Capítulo 1
20 dias para o ‘sim’.
null passou a mão pelos cabelos após terminar de lavar a louça do jantar, observando o noivo guardar o último talher na gaveta onde costumava guardá-los. Sinceramente, ela odiava lavar a louça, preferia mil vezes secar e guardar os utensílios, porém, desde que null virou alguém importante em sua vida, trocou de função porque ele também preferia secá-los.
– Dá para acreditar que daqui uns dias estaremos vivendo aqui oficialmente casados? - ele disse, colocando o pano no apoio perto da pia antes de se aproximar dela para abraçar sua cintura e deixar um beijo demorado na bochecha.
– Passou tão rápido, não é? - ela respondeu, abraçando-o pelos ombros conforme a cabeça de null repousava nos seus.
– Tempo demais, meu amor - ele discordou, acariciando as costas dela - Quero poder te apresentar como esposa logo.
O homem ajustou o corpo novamente para observar os olhos levemente cansados de null, organizar um casamento enquanto filmava uma série exaustivamente era trabalhoso, mas a atriz acreditava que tudo seria recompensador.
– Você é o amor da minha vida, null - null disse, usando as duas mãos para segurar delicadamente o rosto dela - Não esquece disso nunca.
null sorriu e, antes que pudesse dizer alguma coisa, o noivo aproximou os lábios dos dela e a beijou.
O dia do ‘sim’.
null se olhou no espelho pela décima vez nos últimos minutos não porque era uma noiva extremamente vaidosa e sim porque temia olhar diretamente nos olhos da mãe. null terminava de costurar um enfeite que havia feito para segurar a franja dela com o véu, eram os únicos itens que faltavam.
O vestido branco longo de alças finas se estruturava perfeitamente no corpo, os saltos da mesma cor apertavam seus pés (mas ela ignorou essa parte), a maquiagem realçava seus traços mais bonitos e o buquê esperava suas mãos em cima da penteadeira.
null não se sentia realmente noiva, parecia mais que usava um figurino e estava prestes a conversar com um diretor e ouvir instruções para uma cena. Não sabia exatamente o que estava errado, mas algo parecia fora do tom.
null e null estavam juntos há seis anos, sendo cinco deles de namoro e um de noivado, noivado esse que foi firmado na época mais difícil do casal, onde ela sabia que eram eles que estavam fora do tom com brigas constantes que null sempre tentava consertar. Agora, prestes a dizer “sim”, dúvidas dominavam sua mente, ora via cenas deles que pareciam tiradas de um filme romântico e outras que pareciam uma sequência de término muito dramática.
null olhou mais uma vez para sua imagem, respirou fundo e tentou afastar os pensamentos da cabeça.
Eles se amavam, quem ama faz funcionar.
– Tudo bem, filha? - a mãe perguntou ao se aproximar dela por trás com o enfeite preso no véu na mão.
– Sim, mãe - ela mentiu, sorrindo para a imagem dela ao seu lado no espelho - Só estou nervosa.
– Acontece com onze em cada dez noivas, meu anjo - ela disse, sorrindo ao colocar o enfeite e ajeitar o véu no cabelo da atriz - Vai dar tudo certo.
null assentiu e virou o corpo para dar um abraço forte na mãe, sentindo-se automaticamente aquecida.
– Vamos? - ela disse.
null respirou fundo antes que a versão instrumental da trilha de um filme que ela amava começasse a tocar e as portas compridas da capela abrissem, revelando ao menos vinte fileiras de cadeiras de cada lado do tapete pelo qual passaria até chegar ao altar cheias de pessoas, incluindo alguns fotógrafos de jornais e revistas além da equipe contratada para registrar o evento.
Do lado esquerdo, os amigos e família de null sorriam largamente para ela conforme caminhava até o altar, do lado direito, seus convidados consistiam em sua maioria de amigos que havia feito ao longo da carreira, sua família ocupava apenas uma fileira.
A atriz sorriu ao ver a comemoração silenciosa dos colegas de trabalho da série em que trabalhava atualmente, surpreendendo-se ao encontrar null, seu par romântico na série e maior hater, ao lado de produtores, assistentes, diretores e atores.
null voltou a olhar para frente o mais rápido possível, sentindo o peso dos olhos dele nas costas dela. null a esperava na frente do púlpito do padre com os padrinhos e madrinhas próximos e abriu o mais belo sorriso que já havia direcionado a ela e a atriz imitou seu gesto, eles se amavam, tudo daria certo.
A cerimônia ocorreu mais rápido do que pensava, null tinha um dos braços entrelaçados nos de null e ouvia com atenção ao discurso do padre, sinceramente, não tinha decorado a ordem das coisas e prestava a atenção total no que ele dizia, sem notar como o olhar do noivo se direcionava para a esquerda diversas vezes.
– null, você aceita null como seu legítimo esposo, prometendo ser fiel, amá-lo e respeitá-lo, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias de suas vidas, até que a morte os separe? - o padre finalmente falou, observando-a e parando para que respondesse.
– Sim! - a atriz respondeu, sorrindo para o, muito em breve, marido, porém, ele não a olhava de volta.
– null, você aceita null como sua legítima esposa, prometendo ser fiel, amá-la e respeitá-la, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias de suas vidas, até que a morte os separe? - ele repetiu, observando o rosto de null.
Silêncio.
null continuou a olhar para o homem ao seu lado, mas ele olhava para algo atrás de seus casais de padrinhos e madrinhas.
– null…- ela sussurrou, dando leves tapinhas no seu braço para que ele voltasse a prestar atenção.
Agora, alguns sussurros tomavam conta da capela e o padre não estava com uma cara muito boa, parecia ver o trailer de um filme que já tinha assistido antes e odiou.
– Desculpa, null… - o homem ao seu lado exclamou, retirando o braço entrelaçado ao dela com pressa antes de olhar para a esquerda e dizer - Vambora? null achou que desmaiaria ao ver que Will encarava Aimee, sua melhor amiga de infância. A mulher sorriu, largou o mini buquê que segurava no chão, segurou a mão que seu noivo estendia e saiu correndo do altar pela porta que ela havia acabado de entrar.
A capela agora tinha um mix de gritos, muitos sussurros, flashes de câmera e preces do padre que ensurdecia null, a mulher segurava o buquê na mão direita com tanta força que pétalas começaram a cair no chão, ela encarava tudo e ao mesmo tempo nada, viu os melhores amigos saírem do lado direito e tentarem afastar os fotógrafos que pareciam ter se multiplicado desde que entrou, viu alguém desmaiar na parte em que os convidados de null estavam e viu sua mãe se aproximar dela.
– Querida, precisamos sair daqui. - a mulher disse, segurando delicadamente seus braços, porém, os pés da noiva estavam grudados no chão tamanho baque que havia levado - Vamos embora.
“Vambora”.
null encarando Aimee a cerimônia inteira, como ela não viu? Como, em seis anos, ela não viu?
Sua mãe continuava dizendo alguma coisa, tentando puxá-la para longe das câmeras e dos olhares cheios de dó das pessoas que não tinham saído da capela, mas ela não conseguia ouvir nada.
– null. - ela ouviu uma voz intensa a chamar atrás dela antes de colocar as duas mãos grandes no meio de suas costas.
A atriz olhou para trás e viu null a observando com firmeza, muito diferente de como o via todos os dias no set.
– É hora de irmos embora. - ele disse, fazendo força suficiente para que conseguisse tirar ela do lugar com a ajuda de null.
null deixou o buquê cair no chão conforme era conduzida para os fundos da capela pelos dois, como se fosse incapaz de caminhar sozinha e, naquele momento, sentiu que realmente era.
Capítulo 2
null estava sentada em uma das cadeiras de uma sala de arquivos da capela, null havia saído quando Sam, seu melhor amigo e assessor, entrou no local acompanhado do marido que também trabalhava com os dois.
– Conseguimos tirar a maioria de lá, mas eles devem estar lá fora. - Marcus disse, passando a mão pela testa.
– null! - Sam exclamou, tentando tirar alguma reação da mulher que encarava firmemente o chão de pedra da sala.
– Ele disse que eu era o amor da vida dele. - ela sussurrou, sentindo uma lágrima cair pela primeira vez - Ele que quis casar, null que me pediu em casamento, eu nem sou católica!
– Filha, está tudo bem. - a mãe tentou acalmá-la, mas, antes que pudesse chegar perto e abraçá-la, null levantou e começou a andar de um lado para o outro.
– Ele saiu com a Aimee! Como eu nunca vi isso? Vocês viram? - null continuou murmurando para ninguém em especial, mirando os três brevemente na última pergunta - Ele que quis essa porra de casamento!
Marcus estava prestes a dizer alguma coisa quando null começou a arrancar o véu da cabeça, jogou-o no chão e colocou uma das mãos no rosto, respirando fundo ao sentir que o fôlego faltava cada vez mais.
– null…disse… que… me… amava. - ela voltou a dizer, colocando uma das mãos no peito para tentar controlar a respiração descompassada.
