Última atualização: Fanfic Finalizada

Capítulo Único



It’s a scene and we’re out here in plain sight


– Tudo bem, todos já sabem o que devem fazer, certo? – perguntou a todos, olhando para cada um de seus amigos. Os três assentiram – Ótimo. Vamos nos encontrar na floresta, em três viradas da ampulheta. – cada um pegou sua ampulheta zerada e colocou sobre a mesa de madeira. Se prepararam para virar o objeto – Começando agora.
Os 4 saíram, armados com espadas e facas, mas esperavam não ter que usar nada daquilo. foi na frente, se cobrindo com seu capuz, tentado passar despercebida por todos, se perdendo na multidão, assim como seus amigos. Em pouco tempo, ela não podia ver nenhum dos três.
Todo o Reino de Cleverland estava reunido para ver a família real desfilar pela principal avenida do reino, na parada anual, mas na parte pobre. O Rei não era nada bobo e sabia que a população de Cleverland estava revoltada com a família, então a parada era cercada por vários soldados. revirou os olhos. Eles eram patéticos.
, Evan, James e Alex faziam parte da parte pobre da população – que era, de longe, a maior parte – e ajudavam no orfanato de Cleverland, onde crianças órfãs como eles passavam fome todos os dias por culpa do egoísmo do Rei. Os quatro nasceram e cresceram lá, já que não sabiam onde seus pais estavam e, muito provavelmente, haviam morrido de fome, como acontecia todos os dias com vários habitantes. A parada era uma ótima chance para que eles tentassem roubar comida do Palácio e tentar levar para Mary e Rose tentarem alimentar as crianças.
A garota que se vestia como homem passou despercebida até chegar na parte rica de Cleverland, onde todos estavam ocupados demais fazendo coisas que os ricos fazem – que sempre quis saber o que era – para repararem em qualquer coisa ao redor de suas vidas fúteis. Colocou a mão no bolso para ver sua ampulheta chegando ao final, girando-a para que começasse outro ciclo.
Os muros do Palácio eram altos, mas ela sabia que poderia escalá-los por causa do jeito que as pedras eram posicionadas. A quantidade de guardas estava bem menor por causa da parada, já que ninguém desconfiaria que tentariam entrar no Palácio se o Rei ou sua família não estava ali. A parada da família real acontecia todos os anos, no começo da primavera, como se eles trouxessem a fertilidade da flora com eles e não poderia achar aquilo tudo mais idiota e mesquinho.
esperou Alex abrir o portão do castelo, já que essa seria sua função. James estaria dirigindo uma carroça com um suposto carregamento para as cozinhas do Palácio e Alex estaria escondido ali. e Evan estavam posicionados cada um atrás de um guarda que ficava nas duas extremidades do portão, prontos para apagar os dois, assim que os portões fossem abertos e James e Alex conseguissem entrar.
A ampulheta marcava a hora certa quando os portões se abriram e viu Evan do outro lado do castelo, atrás do guarda, enquanto seus amigos passavam pelo portão aberto e se dirigiam para ponte, já que havia um lago profundo que separava o castelo dos portões e dos muros principais. Assim que os dois conseguiram passar, se aproximou do guarda em sua frente empurrando-o para o lago, fazendo com que o homem se assustasse e se desequilibrasse. Viu Evan fazer a mesma coisa e logo os dois guardas estavam se afundando no lago, sendo puxados por suas armaduras pesadas.
Eles se olharam, com o coração pesado por, provavelmente, matar dois homens inocentes, mas lembrando-se de todas as vezes que passaram fome ou ouviram o choro das crianças no orfanato. Eles precisavam fazer aquilo.
Longe dali, na parte pobre da cidade, a família real se exibia para a população, que olhava descontente para o Rei e o Príncipe, que lideravam a parada, enquanto a Princesa e a Rainha vinham mais para trás. Os guardas estavam em todo lugar, junto com outros nobres e alguns músicos contratados para transformar a parada em um tipo de festival. Eles não tinham a menor ideia de que, longe dali, o castelo estava sendo invadido.
Depois que os quatro conseguiram entrar no castelo, foi fácil. pegou o enorme saco que estava escondido no bolso de sua calça larga e, andando cegamente, eles procuraram a cozinha, deixando alguns soldados inconscientes pelo caminho. Quando finalmente encontraram, as cozinheiras ficaram com medo deles e gritaram, mas eles contaram quem eram e conseguiram o apoio das mulheres.
Parecia que nada poderia dar errado.
Quando aconteceu, foi tudo um enorme borrão. Evan e James escaparam primeiro, com o enorme saco cheio de comida. Alex foi o terceiro a correr para a floresta, assim que viu a ampulheta se esvaziar pela terceira vez. Os três rapazes esperaram por durante duas viradas da ampulheta. A garota não apareceu.
Eles sabiam que o combinado era se encontrar na Floresta primeiro, para garantirem que estava tudo bem, mas mantiveram na cabeça a possibilidade de ter corrido de volta para o orfanato.
Mais tarde, naquele mesmo dia, quando perceberam que realmente não havia voltado, o Rei marcou uma execução em praça pública. Eles haviam encontrado uma ladra intrusa no Palácio.
Eles haviam encontrado .

***
In the dead of night, your eyes so green

– Você deverá comandar a execução, . Não discuta comigo.
– Mas, pai! – o garoto continuou, não se dando por vencido – Não quero fazer isso! Ela estava roubando comida! Devia estar com fome.
– Não me importa se ela estava roubando por fome ou se estava somente dando um passeio pelo Palácio! Ela invadiu! E vai ser punida!
– Pai...
– Não me interrompa, ! – o Rei gritou, fazendo o filho tremer, assim como o quarto inteiro – Já pensou o que aconteceria se todos esses pobres resolvessem que podem invadir nossa casa se ficassem com fome? Se deixarmos uma passar, logo vários mais virão. Eu não vou permitir.
– Concordo com o senhor, pai. Não podemos permitir que qualquer um invada nossa casa. Só não consigo entender por que preciso comandar a execução do crime. O senhor poderia fazer isso.
– Não é óbvio? Você será rei em pouquíssimo tempo e mal sabe como administrar o Reino. Essa será sua primeira execução, mas você já me viu fazendo várias vezes. A diferença será que, agora, quem irá mandar matar a garota será você e não eu.
Matar? – se engasgou com a palavra – Ela só roubou! O certo são as chicotadas. Não a morte!
– Ela é mulher, . – o Rei lembrou – Ela não deveria nem estar fazendo algo além de cuidar de crianças. Se fosse um homem, eu apenas o puniria com chicotadas. Mas, uma mulher?! É o fim dos tempos. Estamos próximos do apocalipse.
E falando sobre como as coisas estavam evoluindo para o caminho errado, o Rei deixou a sala de reuniões que estava sendo usada apenas pelo próprio e pelo filho, que se recusava a comandar uma execução. O Príncipe não se considerava bom o bastante para isso e sempre odiara a dor no olhar do executado e a frieza dos homens que executavam a pena.
E agora ele iria mandar matar uma garota.
havia visto a hora que ela fora presa. A garota estava ajudando uma das cozinheiras que estava grávida. A mulher estava passando mal, já que estava muito próxima de dar a luz. Ele viu como ela fora cuidadosa com a cozinheira – que o servia todo dia e não fazia nem noção do nome da mulher – e como ela tentara ajudá-la, mesmo correndo o risco de ser presa. Os guardas perceberam que a intrusa tentava ajudar a cozinheira grávida e não tentaram impedi-la. Foi mais ou menos naquela hora que o Rei e a Rainha chegaram e começou a grande confusão.
Encurtando a história, ela tentara fugir, não conseguiu.
E agora estava prestes a morrer em uma execução em praça pública. E seria o responsável por comandar a execução.
O sol já se havia se posto há varias horas e o toque de recolher também havia passado quando resolveu sair de sua cama. Ele não podia simplesmente mandar matar uma garota como aquela.
Primeiramente, ele desceu até a parte do castelo que nunca frequentava: o calabouço. Os guardas não impediram sua passagem, mas ele podia ver o olhar questionador dos homens, que nem sempre eram muito mais velhos que ele. Quando os homens completavam 20 anos eram obrigados a se alistar para o exército de Cleverland e a maioria deles acabava na guerra que o país vivia enfrentando com Reinos vizinhos ou então servindo no Palácio. Ele não sabia dizer qual destino era o mais difícil; os que iam para a guerra tinham a grande chance de não voltar mais, enquanto os que iam para o Palácio eram obrigados a servir por 10 anos.
suspirou, pensando na quantidade de coisas que haviam erradas no Reino que seria seu em breve o quanto queria poder mudar toda aquela política. Principalmente por causa das manifestações.
Oh, as manifestações.
As pessoas estavam infelizes, isso era óbvio. Passavam fome constantemente e o número de mortos só crescia. Muitos tentavam sair do Reino, mas devido às guerras, era difícil conseguir permissão para entrar em outro Reino. Graças à essa situação, não demorou muito para que as pessoas começassem a protestar. O Rei mandava calar todos e pronto. Ignorava as reivindicações do povo e apenas continuava sua vida. O Palácio fora invadido algumas vezes, mas por pessoas como aquela garota que fora presa. Pessoas com fome, que não tinham mais onde arrumar comida; pessoas que queriam ver a diferença.
– Vossa Alteza... – o soldado chefe fez uma reverência para – Em que posso lhe ser útil?
– Quero ver a garota. A que foi presa hoje de tarde.
– Claro. – o soldado assentiu, procurando por uma chave no meio de tantas penduradas na parede, pegando uma das que estavam no alto – Por aqui, Alteza.
seguiu o soldado pelos corredores onde ficavam dezenas de presos. Pessoas que cometeram crimes graves o suficiente para ficarem presos, mas não o bastante para morrerem ou serem chicoteados. Mais ao fundo, perto da saída lateral, ficavam os presos condenados à morte. Era para lá que o soldado levava .
Eles pararam na frente de uma cela onde havia apenas uma pessoa, totalmente embolada. Era difícil para distinguir se era um homem ou uma mulher por causa das roupas largas e o modo como a pessoa estava deitada. O soldado abriu o portão e entrou na cela, se aproximando do ser que dormia, chutando-lhe as costas para que acordasse.
– Acorde, vadia. O Príncipe deseja falar.
– Mande-o para o inferno. – a voz feminina respondeu, totalmente imprudente – Aproveite e vá junto, seu filho da puta.
O soldado, irritadíssimo, pegou a garota pelos cabelos, fazendo-a ficar de pé na mesma hora e tentar acertar um soco nele. Ela errou o primeiro, mas não deixou de acertar um golpe leve em seu ombro. Quando o soldado a olhou de forma bruta e questionadora, ela apenas deu de ombros.
– Eu vou morrer mesmo.
A garota enxergou o Príncipe na mesma hora que levantou os olhos. Não fez uma reverência, como todos faziam na presença da família real. Ela não se importava. Se sua pena seria a morte, ela morreria com dignidade e não pediria por misericórdia.
– Soldado, por favor, me deixe falar com a prisioneira.
O soldado assentiu e fez uma reverência antes de se afastar, deixando a chave da cela com o Príncipe; não se afastou totalmente, apenas o bastante para não ouvir a conversa dos dois.
O Príncipe observou a garota se sentar no canto onde estava dormindo antes, arrumando seu cabelo. Seu rosto estava sujo e ele podia ouvir sua barriga fazendo barulho, indicando que ela estava com fome.
– Qual seu nome?
. – ela respondeu simplesmente. Não tinha forças o suficiente para travar uma briga com Sua Alteza. Não quando estava prestes a morrer.
– Por que invadiu o castelo, hoje?
– Aqui é o único lugar com comida em excesso, Vossa Alteza.
Apesar de ter usado um termo de respeito, ele pode ouvi-la zombando dele.
– E parou para ajudar uma cozinheira.
– Vossa Alteza queria que eu tivesse deixado-a lá, tendo o filho por conta própria?
– Alguém iria ajudá-la.
– Não iam, não. Eles não sabiam o que fazer e todos estavam com medo de você e do seu pai.
suspirou outra vez.
– Olha, ... Eu sinto muito. – ele disse de uma vez, fazendo a garota arregalar os olhos em surpresa – Eu não queria fazer o que vou ter que fazer amanhã.
– Me matar? – ela continuou a zombaria, não deixando ser afetada pelas palavras dele.
– Isso. Eu realmente faria qualquer coisa para evitar, mas...
– Por quê? Está com pena de mim?
– Não acho justo você ser morta por roubar porque estava com fome.
– Não pretendia comer a comida que tentei roubar.
– Então porque estava roubando?
engoliu em seco antes de falar. O orfanato e as crianças que passariam fome por causa de seu fracasso não saíam de sua cabeça.
– Eu moro em um orfanato. A comida era para as crianças.
não podia se sentir pior. Ele iria comandar a execução de uma garota que parecia ser mais nova que ele, que roubara comida, não para matar sua própria fome, mas sim a fome de crianças órfãs.
Ele não poderia ser tão cruel.
, preciso que confie em mim. – disse, subitamente começando a sussurrar e se abaixando, ficando de joelhos ao lado da garota encolhida.
apenas assentiu, curiosa demais com as palavras do Príncipe para retrucar qualquer coisa.
– Não vou deixar que morra amanhã. – continuou – Vou salvar você.
revirou os olhos.
– E como pretende fazer isso? Passará por cima das ordens do Rei?
Ela estava certa. não podia ir contra o pai. O único jeito era...
A ideia passou em sua cabeça tão rápido e tão brilhante, que acreditava que a cela estava mais iluminada agora.
– Confie em mim, . – ele sorriu, pegando o rosto sujo da garota nas mãos – Já sei o que vou fazer.
deu um beijo rápido na testa da garota, como se para provar que estava falando sério e então saiu tão rápido quanto chegou. O soldado trancou a cela, rindo de , provavelmente pensando que ela estava mais fodida do que estava cinco minutos atrás.

