1.
— Você tá me zoando? — ela pergunta, encarando-o com os olhos arregalados.
O namorado balança a cabeça, negando.
— Você vai ter que empurrar. — ele diz, pela segunda vez. — É sério. Você mesma já disse que não aguenta a embreagem desse carro. Então você vai ter que empurrar enquanto eu tento fazer pegar no tranco.
Furiosa, null abre a porta do carro — se é que pode chamar a lata velha do namorado desse jeito — e desce.
Primeiro, ela olha para o carro. Depois, para os próprios pés, calçando as sandálias de salto que comprou no final do mês, com as sobras de dinheiro que vinha guardando — com dificuldade, diga-se de passagem —, e sente uma vontade imensa de chorar, que engole como se fosse uma bola de golfe presa em sua garganta.
— null! — ele grita, enfiando a cabeça para fora da janela do motorista. — Empurra!
— Vou parir a porra de um Escort. — ela murmura, arrancando as sandálias dos pés e começando a empurrar.
As coisas que fazemos por amor…
Quando null coloca o celular de volta sobre a mesa do restaurante, está com o estômago doendo. É agora a verdadeira representação da desgraça feminina. Os pés arranhados, quase rasgados em alguns pontos da sola e as mãos doloridas e queimadas pela lataria quente do maldito carro, aparentemente, não tinham sido o suficiente. Ela precisava acrescentar algo à sua cabeça, tipo um par de chifres.
Pelo menos era isso que o par de peitos — photoshopados, ela esperava que o namorado soubesse — dizia claramente. C-O-R-N-A.
Idiota e corna.
Ela não esperou o namorado voltar do banheiro. Até porque, se tivesse esperado, descobriria que ele planejara que, mais uma vez, ela pagasse a conta, com a clássica desculpa de que tinha esquecido o cartão.
Ainda bem que sempre chega a hora do basta.
2.
— Sim, mãe, já estou no aeroporto. — null equilibra o celular no ombro enquanto empurra o carrinho com as malas. — Vou pegar um táxi e vou direto para o hotel. Só vou para o escritório amanhã cedo.
Ela para em frente à porta automática, percebendo que o carrinho emperrou bem ali, com um monte de gente querendo passar.
— Mãe, eu ligo depois. Preciso ir.
null se abaixa, tentando virar a rodinha emperrada com as próprias mãos, mas não consegue.
— Aqui, deixa que eu te ajudo. — quando ela olha para o lado, pensa que talvez o homem mais bonito que já vira na vida está ajoelhado bem ali.
Ele consegue desemperrar a rodinha com tanta facilidade que parece mágica.
null está fascinada. Precisa de muito autocontrole para não começar a babar ali mesmo.
— Obrigada. — é tudo que diz.
O Megazord dos homens bonitos assente para ela, sorrindo, e desaparece, na mesma magia com a qual desemperrou a rodinha rebelde.
No ensino fundamental, null conhecera Cibele e, quase instantaneamente, as duas haviam se tornado melhores amigas.
Isso não mudara durante os anos conturbados do ensino médio, nem com as loucuras da faculdade. Uma mudança para o México é, até o momento, a ameaça mais perturbadora.
“A vida é tipo um peido” — Cibele costumava dizer. “Pode ser que você dê muita sorte, e seja um desses peidos que dão um alívio imenso sem feder ou fazer barulho. Mas pode ser que você seja um azarado que peida fedido e barulhento”.
É como o lema dela. Um lema ligeiramente confuso — e nojento —, mas que é a primeira coisa que vem à mente de null quando ela dá de cara com seu chefe na manhã seguinte, na sede administrativa da null, maior rede de supermercados do país.
Primeiro, ela pensa que ele não vai reconhecê-la. Mas isso só dura uma fração de segundo, porque o sorriso que o “Megazord dos homens bonitos” dá a ela é o suficiente para que ela saiba que ele se lembra.
— Bom te ver de novo. — ele diz, esticando a mão para cumprimentá-la. — Então você é nossa nova gerente de marketing? — null assente, e ainda está formulando uma resposta decente quando ele continua a falar. — Seu currículo é impressionante, tenho que admitir. E você fez todas as entrevistas remotamente?
— Pois é, o pessoal do RH foi muito gentil. Soube que estavam entrevistando candidatos do mundo todo assim. Por isso resolvi tentar.
— Você é exatamente o que estávamos procurando, null. — ele diz, com um sorriso que a deixa corada, enquanto acerta um punhado de papéis na mesa antes de guardá-los numa pasta.