Porém, null não conseguiu manter o controle por muito tempo e começou a tentar puxar as alças do vestido, mas o tecido era bom demais para ceder sob sua força.
– Tirem esse vestido de mim! - ela gritou, ainda puxando o tecido, mas atingindo a própria pele que começava a ficar vermelha com os arranhões de suas unhas - Mãe, tira isso de mim!
Os três correram, Marcus começou a tirar o próprio paletó, Sam segurou as mãos da melhor amiga enquanto a mãe correu para desajustar a costura do vestido de noiva com dedos trêmulos, null chorava copiosamente e só conseguiu se manter de pé porque as mãos de seu assessor eram firmes o suficiente.
Com o vestido de noiva caído no chão e a lingerie branca escondida pelo terno, null foi abraçada pelas três pessoas mais importantes de sua vida enquanto as lágrimas caiam pelo seu rosto, molhando o ombro de Sam e deixando sua visão embaçada.
– Ele foi embora. - ela sussurrou com a voz fraca - null foi embora.
– Sempre achei que ele nunca te mereceu. - a voz embargada da mãe respondeu, acariciando o cabelo da filha com carinho.
– Vai passar, null. - Marcus acrescentou, segurando as lágrimas.
Uma porta do lado oposto ao que tinham entrado abriu e os quatro ergueram as cabeças para olhar naquela direção.
null notou que null havia tirado o terno e aberto alguns botões da camisa azulada que vestia, ele a encarou com suavidade ao notar seu rosto brilhando pelo choro acumulado nas bochechas.
– O padre me mostrou uma saída longe dos fotógrafos, deixei meu carro lá. - o ator exclamou, seu tom de voz era tão suave quanto seu olhar - Posso tirar você daqui?
Os três esperaram a noiva dizer algo, sabiam da relação levemente complicada que aqueles dois tinham, null encarou por alguns segundos antes de ajustar o paletó no corpo para que a cobrisse melhor e dizer:
– Por favor.
5 dias depois do ‘desculpa, null’
null destrancou a porta do apartamento e entrou no local em que morava há oito anos, comprado com o dinheiro que havia acumulado ao longo dos trabalhos feitos na infância e na adolescência.
Muitos achariam que ela optaria por um apartamento enorme, porém, null prezava pelos espaços mais confortáveis. A sala de estar que se misturava com a sala de jantar, separadas da cozinha apenas por uma parede vazada que formava uma bancada.
Lembrou quantas vezes null havia reclamado do tamanho do apartamento conforme colocava cada vez mais coisas dele no espaço dela, paletas de tinta, telas ainda no plástico, roteiros em andamento estavam em cima do piano dela (algo que ela sempre dizia para ele não fazer), livros sobre direção cinematográfica nos nichos da estante junto com os romances dela.
Os utensílios de cozinha que ele havia trazido, a parte do armário dela repleta de roupas em tons neutros, o pacote de escovas de dentes cinzas, os pequenos quadros de filmes que ele amava pregados nas paredes do escritório em que costumava compor suas personagens e que se tornou um local para ele escrever seus roteiros e fazem decupagem*.
A casa parecia ter mais de null do que dela e null sentiu o peito apertar novamente, a dor da rejeição era tão profunda que se tornava física. A atriz se sentou no sofá buscando se acalmar e pegou o celular, abrindo o twitter (porque ninguém que presta chama o aplicativo pelo novo nome) pela primeira vez desde o dia da cerimônia.
Aparentemente, o algoritmo queria mostrar que a conhecia e sua timeline foi recheada de posts sobre “O casamento falido da atriz e do diretor de cinema mais amados dos EUA” como uma página de fofocas havia escrito.
O masoquismo de null falou mais alto e ela entrou no limbo de ir de comentário em comentário, vendo imagens do momento em que foi abandonada no altar repetidas vezes, algumas com pessoas dizendo que era uma “coitada”, outras dando risada do fato de que era corna e um post de alguém que gostava tanto de sua personagem na série que tinha a foto de perfil dela caracterizada. O post continha um vídeo do momento em que null havia a conduzido para fora do altar com a legenda “Sou ruim por ficar feliz que acabou para esses aqui ficarem juntos?”.
null deu uma risada seca, não era nada que ela não estivesse acostumada a ler nesses longos anos de carreira, algo que inclusive incomodava null. Se tivesse de ser sincera, a legenda da página de fofocas era bem exagerada, havia muito mais apelo por null e ela do que por ela e seu ex-noivo (ainda era esquisito pensar nele daquele jeito), pessoas que confundiam sua relação de alfinetadas com um belo casal em potencial.
null atualizou a timeline e recebeu um post que tinha acabado de sair pela People, eram fotos de null e Aimee abraçados em uma praia paradisíaca, a legenda dizia “Após fugirem da igreja, null e a atriz e modelo Aimee curtem praia no México”.
Ela jogou o celular do outro lado do sofá cinza horroroso que havia deixado null escolher. – O filho da puta usou as passagens da nossa lua de mel com ela! - a atriz gritou, passando as mãos pelos cabelos.
null observou o próprio apartamento mais uma vez antes de levantar para ir até o quarto, levantou o colchão e encontrou algumas caixas de papelão dobradas.
Se queria melhorar, teria de começar a enxergar a si mesma ali.
Cerca de meia hora depois, ela estava cercada de caixas de papelão repletas de coisas quando a campainha tocou.
null abriu a porta e encontrou null com uma enorme cesta repleta de comidas, bebidas e outros itens escondidos pelo plástico brilhante e colorido que cobria a cesta.
– Então esse era o prêmio da aposta “null vai casar ou não?” - ela implicou, observando a expressão neutra dele se transformar com a risadinha sarcástica que ele deu.
– Na verdade, ganhei uma boa grana e decidi comprar isso aqui porque me senti mal de apostar no seu fracasso. - null respondeu, qualquer outra pessoa acharia que ele estava falando sério, mas null tinha anos de implicância com o ator para ficar ofendida de verdade
- Não vai deixar eu entrar?
null abriu espaço para que ele passasse e fechou a porta.
– A equipe comprou para você como forma de…
– Dizer que sentem muito por eu ser uma corna abandonada no altar? - ela completou a frase com um sorriso propositalmente forçado no rosto.
– Meio que isso mesmo. - ele concordou, apoiando a cesta na mesa de jantar para observar melhor a sala de estar repleta de caixas - Mas não diz que fui eu que falei.
– Jamais faria algo para te prejudicar. - ela ironizou, aproximando-se da cesta para retirar o plástico e checar o que tinha lá.
– Jamais! - ele concordou, apontando para as caixas - Não sabia que moravam juntos mesmo.
– Não morávamos, mas ele passava muito tempo aqui. - ela respondeu, abrindo uma lata de seus biscoitos amanteigados favoritos e oferecendo a ele - Tempo demais, pelo visto.
– E o que você vai fazer com isso?
– Não sei. - ela admitiu, comendo um dos biscoitos - Não quero devolver de forma educada para não parecer uma corna passiva e também não quero queimar tudo porque acho desperdício.
– Você tem que parar de usar “corna” como se fosse algo negativo.
– E não é?
– Você está agindo como se fosse a pessoa terrível na história, null.
– Bom, no friends to lovers deles, eu sou.
– Mas na sua história, não. - ele exclamou, cruzando os braços - Vamos fechar essas caixas, já sei o que pode fazer com elas.
Capítulo 3
7 dias depois do ‘desculpa, null’
– Não! - null concluiu, saindo brevemente da frente do celular apoiado em um recipiente hermético contendo o macarrão parafuso que cozinhava no fogão para jogar algumas embalagens plásticas fora no lixo do lado oposto da cozinha.
– Mas null… - Sam começou, sendo interrompido pela atriz antes que pudesse dar mais razões para ela aceitar o que pediam.
– Eu não quero atrasar as filmagens.
– A produtora disse que já fez um plano de filmagem dando prioridade para outras cenas e sequências sem você para conseguir te dar esse tempo maior. - Marcus a assegurou.
– Que com certeza não é tão ágil quanto o plano anterior dela. - null acrescentou, jogando alguns legumes em uma das panelas - Meninos, eu sei que vocês estão preocupados, mas eu não posso ficar parada! Fico o dia inteiro pensando e, agora, não posso pensar!
– Gravar não vai ser exatamente uma distração. - Sam discordou, sabendo exatamente o roteiro que a amiga tinha dentro da primeira gaveta da escrivaninha mantida no escritório.
– É completamente diferente, não sou eu ali, é a Robin. - a atriz discordou de volta, mencionando o nome da atual personagem.
– Certo, acho que já entendemos. - Marcus concluiu, comunicando algo ao olhar para o marido - Mas quero que você prometa que vai parar se não aguentar.
– A maior parte da humilhação já foi. - ela desconversou, desligando a panela do macarrão - Aguento qualquer coisa agora.
– Ok, vamos desligar porque temos uma reunião com um diretor. - o melhor amigo deixou que ela vencesse a discussão - Qualquer coisa, me liga.