***
‘Cause they got the cages, they got the boxes and guns


O dia amanheceu e acompanhou a luz do dia entrar pela janelinha quadrada e minúscula no alto de sua cela. Pela primeira vez, não agradeceu pelo sol nascendo; aquele seria seu último.
De acordo com o Príncipe, ela ainda tinha salvação. Não seria morta. Mas ela não conseguia acreditar nele, já que lembrava perfeitamente da expressão no rosto do Rei quando decretara sua morte em praça pública. Ele pensara que havia passado por cima de toda a segurança do Palácio sozinha – já que ela jamais denunciaria seus amigos – e ficara furioso; pior ainda, o Rei havia se sentido um tolo, humilhado. Isso fora o bastante para se convencer de que merecia a morte.
É, a vida não era nada justa.
Mas então, ela estava tentando ignorar seus demônios dentro de uma cela suja e mal cheirosa quando o Príncipe apareceu, com todo seu jeito pomposo e o rosto bonito. Ao mesmo tempo em que sentira repulsa pelo homem, sentira-se atraída por ele. O rosto dele parecia ter sido esculpido por anjos e os olhos brilhantes tinham a cor certa de um tom que não estava acostumada a ver nas redondezas de onde morava. O corpo parecia ser forte por baixo do tecido caro da roupa que ele vestia. Apesar de não ser o terno de sempre, ele continuava incrivelmente bonito na roupa casual. ficou imaginando como era quando acordava e como era o som de sua risada sincera.
Coisas que nunca veria.
Mesmo com sua morte programada para algumas horas, se permitiu fantasiar. Permitiu-se sonhar em acordar ao lado do Príncipe, vê-lo em suas roupas íntimas – isso se os príncipes dormissem só de roupas íntimas! – e com o cabelo bagunçado; a voz sonolenta e rouca também era outra coisa que ela queria ouvir. Sentiu os lábios dele sobre sua testa outra vez e imaginou que gosto teria a boca dele quando entrasse em contato com a dela.
E, sem perceber, estava rindo.
Rindo porque aquilo era ridículo. Ela apenas vira o Príncipe durante alguns minutos na noite anterior e conhecia seu rosto dos jornais e dos comunicados públicos da família real. O pior era que nunca havia sentido a mínima atração pelo Príncipe quando o via sentado no trono ao lado do pai ou nos jornais que Rose e Mary compravam quase nunca, apenas quando sobrava uma moeda no fim do mês, ou quando roubava algum jornal que estava no lixo para saber as notícias do Reino.
Desde quando ficara tão atraente aos olhos de ?
Talvez no momento em que prometera que iria salvá-la da morte que parecia inevitável.
Enquanto a hora não chegava, não se concentrou apenas na fantasia de acordando na cama ao seu lado; o pensamento de vê-lo entrar na cela como fizera na noite anterior também era constante. Evitou pensar nas crianças ou em Mary e Rose. Permitiu que Alex, James e Evan tomassem seus pensamentos por alguns minutos, mas assim que imaginava os três vendo-a morrer na frente de todos, seus olhos ficavam marejados e ela mudava a direção dos pensamentos.
A morte era a última coisa que passava por sua cabeça.
Passaram-se minutos até que sua cela foi aberta. Na verdade, sabia que fora bem mais que apenas minutos, mas em sua cabeça o tempo não havia passado. Quando se está próximo da morte, o tempo passa mais rápido.
Enquanto era algemada e levada para a praça onde morreria, lembrou-se de como o tempo passava mais lentamente quando estava com fome e sabia que demoraria a comer. Daquela vez também estava com fome, mas a ideia de morrer não lhe era tão agradável quanto a próxima refeição, então não havia motivo para apressar as coisas.
Bem no fundo de seu coração e escondido em algum lugar escuro de sua cabeça, havia a esperança; esperança de que o Príncipe havia conseguido dar um jeito de salvá-la, mesmo sabendo que era impossível. Era como costumava a dizer: a esperança servia para dar visão aos cegos que se recusavam a ver a verdade.
via a verdade. E estava representada por um enorme palanque virado de frente para onde a família real estava sentada, na frente de uma enorme multidão.
Que ótimo! Todos estavam ali para vê-la morrer.
A garota evitou olhar para a multidão enquanto subia no palanque. Não queria ver nenhum conhecido e esperava que nenhuma criança de quem ela cuidava estivesse ali. Não iria suportar morrer na frente daquelas pessoas. Não por uma questão de orgulho, mas sim uma questão de arrependimento; ela conseguia comida àquelas crianças e se passassem fome após a sua morte, a culpa seria dela, que fora descuidada.
Ainda que tentando evitar olhar para as pessoas, não pode deixar de ver a família real, até mesmo porque eles dariam sua sentença. A Princesa estava sentada ao lado da Rainha, mãe e filha de mãos dadas e sentiu inveja; nunca conhecera sua mãe, então nunca pode ter um momento mãe-e-filha. O Rei estava ao lado da Rainha, onde normalmente o Príncipe ficava sentado, enquanto o Rei ficava de pé. Naquele dia as posições estavam invertidas e sabia por quê.
seria quem daria sua sentença de morte.
foi posicionada na frente do Príncipe, que a olhou com cuidado antes de piscar, como se dissesse que estava tudo bem. franziu o cenho, estranhando o contentamento no rosto do Príncipe. Ou ele havia descoberto uma forma de salvá-la ou estava muito feliz em anunciar sua morte.
Wallis, você é acusada por roubo e invasão da propriedade da família Real. – a voz de saiu mais forte do que ambos esperavam e o Rei observou o filho com certo orgulho – O que alega em sua defesa?
– Alego que estava com fome, Vossa Alteza. – respondeu, sem o menor medo de dizer o que havia acontecido, mesmo tendo omitido o fato de que a comida não era para ela. Não queria colocar Mary ou Rose em algum problema.
– Será condenada à execução para pagar por seus crimes. – finalizou, como se não houvesse dito nada.
A multidão de pessoas fez um som de ultraje. A maioria das pessoas ali conhecia , se não fosse de vista era por nome. A garota era a única mulher no meio dos homens do orfanato e vivia ajudando os outros sem pedir nada em troca. Houve uma época que ela tentou fazer uma busca pelo Reino e encontrar sua mãe perdida, mas o máximo de informação que conseguira fora que sua mãe havia morrido ajudando pessoas com doenças transmissíveis. Desde aquela época tenta ajudar a todos que pudesse.
Por ser tão querida pela população carente do Reino, era bem conhecida. As pessoas que estavam assistindo não podiam aceitar a morte de alguém tão doce quanto .
Sem protestar ou dizer uma palavra, deixou que o guarda lhe empurrasse até o palanque montado de qualquer jeito.
Se pretendia fazer algo para salvá-la da morte, o momento era aquele.
A banda que sempre acompanhava os eventos reais também estava presente na execução, soando uma batida que deixava expectativa, fazendo os tambores soarem mais fortes e rápidos conforme a morte de se aproximava. Ela revirou os olhos, criticando o quanto a família real era dramática.
O pânico só tomou conta de seu corpo quando foi jogada para cima da madeira onde deveria ficar apoiada. Seus braços permaneciam amarrados, impedindo a circulação de sangue para as mãos, deixando-as dormentes. Um guarda saiu do canto escondido que estava e, com um enorme machado na mão, se aproximou de .
Estava perto da morte, mas nunca se sentira tão viva.
Sentia seu coração bater mais forte e o sangue correr pelas veias enquanto sua respiração falhava e seu corpo inteiro parecia pulsar. Queria fechar os olhos para não ver o que aconteceria e os abrisse somente quando... Bom... Quando estivesse morta, mas não tinha coragem. Estava curiosa demais para simplesmente fechar os olhos.
O homem que vestia preto da cabeça aos pés – inclusive o rosto estava coberto por uma máscara – se aproximou e quis gritar. Ele a lembrou das histórias macabras que Rose contava, sobre a Dona Morte. Era irônico, puxado para o tom humorístico, pensar que o homem que a mataria se vestia como a Dona Morte. Se não estivesse prestes a morrer, poderia rir.
Ele se posicionou ao seu lado e afastou seus cabelos do pescoço. Teria sua cabeça cortada, como Alice, outra personagem de contos de fadas, uma de suas favoritas. Rose também contara a história da garota que perdia a cabeça por desobedecer aos pais, mas como contava para as criancinhas do orfanato, ela deixara a versão da história mais leve e ainda incrementara com alguns toques de mágica e essas coisas que crianças gostam.
Quando o machado foi levantando, ela ouviu um grito. Pensou que era o grito de , que a salvaria como havia prometido, mas não era. Era Alex, que gritou quando se aproximou do palanque, podendo ver quem estava ali para morrer. se preocupou um pouco. Não seria fácil para os três arrumarem comida suficiente para o orfanato, sozinhos. Em quatro já era difícil, em três seria ainda mais.
Viu um agito começar a se formar no meio da multidão, na medida em que seus conhecidos tentavam impedir sua morte e os guardas tentavam conter as pessoas. Isso lhe deu uns dois ou três segundos a mais, antes de o machado finalmente descer com força total, fazendo um barulho esquisito ao cortar o vento antes de chegar a seu pescoço.
Foi tudo muito rápido. Não deu tempo de sentir a dor quando sua cabeça foi cortada. O homem enorme não parecia arrependido por ter matado uma garota, mas era difícil dizer por causa da máscara que cobria seu rosto. A multidão foi à loucura e não no bom sentido. James e Evan já estavam gritando e socando guardas ao lado de Alex conforme as pessoas se afastavam da briga. Porém, pararam quando a cabeça de rolou pelo chão. Era como se tudo paralisasse por alguns segundos.
E o pior era que estava vendo tudo isso.
Ela não sabia como, mas estava flutuando. Imediatamente pensou que aquilo era a morte. Que sua alma ficaria vagando por aí até encontrar o caminho certo que teria que fazer para chegar ao Paraíso ou algo do tipo. Olhou para , odiando-o por não ter cumprido a promessa que fizera; ele havia dito que iria salvá-la, mas lá estava . Morta. O pior era o olhar em seu rosto. Seus olhos pareciam esperançosos, como se estivesse esperando por algo que iria acontecer em segundos.
revirou seus olhos mortos e voltou a observar a confusão que voltava a se estabelecer na multidão. Sinceramente esperava que seus amigos desistissem daquilo e voltassem para o orfanato. Ela já estava morta, brigar não ia resolver nada. Por outro lado, ficou imensamente feliz por ver que eles lutaram por ela, mesmo depois da sua morte.
Uma sensação estranha de formigamento começou a tomar os pés flutuantes de e ela mexeu-os, esperando por algo. Lentamente, a sensação foi subindo por suas pernas e se espalhando por seu corpo. Franziu o cenho, pois esperava que não fosse sentir mais nada, principalmente formigamento, que era causado quando o sangue não conseguia correr direito pelas veias.
E ela estava morta. Não tinha sangue para correr pelas veias.
Aos poucos, tudo foi ficando escuro e vivo. podia sentir a corrente de ar frio que passava, podia sentir a umidade e podia sentir o chão sob seus pés. Enquanto a escuridão a envolvia, tudo que passava por sua cabeça era que ela não havia morrido.
ainda estava viva.