— Obrigada, senhor null. — ela diz, tentando sorrir de volta sem parecer maluca.
— Essa você pode deixar para o meu pai. — ele diz, ainda sorrindo. Ele nunca para de sorrir? — Você pode me chamar de null.
— Ah, claro. Sim. Bem… no RH me mandaram direto para cá, então…
— É porque vamos fazer um tour. — null diz, animado como uma criança.
null franze o cenho. O próprio chefe vai fazer o tour pela empresa?
— E, antes que você me pergunte, não é um tour pela sede. Vamos visitar alguns dos mercados. Acho que você precisa conhecer o nosso “produto” para trabalhar melhor sobre ele.
null quase não consegue esconder a surpresa.
— Não se preocupe. São só alguns. Mas, ainda assim, deve ocupar nosso dia inteiro. Então é bom que você tenha recebido seu cartão de refeição, porque você vai pagar nosso almoço. — null diz, abrindo a porta do escritório e olhando para null por sobre o ombro.
É claro que ele está brincando, e essa é a pior parte.
Como é que pode ser tão bonito — tipo o Megazord dos homens bonitos — e ainda ter senso de humor?
null tem um Jeep Grand Cherokee tão lindo que faz os olhos de null arderem.
Seu trauma com aquele cujo nome não deve ser mencionado — seu ex, não o Voldemort — acabou tornando-a uma verdadeira aficionada de veículos de luxo. De todos os tipos. Desde que não a fizessem empurrá-los rasgando os pés no asfalto.
— É lindo, não é? — null pergunta. Ela fica constrangida por ter sido pega olhando, mas assente. — Bebe mais ou menos o que eu bebi quando fui para a Alemanha, mas eu esperava que fosse pior. Só que você precisa ver na estrada… precisei tomar três multas antes de aprender a me segurar.
— Com um motor turbo 2.0 desse, não sei se eu aprenderia a me segurar. — null dá de ombros.
null levanta a chave para ela.
— Quer dirigir?
null olha para ele, boquiaberta.
— A oferta é tentadora, mas vou ter que recusar. Se alguma coisa acontecesse, eu teria que trabalhar de graça para você a minha vida toda.
null solta uma gargalhada antes de entrar no carro e ativar o sistema de som.
— Você ouve Rihanna? — null pergunta.
Pouco afetado pela pergunta, null assente.
— Você não?
Oh, mama, mama, mama
I just shot a man down
In central station
In front of a big ol' crowd
Oh, why, oh why?
Oh, mama, mama, mama
I just shot a man down
In central station*
*Trecho de Man Down, da Rihanna.
3.
É claro que bonito demais, simpático demais e bem humorado demais, null seria gay.
Porque… rom pom pom pom?
null precisa disfarçar a decepção. Porque null está animado em mostrar pontos da cidade de que ele realmente gosta — sorveterias, restaurantes, livrarias.
Em algum momento no meio do trajeto, null decidiu que tudo bem. Ele poderia não ser o amor — multimilionário, diga-se de passagem — de sua vida, mas podia ser seu melhor amigo no México.
null pensa em mandar uma mensagem para Cibele, mas é melhor esperar não estar literalmente do lado dele para dizer que ele é gay.
Será que ele tem um irmão?
***
null a leva para conhecer uma unidade da null que fica no subúrbio.
— É uma das lojas que mais vendem. — ele diz, parecendo orgulhoso.
null corre os olhos pelas etiquetas amarelas indicando os preços dos produtos.
— Porque vocês não têm competição aqui. — diz.
null a encara com os olhos arregalados.
— Não tem nenhum grande mercado aqui perto, null. Essa é a verdade. — ele continua com a expressão de choque. — Você nunca reparou?
Ele fica vermelho.
— Na verdade… — o herdeiro da rede null parece sem palavras. — Eu não…
— Você nunca sequer veio aqui, não é?
null faz uma careta.
— Pois é. Nunca vim.
— Produto, preço, praça, promoção. — null murmura, praticamente como um mantra. — Olha, vocês me chamaram para trazer a null para o século vinte e um. Vou fazer isso, mas vou precisar de um monte de coisas. Está bem?
Ele assente.
— Primeiro, — ela diz, começando a enumerar com os dedos. — vou precisar da lista de precificação de vocês. De todas as lojas. Não tem importância que eu passe os próximos dois anos analisando preços. Segundo, vou precisar saber direitinho quem é o maior público dessa e das outras lojas que mais vendem. E terceiro, eu… — seus olhos se desviam para a figura esbelta reabastecendo uma prateleira de enlatados, de início sem saber o porquê. Mas, depois, ela entende. — null? — null ousa perguntar, seu sotaque em espanhol se desmontando por inteiro.
null olha para ela como se estivesse maluca. Mas ainda de um jeito educado. Sabe-se lá como — ele é null, afinal de contas.