– E guarda um pouco desse macarrão para mim. - Marcus acrescentou, mandando beijos para ela - Tchau, linda.
null sorriu ao se despedir deles e voltou a se concentrar em acrescentar o molho branco, os legumes e outros acompanhamentos na massa já escorrida na travessa de vidro, dedicou-se totalmente ao próprio almoço (e provável jantar) até que ouviu o barulho agudo da campainha.
Por alguns segundos, temeu que o desgraçado tivesse voltado para buscar alguma coisa, mas não o achava corajoso o suficiente para aparecer ali. De qualquer forma, teria que avisar para a portaria que sua antiga regra de “se está na lista de antigos visitantes, pode deixar subir direto” não era mais válida.
A atriz lavou as mãos, secou-as em um pano de prato e foi até a entrada do apartamento que, sem todas as coisas que null havia deixado por lá, parecia muito vazio. null olhou rapidamente pelo olho mágico e quase fingiu que não estava.
Não era null, mas a mãe dele.
null respirou fundo algumas vezes e destrancou a porta antes que a mulher tocasse a campainha de volta.
– Ah, querida. - a ex-sogra lamentou, abraçando-a antes que a mulher pudesse dizer algo - Desculpe por não ter vindo antes.
– Não tem problema, não era sua obrigação. - null respondeu conforme fechava a porta após a mãe do ex-noivo entrar no apartamento sem um convite.
– Fiquei completamente abalada, você não tem noção. - a matriarca prosseguiu, sentando-se no sofá que sairia daquela sala em alguns dias.
– Minha mãe me disse que você desmaiou. - ela continuou a conversa, sentando-se também.
– Ah, null! - a mulher exclamou, colocando as mãos no rosto de forma dramática - Que vergonha, preciso falar com ela também.
– De verdade, não tem necessidade nenhuma.
– Querida, precisamos resolver essa situação. - ela ignorou o comentário de null - Meu filho só pode estar usando drogas, sendo ameaçado, sei lá!
– Acho que eu teria percebido se estivesse.
– Não tem cabimento ele te deixar no altar pela Aimee! - a mulher continuou, completamente indignada - Não entra na minha cabeça de jeito nenhum.
– Ela esteve na vida dele muito antes de mim. - ela justificou, sentindo um desconforto no peito ao ter que tratar daquele tema com a mãe de null - Algo deveria estar acontecendo ali que nem eu, você e até eles mesmos viram.
– null, null era um garoto irresponsável, imaturo e desajustado quando te conheceu. - a ex-sogra prosseguiu, pegando as mãos da atriz para fazer um carinho que parecia muito inadequado agora que não tinham nenhuma ligação - Você o transformou em um homem!
– Acho que-
– Ele se tornou um homem leal e confiável por sua causa, null. - ela a cortou, apertando mais suas mãos - Se isso não é amor, o que é?
– Fico feliz que acredite que essas mudanças tiveram alguma coisa a ver comigo - null começou, afastando-se da mulher - Mas não acho que isso seja verdade.
– É sim, null. - ela reforçou, sorrindo de maneira doce para a ex-nora - Nossa família te ama.
– Mas o null não. - a atriz a jogou de volta para realidade secamente - Sendo sincera, não estávamos bem de verdade há meses e eu fiz de tudo para que desse certo.
– Ah, querida, tenho certeza que foi um mal-entendido!
– Não foi. - null negou, a garganta começou a apertar e ela sabia que iria chorar a qualquer momento, mas não queria fazer aquilo na frente dela de jeito nenhum - Ele mal conversava comigo, não me escutava, ouvi ele dizendo coisas terríveis sobre mim e continuei tentando por nós dois porque eu sentia falta do que éramos antes, porém, como todo mundo viu, não funcionou.
– null, eu imploro para você. - a ex-sogra continuou, praticamente ignorando os sentimentos da atriz - Tenta mais uma vez, eu tenho certeza que ele vai cair em si e perceber o que perdeu.
– Desculpa, não posso forçar null a permanecer comigo ou me amar de novo. - null encerrou a conversa levantando do sofá - Por favor, não quero tocar nesse assunto novamente, adoro sua família, mas não há como continuar o contato.
– Eu entendo, querida. - a mulher levantou também, acompanhando null até a porta com uma expressão murcha - Tempo é o melhor remédio, acredito que ficarão juntos sim.
– Obrigada pela visita e espero que você fique bem. - null ignorou o último comentário da ex-sogra, aceitando o abraço final dela.
Após se despedir, null encostou as costas descobertas pelo vestido casual na madeira gelada da porta, passou as mãos pelos cabelos e fez um exercício de respiração que havia aprendido nas aulas de teatro anos atrás. Sua garganta parecia cada vez mais apertada, as têmporas latejavam e os olhos voltavam a marejar como acontecia com frequência desde o casamento frustrado.
null observou a pequena estátua de bailarina no meio da mesa de centro, o primeiro presente de sua mãe para seu apartamento.
– null, eu vou cair! - null deu um gritinho, gargalhando ao ser girada novamente pelo agora noivo no terraço iluminado do restaurante favorito dela.
– Nunca te deixaria cair, amor - ele respondeu, segurando a cintura dela quando a atriz voltou a se aproximar de seu corpo após o giro.
– Não acredito que preparou toda essa surpresa sem eu saber - ela disse, colocando os braços ao redor do pescoço de null.
– Um pouco difícil, você é meio enxerida, né? - ele brincou, deixando um beijo na bochecha dela que se transformou em uma risada com o leve tapa que null deu em seu braço - Não estou mentindo, você descobriu todas as vezes que alguém tentou te dar uma festa surpresa.
– Vocês só não sabem organizar um evento direito! - ela se defendeu, rindo também.
Uma balada lenta que eles adoravam substituiu a música animada que tocava antes e null a puxou mais para si, passando levemente o nariz pelo cabelo dela.
– Em pouco tempo vou casar com você. - ele sussurrou mesmo que fossem os únicos ali - Minha mãe vai desmaiar quando souber.
– Vai nada. - ela discordou, encarando os olhos brilhantes dele - Todo mundo espera que nós casemos, null.
– Porque não existe um mundo em que nós não estamos juntos, null. - ele sussurrou de volta - Você é o amor da minha vida em qualquer vida que existir.
null mal conseguia enxergar a estátua com todas aquelas lágrimas escorrendo pelo seu rosto descomunalmente inchado pelo tanto de crises que havia tido nos últimos dias. Ela sabia que era melhor ter sido deixada antes de casar do que viver tantos anos com alguém que não queria estar com ela, mas por que ainda doía tanto?
Desorientada, ela ignorou a refeição preparada cuidadosamente que a esperava em cima da bancada e foi para o quarto, o único cômodo em que não tinha deixado a janela aberta. null jogou o corpo na cama, enrolou-se no edredom e em si mesma, a posição fetal confortando brevemente seu coração dolorido. null continuou lá.
Continuou lá até dormir, até o macarrão ficar gelado e o dia ensolarado virar noite.
Capítulo 4
10 dias depois do ‘desculpa, null’.
null sorriu como o maquiador havia pedido e recebeu mais algumas pinceladas do blush cremoso que sua personagem costumava usar no dia a dia, observando o amigo responder alguns e-mails no sofá do camarim que ela dividia com outra atriz.
– Você não precisava ter vindo, Sam. - ela comentou após agradecer o maquiador.
– Eu sei. - ele respondeu, levantando os olhos do notebook para encarar a amiga com o figurino de Robin, uma advogada extremamente certinha que usava saia lápis, camisa social, blazer e saltos médios - Quero estar aqui se você precisar, hoje as cenas são complicadas.
– Vai passar rápido. - ela afirmou, ajustando o cabelo nas costas - Em cinco diárias, encerramos o sofrimento dela para dar espaço para a ação.
– Quem dera a vida se resolvesse como uma diária. - Sam brincou, desligando o aparelho para acompanhar null ao estúdio.
A atriz concordou conforme os dois passavam por diversos corredores até chegar ao estúdio 9, o local havia sido ajustado pela direção de arte com o cenário de um quarto de motel. Sua personagem estaria seguindo uma pista enviada anonimamente para tentar salvar um cliente importante junto com o melhor amigo e encontraria o namorado no quarto com outras mulheres.
E era por isso que todos a estavam tratando como uma bonequinha de porcelana: assim como ela, o arco atual de sua personagem era descobrir que estava sendo traída. null já tinha recebido o roteiro dos capítulos que gravavam atualmente, portanto, muito antes de ser abandonada no altar, ela tinha estudado a curva dramática que Robin viveria e como o evento alteraria seu posicionamento a partir dali, por isso, acreditava que estaria pronta para gravar, mesmo que a produtora (e todos os outros) achassem que ela surtaria de verdade a qualquer momento.
A atriz respirou fundo ao receber um beijo na bochecha de Sam e se aproximou da porta cenográfica onde null conversava com uma das diretoras da série, ele também vestia roupas sociais parecidas com as dela e interpretava o amigo mais próximo de Robin, um advogado com uma dose de ética a menos se comparado com a sua personagem.