***
They are the hunters, we are the foxes. And we run

Quando acordou, sentiu dor em cada um de seus músculos. Estava perdida e a dor mais intensa estava na cabeça. Seus olhos estavam pesados e ela não sentia nenhuma necessidade de abri-los. O chão sob suas costas parecia infinitamente macio e não se sentia pronta para levantar. Pensar demais também não ajudava em sua dor de cabeça.
Os acontecimentos passados voltaram para ela com força inacreditável, tomando conta de cada fibra de seu corpo. acordou imediatamente, se sentando e abrindo bem os olhos, rápido demais, fazendo sua cabeça girar. Demorou para ver onde estava, pois estava escuro, mas aqueles barulhos eram inconfundíveis. estava na Floresta.
Ouviu o barulho do canto dos pássaros, a corrente do rio e da cachoeira que devia ficar ali por perto; as folhas também faziam barulho quando o vento soprava. Totalmente desorientada e com dores por todo o corpo, se levantou, com certa dificuldade.
Estava com medo. Eles haviam cortado sua cabeça. Haviam mandado-a para a terra dos mortos. Como poderia se sentir viva depois de estar morta?
As palavras do Príncipe passaram por sua cabeça, fazendo-a ter um calafrio. Era o Príncipe um feiticeiro? Ele fizera aquilo com ela?
Era impossível. Não poderia estar viva. Por puro desespero, pegou uma pedra no chão, que estava levemente afiada, e passou com certa força na palma da mão, sentindo a dor e logo a pele se rasgou e o sangue escorreu lentamente, vermelho como deveria ser.
Ela estava mesmo viva.
?
Assim que ouviu seu nome, agiu por impulso. Jogou a pedra que estava em sua mão em direção à voz que a chamara e viu o Príncipe. Ele havia feito aquilo com ela. Com rapidez inesperada – já que ainda estava um pouco tonta por causa da experiência que tivera – pegou a espada que o Príncipe guardava na cintura. O objeto era um pouco mais pesado do que ela esperava, mas estava tão em choque que a adrenalina que corria em suas veias – outra prova de que estava mesmo viva – ajudou-a a posicionar a espada corretamente em suas mãos, sentindo arder o corte na mão que fizera com a pedra.
– O que você fez comigo?! – ela gritou, apontando a espada para o Príncipe, tremendo de raiva.
– Acalme-se, . – o Príncipe pediu, erguendo os braços, mostrando-se indefeso na frente da garota – Está tudo bem.
– Como está tudo bem, inferno?! – continuou a gritar – Cortaram minha cabeça e eu não morri, porra!
– Eu disse que ia te salvar, não disse? Foi o que eu fiz, eu te salvei!
– Como?! Isso é impossível.
– Abaixa essa espada, pelo amor de Deus!
Relutante, abaixou a espada e observou o Príncipe , sua respiração ofegante.
– O que aconteceu?
– Eu posso explicar. Só... Se acalme, tudo bem?
assentiu, jogando a espada longe. Com isso, se aproximou dela, lentamente. A garota continuou imóvel, tentando controlar sua respiração. Olhou para o chão e sentiu o ar sumir de seus pulmões, conforme sua cabeça pesava e a grama da floresta parecia mais e mais confortável.

***
Just grab my hand and don’t ever drop it, my love


– Ela vai ficar bem?
– Mas é claro que vai!
– A senhora tem certeza? Já fez isso antes?
– Não!
ouviu o Príncipe bufar em frustração.
– Talvez a poção tenha sido muito forte.
– Cale a boca! Foi tudo perfeito!
– Então por que ela desmaiou outra vez?
– Porque não é da sua conta!
assustou-se. Quem falava daquele jeito com o Príncipe? Algum suicida, no mínimo.
Percebeu que estava deitada em uma confortável cama de palha, coberta por um pano grosso. A janela baixa ao seu lado mostrava que ainda era de noite, a lua observando-a ao lado das várias estrelas. Por causa do satélite, o quarto estava levemente iluminado, não o bastante para ver muita coisa. Havia uma porta na outra extremidade do quartinho, por onde uma luz amarelada entrava e ela ouvia as vozes do Príncipe – ela reconheceria em qualquer lugar – e a de uma mulher, provavelmente idosa.
Sentou-se na cama, piscando várias vezes. Sua mão – aquela que cortara com a pedra – estava enfaixada, mesmo ela tendo certeza de que não havia necessidade. Não havia sido um corte tão profundo e nem estava dolorido.
Caminhou devagar em direção à porta, que não estava totalmente fechada. Com certo receio, moveu-a com calma, não querendo que sua presença fosse notada. Ouviu o barulho de algo borbulhando e logo a voz do Príncipe soou outra vez.
– Enterraram o corpo dela faz poucas horas. É estranho saber que ela foi enterrada, mas ainda está por aqui.
Enterrada
?! Ele estava falando de ?
– Eu te avisei. O feitiço que fizemos tem consequências. Você sabe qual é a maior delas, não sabe? Espero que não tenha esquecido.
– Não, não esqueci. – suspirou.
– Por que quis fazer isso? Salvá-la?
– Eu prometi.
– Mas por quê?
– Achei injusto o motivo que a levaria à morte. Fiz o meu melhor para mudar.
– Tenho certeza que foi bem mais que o seu melhor. Você a conhecia antes disso?
– Não. Seu rosto me é bem familiar, mas eu não consigo me lembrar de já tê-la visto. Eu não iria esquecer alguém como .
– Você acha que ela pode ser aquela garota?
– Eu não...
Nesse momento, tropeçou em algo no quarto, pois o lugar estava escuro demais. As vozes cessaram e ela ficou com medo outra vez. Pensou em pular a janela, mas, antes que alcançasse, o Príncipe já havia aberto a porta.
. Está acordada. – ele entrou no quarto, fazendo com que ficasse iluminado.
nunca havia visto em roupas tão casuais. Não estava vestindo o terno de sempre e seu cinturão com a espada e facas não estava em seu corpo. Usava uma camiseta branca simples, sem botões, sem nada, e uma calça que devia fazer parte do terno. Trazia nas mãos um lampião que permitia que enxergasse melhor no quarto escuro.
– Onde estou? – perguntou.
– Na casa da Bruxa da Floresta. – respondeu – Esse vai ser seu quarto de agora em diante.
– O quê? Vou morar aqui?
– Sim. Você não pode ir à cidade. Todos pensam que você está morta.
– E quanto aos meus amigos e as crianças do orfanato? O que adianta eu estar viva se eles continuarem a passar fome?
– Vou dar um jeito nisso também, não se preocupe. Você pode confiar em mim.
Ele já havia pedido sua confiança antes, e cumprira o que prometera. Afinal, ela estava viva, não estava?
– Está com fome, imagino.
apenas assentiu.
– Venha. – ele estendeu a mão para ela – Vou te levar para conhecer quem tornou isso possível.
Ela pegou na mão de , deixando que ele a guiasse.
A garota observou a casa feita de madeira e palha, humildemente construída com recursos tirados da natureza. Reconhecia o esforço que havia em cada canto da casinha, onde alguém tinha trabalhado muito para construí-la.
! – a mulher alta e magra sorriu para enquanto mexia com uma colher de pau no caldeirão que estava na lareira – Espero que goste de sopa de legumes! Estou preparando especialmente para você, querida.
– Sim, eu gosto.
– Isso é ótimo! A propósito, sou Janine, a Bruxa da Floresta! Mas fique tranquila! Não transformo príncipes em sapos ou garotinhas bonitas em escravas, ou então você e o já estariam perdidos!
e Janine riram da piada, enquanto apenas deu um sorriso de lado, para não ficar sem graça. puxou uma cadeira para que se sentasse e então se sentou ao lado dela.
– Ah... A senhora pode me dizer o que aconteceu?
– Mas é claro que posso! Apenas espere um pouco. É necessário que você se alimente direito, ou vai desmaiar de fraqueza outra vez!
reparou que ela parecia falar tudo em exclamações, como se estivesse sempre alegre e feliz, o que a fez lembrar de Mary.
Comeu sem questionar. Estava com medo de que a comida estivesse envenenada, mas relaxou quando viu o Príncipe comendo também. A sopa estava deliciosa e estava com muita fome. Fazia alguns dias que não comia e acabou repetindo o prato mais cinco vezes. Parece exagerado, mas sopa não é uma comida que dá muita sustentação e estava realmente faminta.
Depois que todos os três haviam terminado a refeição – em silêncio – Janine pediu que se sentasse outra vez e então contou tudo que ela precisava saber sobre o que havia acontecido. Fugir da morte não era simples e havia um preço a ser pago. Era um preço tão alto que não havia como pagar sozinha, então havia se comprometido a pagar com ela. Afinal, ele tivera a ideia de ir procurar a Bruxa para tentar salvar da pena de morte.
Após alguns minutos de conversa, estava chocada. Era difícil acreditar no que ouvia, mas, mesmo assim, tentou manter a mente aberta. Depois de tudo esclarecido, teve que partir, apressadamente. Ninguém poderia nem mesmo desconfiar do que ele havia feito. Não era apenas sua vida que estava em jogo, já que, agora, e ele compartilhavam a mesma vida.
Compartilhar a vida com o Príncipe não fora a única consequência. havia ganhado algo como um poder, que não era exatamente bom, mas era necessário. A Bruxa e o Príncipe haviam matado uma raposa e juntado com o sangue de , para poder concluir o feitiço que manteria viva. As consequências eram e compartilhando a vida. Na cabeça fechada de , isso não fazia sentido nenhum, mas ela não questionaria; estava viva, afinal.
Se despedir de foi o mais difícil. Ela podia sentir cada pedaço de seu corpo implorando para que ele ficasse, a alma que compartilhavam pedindo por misericórdia. Ficar separado um do outro chegava a ser doloroso, mas ela não admitira isso, assim como não disse nada enquanto corria de volta para o castelo na escuridão da noite.
Eles estavam ligados para sempre e, o que acontecesse com um, aconteceria com o outro.
Quando se deitou para tentar dormir naquela noite, perguntou-se por quê. Qual era o grande motivo de para salvá-la? Por que ela era tão importante ao ponto de ele querer compartilhar a alma com ela, sem medo do que viesse depois?
As perguntas sem respostas a perseguiram durante a noite toda, enquanto sonhava com uma linda raposa fugindo de um caçador, que se parecia muito com .