O rapaz olha para ela também.
Seus olhos se iluminam no mesmo instante, e ele fica boquiaberto pelo que parece uma eternidade, sem saber o que fazer.
— null?
Não. Pode. Ser.
7
— O null? — Cibele pergunta. Sua expressão é de puro choque, mesmo a imagem na tela do computador travando. — Aquele com quem você vivia grudada na escola? O que voltou com a família para o…
— Para o México! Sim!
— Meu. Deus. — Cibele diz, jogando a mão à testa teatralmente. — O mundo é um cu! É sério, parece grande, mas é muito pequeno!
null faz uma careta.
— As suas lindas metáforas…
— É sério! De todas as pessoas do mundo… o seu crush de infância!
null não responde.
Não tem o que dizer. Simplesmente não tem o que dizer.
Algumas horas antes…
— O que você tá fazendo aqui?! — ela não consegue perceber na hora quão idiota é a pergunta. Só que, ainda assim, quais eram as chances de encontrá-lo logo ali?
— Eu… trabalho aqui. — null responde, em choque.
Depois, ele olha para null e, desesperadamente, limpa as mãos nas calças.
— Senhor null. — ele gagueja para dizer.
Muito provavelmente só o vira em fotos e coisas do tipo. No máximo, a vários metros de distância.
— null. — ele diz, estendendo a mão para cumprimentá-lo. — É um prazer conhecê-lo. — a maneira como null fala transmite apenas sinceridade. — Vocês se conhecem?
null e null se entreolham.
Como responder a essa pergunta?
Eles se conheceram. Há muito tempo, quando eram crianças e a vida parecia ligeiramente mais fácil. Quando moravam na mesma rua, lado a lado, e passavam tanto tempo juntos que era como se fossem um só.
— Nós nos conhecemos quando éramos crianças. — null responde, sem conseguir tirar os olhos de null. Como é possível que ele ainda se pareça tanto com o null com quem ela subia em árvores e juntava dinheiro para comprar churros escondidos dos pais?
— Caramba… que legal! Isso é… o destino dizendo que existe, não é mesmo? — null diz, sorridente. Ninguém diz nada. — Vocês não querem… trocar telefones, ou… sei lá…? Porque precisamos ir, null.
Quase instintivamente, obedecendo uma ordem do chefe, null entrega seu celular para que null lhe passe seu número.
Só depois, quando já está de volta no banco do passageiro no carro de null, null consegue respirar e pensar direito.
O destino dizendo que existe.
Não. Não era bem isso. Era a vida em sua verdade nua e crua, colocando null cara a cara com alguém que ela sonhara por muito tempo em encontrar. Mas em posições completamente diferentes.
null sairia dali para uma sala só sua, em um prédio corporativo. E null estaria ali, reabastecendo as prateleiras de um lugar que, para ela, logo não passaria de um número, assim como era para null.
Se isso é o destino, ele é um filho da puta.
Porque… rom pom pom pom?
null precisa disfarçar a decepção. Porque null está animado em mostrar pontos da cidade de que ele realmente gosta — sorveterias, restaurantes, livrarias.
Em algum momento no meio do trajeto, null decidiu que tudo bem. Ele poderia não ser o amor — multimilionário, diga-se de passagem — de sua vida, mas podia ser seu melhor amigo no México.
null pensa em mandar uma mensagem para Cibele, mas é melhor esperar não estar literalmente do lado dele para dizer que ele é gay.
Será que ele tem um irmão?
null a leva para conhecer uma unidade da null que fica no subúrbio.
— É uma das lojas que mais vendem. — ele diz, parecendo orgulhoso.
null corre os olhos pelas etiquetas amarelas indicando os preços dos produtos.
— Porque vocês não têm competição aqui. — diz.
null a encara com os olhos arregalados.
— Não tem nenhum grande mercado aqui perto, null. Essa é a verdade. — ele continua com a expressão de choque. — Você nunca reparou?
Ele fica vermelho.
— Na verdade… — o herdeiro da rede null parece sem palavras. — Eu não…
— Você nunca sequer veio aqui, não é?
null faz uma careta.
— Pois é. Nunca vim.