– Então, inicialmente, quero você tentando tirar ela dali. - ouviu a diretora instruir ao se aproximar dos dois - Mas null vai se aproximar da situação e lançar o texto.
– Certo, um gesto mais protetivo, não é? - null confirmou, observando o roteiro cheio de marcatexto amarelo nas mãos da diretora - E acho que por aqui é uma raiva contida, não é?
– Exatamente, assim que o namorado começa a falar, um punho cerrado, um brilho de irritação, esses pequenos gestos que levem o público a ver a crescente de sentimento dele com a Robin são muito bem-vindos. - ela concordou, sorrindo para o ator.
– Certo, obrigado - ele exclamou, olhando brevemente para null com um sorriso simpático que, honestamente, a irritava.
Há anos, null não era muito acolhedor com ela, evitando-a em eventos, indiferente nas entrevistas em comparação com outros colegas de trabalho e implicando constantemente com ela. Por isso, o comportamento mais amigável só a fazia pensar que ele estava com pena dela.
null queria tudo, menos pena.
– null, quero a Robin bem oscilante aqui. - a diretora se dirigiu a ela, apontando para algumas falas no roteiro - Acho que o texto tem essa ondulação, sabe? A voz sobe de tom e vira um sussurro, as lágrimas descem com força e parecem acumular em outro momento, a postura contida típica dela primeiro, depois uma linguagem mais agressiva, algo que raramente vemos dela, sabe?
– Entendi, pensei em fazer esses extremos mais contrastantes. - ela explicou - Na postura contida, as lágrimas vêm com força, na fúria, elas estão contidas.
– É por isso que eu te amo - a diretora brincou, sorrindo para ela - Vamos tentar? Já conversei com os outros três.
A dupla concordou e se ajustou na frente da porta, null a encarou, cruzou os dedos e os ergueu na direção de null, ela fez o mesmo para ele. Os dois tinham começado as carreiras na indústria em uma sitcom de comédia onde interpretaram filhos de dois protagonistas diferentes, a primeira cena de suas vidas havia sido com os dois juntos e eles estavam tão nervosos que cruzaram os dedos para dar sorte, desde então, quando estavam em cena, mesmo que a relação fosse completamente diferente, repetiam o gesto antes de entrar no personagem.
É claro que os fãs foram à loucura ao perceberem em um vídeo de bastidores que eles continuavam com a superstição e que null, quando acompanhou uma gravação, achou extremamente ridículo.
– Ok, pessoal, vamos fazer um teste primeiro, mas quero gravar para pegar a movimentação da câmera. - a diretora gritou, sentando-se em uma cadeira próxima a um monitor - Microfone de todos, ok?
Uma confirmação foi ouvida e a mulher passou a conferir iluminação, som e câmera antes de dizer:
– Bem, queridos, quando vocês quiserem.
null respirou fundo e puxou a chave cenográfica do bolso da saia lápis ao dizer:
– É aqui mesmo - girou a chave na maçaneta e abriu a porta cenográfica - Apesar de achar meio impossível ter qualquer pista em um quarto de mot-
Robin interrompeu a si mesma quando os dois adentraram o quarto, observando o namorado dormindo pacificamente ao lado de duas mulheres cobertas apenas pelo lençol de seda vermelho que combinava com a temática do quarto.
– Robin, não tem nada aqui. - o amigo sussurrou, segurando seu braço caído ao lado do corpo delicadamente ao tentar tirá-la dali antes que um dos três acordasse - Vamos embora. Porém, não adiantou, a advogada não se moveu e, diferente do namorado, as mulheres tinham sono leve e levantaram ao mesmo tempo, observando-a com caras amassadas de sono bastante confusas.
– Docinho. - uma delas disse, cutucando o homem no meio da cama - Tem alguém aqui.
Docinho? - Robin sibilou, olhando brevemente para o teto como se pedisse forças antes de se desvencilhar do amigo e agarrar o que imaginou serem os pés do homem - Acorda! Era impossível não despertar com aquilo, o namorado levantou, arregalando os olhos ao ver a expressão furiosa no rosto da mulher.
– Calma, Robin, não é o… - o homem começou a dizer, erguendo-se para sentar no meio das duas acompanhantes.
– Se você terminar a frase, eu juro que te mato! - ela berrou, afastando-se de súbito da cama - Você acha que eu sou idiota?
A mulher enxugou as lágrimas que escorriam sem parar do rosto, chocando-se ao ver a expressão desesperada do namorado mudar de repente, ele gargalhou alto.
Dessa vez, Robin teve que conter o amigo, impedindo-o de, provavelmente, avançar sobre o namorado.
A cena, de cerca de seis minutos, se desenrolou perfeitamente, os cinco atores deram tudo de si no ensaio, as lágrimas iam e voltavam com facilidade nos olhos de null que, após tantos dias chorando, achava que dominava a arte de choro cenográfico como nunca.
– Corta! - a diretora disse quando a dupla de advogados saiu do quarto, batendo a porta atrás de si - Por mim, ficamos com essa e vocês?
null não ouviu o que o restante da equipe disse, jogando-se na cadeira que alguém havia deixado atrás da porta quando ela não estava olhando, não acontecia com frequência, mas se sentia exausta depois de fazer apenas uma cena, ela passou as mãos pela testa cuidadosamente.
– Tudo certo, null? - null perguntou, agachando-se para ficar do mesmo nível do rosto dela, alguém não tinha pensado em por uma cadeira para ele também.
– Fiquei com medo de chamar ele de null em algum momento. - ela disse, sentindo as últimas lágrimas de Robin (ou talvez eram dela mesmo) escorrerem pelo rosto - Foi muito… eu?
– Nem um pouco e você sabe que tenho local de fala. - null tranquilizou, sutilmente mencionando que já havia visto a reação dela à traição de verdade - Estou feliz que nossa estratégia funcionou.
– Que estratégia? - a atriz perguntou, franzindo a testa ao remover os olhos do chão para o homem (exageradamente) próximo ao seu rosto.
– Chegamos mais cedo e treinamos essa cena sem você umas sete vezes para não cometermos nenhum erro. - ele respondeu, sorrindo levemente para a mulher à frente - Queríamos que o teste fosse nosso take final, eu sabia que você iria entregar a cena de primeira, só que não podia garantir com todo mundo.
– Estou meio sem palavras. - null disse, rindo brevemente - Mas obrigada, não achei que você se importava tanto.
– null, a gente se conhece desde os sete anos. - null exclamou com uma seriedade raramente vista nele - Não é porque nos desentendemos que eu quero você na merda, tira isso da sua cabeça.
– Meio que já está programado aqui. - ela zombou, apontando o indicador para a própria cabeça - Não tem muito o que fazer.
Os dois riram juntos até serem interrompidos pela voz da direção indicando que podiam trocar o figurino, o teste tinha ficado tão bom que seria a cena final. Sam, que observava a amiga de longe, continuou mantendo a distância ao notar que o humor dela parecia ter melhorado bastante com a conversa com null, ele sorriu.
– Ué, não vamos para casa? - null perguntou, observando Sam virar na direção oposta a que levaria ao bairro deles.
– Vamos encontrar o Marc naquele restaurante árabe que amamos. - ele respondeu, dando seta antes de mudar de faixa - Acho que você merece.
– Ah, que amor. - ela disse, acariciando o ombro dele - Eu juro que estava pensando em comida árabe.
– Depois de anos, se eu não soubesse ler seus pensamentos, que tipo de amigo eu seria?
– Quem dera o null tivesse essa habilidade também. - ela pensou alto, arrependendo-se no mesmo minuto ao ver a cabeça de Sam se virar rapidamente na sua direção quando o sinal fechou.
– Oi?
– Nada a ver, né? - ela disse, torcendo o nariz - Finge que não falei nada.
– Primeiro, agora você considera o null seu amigo? - ele perguntou, abrindo um sorriso malicioso - Segundo, ele consegue ler muito bem, por isso sempre acerta na provocação com você.
– Ah, então é de propósito? - null questionou, ignorando a pergunta dele.
– Óbvio, né? - Sam respondeu, voltando a acelerar o carro quando o sinal abriu - E você não respondeu minha pergunta.
null estava prestes a dar uma desculpa quando o celular tocou, ela fez um sinal de “que pena!” para Sam antes de atender o telefone sem nem olhar direito quem estava ligando.
– Alô?
– null. - a voz que ela jamais deixaria de reconhecer em qualquer ocasião disse do outro lado da linha - É o null.
– Eu sei - ela disse secamente, observando a expressão de Sam mudar ao seu lado, ele fez um sinal para que ela colocasse no viva-voz - O que você quer?
– Estou mandando meu motorista agora buscar minhas coisas no seu apartamento. - a indiferença de null soou no carro.
– Que motorista? - Sam perguntou sem emitir som algum, apenas movendo os lábios.
– A Aimee tem um. - ela respondeu da mesma forma.
– null? - null voltou a dizer. null pigarreou e disse:
– Não estou em casa.