***
Love’s a fragile little flame, it could burn out


Os dias pareciam se arrastar conforme esperava por uma visita de . Sua vida se tornara ajudar Janine com poções e aprender um pouco sobre feitiçaria. Também caçava sempre que possível, tentando levar carne de animais para que elas comessem, mas Janine insistia nos vegetais. Já passara mais de dois meses desde a última visita de , onde ele havia levado algumas roupas para . A saudade estava grande ao ponto de sentir que iria adoecer a qualquer momento.
Era outra noite levemente fria. estava caçando na floresta, procurando por algum animal de pequeno porte, como um coelho ou um esquilo, quando ouviu, pelo barulho das folhas, que alguém se aproximava. Não houve nem tempo para sentir medo, pois ela sabia. Havia sentido sua presença desde que ele entrara na floresta.
. – murmurou, sabendo que ele estava ouvindo – Demorou para voltar.
– Está acontecendo tanta coisa no Reino, . – suspirou, sua voz ficando mais próxima da garota – A cada dia que passa, minha vontade de largar tudo e vir até você é cada vez maior.
– E por que não vem?
A garota se virou para encará-lo, já sabendo que o veria com a camiseta branca e toda aquela pose informal que tirava seu fôlego. Abaixou o arco e flecha, guardando-os logo em seguida. Não iria caçar naquela noite. Não, se estava ali, passaria cada segundo de seu tempo apreciando cada movimento dele, cada palavra falada, cada respiração dada.
Em sua cabeça, chegava a ser ridículo o modo como precisava dele, graças à ligação que possuíam.
– Não quero falar disso agora. – ele respondeu, se aproximando ainda mais da garota, que usava um leve vestido azul, que ia até a ponta de seus pés e chegava na metade de seus cotovelos – Preciso aproveitar o tempo que tenho com você.
a abraçou, sentindo cada músculo de seu corpo relaxar. O tempo que passava longe dela era a pior das torturas.
deixou que os braços fortes de tomassem lugar ao seu redor, sentindo o coração que batia em seu peito bater no mesmo compasso do dele. Eles estavam em perfeita sincronia, como as engrenagens de um relógio.
– Está com fome? – ele perguntou, ainda envolvendo-a.
– Não. Estou bem.
Eles se afastaram o bastante para olharem um para o outro. Nada parecia fazer sentido. A vida do Príncipe estava de cabeça para baixo e apenas lhe trazia paz.
– Eu não sabia que seria assim. – admitiu ele, em um sussurro.
– Assim como?
– Não sabia que ficaria tão dependente de você.
As bochechas de ganharam um tom avermelhado.
– Por que me salvou? Por que não me deixou morrer? Eu seria só mais uma, não é mesmo? Quantos já não morreram naquele mesmo lugar onde eu deveria ter encontrado a morte? Por que eu sou diferente, ?
Só de pensar que poderia estar morta, o coração de parou de bater. Seus músculos ficaram mais rígidos e tensos. Não, ela não estava morta. Fechou os olhos, tentando relaxar. Estava tudo bem, estava bem ali, em seus braços.
– O que é certo, é certo. – respondeu simplesmente, dando de ombros.
se afastou dele, balançando a cabeça.
– Isso não faz sentido. Você nem me conhecia. Eu poderia ser uma qualquer. E mesmo assim você me deu um pedaço da sua vida. Entende como isso é absurdo? – queria gritar sua frustração. Sem pensar duas vezes, balançou a cabeça, preparando para abandonar na Floresta, mesmo que aquilo significasse deixar um pedaço de si para trás – Não quero mais ver você, . Não enquanto não estiver disposto a me dizer a verdade. Eu mereço saber.
Ele estava prestes a brigar e sabia que acabaria cedendo, então correu. Correu o mais rápido que pode, tomando caminhos alternativos para que ele se confundisse caso tentasse segui-la. Por passar tanto tempo na Floresta, conhecia cada uma das árvores como a palma de sua mão. Depois de alguns minutos correndo, finalmente avistou a casa que aprendera a chamar de sua.
Janine estava esperando-a na porta, com a expressão de uma mãe preocupada.
– Aconteceu algo, querida?
Com os olhos marejados, assentiu.
Não sabia dizer por que estava chorando. Não sabia explicar por que doía tanto abandonar . Antes de tudo, ela nem gostava dele!
Esse era o problema. Antes. Antes de ser pega roubando. Antes de morrer e voltar. Antes de ter a alma compartilhada com .
Chorou no colo de Janine, sem conseguir pronunciar palavra nenhuma. Desde que aparecera em sua casa, pedindo ajuda, ela sabia que seria assim. Sabia que eles acabariam colocando um ao outro em um inferno. Não era saudável alguém depender tanto de outra pessoa como eles dependiam um do outro. Principalmente quando essas duas pessoas não se conheciam direito.
Quando finalmente se acalmou, Janine sentou-se com ela na cozinha da cabana. Segurou sua mão, apertando firme.
– Está se sentindo melhor? – a Bruxa perguntou, tentando soar o mais compreensiva possível.
– Não. – conseguiu pronunciar. Tossiu um pouco e limpou a garganta antes de falar outra vez – Tive que deixar .
– Vocês tiveram uma briga?
– Não exatamente... Bom... Sim. Eu acho.
suspirou, esperando que Janine fosse ficar brava com sua indecisão, mas isso não aconteceu. Ela esperou pacientemente que se decidisse o que estava errado.
– Eu não consigo entender. – explicou – deu um pedaço da vida dele para mim. Por quê?! Ele nem me conhecia! Eu pedi a verdade e ele não me falou nada. Então disse que ele só deveria voltar quando estivesse pronto para falar. Só que isso dói, Jan. Dói muito.
Janine assentiu, entendendo. Ela sabia de toda a verdade. Por mais que estivesse esperando que contasse, sabia que não teria jeito. Mais cedo ou mais tarde deveria saber.
– Você quer que eu te conte, querida?
– A senhora sabe?
– Sei, sim. deveria te contar, mas você precisa saber, antes de mais nada.
– Então me conte, Jan. Por favor! Talvez, se eu souber o que há entre e eu, haja algum jeito de tornar a ligação entre nós mais fraca. Não posso continuar tão dependente de alguém. Afinal, todos pensam que estou morta.
Janine suspirou, tomando coragem. Estava prestes a destruir tudo que a garota sempre acreditou.
– Você sabe sobre as guerras com os Reinos vizinhos, não sabe?
assentiu, não querendo interromper.
– Pois, bem. A última grande guerra foi há exatos 21 anos, meses antes de você ou de nascer. Os pais de eram muito amigos do Rei e da Rainha de Cleverland...
– Está dizendo que não é filho do Rei e da Rainha? Não de verdade?!
– Não, ele não é filho deles. Deixe-me terminar, . O Rei e o pai de eram muito amigos, mas o homem morreu durante a guerra, deixando a mãe de sozinha e grávida dele. A Rainha também estava grávida, estando com dias de diferença da mãe de . O Rei, que já era pai da Princesa, precisava de um filho homem para assumir o trono, principalmente após o fim das guerras. O povo precisava de expectativa, precisava acreditar que havia um novo rei a caminho, um que poderia ajudar a todos no futuro...
“A mãe de deu a luz primeiro. Ele era um lindo bebê, com o rosto angelical e bem esculpido, digno de realeza. A Rainha deu a luz dias mais tarde, porém, para decepção de todos, era uma menina. É aí que você entra. Você era a menininha, . Você é a filha do Rei e da Rainha.”.
– Isso é impossível, Janine, desculpe. Eu nasci no orfanato. Se eu fosse mesmo filha do Rei, não teria passado por tudo que passei. Ele nunca permitiria.
– Você não me deixou terminar, garotinha! – a Bruxa franziu o cenho, repreendendo , que se calou no mesmo instante – A mãe de foi obrigada a entregar seu bebê, trocando de filho com o Rei. Pouco tempo depois, descobriram que o Rei traía a Rainha com a mãe de , desde muito cedo. A Rainha mandou que a mulher fosse embora do Palácio e de Cleverland e nunca mais voltasse. Com pena de você, ela te deixou no orfanato.
– E como sabe tudo isso?
– Eu sou a mãe biológica de , .
se levantou, assustada. Encarou a mulher, começando a vê-la com outros olhos. Se observasse bem, Jan se parecia com . se lembrou do modo como a Bruxa falava com como se ele não fosse um Príncipe, apenas um simples garoto. Estava explicado, fazia sentido agora.
– Eu sei que parece confuso e que é muita coisa para absorver, mas não é tudo. – Jan voltou a falar – A Princesa não é filha da Rainha. É minha filha, assim como . A única filha legítima do Rei e da Rainha, como marido e mulher, é você. Isso te torna a única herdeira do trono de Cleverland. E era por isso que não queria deixar que você morresse. Depois que foi te ver na cela, ele passou aqui e me perguntou o que deveria fazer. Me contou quem você era e de onde tinha vindo e eu lhe falei quem você realmente era. No mesmo momento, ele sentiu que o certo era te salvar. Afinal, ele não podia matar a futura Rainha de Cleverland.
estava sem palavras. Ela não entendia. Não conseguia ligar os pontos. Ela sempre fora órfã. Seus pais a jogaram fora e Rose e Mary a acolheram. Esse era seu passado e isso era tudo que sempre soube sobre si mesma.
E então Janine aparecia e dizia que estava errado.
– Não. – negou, levantando-se da cadeira, afastando-se de Janine e indo em direção à porta de saída – Eu não sou filha de Rainha. Não vou assumir Cleverland. Nunca gostei daqui, nunca tive origens. Vocês devem ter pegado a garota errada, porque eu, com certeza, não tenho sangue real. E mesmo se tivesse, qualquer traço de realeza teria desaparecido com o passar dos anos.
correu outra vez, agora indo para longe da cabana, ignorando Janine, que gritava seu nome. Correu até a cachoeira, onde se sentou na beirada das pedras, molhando os pés, não se importando em molhar o vestido. Deixou mais lágrimas molharem seu rosto, já que estava completamente confusa.
O pior era pensar que ninguém de sua família a quis de verdade. Sendo filha do Rei – como a Bruxa dissera – ele havia trocado-a por outro bebê, por ela não ser menino e não ter capacidade de assumir o trono. Sendo filha de pais comuns, eles também não a quiseram, pois haviam jogado-a em um orfanato.
Era extremamente doloroso se sentir indesejada, sentir que pertencia à lugar nenhum. Preferiu estar morta a continuar a sentir aquela dor no peito. Observou os pequenos peixes que nadavam no rio onde desaguava a cachoeira, invejando-os. O cardume estava sempre unido, como uma grande família de peixes. Ela se sentia parte de uma família com Rose e Mary e Alex, Evan e James. Mas então isso fora tirado dela também.
No momento, se encontrava em seu estado mais miserável.
?
olhou para trás e se surpreendeu por não ter sentido sua presença antes. estava atrás dela, vestido com as mesmas roupas de antes, se aproximando para sentar na pedra também.
A garota estava em ume estado tão deplorável que não tinha forças nem para correr, nem para ficar discutindo com o Príncipe.
– Janine te contou tudo, não foi?
balançou a cabeça em concordância.
– Imagino que tenha sido um choque. – ele suspirou – Quero que saiba que para mim foi também. Encontrar Janine e descobrir que ela era minha mãe de verdade e que eu não tinha nenhum vestígio de sangue real... Foi assustador.
A garota continuou em silêncio, se aproximou dela, encostando seus ombros.
– Sei o que está sentindo. Em um momento você pensa que é alguém, que sua vida já está traçada... E, então, no outro, você não tem mais nada além de um novo começo e mentiras.
Os olhos de procuraram os de , encarando-o pela primeira vez desde que ele começou a falar, vendo-o encarar de volta. Sentiu a dor em seu peito diminuir.
– Você tem os olhos da minha mãe. Da Rainha, quero dizer. E a coragem dela também. Você chegou até aqui sozinha, . Iria morrer porque parou para ajudar uma cozinheira. Faz alguma ideia do quão boa Rainha você vai ser?
– Não, . Não repita isso nunca mais. – ela pediu, tirando os pés da água e abraçando os joelhos – Não posso ser Rainha. Não sei administrar um país. E, para piorar, todos pensam que eu estou morta. Não tem motivo para ficar falando sobre isso.
– Pra mim, você daria uma ótima Rainha, princesa.
viu sorrir, o que fez com que todo seu rosto se iluminasse. Pela primeira vez, em toda sua vida, sentiu uma pontinha de esperança, como se nem tudo estivesse perdido para ela; como se pudesse ser aquele que ela tanto queria.
A luz das estrelas e da lua era bem mais forte na Floresta e se aproximou de , fitando seus lábios. engoliu em seco, esperando com expectativa o que estava para acontecer.
Quando as duas bocas finalmente se fundiram em um beijo apaixonado, eles sentiram seus corações batendo no mesmo ritmo, suas vontades caminhando à mesma direção. Eles estavam unidos por muito mais que apenas um feitiço; a partir daquele momento, eles também criaram uma ligação de corpo e alma, fazendo da noite sua testemunha.
sentiu cada parte de seu corpo ser tentada por e a cada momento que ele a tocava, sentia o fogo se espalhar. Ardia em todos os pontos deliciosamente certos, fazendo-a esquecer-se de tudo que a entristecia. curaria todas suas feridas e ela faria dele um homem mais forte, capaz de aguentar bem mais do que ele acreditavam ser capaz.
Enquanto se amam e se perdiam um no corpo do outro, uma raposa observou-os, de longe.