— Produto, preço, praça, promoção. — null murmura, praticamente como um mantra. — Olha, vocês me chamaram para trazer a null para o século vinte e um. Vou fazer isso, mas vou precisar de um monte de coisas. Está bem?
Ele assente.
— Primeiro, — ela diz, começando a enumerar com os dedos. — vou precisar da lista de precificação de vocês. De todas as lojas. Não tem importância que eu passe os próximos dois anos analisando preços. Segundo, vou precisar saber direitinho quem é o maior público dessa e das outras lojas que mais vendem. E terceiro, eu… — seus olhos se desviam para a figura esbelta reabastecendo uma prateleira de enlatados, de início sem saber o porquê. Mas, depois, ela entende. — null? — null ousa perguntar, seu sotaque em espanhol se desmontando por inteiro.
null olha para ela como se estivesse maluca. Mas ainda de um jeito educado. Sabe-se lá como — ele é null, afinal de contas.
O rapaz olha para ela também.
Seus olhos se iluminam no mesmo instante, e ele fica boquiaberto pelo que parece uma eternidade, sem saber o que fazer.
— null?
Não. Pode. Ser.
7
— O null? — Cibele pergunta. Sua expressão é de puro choque, mesmo a imagem na tela do computador travando. — Aquele com quem você vivia grudada na escola? O que voltou com a família para o…
— Para o México! Sim!
— Meu. Deus. — Cibele diz, jogando a mão à testa teatralmente. — O mundo é um cu! É sério, parece grande, mas é muito pequeno!
null faz uma careta.
— As suas lindas metáforas…
— É sério! De todas as pessoas do mundo… o seu crush de infância!
null não responde.
Não tem o que dizer. Simplesmente não tem o que dizer.
— O que você tá fazendo aqui?! — ela não consegue perceber na hora quão idiota é a pergunta. Só que, ainda assim, quais eram as chances de encontrá-lo logo ali?
— Eu… trabalho aqui. — null responde, em choque.
Depois, ele olha para null e, desesperadamente, limpa as mãos nas calças.
— Senhor null. — ele gagueja para dizer.
Muito provavelmente só o vira em fotos e coisas do tipo. No máximo, a vários metros de distância.
— null. — ele diz, estendendo a mão para cumprimentá-lo. — É um prazer conhecê-lo. — a maneira como null fala transmite apenas sinceridade. — Vocês se conhecem?
null e null se entreolham.
Como responder a essa pergunta?
Eles se conheceram. Há muito tempo, quando eram crianças e a vida parecia ligeiramente mais fácil. Quando moravam na mesma rua, lado a lado, e passavam tanto tempo juntos que era como se fossem um só.
— Nós nos conhecemos quando éramos crianças. — null responde, sem conseguir tirar os olhos de null. Como é possível que ele ainda se pareça tanto com o null com quem ela subia em árvores e juntava dinheiro para comprar churros escondidos dos pais?
— Caramba… que legal! Isso é… o destino dizendo que existe, não é mesmo? — null diz, sorridente. Ninguém diz nada. — Vocês não querem… trocar telefones, ou… sei lá…? Porque precisamos ir, null.
Quase instintivamente, obedecendo uma ordem do chefe, null entrega seu celular para que null lhe passe seu número.
Só depois, quando já está de volta no banco do passageiro no carro de null, null consegue respirar e pensar direito.
O destino dizendo que existe.
Não. Não era bem isso. Era a vida em sua verdade nua e crua, colocando null cara a cara com alguém que ela sonhara por muito tempo em encontrar. Mas em posições completamente diferentes.
null sairia dali para uma sala só sua, em um prédio corporativo. E null estaria ali, reabastecendo as prateleiras de um lugar que, para ela, logo não passaria de um número, assim como era para null.
Se isso é o destino, ele é um filho da puta.
4.
null simplesmente não tem coragem de entrar em contato com ele. Não sabe como fazer isso, então decide por não fazer.
Mas, três semanas depois do reencontro no mercado, null manda uma mensagem para ela no Facebook.
null está em sua sala no momento, parabenizando-a por ter ajudado a contratar um designer que reformulara o logotipo da null sem perder a identidade histórica.
— Acho que ainda vou dizer muitas vezes que suas ideias estão mudando a empresa completamente. Exatamente como queríamos. — null diz, com um sorriso no rosto.
Ele tem um sorriso estonteante, mas, dessa vez, null é pouco afetada. Só quer ficar sozinha logo para ler o que a mensagem diz.
Talvez null tenha odiado reencontrá-la. Talvez ele ache um erro que tenham os números um do outro.