– Então vá para casa ou manda alguém lá. - o ex-noivo exigiu, sem conseguir ver que o comentário fez as duas pessoas na pickup vermelha abrirem as bocas em choque - Ele já está a caminho.
– null, eu não sou obrigada a largar o que estou fazendo só porque você quer. - null respondeu, não se importando se soava grosseira ou não - E, se você quer suas coisas de volta, acho melhor pedir para seu motorista digitar o endereço do Centro de Acolhimento à Mulheres e Crianças e torcer para todas as suas coisas não terem sido vendidas.
– Você está louca, porra? - ela ouviu null se descontrolar e teve que fazer muito esforço para não rir - null, eu não tô acreditando que você fez isso!
– Opa, acho melhor pedir para seu motorista ir para casa mesmo. - null ironizou, olhando no painel do carro - Eles fecham às sete e já são oito horas aqui.
– Eu vou te processar! - null disse, respirando fundo - Quando você se ver sozinha naquela merda de apartamento e se perguntar o motivo, lembra que é porque você é uma péssima pessoa.
– Olha quem fala. - Sam disse, sem conseguir se segurar.
– Quem está falando? - null perguntou, não reconhecendo a voz distante do assessor.
– Não importa, null. - null desviou o assunto, sentindo o corpo tremer de raiva - Eu quero que você se foda.
Antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa, ela apertou o botão na tela e desligou o celular.
– Esse fodido azeda o humor de qualquer um. - Sam praguejou, buzinando de leve para um carro que não tinha visto o sinal abrir.
– Que ódio, Sam! - null gritou, batendo as mãos na cabeça - Atrasei minha vida ficando com ele! Eu perdi seis anos da minha vida! Seis anos!
Sam estava prestes a dizer alguma coisa, porém, a amiga continuou:
– Não quero mais pensar nisso agora, por favor, vamos fingir que ele nunca ligou por hoje? - ela pediu, segurando mais uma possível crise de choro, o homem concordou - Do que estávamos falando antes?
– Que você vai me trocar pelo null. - Sam brincou, tentando aliviar o clima.
– Meu Deus! - null exclamou, jogando a cabeça no encosto do banco - É um assunto pior que o outro.
– Você que deu a entender.
– Amigo é forte demais. - ela respondeu, observando a paisagem na janela antes de se virar para olhar para Sam - Mas não posso odiar alguém que me ajudou com tanta naturalidade no pior dia da minha vida, posso?
Capítulo 5
Pode abrir! - null exclamou, retirando a venda dos olhos de null e permitindo que ela pudesse visualizar o novo móvel encostado em uma das paredes da sala.
null já morava naquele apartamento há algum tempo antes de conhecer null, porém, tinha pouco tempo para dedicar à decoração do apartamento. Primeiro, levou todos os itens do seu quarto, o piano que tinha sido presente da avó e, por fim, comprou os eletrodomésticos e itens mais necessários para a própria sobrevivência e, como mal passava tempo em casa naquela época, o sofá ficou esquecido.
Agora, os dois passavam um bom tempo na sala, assistindo algum dos filmes favoritos dele ou qualquer coisa parecida, por isso, o namorado havia dito que compraria um de presente para ela, afirmando que faria uma surpresa por saber exatamente o que ela gostava.
Bom, olhando para o sofá, null não teve tanta certeza. Não era feio, mas o objeto cinza e muito arredondado não fazia nenhum pouco o estilo dela.
– Caramba… - ela disse, colocando as mãos nos quadris - É lindo, amor!
– Se você gostou desse, mal posso esperar para ver sua reação com o berço que coloquei lá no escritório - null disse e, imediatamente, os braços da atriz se soltaram da lateral do corpo.
– Oi?
– É brincadeira, lindinha - ele exclamou, gargalhando ao passar os braços ao redor dela - Quando você ficar grávida, já sabe como contar para mim: coloca um berço no meio do nosso quarto.
null sorriu quando null deixou alguns beijos na sua bochecha, mas, por dentro, estava levemente assustada. Eles namoravam há um ano, pelo amor de Deus!
Ela pensou se deveria dizer a ele que o tópico a deixava desconfortável, porém, achou que arrumaria um desentendimento desnecessário. null a fazia feliz como nunca havia se sentido e não queria causar um conflito desnecessário entre os dois.
Era algo para o futuro.
15 dias depois do “desculpa, null”
– null? - um dos assistentes de produção disse para chamar a atenção da atriz, ela usava um roupão cinza e passava o texto da próxima cena em uma das cadeiras posicionadas no corredor que levava aos oito estúdios utilizados pela equipe de filmagem da série - Chegou isso aqui para você.
– Ué. - a atriz exclamou, levantando-se para analisar as duas caixas de papelão colocadas em uma das cadeiras ao seu lado, uma era retangular e grande e a outra era quadrada e larga - Eu achei que tinha pedido para enviar em casa.
– A nota está aqui. - o assistente acrescentou, passando um papel branco para as mãos dela.
– Muito obrigada e desculpe o trabalho desnecessário. - ela agradeceu, sorrindo para o assistente.
– Magina. - ele respondeu, dando um tchauzinho antes de ouvir algo no ponto eletrônico pendurado na orelha e correr na direção contrária, quase esbarrando em null - Foi mal, null.
– Tranquilo. - o ator disse, dando um tapinha nas costas e um sorriso para o assistente antes dele sair correndo de novo - Quer passar a próxima cena?
– Pode ser. - ela concordou com a sugestão, arrancando a fita da caixa com as unhas para checar se o pedido estava certo.
– Que isso? - null perguntou, aproximando-se dela com curiosidade.
– Comprei tinta e acessórios para pintar as paredes da sala e sem querer coloquei o endereço daqui. - null respondeu, erguendo a lata de tinta colorida para o colega de trabalho ver - Achei que a sala estava muito sem graça.
– Não é o sofá? - o ator perguntou, fazendo uma careta ao lembrar da sala de estar dela.
– Com certeza era o sofá. - ela concordou, guardando a lata de volta na caixa - Ele já está em outro lar agora, mas achei que uma corzinha nas paredes faria bem.
– E você vai levar isso como? - ele disse, apontando para as caixas, ao ver a confusão nos olhos dela - Eu vi que você não veio de carro hoje.
– Ah, vou pedir um Uber. - ela respondeu, apontando para o celular deixado com o roteiro na cadeira onde estava anteriormente - Vendi meu carro.
– Você está precisando de dinheiro? - ele zombou, sabia que null era uma pessoa econômica e dificilmente ficaria na mão - Compartilha o link da vaquinha.
– Você não perde uma, né? - ela resmungou, escondendo o riso - Estou vendendo tudo que ele me ajudou a escolher.
null ficou em silêncio, tinha muitas opiniões sobre o ex-noivo de null, porém, não sabia se eles tinham a intimidade de antes - quando atuaram da infância até a adolescência na mesma série -, relação essa que sentia muita falta.
– Eu te levo. - ele declarou - E se quiser ajuda para pintar, minha irmã me faz de ajudante toda hora.
– Aí, vou aceitar. - ela concordou, sorrindo para ele - Os meninos vão para lá depois de uma reunião, se você não se importar.
– Gosto mais deles do que de você. - ele disse, confirmando que não tinha problemas - Agora nós vamos ensaiar porque estou achando meu tom meio errado.
null e null encaravam a sala de estar vazia com rolos de tinta nas mãos, todos os móveis tinham sido movidos para o escritório e o piso laminado estava coberto de jornal, ao todo, eles pintariam duas paredes e os cantinhos ao redor da porta francesa que levava para a sacada.
A primeira lata de tinta estava parada perto de uma escada de alumínio emprestada do vizinho e os dois analisavam as paredes brancas.
– Minha irmã diz que o segredo é passar o rolo no meio, sempre na mesma direção e completar os cantinhos com o pincel menor - ele disse, apontando para a caixa de papelão na bancada da cozinha - Você quer começar por qual?
– Vamos nessa menorzinha. - ela respondeu, aproximando a lata de tinta de lá - Quando os meninos chegarem, nós fazemos a outra.
Os dois começaram a pintar em silêncio, rindo ocasionalmente quando se sujavam um pouco com a tinta, null havia colocado roupas mais surradas, null, no entanto, estava com peças que usava com frequência.
– Tem certeza que não quer trocar? - ela perguntou, parando momentaneamente para arrastar a escada e conseguir pintar mais alto - Eu achei umas peças do null jogadas por aí.
– Não sou de acreditar em papo de energia e tal. - ele começou a dizer, torcendo os lábios - Mas tenho medo de pegar, sei lá, a doença dele.
– null! - ela advertiu, dando risada do tom de voz dele.
– Porra, o cara é um mala!
– E você é mega legal, né? - ela ironizou, voltando a pintar.
– Quero acreditar que sou melhor que ele, pelo menos.
– Se alguém me dissesse há uns três meses que eu estaria pintando minha parede com você, eu não acreditaria. - a atriz exclamou.
– Por que não? - o ator brincou, sorrindo levemente - Segundo o twitter, nós somos besties.