***
Let them say what they want, we won’t hear it


e tinham um grande problema em se separar, então o Príncipe tentava visitá-la sempre que possível. Não era apenas a ligação que os mantinha conectados, mas o amor e carinho que haviam desenvolvido um pelo outro.
Mesmo assim, não podia ir para a Floresta todas as noites. Primeiro porque estava muito cansado e segundo por causa da rebelião. Oh, maldita rebelião!
Depois da suposta morte de , as classes média e baixa haviam se rebelado contra o Reino. Eles pediam justiça e corriam pela parte rica de Cleverland, espalhando o caos e exigindo melhoras. e seu pai já haviam tentado tomar medidas para diminuir a crise, como abaixar o preço dos impostos, mas fica cada vez mais difícil.
Em uma das noites, estava se preparando para ir ver na floresta, mais ou menos quatro meses após tudo ter começado. Seu vigésimo primeiro aniversário era em poucos dias e o Rei acreditava que, nessa idade, já deveria se preparar para assumir o cargo que lhe era digno por direito a qualquer momento.
O Rei entrou em seu quarto sem bater, como era de costume. havia aprendido a tomar cuidado com o que dizia e com os guardas que permitiam sua saída. A qualquer momento poderia ser denunciado e então perguntas seriam feitas; perguntas cujas respostas ele simplesmente não podia dar.
– Filho, seu aniversário é no fim do mês. Já sabe quem vai desposar?
Ao ouvir aquilo, sentiu náuseas.
– O quê?!
– Casar, . Você precisa se casar. Não pode assumir o trono solteiro.
– Mas não vou assumir com 21. Só vou assumir depois que o senhor falecer, e tenho certeza de que demorará alguns anos para isso. Até lá terei tido tempo de conhecer uma moca digna de ser rainha e minha esposa.
tentou usar as palavras ao seu favor e assegurar ao pai que se casaria assim que encontrasse a moça certa, mas o Rei não quis ouvir nada disso.
– Quero que se case, . No pôr do sol de seu aniversário de 21 anos irá se casar.
– Mas, pai...
– Sem mas! E se você não escolher, eu escolherei a moça que me pareça mais adequada. – o Rei finalizou, saindo do quarto, mostrando para que não queria ouvir mais nada – Espero que não me decepcione, filho.
O velho bateu a porta, deixando sozinho com seus pensamentos. Já fazia uma semana que não se encontrava com e precisava vê-la. Esperou um tempo antes de sair, andando pelo caminho já conhecido até a Floresta.
Por causa da rebelião, era perigosíssimo sair depois que ficava escuro. O toque de recolher de Cleverland já havia sido há muitas horas, mas lá estava o Príncipe; desobedecendo a uma das mais importantes regras do Reino.
Encontrou cozinhando para Janine, que não estava se sentindo bem. Contou para as duas o último episódio com o Rei, ainda não falando da rebelião. Não queria preocupar a mãe e mulher que amava, mas precisava desabafar. ficou decepcionada ao ouvir sobre a conversa de com o Rei, mas ele lhe assegurou que era a única com quem queria se casar e que daria um jeito de trapacear.
Depois que fizeram amor naquela noite, se despediu de e voltou para o Palácio, como sempre fazia.
Porém, dessa vez, havia alguém observando-o o tempo todo.
O dia amanheceu e foi colher algumas frutas frescas para Janine. A mulher estava de cama, sentindo certa indisposição, devido à sua idade avançada. tinha a intenção de preparar algo para as duas comerem, mas algo não estava certo na Floresta.
deu passos cuidadosos, sentindo a presença de mais alguém por ali. Uma raposa pulou de detrás dos arbustos, mas a garota não relaxou. Sabia que aquele som não era o som de passos animais e sim humanos. A raposa correu para longe de , se afastando mais e mais do barulho que havia ouvido.
Tirou o arco e a flecha que levava sempre que ia caçar. Também havia uma faca presa em uma corda em seu vestido, caso fosse necessário. Ela não queria matar ninguém, mas qualquer um que a visse precisava morrer. não podia correr o risco de ser encontrada.
Posicionou uma flecha no arco, mirando-a no lugar onde ouvia os barulhos. Seus ouvidos haviam ficado mais sensíveis após sua morte e conseguia captar barulhos que ouvidos humanos normais não conseguiam.
Esperou.
Segundos depois, a figura de Alex pulou em sua frente, fazendo com que quase soltasse a flecha, mas parasse a tempo.
– Que inferno, Alex! – ela gritou, frustrada – Eu poderia ter te matado!
O amigo parecia em choque, se conseguir pronunciar uma única palavra. Ela pensou que ele fosse desmaiar ou alguma coisa assim, mas ele apenas continuou estático.
– Eu sei que pode parecer estranho, mas eu não morri. Foi um truque de feitiçaria que a Bruxa da Floresta fez. Graças aos poderes dela estou viva.
– Como isso é possível?
– Honestamente? Nem eu sei. Mas não precisa ficar com medo. Ainda sou eu, a mesma .
A garota lançou um sorriso reconfortante para o amigo, querendo que ele visse que, realmente, não havia perigo. Tomou o cuidado de manter de fora da conversa, para que ele não tivesse problemas mais tarde.
Quando Alex finalmente confiou nela, eles se abraçaram por um longo tempo. não o levou para a casa onde ficava, por questão de segurança. Seu segredo precisava ficar extremamente guardado. Alex contou que seguira o Príncipe na noite anterior, mas se perdera no caminho. Ele pretendia matá-lo. Foi aí que finalmente ficou sabendo.
Estava acontecendo uma rebelião.
Alex contou que as classes mais baixas haviam se revoltado contra o Rei e exigiam justiça. Estavam tentando tirar a família real do poder, mas essa era uma longa jornada. Já haviam invadido o Palácio três vezes, roubando alguns documentos importantes com informações que nunca haviam sido reveladas para o povo, mas que eles dariam um jeito. Ele pediu que voltasse com ele, mas ela explicou que não podia. Ainda precisava continuar “morta” por um tempo. Só então, depois, voltaria.
Quando Alex foi embora, logo sentiu a sensação de ser traída. não havia lhe contado sobre a invasão no Palácio, tampouco sobre a rebelião. Começou a perceber que tudo que sabia, não havia sido por e sim por terceiros.
Começou a questionar o quanto lhe falava a verdade.