— O que acha de um jantar para comemorar? — null pergunta.
O quê?
— Conheço um lugar que acho que você vai adorar.
null tira os olhos do celular por alguns instantes.
O olhar animado de null é, no mínimo, instigante.
Quando ela se volta ao celular outra vez, ouvem as batidas à porta.
— O senhor null está aqui. — a secretária de null diz. — Ele quer conversar sobre as mudanças.
Por dentro, null treme.
Talvez seja cedo demais para comemorar.
null segura sua mão rapidamente.
— Fique tranquila. Sei que ele só vai ter elogios.
***
Então ela não abre a mensagem.
Não naquele dia.
Porque, de fato, o senhor null só tem elogios. E o filho dele, que assumira a frente dos negócios efetivamente há tão pouco tempo, está exultante de orgulho e alegria em níveis capazes de contagiar qualquer pessoa. Inclusive null. Principalmente null.
Ela se esquece da mensagem como se esquece de todo o resto, inclusive do celular na própria sala quando termina o expediente mais cedo — ordem expressa do chefe — para comemorar.
É cedo demais para o tal lugar que null conhece e que null iria adorar, então eles saem de carro como adolescentes, apenas felizes, de bem com a vida, parando ocasionalmente para comprar sorvete em um carrinho de rua e, depois, quando null diz que ainda não foi ao shopping.
null incorpora cem por cento o papel de chofer, e a leva até lá enquanto comenta sobre pontos do caminho que ela ainda não teve tempo de conhecer.
Sua memória turística sobre a Cidade do México era nula.
Mas, quando chegam ao Antara Fashion Hall, null está boquiaberta.
É impossível que já tenha visto imagens desse lugar antes, porque se lembraria. É, muito provavelmente, o shopping mais bonito que ela já viu na vida.
— Eu poderia morar aqui. Facilmente. — ela diz.
null ri.
— Às vezes minha mãe passa tanto tempo aqui que eu acho que ela também.
Não demora muito para null se interessar pelas vitrines. Não quer parecer fútil, mas são todas incríveis e, depois de muito tempo, ela finalmente desiste de se controlar e entra em uma loja com ar de boutique, decorada por flores frescas e cuja vitrine lhe tirara o fôlego.
Um vestido vermelho em especial, nada tradicional, como se pudesse ser visto em um desfile nos anos cinquenta ou em vinte anos.
Talvez null tenha encontrado o verdadeiro amor de sua vida.
— Experimente. — null diz, seguindo seu olhar. — Não passe vontade.
É claro que é fácil para ele falar. Apesar de o salário de null ser bom, alguns luxos ela simplesmente não pode ainda se dar. Mesmo que não esteja gastando dinheiro com absolutamente nada fora do essencial.
Que mal teria se…
Ela faz questão de espantar o pensamento assim que surge, mas a funcionária da loja — uma senhora simpática com uma linda tiara de pérolas — parece estar conspirando com null e contra ela.
— Vai ficar lindo em você. — a mulher diz pela terceira vez, já segurando o vestido em seus braços.
null dá de ombros.
— Tudo bem.
Ela aceita o vestido e segue para o provador, no fundo da loja.
Enquanto veste o vestido vermelho, cantarola a letra da música que dá para ouvir melhor lá do fundo.
null se olha no espelho, sozinha, e sorri, porque se sente bonita com o vestido. Não quer olhar a etiqueta e acabar com a magia. Porque está se sentindo bonita. Porque está tocando uma música que ela adora, apesar de odiar admitir.
Cuando estoy contigo crece mi esperanza
Has alimentando el amor de mi alma
Y sin pensarlo, el tiempo me robó el aliento
¿Qué será de mí si no te tengo?
Quando ela sai do provador, ainda incapaz de conter o sorriso, acreditando estar sozinha, está quase dançando ao som da música.
Tão longe de casa, sua vida está tão mais perto do que sempre sonhara…
Si no estás conmigo se me escapa el aire, corazón vacío
Estando en tus brazos, solo a tu lado, siento que respiro
No hay nada que cambiar, no hay nada que decir
null gira. E, quando para, sua mão no ar está junta à mão de null, e ele sorri como só ele sabe sorrir.
— Você está linda. — ele diz, rodopiando-a no ar.
Eles dançam sozinhos, um pouco fora do ritmo. Mas isso não importa. Assim como a etiqueta — inexistente — não importava também.
Pouco depois de null colocar os olhos no vestido, ele já era dela. Para null, ela merecia, e tudo assim seria.
