Capítulo Único
Do you remember me?
PARTE I
– O senhor poderia parar próximo à praia por alguns minutos? – pediu ao taxista assim que entrou no veículo, na saída principal do aeroporto de Los Angeles.
Abaixou o vidro da parte traseira do carro e, antes que o motorista pudesse reclamar ou negar seu pedido, ele continuou.
– Eu pago o dobro da viagem.
Pôde ver pelo espelho retrovisor a surpresa do homem, que logo tratou em concordar com a cabeça e dar partida no carro. Ele observava a cidade ir passando como um borrão, mas não podia conter um sorriso por estar de volta à sua cidade.
Durante o percurso para a praia, sua mente voou para os últimos anos de sua vida. Ele tinha deixado Los Angeles para trás aos dezessete anos, um pouco selvagem e um pouco ingênuo, como ele mesmo costumava dizer, porque seu pai havia conseguido um emprego melhor em Boston. Por lá, ele teve que abandonar o seu sonho californiano de viver com a música para se dedicar ao sonho que seus pais tinham para ele: trabalhar no escritório de advocacia do pai.
Tudo que ele fez em Boston nunca foi escolha dele, mas escolha dos em prol da moral e dos bons costumes do nome da família. Formou-se em Direito para continuar o legado do pai, casou-se com Kimberly porque ela também era herdeira de um grande escritório na cidade próxima e a união dos dois, bem como a dos escritórios, só traria benefícios para as famílias. Ele vivia uma vida miserável que nunca quis e que, apesar de ter alguns momentos de alegria, nunca havia feito ser realmente feliz. Nunca mais havia tocado seu violão ou pensado em qualquer tipo de música que não fosse a clássica, seguindo o gosto da esposa.
Afundou-se no trabalho. Prometeu a si mesmo que poderia até ser infeliz por causa das escolhas que foram feitas para a sua vida mas, pelo menos, seria o infeliz mais competente do ramo da advocacia de Boston. A sua cara de mau e a sua competência eram conhecidas por todo o estado.
E então uma perda o fez perceber o quão fodida sua vida estava. Após anos tratando um câncer de estômago, seu pai lhe pediu desculpas por ter controlado toda a sua vida e fez um singelo pedido ao único filho que deixava...
– Senhor. – O taxista chamou sua atenção, o retirando de seus devaneios, e ele balançou a cabeça, balbuciando algo que nem ele mesmo havia entendido. – Chegamos. – O homem apontou para a janela do banco do carona, indicando a praia, e concordou com a cabeça.
– Certo. – Riu, sem graça. – Não vou ficar muito tempo. Não se preocupe. – Alertou ao motorista, que apenas deu os ombros em resposta enquanto ele saía de dentro do carro.
Retirou seus óculos de sol da gola de sua camisa, colocando-o em seu rosto, e caminhou pelo píer, em direção à parte mais afastada para que não ficasse muito próximo das pessoas que estavam por lá.
Colocou suas mãos nas grades de ferro de segurança e observou as ondas quebrando por ali. Inspirou fundo, sentindo o ar preencher todos os seus pulmões, e expirou calmamente, sentindo aquele suave cheiro de mar e o vento batendo em seus cabelos.
Após cerca de dez minutos ali parado, decidiu voltar para o táxi. Era estranho estar de volta mas, ao mesmo tempo, dentro dele, a sensação era incrivelmente boa e parecia que ele nunca havia saído de Los Angeles. Talvez porque uma parte de Los Angeles houvesse permanecido dentro dele.
Sentia-se mais relaxado. E foi essa a mesma sensação que teve quando chegou em seu antigo endereço na cidade. Quando se mudaram para Boston, na clara tentativa de fazer o filho não querer mais voltar para Los Angeles, seu pai disse que a casa havia sido vendida. A surpresa foi enorme ao descobrir, no dia da leitura do testamento, que a casa permanecia intacta em Los Angeles. Tinha sido alugada algumas vezes mas, nos últimos três anos, permanecia vazia e quase do mesmo jeito de quando os haviam ido embora do local.