***
See the vultures circling in dark clouds

Mais tarde, naquela semana, a Princesa trombou com enquanto ele tentava escapar para ir à Floresta.
? Aonde vai tão tarde?
– Só vou tomar um ar. – ele mentiu, dando de ombros – E você, por que ainda não foi se deitar?
– Como se fosse fácil dormir com todos esses pobres protestando na frente do Palácio. – a irmã bufou, revirando os olhos – Eu já falei para o papai mandar matar todos, mas ele não me escuta.
– É, talvez seja a melhor solução. – concordou, só para não ter que continuar aquela conversa ridícula – Volte para o seu quarto. Vou dar uma volta e já entro.
– Tudo bem.
Mas, quando saiu do Palácio, a Princesa o seguiu.
A Princesa tinha problemas de insônia e ficava acordada a maior parte da noite, se revirando na cama. Normalmente, a única coisa que ajudava era uma boa xícara de chá bem quente e um passeio nos jardins. Por causa disso, acabou percebendo que pelo menos uma vez por semana, seu irmão atravessava os portões silenciosamente e se perdia na Floresta. Ela nunca ficava até ele voltar, já que parecia demorar uma eternidade e quando o sol começava a aparecer a Princesa voltava para seu quarto. No começo acreditava que ele ia caçar, mas então reparou que nunca havia nenhum tipo de animal diferente durante o jantar ou na coleção de empalados na sala de caça. não saía vestido como Príncipe e usava somente roupas casuais, não levando nenhuma arma, o que descartava a possibilidade de caça. Naquela noite, quando o viu sair, sua criada particular ainda não havia levado seu chá, então resolveu ir atrás dele e descobrir o que fazia.
Ela andou com certa distância dele, tomando cuidado para não pisar em nenhuma folha barulhenta ou em um galho. Como estava escuro era mais difícil enxergar , mas a Princesa não o perdeu de vista. Logo avistou uma pequena cabana, onde entrou e ficou por um tempo. Não conseguiu se aproximar para ver melhor ou tentar espiar por uma das janelas, pois tinha medo de acabar se denunciando.
Preferiu ficar escondida, imaginando quanto tempo ele passaria lá dentro.
Quando a Princesa já estava ficando impaciente, saiu da casa, despedindo-se de uma senhora velha, alta e magra, que lhe era vagamente familiar. Sabia que já a conhecia de algum lugar, mas sua memória não identificava de onde. Ele a abraçou e lhe deu um beijo na testa, sorrindo ao se afastar.
Assim que a velha voltou para dentro da cabana, a Princesa voltou a seguir o irmão. Ele caminha rapidamente, como se estivesse com pressa, desesperado por algo. Foi mais difícil acompanhá-lo em silêncio e ela sabia que se estivesse mesmo prestando atenção em alguma coisa, teria percebido que estava sendo seguido.
Ouviu o barulho da cachoeira e logo avistou a água corrente desaguando no rio, mas não foi isso que lhe chamou atenção.
Seu irmão correu em direção à uma garota que estava sentada em uma das pedras na beira do rio, usando um vestido rosa desbotado que chegava até dois palmos abaixo do joelho e tinha as mangas compridas dobradas até o cotovelo. Quando se aproximou o suficiente dela, abraçou-a, mas logo viu que ela se livrou de seus braços.
– O que foi, ?
. O nome era familiar para a Princesa. Onde já havia ouvido aquilo...?
– Por que não me contou, ?
A Princesa percebeu rapidamente que ela não tratava o irmão com o devido respeito, assim como a velha da cabana. Ali, na Floresta, era como se ele não fosse nenhum Prícipe.
– Não há nada para...
– Não mente pra mim! – ela gritou – Eu já sei de tudo!
– O que você sabe, ? O quê...?
– As pessoas se rebelaram na cidade. Estão atacando o Palácio! Tudo um caos! Os soldados estão saindo para matar pessoas inocentes para tentar colocar medo nas pessoas! Quando pretendia me contar tudo isso?!
A Princesa se aproximou ainda mais para tentar ver o rosto da garota. Não parecia ser muito velha, talvez tivesse a idade de seu irmão.
...
– Não, ! Se você vai me pedir para esquecer isso e deixar de lado, então prefiro que não fale nada. Aliás, não falar nada é a sua especialidade!
– Me desculpe, ok?! – gritou, bufando frustrado – Não pretendia esconder nada de você. É só que eu não aguento mais. Meu pai está me pressionando para casar, e então explodiu a rebelião e ele quer que eu dê um jeito em tudo e eu só quero estar com você, ...
A tal virou o rosto e então a Princesa finalmente pode vê-la direito, lembrando-se de que aquela era a garota que haviam enterrado alguns meses atrás. Arregalou os olhos e conteve um grito de surpresa. Ela havia visto a cabeça da garota rolar pelo chão e espalhar sangue para todos os lados, mas ali estava ela, na Floresta, discutindo com seu irmão.
– Não sei se vou conseguir vir te ver como sempre faço, nos próximos dias. Eles estão me vigiando. Exigindo coisas de mim. Não posso vir para cá e arriscar que te vejam.
O silêncio se instalou pelo lugar durante alguns minutos. Nenhum dos dois falou nada, e a Princesa prendeu a respiração para não fazer barulho. Estava completamente chocada com o que via.
– Nós podíamos... Fugir.
– Como assim?
– Pegue suas coisas e vamos fugir. Vamos para algum lugar bem longe daqui. – começou a falar, se aproximando de e colocando uma mão em cada ombro do rapaz – Estive explorando a Floresta. Conheço lugares para onde podemos ir e não seremos encontrados. Você só precisa dizer “sim”.
– Eu diria “sim” para você em qualquer ocasião, .
A Princesa assistiu perplexa ao beijo que os dois compartilharam. Com isso, não se aguentou. Percebeu que seu irmão iria fugir com a garota que deveria estar morta e sentiu-se traída. sempre fora dela. Sempre cuidara dela. Ele não podia simplesmente fugir com uma qualquer.
Começou a correr de volta para o Palácio, sem se importar com o barulho que estava fazendo. Naquele momento, ela precisava chegar ao seu pai.