Si no estás conmigo quedo entre la nada, me muero de frío
Ay!, cuanto te amo; si no es a tu lado pierdo los sentidos
Hay tanto que inventar, no hay nada que fingir
Me enamoré de ti
Me enamoré de ti*
*Trechos de Me Enamoré de Ti, do cantor Chayanne.
Mas, três semanas depois do reencontro no mercado, null manda uma mensagem para ela no Facebook.
null está em sua sala no momento, parabenizando-a por ter ajudado a contratar um designer que reformulara o logotipo da null sem perder a identidade histórica.
— Acho que ainda vou dizer muitas vezes que suas ideias estão mudando a empresa completamente. Exatamente como queríamos. — null diz, com um sorriso no rosto.
Ele tem um sorriso estonteante, mas, dessa vez, null é pouco afetada. Só quer ficar sozinha logo para ler o que a mensagem diz.
Talvez null tenha odiado reencontrá-la. Talvez ele ache um erro que tenham os números um do outro.
— O que acha de um jantar para comemorar? — null pergunta.
O quê?
— Conheço um lugar que acho que você vai adorar.
null tira os olhos do celular por alguns instantes.
O olhar animado de null é, no mínimo, instigante.
Quando ela se volta ao celular outra vez, ouvem as batidas à porta.
— O senhor null está aqui. — a secretária de null diz. — Ele quer conversar sobre as mudanças.
Por dentro, null treme.
Talvez seja cedo demais para comemorar.
null segura sua mão rapidamente.
— Fique tranquila. Sei que ele só vai ter elogios.
Então ela não abre a mensagem.
Não naquele dia.
Porque, de fato, o senhor null só tem elogios. E o filho dele, que assumira a frente dos negócios efetivamente há tão pouco tempo, está exultante de orgulho e alegria em níveis capazes de contagiar qualquer pessoa. Inclusive null. Principalmente null.
Ela se esquece da mensagem como se esquece de todo o resto, inclusive do celular na própria sala quando termina o expediente mais cedo — ordem expressa do chefe — para comemorar.
É cedo demais para o tal lugar que null conhece e que null iria adorar, então eles saem de carro como adolescentes, apenas felizes, de bem com a vida, parando ocasionalmente para comprar sorvete em um carrinho de rua e, depois, quando null diz que ainda não foi ao shopping.
null incorpora cem por cento o papel de chofer, e a leva até lá enquanto comenta sobre pontos do caminho que ela ainda não teve tempo de conhecer.
Sua memória turística sobre a Cidade do México era nula.
Mas, quando chegam ao Antara Fashion Hall, null está boquiaberta.
É impossível que já tenha visto imagens desse lugar antes, porque se lembraria. É, muito provavelmente, o shopping mais bonito que ela já viu na vida.
— Eu poderia morar aqui. Facilmente. — ela diz.
null ri.
— Às vezes minha mãe passa tanto tempo aqui que eu acho que ela também.
Não demora muito para null se interessar pelas vitrines. Não quer parecer fútil, mas são todas incríveis e, depois de muito tempo, ela finalmente desiste de se controlar e entra em uma loja com ar de boutique, decorada por flores frescas e cuja vitrine lhe tirara o fôlego.
Um vestido vermelho em especial, nada tradicional, como se pudesse ser visto em um desfile nos anos cinquenta ou em vinte anos.
Talvez null tenha encontrado o verdadeiro amor de sua vida.
— Experimente. — null diz, seguindo seu olhar. — Não passe vontade.
É claro que é fácil para ele falar. Apesar de o salário de null ser bom, alguns luxos ela simplesmente não pode ainda se dar. Mesmo que não esteja gastando dinheiro com absolutamente nada fora do essencial.
Que mal teria se…
Ela faz questão de espantar o pensamento assim que surge, mas a funcionária da loja — uma senhora simpática com uma linda tiara de pérolas — parece estar conspirando com null e contra ela.
— Vai ficar lindo em você. — a mulher diz pela terceira vez, já segurando o vestido em seus braços.
null dá de ombros.
— Tudo bem.
Ela aceita o vestido e segue para o provador, no fundo da loja.
Enquanto veste o vestido vermelho, cantarola a letra da música que dá para ouvir melhor lá do fundo.
null se olha no espelho, sozinha, e sorri, porque se sente bonita com o vestido. Não quer olhar a etiqueta e acabar com a magia. Porque está se sentindo bonita. Porque está tocando uma música que ela adora, apesar de odiar admitir.