– E também temos mais de cem filhos porque o tanto de gente que chama a gente de ‘pai’ e ‘mãe’ é brincadeira.
– Sabe uma coisa engraçada que uma fã fez e você provavelmente não sabe? - ao ver que ela prestava atenção - Encontrei uma adolescente na rua e ela estava usando uma camiseta com uma foto nossa e o texto era “I am a child of cheating”*.
null começou a gargalhar, nada parecido com aquilo havia chegado até ela antes.
– Eu me segurei muito para não rir e pedi pra ela deixar eu tirar a selfie para a camiseta não aparecer.
– Cara, eles passam do limite, mas eu acho super divertido. - null continuou - Eles têm muito carinho pela gente, a maioria nos viu crescer…
E os idosos amam a gente também porque passava na tv aberta. - ele sorriu com as memórias - O triozinho de ouro deles.
null suspirou com a menção da outra ponta do trio: mais um ator da série, ele havia sido seu primeiro namorado.
– Terminei com ele para ficar com o null. - ela disse, sabia que null entenderia imediatamente do que ela estava falando - Ele achou o amor da vida dele e eu só me fodi.
– Pelo tanto que ele sofreu, eu diria para você que é karma. - ele disse, rindo ao ver a careta que ela fez - Mas não acredito nisso.
– Você fala da vida de todo mundo, mas e você?
– Eu o que?
– Nunca te vi namorando. - ela explicou - Só se foi escondido.
– Não sou de fazer nada escondido. - ele disse, dando um sorrisinho - Estou esperando a mulher certa.
– A mulher certa cair na sua cama, né?
– Porra, quem você acha que eu sou? - ele fingiu ficar ofendido e passou o rolo de tinta no braço dela - Um vagabundo?
– Vagabundo seria elogio. - ela replicou e, ao tentar passar tinta no nariz dele, se desequilibrou da escada.
Antes que ela caísse, null se aproximou com agilidade e a segurou pela cintura com uma das mãos, porém, tudo isso ocorreu enquanto os dois seguravam os rolos de tinta e o resultado foi uma pela pintura corporal de cor azul nos dois.
– null! - ela exclamou, dando risada até sentir o gosto da tinta nos lábios.
– Nem fiz nada. - exclamou de volta, limpando os respingos de tinta perto dos olhos.
Antes que ela pudesse responder, a porta abriu, revelando a cena para Sam e Marcus, um deles tinha uma grande tábua de frios e uma sacola com vinhos nas mãos e o outro segurava o que pareciam objetos de decoração.
– Estamos interrompendo algo? - Sam perguntou, olhando os dois com leve malícia.
– Sim. - null disse, sem perceber que havia deixado null momentaneamente desconcertada - Impediram a null de virar o balde de tinta em mim!
– Você que começou! - ela exclamou, descendo os degraus finais da escada.
– Ok, crianças. - Marcus cortou, colocando os itens na mesa de jantar - Hora do intervalo, depois a gente volta a brincar, pode ser?
Os dois realmente obedeceram o assessor, lavaram as mãos e sentaram nas cadeiras cobertas de jornal para aproveitar os frios que Sam havia preparado, conversaram e voltaram a pintar enquanto relembravam momentos e discutiam situações. Era um pouco mais de meia-noite quando terminaram e null avisou que precisava ir embora.
A atriz deixou os amigos arrumando a bagunça e o levou até a porta, impressionando-se com o quanto eles voltaram a se dar bem.
– Obrigada, null. - ela agradeceu, voltando a usar o apelido dele depois de muito tempo - Não só por hoje, mas pelo dia da cerimônia também.
– Não precisa me agradecer, me diverti muito. - ele sorriu para ela - Tanto pintando as paredes quanto vendo você de noiva sexy abandonada.
null sentiu as bochechas esquentarem ao lembrar que null havia a resgatado quando estava só de lingerie e um paletó que falhava em cobrir seu corpo.
– Agora eu sei que você não me odeia de verdade. - ela disse, era uma mudança de assunto e uma péssima resposta ao elogio implícito que ele havia feito, porém, ela não sabia o que dizer.
– Nunca odiei, null, você só não era mais você mesma e isso me irritava. - ele explicou, pegando a chave do carro no bolso - E acho que agora você está voltando a ser, então, por que não deixar o passado no passado?
– Gosto disso. - ela concordou, sorrindo para o colega de trabalho - Avisa quando chegar em casa, está bom?
– Aviso, boa noite. - ele exclamou quando ela se aproximou para deixar um beijo (demorado demais) na bochecha dele, os dois sentiram algo, mas ninguém falou - Se precisar, me chama.
Quando null entrou no elevador, null fechou a porta e encontrou o casal de amigos a encarando.
– Não! - exclamou, estreitando os olhos e apontando o indicador para eles como um alerta.
– A gente nem disse nada! - Sam disse, colocando uma das mãos no peito.
– Mas eu sei o que vocês estão pensando!
– null, acho que quem está pensando nisso é você. - Marcus rebateu, rindo com o marido.
– Não, gente! - ela exclamou de novo, sem ousar colocar em palavras o que os três estavam pensando - Nunca, nada a ver.
– Nada a ver. - os dois disseram juntos, imitando o tom de voz esganiçado da atriz.
– Eu vou jogar a tinta que sobrou em vocês!
Capítulo 6
20 dias depois do “desculpa, null”
– Gente, eu não comprei nada dessa vez! - null exclamou no círculo que ela, null, o assistente de produção que buscou as tintas e a produtora fizeram ao redor de um enorme pacote de papelão retangular.
– Mas veio endereçado para você. - o assistente explicou, olhando para o pacote - E não tem remetente.
– Será que é de um stalker? - a produtora perguntou, chocando a atriz, isso nem passaria na cabeça dela.
– Por que nós não abrimos logo? - null sugeriu, olhando para a dona do pacote - Assim fica mais fácil saber se nós precisamos chamar a polícia.
– Ok, vamos tirar o papel. - ela concordou.
– Coloca na mesa primeiro. - o assistente sugeriu - Vai cair no chão.
null pegou o objeto encostado na parede e apoiou ele na mesa vazia para que os quatro juntos começassem a rasgar e revelar o que o papel pardo escondia.
– Ah, não! - null exclamou, tirando as mãos do objeto assim que percebeu o que era - Não!
– Bom… - o assistente começou a dizer quando todo o papel estava no chão e eles conseguiam ver claramente o que havia ali.
– É um belo quadro. - a produtora completou, encarando a imagem pintada com perfeição ao redor da moldura dourada.
– É um castigo! - a atriz lamentou, passando a mão pelo rosto.
null, vestida de noiva, tocava piano na sala de estar. É claro que o vestido não era parecido com o que tinha usado no dia da cerimônia, as mães dos dois fizeram questão de repetir exaustivamente que dava azar. null havia pintado aquilo imaginando como seria ela vestida de noiva.
– Nunca vi um artista odiar tanto cores como ele. - null criticou ao ver que a pintura havia sido feita apenas com preto, branco e variações de cinza - Ele fez isso de propósito.
– Acho que estava programado. - null sugeriu, observando a pintura com uma careta - Eu voltaria a gravar hoje se tivéssemos ido para a lua de mel.
– Mas ele pinta bem. - o assistente acrescentou.
– E tem uma cartinha. - a produtora exclamou, pegando um pequeno envelope dourado como a moldura.
– Alguém tem um isqueiro? - null pediu, recebendo um do assistente (eles sempre tinham tudo).
A atriz puxou a carta das mãos da produtora e acendeu uma pequena chama, aproximando o papel do isqueiro até que ele começasse a queimar.
– Ei! Sem fogo no set! - a produtora exclamou ao ver null jogar o papel em chamas no lixo.
– Não estamos no estúdio. - null a defendeu, girando o indicador apontando o local.
– Exatamente. - ela repetiu, pegando o quadro - Posso ir lá fora queimar isso?
– Não dá tempo. - o assistente disse, consultando alguns posts-its na pochete que usava - Vocês têm que ir para a maquiagem em cinco minutos.
– Não queime o quadro, null. - a produtora pediu, observando a moldura - É tão lindo, você tá muito bonita nele.
– Me dá o quadro, null. - null pediu ao subitamente ter uma ideia - Já sei o que fazer com ele.
– Contanto que você tire ele da minha frente. - ela concordou, deixando que null levasse o objeto para o camarim dele.
null procurava null por, pelo menos, cinco minutos, porém, a casa dos avós dele era tão grande que ainda não havia visto nem um vislumbre do terno cinza que ele usava.
Era um dia especial para a família dele, os avós completaram cinquenta anos de casados e decidiram fazer uma festa de gala para muitos convidados. null virou em um corredor cheio de quadros e obras de arte que provavelmente tinham custado mais do que o salário total que recebeu por seu papel na primeira série que fez (por anos), acreditava que já tinha passado por lá, porém, ao ouvir a risada do namorado, sentiu que estava confundindo o corredor com qualquer outro da propriedade.