***
Something happens when everybody finds out


e traçaram um plano. Eles iriam fugir por um caminho escondido atrás da cachoeira, na próxima visita de . Janine estava a par de tudo e estava torcendo e apoiando a felicidade dos dois. Perguntou se não queria a coroa – que era dela por direito – e a garota recusou na mesma hora; sua opinião sobre ser rainha ainda não havia mudado.
Passaram a noite juntos, contando cada segredo que haviam escondido um do outro. contou que seu amigo a encontrara e foi assim que soube da rebelião. contou sobre como tudo aquilo começou. Eles foram honestos um com o outro e despediram-se com a promessa de se ver em breve, sem ter a menor ideia do que estava para acontecer.
Assim que se aproximou do Palácio, os soldados o prenderam. Ele exigiu que fosse solto e não entendeu o que estava acontecendo. Levaram-no para o Rei, enquanto gritava e se debatia.
– Você, , é uma vergonha para esse Reino! – o Rei gritou assim que viu o filho. Em sua mão, havia um enorme ferrete, com a ponta vermelha por estar quente, já que o Rei mantinha a ponta do ferro na lareira, esquentando-o – Nunca me desobedeceu e me desonrou tanto. Tenho vergonha de ter criado você como meu filho.
sabia. De algum modo seu pai havia descoberto sobre . Seu pai sabia que a garota estava viva e que ele estava ajudando-a. Era a única razão.
– Pai...
– Não te dei permissão para falar! – o Rei gritou ainda mais alto, fazendo os cinco soldados e o Príncipe tremerem. observou o chicote e o ferrete na mão do seu pai, não querendo imaginar o que ele faria com aquilo, mas soube no momento seguinte – Tirem a camiseta dele.
Os soldados rasgaram o tecido branco da camiseta de com brutalidade, mas ele não reclamou. Recusava-se a mostrar fraqueza diante do pai.
– Não sabe o quanto me dói fazer isso, . – o Rei voltou a falar, largando o ferrete com a ponta na lareira, e se aproximando dele com o chicote, gesticulando para os soldados segurarem o rapaz – Preciso que me diga a verdade e somente a verdade, e então te pouparei do castigo. Onde está a garota?
não podia nem imaginar as mãos do pai machucando . Se tivesse que escolher entre morrer e deixar que seu pai desse um tapa em , escolheria a morte sem pestanejar. Encarou desafiadoramente os olhos do Rei.
– Com certeza o senhor já sabe como encontrá-la, já que sabe o que eu estive fazendo. Não precisa de minha ajuda. E, se precisar, saiba que não irei colaborar mesmo que minha vida dependa disso.
– O que ela fez com você, meu filho! É uma feiticeira, aposto! Como ela pôde te seduzir desse jeito?!
– O senhor sabe quem ela é, não sabe? Desejou a morte de desde o princípio. – continuou a desafiar o Rei, tentando manter a raiva do homem concentrada nele. Se sofresse por culpa de ... Ele não aguentaria. Qualquer coisa que seu pai fizesse não doeria o suficiente para fazê-lo entregar – Sabe que ela tem o direito ao trono e é a única. Se ela descobrisse e viesse atrás de você, o que faria, papai? Imploraria para que e os rebeldes não o matassem, imagino. Eu não vou pedir pela sua misericórdia. Não quando o senhor está sendo apenas um velho manipulador e egoísta.
– Já chega!
Um tapa foi desferido no rosto de com toda a força do Rei. Ele sabia que isso ia acabar acontecendo, mas precisava continuar. não aguentaria aquilo. Depois do tapa, apenas continuou com sua expressão de deboche, como se achasse que o Rei fosse um tipo de criancinha, ignorando a dor que sentia no lado direito de seu rosto.
– Você pretendia fugir com ela, seu bastardo! Abandonaria tudo por ela!
– Ela deveria estar aqui! Ela deveria comandar tudo e não você! As pessoas estão se rebelando por sua causa, pai! As pessoas estão querendo a morte da nossa família porque você é um manipulador egoísta! Matou porque roubou para dar no orfanato, mas isso foi só um pretexto! Não queria que ela, um dia, tentasse assumir o cargo e conseguisse ser melhor que você!
pretendia continuar gritando tudo que estava entalado em sua garganta, mas apenas um grito de dor saiu de sua boca. O chicote estalou alto, mas a dor só veio depois, em ondas, cada vez mais forte. Abaixou os olhos e viu a linha vermelha na altura de sua barriga, onde sangue começava a escorrer. Seus olhos marejaram com a dor, mas ele conteve as lágrimas. Antes que pudesse se recuperar do primeiro golpe, outro o atingiu, dessa vez nas costas. nem havia percebido que seu pai havia se movido, pois a dor estava deixando-o cego. Ele pensou que ficaria mais fácil, mas quando a terceira chicotada atingiu suas costas, ele deixou uma lágrima cair. A dor era insuportável e os soldados estavam segurando seus braços, puxando-os, para que ele não se movesse, fazendo com que as feridas abertas ficassem mais expostas. Algumas chicotadas atingiam as linhas vermelhas, tornando tudo mais doloroso.
pensou em . Manteve a garota em seus pensamentos enquanto sentia cada canto de seu corpo queimar em dor. Deixou que o sorriso e a risada contagiante de o dominassem e o sabor de seus lábios voltasse para sua boca. Enquanto mais açoitadas lhe atingiam o corpo, mais ele pensava nela, tentando tornar a dor suportável.
Quando ele pensou que fosse desmaiar, ouviu o Rei jogar o chicote longe. Abriu os olhos que havia fechado sem perceber. Seu tronco inteiro ardia e gotas de sangue pingavam pelo chão do escritório. Os soldados ainda seguravam o Príncipe, não deixando que esse se encolhesse ou tentasse fazer a dor parar.
– Última chance, . Me diga onde está a garota.
levantou os olhos e viu o pai segurando o ferrete com uma luva grossa. Era apenas um pedaço de ferro entortado na ponta, para que pudesse deixar uma marca maior. Não parecia ser nada demais, mas então via a ponta avermelhada, o que mostrava o quanto estava quente e sua cabeça começava a girar. Mesmo ele acreditando que não tinha como sentir mais dor, sabia que estava errado. Uma queimadura feita com um ferrete deixava cicatrizes permanentes e queimava o bastante para deixar a pele em carne viva. não queria experimentar aquilo.
– Ela é sua filha. O senhor deveria saber, não eu.
gritou com toda a força de seus pulmões quando sentiu o ferro tocar-lhe o corpo, queimando lentamente seu peito ferido. Debateu-se, mas os soldados estavam segurando-o e eram fortes.
Aos poucos, tudo ao redor de ficou preto e ele não podia mais dizer o que estava acontecendo, nem a dor podia ser sentida.
Enquanto isso, na Floresta, gritava. Janine entrou no quarto de , encontrando a garota dormindo e se debatendo na cama, como se estivesse tendo o pior pesadelo de todos.
, querida, acorde! – Janine pediu, chacoalhando os ombros da garota.
pulou, abrindo os olhos na mesma hora.
– Oh, Jan! – ela chorou – Eu sonhei com . Foi o pior sonho de todos.
– O que acontecia?
– Ele sentia dor. Muita dor. Estava tudo escuro, mas eu podia sentir a dor dele. Eu via traços de , como seu rosto ou apenas sua mão. Estava tudo coberto de sangue, Jan!
A garota começou a chorar convulsivamente, fazendo Janine apertá-la em seus braços.
– Fique calma, querida. Foi só um sonho.
– Mas e se estiver sofrendo mesmo? E se algo tiver acontecido?
– Nada aconteceu, . Está tudo bem.
assentiu, tentando se acalmar.
A Bruxa da Floresta voltou para seu quarto com a intenção de dormir mais um pouco e esperava que fizesse o mesmo. Mas a garota não conseguia. O pesadelo ficava se repetindo em sua cabeça e ela continuava a ver gritando, pedindo por socorro enquanto caçava.
Passou o dia inteiro preocupada, tentando sentir qualquer coisa em relação à ele através da ligação, mas nada vinha. Era como se houvesse sido desligado dela. Conforme as horas passavam, sua preocupação crescia e a falta de ter o que fazer apertava. Com a intenção de se distrair, pegou seu arco e flecha e foi caçar.
conseguiu um enorme coelho branco que daria um ótimo jantar. Os animais pareciam agitados aquele dia, como se algo estivesse errado. Ela não entendia o que estava acontecendo, mas isso só servia para alimentar seus pensamentos sobre precisando de ajuda. Era como se a Floresta estivesse avisando-lhe algo que, para ela, permanecia na ignorância.
Já estava voltando com o coelho morto nas mãos quando avistou uma raposa deitada ao lado de uma árvore em seu caminho. Poderia ser uma cena comum, se não fosse pela enorme flecha que havia na raposa, fincada no meio de seu dorso. Ela estava viva, esperando a morte chegar e se arrepiou. Estava próxima da cachoeira e podia jurar que aquela raposa era a mesma que estava sempre pelas redondezas. Mas o fato de o animal estar morrendo não era grande coisa se analisasse a flecha.
Era uma flecha dos soldados do Reino.
se aproximou da raposa e, pegando a faca que carregava pendurada em um cordão no vestido, pediu desculpas para a raposa, acariciando sua cabeça, mas vendo a dor no olhar do animal. O sangue escorria da ferida feita pela flecha e não havia como salvá-la. A única solução para acabar com o sofrimento do animal foi enfiar a faca que segurava com força em seu pescoço. usou toda sua força para ter certeza de que o mataria, não querendo prolongar seu sofrimento. Logo depois, de garantir que a raposa estava morta, pegou a flecha que havia lhe dado um golpe cruel.
era uma boa caçadora e sabia reconhecer que aquela flecha fora lançada por maldade. O arqueiro tinha o conhecimento de que não mataria a raposa ao soltar a flecha. analisou o objeto do Reino, com as iniciais do Rei gravadas em seu comprimento...
E então entendeu.
Correu para a casa na cabana o mais rápido possível.
Os pássaros haviam voado para longe e os animais corrido. A cabana estava pegando fogo, sendo consumida pelas chamas facilmente, pois era feita de madeira e palha. Se o fogo na fosse contido, logo se espalharia pela Floresta e acabaria matando os animais.
sabia que aquilo fora obra dos soldados. Eles sabiam. Eles sabiam que ela estava viva e onde morava. Haviam queimado sua casa e Janine estava desaparecida. Ela esperava que estivesse bem.
Nenhum soldado estava a vista, mas o recado era claro. deveria voltar para Cleverland.
Munida com seu arco e flecha e uma faca que usava para acabar com sofrimento de animais beirando a morte, correu para a cidade, sem ver que um vento muito forte logo apagou o vento na cabana da Floresta.

***
Baby, I know places we won’t be found in and they’ll be chasing their tails trying to track us down ‘cause I know places we can hide


viu o caos que dominava Cleverland assim que se aproximou da cidade. Os soldados não a viram passar pelos limites e ela correu para o único lugar onde sabia que encontraria refúgio: o orfanato.
Para sua surpresa, ninguém a parou na rua. Estavam todos com medo e escondidos em casa. Os soldados estavam matando qualquer um que se atrevesse a protestar.
Quando chegou ao orfanato, bateu algumas vezes na porta, pedindo desesperadamente por socorro.
Seu coração se aqueceu ao ver Rose sorrindo para ela.
Imaginou que Rose fosse ficar assustada ou alguma coisa do tipo, mas não. A mulher apenas a abraçou e mandou que entrasse logo. Conduziu-a para um dos quartos mais fundos, onde havia um alçapão que dava à uma passagem secreta no subsolo. Rose e Mary estavam escondidas ali, junto com as crianças, que também não ficaram surpresas ao vê-la. Alex, James e Evan também a abraçaram e agradeceram aos céus por ainda estar viva.
– Alex nos contou que encontrou você na Floresta. – James explicou – Mas não se preocupe, apenas nós sabemos.
– É, ninguém espalhou nada. Não foi culpa de nenhum de nós o que aconteceu.
– A rebelião? – tentou entender.
– Não. A sua cabeça.
continuou fitando James, tentando ligar os pontos.
– O Rei anunciou hoje de manhã que você havia escapado da morte por feitiçaria. Ele disse que faria qualquer coisa que o povo pedisse, contanto que alguém levasse sua cabeça.
– O quê?! Então todos na cidade estão me caçando, é isso?!
– Não, . Venha conosco.
Evan puxou pela mão, guiando-a para uma portinha não notada no fundo da sala repleta de crianças. Os outros dois seguiram, entrando em túneis cujos nem sabia da existência. Eles explicaram que eram túneis de emergência, caso o orfanato pegasse fogo e não houvesse outra saída. Andaram por vários minutos até que chegaram em uma encruzilhada, onde o caminho se dividia em dois.
– Para cá é a saída. – Alex mostrou, apontando o lado esquerdo – E para cá é onde nós nos reunimos.
Nós?
– Sim. Os rebeldes.
– Por que não estou surpresa?
Alex sorriu.
– Quando levaram você, as pessoas pararam de aceitar serem reprimidas. Nós começamos a nos reunir e então outros começaram a seguir. Planejamos um ataque ao Palácio e roubamos tudo o que pudemos. Depois, invadimos mais duas vezes. Você vai nos liderar, .
– Eu nem sei como liderar rebeldes...
Eles riram.
– Você foi o motivo para tudo isso ter começado. Nada mais justo do que nos liderar.
começou a perceber que era como ser rainha. E isso porque eles nem sabiam de suas verdadeiras origens. Guardou os pensamentos para si mesma e continuou a seguir os rapazes.
Entraram em um tipo de covil, onde vários homens e mulheres estavam reunidos. Quando entrou todos aplaudiram-na, fazendo-a ficar vermelha. Logo, eles começaram a planejar o que fariam: um ataque novo ao Palácio, mas esse seria definitivo. Eles iriam matar o Rei.
Antes de saírem, deixou um aviso. Queria o Príncipe vivo. Quando a questionaram o porquê, ela apenas disse que o mataria com suas próprias mãos. Aqueles homens não podiam saber a verdade, mas a garota não queria correr o risco de perder . Seu coração estava apertado de tanta preocupação. Se o Rei sabia sobre ela, havia uma grande possibilidade de ele saber sobre as noites que passava na Floresta.
E assim os cem homens saíram do abrigo. Conforme marchavam em direção ao Palácio mais homens se juntaram à eles, todos munidos de espadas e arcos e flechas, alguns com as marcas do Rei. imaginava que eles haviam roubado quando conseguiram invadir a casa real nos outros ataques.
A garota liderava o exército de homens e mulheres de todas as idades, totalmente nervosa. Estava com medo por e com medo do que aconteceria. A primeira morte foi na parte rica da cidade, onde estavam querendo matar ; afinal, o Rei estava oferecendo uma ótima recompensa por sua cabeça. Homens começaram a atacá-los, e matou um deles cravando uma espada em sua barriga. Depois disso, a adrenalina tomou conta dela e eles conseguiram chegar ao Palácio sem mais problemas.
Os soldados foram os mais difíceis de passar. Mesmo estando preparados, eram apenas camponeses reunidos contra um exército treinado. Pessoas comuns morreram, mas eles conseguiram entrar no Palácio. A primeira coisa que fez foi correr para o calabouço onde havia passado a noite antes de sua morte. Sabia a quantidade de prisioneiros presos injustamente ali e pretendia libertá-los e pedir que lutassem ao seu lado contra o Rei. Matou o soldado que ficava responsável por vigiar aquela área, lembrando o modo como ele a tratara quando estava presa. Sem perceber, sorria enquanto cortava a cabeça dele com a espada, vendo o sangue jorrar por todos os lados.
– Como pôde perceber, além de vadia sou vingativa também. – foi o que ele ouviu antes de morrer.
reuniu todas as chaves penduradas e foi abrindo de cela em cela, libertando os presos e lhe dando armas, pedindo que procurassem o Rei e o matassem. Mas apenas o Rei. Os outros membros da família precisavam ficar vivos. Eles concordavam e pegavam as armas e saíam para ajudar. Ela ouvia o barulho lá em cima, ouvia os gritos de agonia e esperava que nenhum fosse de ; esperava também que ele não matasse nenhum de seus amigos.
Quando chegou à cela onde havia ficado, ela o viu.
! – começou a chorar assim que o viu. Seu estado era deplorável. Havia sangue grudado em todo seu corpo, já seco, junto com marcas de queimadura. Enormes cortes abertos em fase de cicatrização estampavam seu peitoral que costumava a ser liso e definido. Com as mãos trêmulas, abriu a cela e correu até o Príncipe jogado no chão – O que fizeram com você?!
?
estava desorientado. Não parecia estar consciente. Mas quando ouviu gritar seu nome, ele viu a luz. Ele sentiu uma força renovada em seu corpo, como se toda dor não importasse. estava bem, graças a Deus.
– Eu pensei que... – ele tentou falar, mas o ar lhe faltava. Seu tronco machucado doía demais.
– Não, não precisa falar nada. – lhe garantiu, puxando sua cabeça para seu colo, sem saber como abraçá-lo sem tocar suas feridas. Quando sentiu o toque da garota, um calor aconchegante tomou-lhe o corpo – Eu estou bem. Nós vamos ficar bem, eu prometo.
– O Rei descobriu sobre nós. Ele queria que eu te entregasse. Eu juro que não falei nada, . Eu guardei o segredo...
– Eu confio em você, . Não há nada para se preocupar.
beijou os lábios de , deixando as lágrimas escorrerem de seus olhos e molharem a face do rapaz.
– Eu sabia que você estaria aqui.
virou-se a tempo de ver o Rei, com o rosto sangrando e uma enorme espada na mão, na porta da cela. Ele entrou e fechou-a, para que não pudesse sair. As chaves estavam em sua mão, mas não tinha como escapar.
– Como pôde fazer isso com ele, seu monstro?! – gritou, empunhando a espada – Seu próprio filho!
– É o que acontece com quem desobedece minhas leis, garota. Ninguém, além de mim, está acima delas.
– Bom, está na hora de termos novas leis.
Dizendo isso, atacou o Rei, que se defendeu facilmente. Ela sabia lutar por causa dos anos no orfanato, mas não se comparava com os anos de experiência do Rei com o exército de soldados. Ele estava ferido, mas mesmo assim os números não estavam a favor de .
O Rei contra-atacou, acertando um golpe em , fazendo um pequeno corte abrir em sua perna. acertou um soco no rosto ferido do Rei, obrigando-o a se retrair e gritar com a dor. A maior preocupação da garota era , que não tinha condições de brigar com ninguém e também estava preso na pequena cela; o Rei tinha conhecimento desses fatos e pretendia usá-los contra . Jogou uma pedra em , acertando-o em cheio no rosto. ouviu o gemido de dor do Príncipe.
Com energia renovada, acertou o pé do Rei, fincando a espada ali. O homem gritou e caiu para trás, o pé ficando parado exatamente onde estava. retirou a espada e o Rei chutou-lhe o estômago com o pé bom. Por causa da força do impacto, ela acabou caindo para trás, perto de .
– Ele já está ferido, . Você consegue.
– Por você, .
Sem dizer mais nada, se levantou com um impulso, na mesma hora que o Rei. Ele já estava ferido e agora mancava por causa de seu pé. Mesmo assim não havia desistido. Tentou acertar , mas seus movimentos estavam errôneos demais e acabou se desequilibrando com o peso da espada. Ela contra-atacou, cortando a mão do Rei, que segurava a espada.
O grito de dor que ele soltou ecoou pelo ambiente, fazendo com que tudo parecesse silencioso por alguns segundos. empurrou-o para o chão com o pé.
– Acabou. A partir de agora, Cleverland está livre de você.
E, dizendo isso, enfiou a espada no coração do Rei, como toda sua força, calando-o para sempre.