Cuando estoy contigo crece mi esperanza
Has alimentando el amor de mi alma
Y sin pensarlo, el tiempo me robó el aliento
¿Qué será de mí si no te tengo?
Quando ela sai do provador, ainda incapaz de conter o sorriso, acreditando estar sozinha, está quase dançando ao som da música.
Tão longe de casa, sua vida está tão mais perto do que sempre sonhara…
Si no estás conmigo se me escapa el aire, corazón vacío
Estando en tus brazos, solo a tu lado, siento que respiro
No hay nada que cambiar, no hay nada que decir
null gira. E, quando para, sua mão no ar está junta à mão de null, e ele sorri como só ele sabe sorrir.
— Você está linda. — ele diz, rodopiando-a no ar.
Eles dançam sozinhos, um pouco fora do ritmo. Mas isso não importa. Assim como a etiqueta — inexistente — não importava também.
Pouco depois de null colocar os olhos no vestido, ele já era dela. Para null, ela merecia, e tudo assim seria.
Si no estás conmigo quedo entre la nada, me muero de frío
Ay!, cuanto te amo; si no es a tu lado pierdo los sentidos
Hay tanto que inventar, no hay nada que fingir
Me enamoré de ti
Me enamoré de ti*
*Trechos de Me Enamoré de Ti, do cantor Chayanne.
5.
null só percebe que está sem o celular quando volta para casa, quase de madrugada, depois de jantar com null em um restaurante luxuoso e elegante que fica na cobertura de um prédio.
Refaz o dia inteiro em sua mente, em busca do exato momento em que pode ter deixado seu celular de lado.
Mas relembrar os acontecimentos — ainda que recentes — só faz com que ela esqueça outra vez do que estava procurando.
No passado, quando fora traída e se sentira tão humilhada e diminuída, ela fizera uma promessa a si mesma. Nunca, jamais, se envolveria com um homem sem dinheiro de novo.
Sem dinheiro, não.
***
A primeira coisa que ela faz quando chega ao escritório é procurar pelo celular.
É claro que ela o encontra na primeira gaveta, como sempre deixa. Pode ter qualquer defeito, mas não costuma perder suas coisas de valor.
Por sorte, ainda tem bateria.
Ela só precisa checar as notificações antes de voltar a trabalhar…
Tem uma solicitação de amizade no Facebook. E, por algum motivo, não precisa nem olhar para saber de quem é.
null.
Ela o colocara em um lugar escuro no fundo de sua mente depois de revisitar tantos momentos que vivera ao seu lado no passado.
null finalmente abre o Facebook e, em seguida, o perfil de null.
Não é mais fácil olhar para ele através das fotos do outro lado da tela.
Nós nunca pensamos que vamos nos tornar tão distantes das pessoas que chegaram a fazer profundamente parte de nós algum dia.
Há uma infinidade de coisas sobre ele de que null não teria a menor ideia — assim como ele não deve ter sobre ela —, como o fato de que ele trabalha como modelo em uma agência local — isso, aliás, se parece muito pouco com o null que ela conhecera.
Ou que ele começara a cursar Serviço Social, mas que o curso estava trancado. Isso se parece muito com o null que ela conhecia. Na escola, ele tinha fama de anjo — e de defensor dos fracos e oprimidos.
null aceita a solicitação de amizade, lembrando-se de um passado muito distante, quando ainda era extremamente ingênua e inocente, mas profundamente feliz.
Começar a ver as fotos é um grande erro.
Várias vezes nos anos anteriores ela se perguntara o que ele estaria fazendo da vida. Agora null sabe.
null não é só um funcionário da rede null. Ele é também voluntário em um abrigo de cães e em um orfanato local. Está sempre postando sobre campanhas para angariar fundos e atrair novos voluntários.
De repente, null tem vontade de chorar. E não gosta de se sentir tão vulnerável assim.
É preciso bloquear o celular alguns instantes e respirar fundo.
Até aquele dia no mercado, ela não acreditava que algum dia o encontraria de novo. Mesmo que a presença de null em sua vida tivesse tanta importância. Ela se apaixonara pelo México por causa dele, em primeiro lugar. E é óbvio que nunca o esquecera, mas também nunca fora capaz de encontrá-lo, mesmo na internet.
Quando se dá conta, já atravessou anos para o passado de null pelo Facebook. E nem viu o tempo passar. Mas agora já perdeu o fio da meada, então se levanta e, sem pensar duas vezes, deixa o escritório.
Em mais ou menos quinze minutos, null está do lado de fora do abrigo em que null é voluntário.