A atriz se aproximou vagarosamente da sala de onde as vozes vinham, porém, antes que revelasse sua presença, percebeu que null estava com seus primos, quatro homens e três mulheres, bebendo uísque. O namorado já havia contado que eles costumavam se reunir para discutir suas vidas juntos com uma bebida há anos quando a família se juntava para algum evento e achou melhor não interromper, o último havia sido há pelo menos um ano.
Antes que pudesse se afastar, ouviu uma das primas dele perguntar:
– Por que você ainda não dirigiu nada com ela? Seria um sucesso, null.
null não conseguiu sair do lugar, após três anos, ela se perguntava a mesma coisa e decidiu aguardar por uma resposta dele.
Arrependeu-se no mesmo minuto ao ouvir a risada sarcástica e fria dele.
– Ela não está nem perto do nível de atuação que eu gosto de ter nos meus filmes. - ele desprezou, bebericando um pouco do uísque - Essa gente que começou quando criança é muito cheia de não me toques, sabe? A null jamais conseguiria fazer um dos meus filmes artísticos.
null sentiu um aperto forte no peito, null jamais havia falado algo parecido para ela, sempre elogiava suas performances e dizia que era raro encontrar alguém com uma entrega tão completa quanto ela. Ele estava mentindo?
– null, acho que você está viajando. - um dos primos disse, seu tom de voz denunciava o quão todos ali estavam desconfortáveis - Ela já foi indicada ao Oscar naquele filme que fez depois de concluir a série.
– E perdeu. - ele exclamou, gargalhando - Se fosse boa mesmo, teria ganhado.
– E você alguma vez foi indicado para alguma coisa? - uma das primas apontou, irritada pela forma como ele falava da namorada, todos na família tinham um enorme carinho por ela - Se fosse bom mesmo, teria sido.
null não aguentou continuar ali, obrigou os próprios pés a andarem até a entrada da casa, murmurando aos parentes de null que pareciam preocupados que estava bem.
Pediu um Uber e foi embora.
Depois daquele dia, eles nunca mais foram os mesmos. 22 dias depois do “desculpa, null”
null se sentia absurdamente ridícula, não havia outra definição para a cena que se desenrolava ali na sala de estar.
Ela estava sentada em uma montanha de cobertores no chão da sala recém-pintada, coberta da cabeça aos pés enquanto chorava vendo uma comédia romântica.
null estava bem, de verdade.
Porém, algum algoritmo ou sei lá o que definia os posts que apareciam para ela nas redes sociais achou de bom tom mostrar uma entrevista de null com Aimee onde suas versões mais bronzeadas diziam que estavam noivos e que ele seria diretor em um filme com ela como protagonista.
Porra! Noivado em dias? Aimee como protagonista? Era demais para o coração meio calejado dela, principalmente porque sentia a dor de ter perdido tempo demais em algo que não valeu a pena todos os dias.
null tentou conter as lágrimas que começaram a cair, mas não adiantou, novamente, ela chorava por null. Enquanto ele estava recomeçando sem o menor esforço, ela parecia se esforçar continuamente para tirá-lo de sua vida, bloquear parentes e palavras nas redes sociais, vender o carro, reformar o apartamento… A vida dela inteira estava amarrada na dele, porém, parecia que era uma prisão unilateral.
A atriz ouviu o barulho da chave girando na maçaneta e, sabendo que depois de trocar a fechadura apenas seus melhores amigos e sua mãe tinham recebido uma cópia da chave, null poderia supor quem entrava por ali já que Sam e Marcus tinham decidido fazer uma pequena viagem juntos.
– Meu Deus. - null disse, trancando a porta logo depois de vislumbrar o monte de cobertas que era a filha - Está um calor dos infernos lá fora, filha, como você está assim?
– O meu coração gelado está me deixando com frio. - ela dramatizou, ouvindo a mãe gargalhar.
– Você está em uma fossa eterna e ainda tem coragem de chamar seu coração de gelado? - ela exclamou, deixando algumas sacolas de mercado na mesa de jantar e sentando-se ao lado da filha, deixando um beijo na testa dela - Você pode ser muitas coisas, mas isso não.
– Você viu, né?
– Aquela invejosa da vizinha de frente à nossa casa veio me mostrar, acredita? - a mulher falou, revirando os olhos.
– Ela nunca gostou muito de mim, né? - null afirmou, dando risada - Só porque eu era uma criança agitada…
– Bom, não importa. - a mãe disse, levantando-se e puxando a filha junto, em pouco tempo, elas já dobravam os cobertores juntas. - Esse null é pior do que eu pensava.
– Você já achava ele meio chatinho? - ela relembrou de alguns momentos em que a mãe e o ex-noivo estiveram juntos quando ela assentiu - Por que você não me avisou?
– Filha, se eu tentasse te impedir ou coisa parecida, você teria tido ainda mais vontade de ficar com ele. - a mulher explicou, ajudando a filha a levar os cobertores para o quarto - E você sabe que eu defendo a ideia de aconselhar e permitir que erre, não sabe?
null concordou enquanto abria o armário para guardar as mantas, null sempre foi uma ótima conselheira, permitindo que ela descobrisse as coisas sozinhas com apoio e segurança.
– E que erro eu cometi, hein. - a atriz analisou, sentia dores físicas ao pensar como sua vida teria sido diferente se não tivesse se encantado por ele enquanto namorava.
– Pensa pelo lado bom, filha. - a mãe disse, segurando suas mãos com carinho - Agora você já sabe o que não quer.
– Nunca mais me relacionar?
– Você precisa ser menos extremista, null. - a mulher continuou, segurando o braço da filha conforme voltavam para a sala - Você não abre mão de nada ou abre mão de tudo, sempre é oito ou oitenta… Isso não é saudável, olha só o tanto de coisas que você perdeu por abrir mão de tudo.
A atriz não conseguiu dizer nada, havia razão no que a mãe observava.
– Então, nunca mais diga que seu coração é gelado, null. - a mãe acrescentou, sorrindo levemente - Você sente demais, isso sim, comece a ponderar o que passa do seu limite e o que não te deixa desconfortável e você vai se sentir melhor.
– Quer voltar a morar comigo? - null brincou, abraçando a mulher lateralmente - Acho que não consigo viver sem você.
A mãe gargalhou e a abraçou também, tentando passar o amor que sentia por ela:
– Vou cozinhar um prato que vai te fazer sorrir de novo. - ela disse, movendo-se até a cozinha - A mãe do null me passou e eu amei!
– A mãe de quem?
– Do null. - a mulher repetiu, organizando alguns ingredientes - Somos amigas, não sabia? Algumas horas depois da mãe sair para voltar para casa, null mandou uma mensagem para null:

Capítulo 7
2 meses após o “desculpa, null”
null respirou fundo algumas vezes antes de sair do carro de Sam e Marcus para passar pelo tapete vermelho do Golden Globes. A atriz estava acostumada àquele tipo de evento, não ficava nervosa, porém, um filme com participação de Aimee estava concorrendo, então, era praticamente certo que null e ela estariam lá.
Desde o dia da cerimônia, null não tinha mais os vistos pessoalmente e, apesar de não se sentir tão mal como nos vinte primeiros dias, o peso do abandono ainda fazia as costas doerem. Mesmo com a sensação queimando no peito, a atriz saiu do carro, cumprimentou alguns fãs, tirou fotos e se despediu dos amigos conforme se aproximava do longo tapete vermelho cheio de fotógrafos.
null esperou receber indicações para iniciar a passagem até o local do evento e, assim que sua entrada foi permitida, ouviu diversos fotógrafos gritarem:
– Aqui, null!
– Você está deslumbrante.
null sorriu e posou como mais gostava, estava orgulhosa do vestido verde que havia escolhido para o evento, ele era longo, de seda, com um decote médio que valorizava seu colo e alças finas que sustentavam uma abertura até a parte inferior das costas. null decidiu entregar uma foto de perfil e sentiu o próprio sorriso cair ao ver null e Aimee quase ao fim do longo tapete, posavam para outros fotógrafos com gigantescos sorrisos no rosto.
– Sei que tentou, null. - ouviu alguém dizer atrás dela antes de apoiar as mãos geladas nas suas costas, provocando um arrepio no corpo dela - Mas eu fico melhor de verde, está?
A atriz foi retirada do estado de choque por null, ele usava um terno que caia extremamente bem nele - como qualquer outra roupa - e uma gravata que tinha exatamente a mesma cor do vestido dela. O ator deu um sorriso encorajador para ela e, antes que ela pudesse agradecer, todos os fotógrafos passaram a gritar pelos dois.
– Está a fim de dar mais material para as fanfics? - ele abaixou a cabeça levemente para sussurrar no ouvido dela.
– Acho que eles merecem. - null sussurrou de volta, sorrindo para null bem no momento que um flash atingiu os rostos deles.
Então, por longos minutos, os dois posaram para fotos pelo corredor, quase atrasando os outros convidados pelos inúmeros pedidos diferentes dos fotógrafos.
A dupla entrou no local do evento dando risadas e cumprimentando diversos outros profissionais do meio cinematográfico, eles realmente eram muito queridos porque diversos ali tinham visto os dois crescerem.