Suspirou, retirando o lençol de cima do sofá, e sentou-se no mesmo, encarando aquele lugar que um dia foi seu lar mas que era apenas uma casa que, embora fosse familiar, ainda lhe parecia ser estranha.
Estar de volta era uma sensação estranha. Porém ele estava pronto para viver a vida que ele queria para si.
– Você viu que a luz daquela casa vazia está acesa? – Cassie perguntou para a mãe enquanto arrumava a mesa para que as duas pudessem jantar.
– Não reparei. – A mais velha deu os ombros, não se interessando muito pela pergunta da filha mas em adoçar o suco de laranja que havia preparado. – Qual casa?
– A casa do lado da senhora McDowell. – Cassie respondeu e, se não tivesse retirado a jarra de suco da mão da mãe no momento certo, a mesma teria ido parar no chão, partindo-se em milhares de pedaços.
Parecia que o botão do mundo exterior havia desligado para . Ela sentia seu coração bater acelerado em seu peito, as lembranças voltaram para lhe atingir em cheio e ela sentiu seus olhos marejarem.
Precisou se apoiar no mármore da bancada que dividia a cozinha da sala para ter certeza de que não iria ao chão naquele momento, porque o ar já parecia estar lhe faltando.
– Mãe? – Cassie a chamou pela terceira vez, preocupada com a mudança repentina da mãe e sem entender nenhum um pouco o que aquilo poderia ser. – Está tudo bem?
– Você tem certeza? – perguntou, caminhando em direção à janela, sentindo seu coração palpitando mais que o normal.
Afastou a persiana do vidro da janela, vendo as luzes do primeiro andar acesas, e riu fraco. Todas as vezes em que ela via aquela luz acesa depois de tanto tempo, sempre achava que poderia ser ele voltando para Los Angeles. Seu coração disparava e suas pernas falhavam só com aquele pensamento, mas nunca era ele. Era sempre um inquilino, e sua esperança de revê-lo ia por água abaixo.
– Mãe, está tudo bem? – Cassie perguntou mais uma vez e ouviu um suspiro.
– Está, Cassidy. – retirou os olhos da janela, recolocando a persiana em sua posição original e voltando-se para a filha. – Achei estranho a casa estar com as luzes acesas.
– Deve ser um novo inquilino. – A mais nova deu os ombros. – Podemos jantar, por favor? Eu estou pronta para desmaiar de fome.
riu, concordando com a cabeça, e ambas se sentaram à mesa. Enquanto Cassidy falava sobre o seu dia na escola, a mente de estava presa em . Vinte anos haviam se passado mas, quando se tratava dele, ela ainda se sentia como aquela menina de dezesseis anos que moveria o mundo para tê-lo ao seu lado.
Ela tinha forças para mover montanhas, mas não para fazer o senhor mudar de ideia a respeito da mudança da família para Boston. Não teve nem a chance de se despedir de , mas teve que conviver com a saudade.
suspirou ao ouvir a campainha tocar, mas se levantou da frente do computador para ir atender. Não mantinha nenhuma amizade da época da juventude, então estava estranhando quem poderia estar batendo a sua porta naquele dia.
– Talvez seja algum curioso... – Murmurou para si enquanto abria a porta.
A surpresa foi mútua. Embora não se vissem havia muito tempo, reconheceria as tatuagens espalhadas pelos braços dele até em uma distância considerável, e ele reconheceria aquela íris esverdeadas em meio a uma multidão.
– ? – Ele riu, demonstrando sua total surpresa, e ela concordou com a cabeça.
– Meu Deus, ! – Foi a vez dela soltar uma risada. – !
– Da última vez que eu chequei, ainda era eu. – Ele deu os ombros. – O que faz aqui? Como soube que eu voltei?
