando por cima dos meus limites mais uma vez. Eu realmente queria estar do lado daquele infeliz.
Mas a mágoa plantada meses antes ganhou forma e força, e depois disso não tinha mais como continuar sendo a mesma.
Poderíamos ter conversado a respeito, sei que sim. Eu só não tinha mais disposição. Depois da discussão que tivemos em dezembro, ver tudo se repetir em março foi como encontrar sua assinatura em um documento que atestava o quanto ele não se importava. era meu amigo, minha dupla, mas não tinha interesse nenhum em me ver mesmo ciente do quanto eu estava coberta até pela tampa pela depressão. Eu me sentia inútil, sem valor, a pessoa cuja companhia ninguém apreciava, e ele, na posição de meu amigo mais próximo, mostrava o quanto eu estava certa. O quanto eu era desnecessária. Ele preferia até a presença de alguém como Paul, um cara que nunca fez diferença alguma na vida dele, à minha.
continuava partilhando sua vida comigo. Nesses momentos inevitavelmente eu me sentia especial. Eu era uma das pessoas pra quem ele telefonava pra falar sobre o que estava acontecendo nos seus dias. Eu realmente me senti necessária naquele dia, como se a minha palavra tivesse mesmo algum valor.
Era por conta dessas pequenas coisas que eu não abandonava o barco.
Porém, em dado momento deixou de ser suficiente. A mágoa passou a ser mais forte do que qualquer outro sentimento, e não estava me fazendo bem.
Não dava mais pra eu continuar excedendo os meus limites. Depois que eu deixei de atender seus telefonemas, os convites para nos vermos começaram a aparecer. Só que já era tarde.
Darcy apertou o botão de pause.
— Já ouvi o suficiente. Pode transcrever. Agora quero o ponto de vista de mais do que nunca.
Entrevistar naquela altura do campeonato? Certo, teríamos um longo caminho pela frente...
FIM?
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