– Meu Deus, que horror. - eles ouviram alguém mencionar atrás deles e imediatamente olharam na mesma direção.
– Puta que pariu. - null xingou, imitando a careta no rosto de null.
Algumas mesas à frente, null e Aimee esqueceram completamente o bom senso e trocavam carícias que deveriam ser reservadas para momentos a dois.
– Porra, eles sabem que vem criança aqui também? - null sussurrou, torcendo o rosto.
– null, por favor, me diz que eu não era assim. - ela choramingou, sentindo as bochechas esquentarem de vergonha por saber que metade das pessoas ali tinham conhecimento sobre null e ela.
– Não era, null. - null respondeu conforme os dois andavam até a mesa dedicada aos atores e produção da série que faziam parte, Sam e Marcus estavam em outro local - Na verdade se demonstração de pública de afeto fosse medidor de amor, eu ia achar que o null não gostava de mulher.
– Não sei se me sinto muito melhor com esse seu comentário. - ela riu enquanto os dois sentavam nas cadeiras com seus nomes, lado a lado, ninguém havia chegado ainda.
– Depois disso, eu sempre pensava em outra coisa… - ele sussurrou próximo à orelha dela.
– O que?
– Que se eu fosse ele, não ia conseguir tirar minhas mãos de você. - null proferiu, sorrindo maliciosamente ao ver o rosto de null ficar rosado ao se ajustar melhor na cadeira
- Mas não desse jeito deles, null, ia ser sutil.
– Sutil? - perguntou, não conseguindo não umedecer os lábios ao descobrir de perto como null flertava.
– É, tipo isso. - ele respondeu, colocando a mão nas costas descobertas pelo vestido e movendo as pontas dos dedos de cima para para baixo, em seguida, sem tirar os olhos dela, null moveu uma das mãos e acariciou de leve sua coxa - Assim também.
null ficou encarando ele por um bom tempo conforme ele alternava os toques sutis, ela se sentia meio tonta. Um pouco porque as mãos dele não permitiam que ela pensasse direito e porque foram seis anos com um cara só, do segundo namorado direto para o casamento (mais ou menos).
Sinceramente, a atriz não sabia como agir, principalmente porque null nunca tinha sido assim com ela. Porém, antes dela tomar alguma decisão, a maior parte do elenco e da produção chegou, interrompendo o momento deles.
– null, ainda bem que você terminou com aquele feio. - uma das atrizes disse, sentando-se ao lado dela, ela sempre tratava a questão como se ela tivesse deixado null e não o contrário - Oh, nojeira.
– Eles não pararam? - null perguntou, colocando o braço ao redor da cadeira de null.
– Não. - outro ator respondeu, fazendo uma careta.
– Ele gosta de chamar atenção. - null explicou, revirando os olhos - Sempre me falava que amava quando um plot twist acontecia na vida dele.
– Ai, ai. - a produtora disse, sentando-se também - Esses cinéfilos.
– Pensem comigo, ele poderia facilmente ter terminado comigo antes do casamento - null refletiu - Mas nãooo, ele queria uma fuga cinematográfica.
– É, meu bem. - a colega de elenco disse, fazendo um carinho no ombro dela - Você está melhor sozinha.
Infelizmente, a série deles não havia ganhado nas categorias que concorreu, porém, apenas a primeira temporada havia sido lançada e rendeu indicações em premiações, a equipe tinha esperanças de que o trabalho atual com a segunda temporada pudesse garantir prêmios nas próximas edições.
Como Marcus e Sam quiseram ir para a after party e null preferiu ir para casa naquela noite, null se ofereceu para levá-la para casa porque, além de também não estar a fim de festa, tinha algo para entregá-la.
Já na porta de seu apartamento, o ator continuou ouvindo o mesmo comentário de quando tirou o pacote do porta-malas:
– Por que você trouxe esse quadro de volta, null? - ela reclamou, abrindo a porta e permitindo que ele a acompanhasse - Não quero ver isso nunca mais, você disse que ia dar um jeito!
– E eu dei um jeito. - ele explicou, o quadro estava embrulhado em um tecido que cobria somente a pintura.
– Não me parece destruído.
– Temos que concordar que você está muito bem retratada aqui para jogar fora. - ele disse, apoiando o quadro na parede e sentando no chão de frente para ele - Vem cá e dá uma chance para essa nova versão.
null, relutantemente, aproximou-se e sentou ao lado de null, fixando o olhar nele por um momento antes de retirar com cuidado o tecido que cobria sua imagem.
Quando o cetim caiu no chão, as mãos dela caíram ao lado do corpo, o quadro mal parecia com aquele visto há alguns meses. Ainda era seu rosto, porém, o restante da imagem havia sido transformado por meio de colagens e pinturas, no quadro, ela continuava tocando piano, porém, o vestido de noiva não estava mais lá, tornando-se uma blusa formada por recortes de jornal que pareciam matérias sobre ela.
Essa era uma boa definição: era ela, mas era muito mais fiel do que a versão pintada por null, as colagens tinham notícias sobre ela, momentos delas, locais que já tinha ido, coisas que amava e a cor adicionada no quadro tirava a melancolia que o preto e branco anterior sugeria. O quadro não mais a definia pelo status de noiva, mas sim por todas as coisas que ela amava e tinha vivido.
– null… - ela sussurrou, sem tirar os olhos do objeto.
– Se você ainda quiser queimar, tudo bem. - ele acrescentou rapidamente e, pela primeira vez, sua confiança estava abalada - Eu entendo.
– Foi você que fez? - ela perguntou, encarando o rosto bem marcado dele, os olhos estavam levemente marejados, mas, depois de tanto choro de tristeza, ela se emocionava positivamente.
– Minha irmã fez praticamente tudo. - null explicou, passou as mãos pelos cabelos com nervosismo - Eu ajudei com as informações para as colagens e pinturas.
– Não sabia que você me conhecia tanto assim - ela falou, um sorriso doce atingiu o interior do ator com força.
– Eu diria que o destino me obrigou a saber tantas coisas de você. - ele começou a dizer.
– Mas você não acredita nessas coisas - ela completou, tirando uma risada dele, null a encarou novamente - Queria te mostrar que você é mais que o dia que foi deixada no altar… Ou todos os outros dias que passou com ele.
– Obrigada, null. - ela agradeceu, voltando a observar o quadro - E eu espero que sua irmã queira fazer faculdade de Artes porque ela já pode me considerar madrinha.
– Ah, não, eu ofereci primeiro. - null declarou, balançando o indicador para ela - Eu sou a pessoa favorita dela, não vem roubar isso de mim.
– Amanhã vou fazer uma visitinha à casa da sua mãe. - null brincou, levantando-se.
– Vamos deixar essa gracinha para outro dia e pendurar o quadro? - ele disse, ficando de pé também.
– Não é narcisismo demais eu ter uma pintura minha desse tamanho no meio da sala?
– Pega logo o martelo e os pregos, null.
Alguns minutos depois, o quadro estava no espaço entre a sala e a entrada da casa, complementando o local que passava a ficar mais colorido - e mais a cara dela - a cada dia.
– Acho que vou encomendar uma segunda versão para nossa artista. - null brincou, uma nota de algo a mais implícita nas suas palavras, mas os momentos na premiação fizeram a atriz sentir o flerte por trás.
– E que versão minha você escolheria? - ela perguntou, observando os olhos escurecidos dele a encararem maliciosamente.
– Estou dividido entre você com esse vestido e o look de noiva abandonada. - ele respondeu, admirando o brilho divertido no rosto dela - Qual você acha que ficaria melhor no meu quarto?
– Uma terceira versão que você ainda não conhece. - ela exclamou, aproximando-se para colocar os braços ao redor do pescoço dele.
null se surpreendeu com a iniciativa dela, porém, não demorou a colocar os próprios braços ao redor da cintura marcada pelo vestido.
– E qual seria?
– Não é tão fácil de conseguir. - ela respondeu, arranhando levemente o pescoço dele com as unhas, tirando um suspiro pesado dele - Mas depois de um presente tão bonito, acho que você merece.
null viu os olhos do ator se tornarem ainda mais escuros quando ele deixou os corpos dos dois ainda mais próximos, ela podia sentir seus batimentos mais acelerados, sorriu ao ver o maxilar marcado dele se apertar no rosto. Sua mãe disse que ela tinha que parar de ser tão 8 ou 80, nem totalmente fechada para relacionamentos, nem tão... Qualquer coisa relacionada a null.
null parecia o meio termo perfeito.
– Me beija, null. - ela disse, sentindo uma das mãos dele envolverem uma das curvas de seu rosto - E se você for tão bom quanto eu imagino, vai conhecer.
null sorriu maliciosamente para ela antes de juntar seus lábios, agarrando a cintura dela com uma força que tirou um suspiro alto dela, ela o ouviu ofegar ao erguer as pernas dela até que estivessem ao redor dos quadris dele, escorregando uma das mãos pelas costas nuas.
– Finalmente.