– Eu nunca saí daqui, . – Ela suspirou. – Herdei a casa dos meus pais e continuo morando por lá, mesmo depois de todos esses anos. – Sorriu fraco. – Eu tenho o costume de trazer uma torta para os novos vizinhos todas as vezes em que chega um inquilino para morar aqui... E eu vim fazer isso hoje.
A torta era uma desculpa e uma esperança. Era a desculpa para ir até aquela casa e esperar que fosse a receber aquela torta, como aconteceu depois de tantos anos de espera e tentativas.
– Mas me diga você. Como está? Está de volta para ficar? – Questionou, mordendo o lábio, e ele riu, sem jeito.
Era estranho que, mesmo tantos anos depois, um simples gesto dela ainda conseguisse deixá-lo nervoso.
– Estou de volta para ficar. Finalmente, tomei coragem e deixei tudo para trás em Boston. – Ele deu os ombros e deu um passo para trás. – Por favor, entre. Vamos saborear esta torta em nome dos velhos tempos.
– Ah, claro! – sorriu, entrando na casa e sentindo o passado lhe atingir em cheio.
Ela ainda conseguia se lembrar das vezes em que ficara com no meio da sala enquanto assistiam a um filme.
– Como foram seus últimos anos? – Perguntou curiosa enquanto o observava cortar um pedaço de sua torta.
– Passei por altos e baixos, mas eu odeio olhar para trás. – Ele deu os ombros, enfiando uma garfada de torta na boca e mastigando.
Fechou os olhos, erguendo a mão esquerda para o alto como se fizesse um agradecimento aos céus.
– Você continua cozinhando muito bem.
– Não foi à toa que abri uma confeitaria. – Ela riu e ele a encarou, surpreso. – Apareça por lá.
– Você seguiu seu sonho. – sorriu, maravilhado com a informação. – Eu ainda estou seguindo o meu.
– A música? – Perguntou, curiosa, e encostou-se na parede.
– A música. – Ele riu. – Meu pai não era muito fã, você sabe...
– Música não enche barriga. – Ela imitou a voz grossa do senhor , gerando longas risadas.
– Pois é. Era o que ele me dizia. – balançou a cabeça. – Mas antes de ir, ele me disse que não queria que eu vivesse uma vida infeliz, me pediu desculpas pelo que me fez passar, me mandou ser feliz e me mandou voltar para a California.
– Uau. – sorriu. – Uma despedida e tanta.
– Acho que foi uma libertação. Ele meio que assinou a minha liberdade para ser o que eu sempre quis ser. – O homem sorriu. – E, então, eu descobri que essa casa não havia sido vendida como ele me disse e voltei para cá, pronto para viver a vida californiana de novo. Viver o sonho.
– Eu acho que posso te ajudar com isso. – sorriu e balançou a cabeça, sem entender como ela poderia ajudá-lo. – Meu ex-marido é dono de uma gravadora.
– Seu ex-marido? – riu, surpreso com a informação.
– É, o pai da Cassie. – Ela abanou a mão no ar, não dando importância para aquela parte da conversa. – Enfim, ele é dono de uma gravadora e acho que ele poderia te ajudar. Eu vou falar com ele...
– Você tem uma filha? – concordou com a cabeça enquanto retirava o celular do bolso de sua calça para enviar uma mensagem para seu ex-marido.
– Eu não sei muito bem como ele trabalha nessas coisas ou como elas acontecem, mas eu posso entrar em contato com ele e marcar um dia para vocês se encontrarem, para que vocês verem como fazer isso acontecer. Está bom para você?
– ... Eu não sei nem como te agradecer. – sorriu, sem graça com a ajuda que estava recebendo.
– Considere isso como um favor pelos velhos tempos. – Ela deu os ombros. – E não precisa me pagar. Ou melhor... – Ela riu, fazendo uma breve pausa antes de continuar. – Quando você estiver sendo seguido por fotógrafos, vá até a minha confeitaria para tomar um café da tarde. Ou me anuncie em um dos seus grandes shows.