***
They take their shots, we’re bulletproof
And you know for me, it’s always you
And I know for you, it’s always me


Eles haviam conseguido. O Rei estava morto e agora Cleverland precisava de uma nova rainha, já que a Rainha havia morrido durante a batalha e a Princesa fora encontrada morta assim que o primeiro rebelde entrou em seu quarto. A garota havia cometido suicídio, enforcando-se.
O Príncipe fora o único que sobrara. Ainda estava preso na cela, onde fora encontrado, logo depois de matar o Rei. Estava altamente ferido e uma das moças que ajudaram na batalha foi com para curá-lo com ervas medicinais.
– Mate-o, . – Evan sugeriu. Estavam todos na sala do trono, onde era o antigo escritório do Rei.
– Concordo com Evan. – James se pronunciou – Mate-o amanhã, durante sua coroação. Será como se acabássemos de vez com a antiga família real e você seria coroada logo depois. É a metáfora perfeita.
– Ele está todo machucado, de qualquer jeito. – Alex concordou com os outros dois – Não vai durar muito. Matá-lo é um favor que você faz.
– Não posso matá-lo. Seria como me tornar o antigo Rei. Aquele desgraçado tentou me matar em praça pública, assim como querem que eu faça com . Não quero ser como ele.
– As circunstâncias são diferentes. Antes o Rei te matou porque você roubou do Palácio. Agora você matará o antigo Príncipe para mostrar que a fase de “antes” acabou.
tinha que concordar que era uma boa metáfora. Uma metáfora que não pretendia usar. Não importa o que eles dissessem, não mataria .
– O que foi, ? – Alex perguntou, franzindo o cenho – Por que não quer matá-lo? Há algum motivo que não está nos contando?
A garota congelou. Eles não podiam descobrir.
– Não. Eu só não quero me tornar no antigo Rei. Muitas pessoas morreram ontem. Não acho que seria certo matar outra pessoa. Ainda mais um ferido.
– Não é outra pessoa. É o filho do Rei. Do Rei que te condenou à morte.
No momento que aquilo foi dito, todos da Corte encararam a futura Rainha. percebeu que não tinha escolha. Se continuasse com aquilo, levantaria suspeitas – mais do que já estava levantando.
– Tudo bem, se vocês insistem tanto. Eu vou ordenar a morte do Príncipe amanhã, antes da minha coroação. Estão felizes?
A Corte pareceu relaxar.
– Espero que você não decepcione ninguém, . – um dos membros da Corte, o responsável pela morte da antiga Rainha, disse.
– Pode ter certeza que não vou.
E realmente não iria decepcionar a pessoa com quem realmente se importava.
Assim que a noite caiu, pegou sua espada e arco e flecha e saiu de seus aposentos, calmamente. Se alguém a questionasse, ela diria que iria caçar na Floresta. Quando se aproximou do calabouço, empunhou a espada e ficou mais alerta. A noite a encobria enquanto ela chegava perto dos presos, onde um novo guarda tomava de conta. percebeu que o homem dormia e, com pesar no coração, cravou a espada em seu peito, matando o homem silenciosamente. Era um mal necessário, pois se ele acordasse, seria pega.
Andou rapidamente até onde estava, um sorriso aparecendo em seu rosto ao ver as feridas de seu corpo já estarem com melhor aparência. dormia, encostado em uma das paredes. Ainda usava a calça do antigo terno e seu tronco estava coberto com faixas, onde as ervas haviam sido aplicadas.
Abriu a cela e entrou, sem fazer barulho.
. – o acordou, acariciando seu rosto.
? – abriu os olhos, piscando várias vezes – Pensei que você me mandaria pra fogueira.
– Como pode pensar algo assim de mim, meu amor? Jamais faria isso com você.
pegou o rosto de nas mãos, obrigando-o a olhar para ela.
, quero que escute... Não importa o que aconteça, eu só me importo com você. Não me importo com rebelião, com tudo isso que aconteceu ontem. Só você. Você salvou minha vida, . Eu já estava morta antes de você me salvar. Vivia sem objetivo, infeliz, pensando em quais eram meus motivos para viver. Então o Rei me prendeu e imaginei que, finalmente, teria um fim rápido, com uma boa desculpa. E você me salvou disso. Você não me salvou só da morte; você me salvou de mim mesma. E eu te amo. Amo como nunca amei ninguém.
puxou o rosto de para um beijo, sentindo cada parte de seu corpo se curar. Não sentia mais dor e tudo que importava era . Beijou-a com tudo de si, mostrando que o sentimento dela era refletido nele também. Mesmo assim, precisava dizer as palavras.
– Eu te amo, .
– Vamos sair daqui. Nós combinamos de fugir, não foi?
– Você será Rainha amanhã. Se fugir comigo, terá uma vida difícil, não posso mais garantir que seremos felizes. Não posso garantir nada, nem que viveremos. Se ficar, terá tudo que quiser. As pessoas se curvarão para você. Será amada por todos e poderá fazer de Cleverland o lugar que sempre sonhou em morar. Terá a vida perfeita.
– Minha vida será perfeita se eu estiver com você, .
Então sorriu.
– Você se sacrificou por mim. As marcas estão por todo seu corpo. Eu faria o mesmo por você, quantas vezes fosse preciso.
E, mais uma vez, trocaram um beijo apaixonado. O amor os envolvia de um jeito que nunca haviam sentido e sabiam que estava muito além de qualquer ligação de alma que eles tinham. Era amor, e puramente amor.
– Se vocês continuarem a enrolar, serão pegos.
Os dois se separaram na mesma hora, assustados com a voz. Então viram Janine parada na porta da cela, fitando-os com um brilho no olhar e ambos correram para abraçá-la.
– Eu pensei que eles tivessem matado você, Jan! – contou, lembrando-se da cena terrível na Floresta.
– Eles não podem matar a Bruxa da Floresta, querida. Vocês se sacrificaram muito um pelo outro. Fujam agora, enquanto ainda é tempo.
– E quanto a você? – perguntou, ainda abraçado a mulher que era sua verdadeira mãe.
– Meu tempo neste plano já está no fim. Corram para a Floresta. Vão encontrar o caminho por onde devem seguir assim que chegarem lá. Saberão que fui eu. Apenas corram.
Os dois assentiram, cada um dando um beijo nas bochechas finas de Janine. Depois, correram de mãos dadas para fora do calabouço, levando a espada e com o arco. Incrivelmente, não encontraram nenhuma barreira para sair do Palácio, pois todos os soldados estavam adormecidos. Imaginaram que fosse obra de Janine e sorriram com isso. A Bruxa havia sido a responsável por tudo aquilo e pela felicidade deles.
Assim que adentraram a Floresta, encontraram uma linda raposa, parada ao lado de uma trilha. A Floresta parecia mais fechada do que nunca. Quando se aproximaram do animal, a raposa correu alguns metros, parando para encará-los, como se esperasse que eles a seguissem.
Os dois foram, guiados pela Raposa. Perderam-se pela Floresta assim como haviam se perdido um no outro: sem medo, sem arrependimentos e totalmente envolvidos pelo amor.


FIM



Nota da autora: Sem nota.

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