– Pode ser que seja um tiro no pé... Nós nem sabemos se eu serei famoso pela minha música.
– Eu acredito em você, . – deu um passo à frente, colocando sua mão sobre a dele em cima da mesa. – Vai dar certo.
Seis meses depois...
– Mãe, você nunca me contou a sua história com o tio . – Cassie se sentou no chão da sala enquanto a mais velha ligava a televisão para que as duas pudessem assistir a entrevista de no Good Morning America.
O sucesso dele estava em uma crescente. Seu primeiro álbum de estúdio estava prestes a ser lançado e as criticas que ele havia recebido no início sobre ser velho demais para a música já não faziam mais sentido porque as pessoas adoravam ouví-lo.
assistia a tudo de longe. Tinha ajudado no primeiro encontro de com Peter, seu ex-marido. A partir dali, as coisas fluíram. Logo, ele passou a frequentar mais estúdios e programas de televisão. Estava crescendo como um artista e, às vezes, quando dava, ele aparecia em sua confeitaria.
Ter de volta em sua vida era estranho, ainda mais quando ele estava se tornando um artista, mas ela ficava feliz apenas por vê-lo genuinamente feliz e vivendo a vida que sempre sonhou.
– Não temos nenhuma história, Cassidy. – A mais nova rolou os olhos.
– Ah, mãe?! – Cassie bufou, balançando a cabeça. – Você só falta desmaiar de alegria quando ele aparece aqui em casa e, praticamente, corre para a porta dele quando sabe que ele está em casa. Sem contar que você fica toda estressada quando vê alguém comentando algo ruim sobre ele. – fez menção de abrir a boca para debater, mas a mais nova ergueu a mão e continuou a falar. – Você sempre me falou que, embora amasse o papai, você teve apenas um grande amor e ele foi embora do nada... Era ele, não era?
– Era ele, filha. – suspirou antes de continuar a falar. – Nós éramos jovens e corajosos, estávamos lado a lado, mas o senhor não gostava de mim porque eu o incentivava a seguir na música. Ele tinha um plano de vida traçado para o e o namoro comigo atrapalharia isso. Eles se mudaram e eu nunca mais o vi até o dia em que ele voltou para Los Angeles.
– E você ainda gosta dele, não é?
– Gosto, mas não é desse jeito, Cassie.
– Claro que é! – Cassie riu. – Ele praticamente cita você em todas as músicas, mãe. Vocês ainda se gostam, mas são cabeças duras demais para admitir. – fez uma careta para a filha, que logo apressou-se em pedir desculpas por chamá-la de cabeça dura.
– Não somos cabeças duras, Cassie. – riu, balançando a cabeça. – nasceu para a música e não para ficar preso em alguém.
– Mas, mãe...
– Olha, a entrevista vai começar. – apontou para a televisão e a menina engoliu tudo que ia dizer, voltando a encarar a televisão no momento em que era anunciado pela apresentadora.
As primeiras perguntas foram a respeito seu primeiro trabalho de estúdio, sua inspiração para compor e quando entraria em sua primeira turnê. pôde relembrar um pouco do início da sua carreira, citando a ajuda que recebeu de no primeiro encontro com o dono de sua gravadora.
– Algumas pessoas afirmam que você é velho demais para a música. Como você se sente a respeito disso? – Kelly, a apresentadora, questionou ao músico, que riu antes de iniciar sua resposta.
– Bom, eu queria ter começado mais cedo, mas não consegui. Eu já estava desacreditando em mim mesmo porque parecia que o momento nunca iria chegar, mas eu mantive a minha fé. E bom, eu não estou velho o bastante para cantar o blues. Sou como a cama velha em que estou dormindo: está desgastada, mas não está velha, apenas um pouco mais velha.