Porque viu, em sua não tão breve jornada como stalker, que ele estaria lá naquele dia.
Ela fica parada lá, do outro lado da rua, apenas olhando, sem saber exatamente o que está fazendo.
— Caramba. — ela ouve a voz antes de vê-lo.
Até porque, depois de ouvi-la, null fecha os olhos, ligeiramente desesperada. O que está fazendo? Por que está ali?
Ela tem muitas perguntas, mas, agora, a mais importante é: o que vai fazer? Ele já a viu. E está parado logo ao lado dela.
— null. — ela diz, ainda antes de virar-se e olhar para ele.
— Acho que não fui o único que andou bisbilhotando o Facebook. — null comenta, com um sorriso brincalhão no rosto.
Como é possível que ele tenha mudado tanto e, ao mesmo tempo, continuado tão igual?
Parece que em tudo que importa null ainda é o mesmo. E era bem assim que null o imaginava. Como o tipo de pessoa cuja essência jamais pode ser corrompida. Alguém bom demais para ser verdade em sua vida.
Refaz o dia inteiro em sua mente, em busca do exato momento em que pode ter deixado seu celular de lado.
Mas relembrar os acontecimentos — ainda que recentes — só faz com que ela esqueça outra vez do que estava procurando.
No passado, quando fora traída e se sentira tão humilhada e diminuída, ela fizera uma promessa a si mesma. Nunca, jamais, se envolveria com um homem sem dinheiro de novo.
Sem dinheiro, não.
A primeira coisa que ela faz quando chega ao escritório é procurar pelo celular.
É claro que ela o encontra na primeira gaveta, como sempre deixa. Pode ter qualquer defeito, mas não costuma perder suas coisas de valor.
Por sorte, ainda tem bateria.
Ela só precisa checar as notificações antes de voltar a trabalhar…
Tem uma solicitação de amizade no Facebook. E, por algum motivo, não precisa nem olhar para saber de quem é.
null.
Ela o colocara em um lugar escuro no fundo de sua mente depois de revisitar tantos momentos que vivera ao seu lado no passado.
null finalmente abre o Facebook e, em seguida, o perfil de null.
Não é mais fácil olhar para ele através das fotos do outro lado da tela.
Nós nunca pensamos que vamos nos tornar tão distantes das pessoas que chegaram a fazer profundamente parte de nós algum dia.
Há uma infinidade de coisas sobre ele de que null não teria a menor ideia — assim como ele não deve ter sobre ela —, como o fato de que ele trabalha como modelo em uma agência local — isso, aliás, se parece muito pouco com o null que ela conhecera.
Ou que ele começara a cursar Serviço Social, mas que o curso estava trancado. Isso se parece muito com o null que ela conhecia. Na escola, ele tinha fama de anjo — e de defensor dos fracos e oprimidos.
null aceita a solicitação de amizade, lembrando-se de um passado muito distante, quando ainda era extremamente ingênua e inocente, mas profundamente feliz.
Começar a ver as fotos é um grande erro.
Várias vezes nos anos anteriores ela se perguntara o que ele estaria fazendo da vida. Agora null sabe.
null não é só um funcionário da rede null. Ele é também voluntário em um abrigo de cães e em um orfanato local. Está sempre postando sobre campanhas para angariar fundos e atrair novos voluntários.
De repente, null tem vontade de chorar. E não gosta de se sentir tão vulnerável assim.
É preciso bloquear o celular alguns instantes e respirar fundo.
Até aquele dia no mercado, ela não acreditava que algum dia o encontraria de novo. Mesmo que a presença de null em sua vida tivesse tanta importância. Ela se apaixonara pelo México por causa dele, em primeiro lugar. E é óbvio que nunca o esquecera, mas também nunca fora capaz de encontrá-lo, mesmo na internet.
Quando se dá conta, já atravessou anos para o passado de null pelo Facebook. E nem viu o tempo passar. Mas agora já perdeu o fio da meada, então se levanta e, sem pensar duas vezes, deixa o escritório.
Em mais ou menos quinze minutos, null está do lado de fora do abrigo em que null é voluntário.
Porque viu, em sua não tão breve jornada como stalker, que ele estaria lá naquele dia.
Ela fica parada lá, do outro lado da rua, apenas olhando, sem saber exatamente o que está fazendo.
— Caramba. — ela ouve a voz antes de vê-lo.
Até porque, depois de ouvi-la, null fecha os olhos, ligeiramente desesperada. O que está fazendo? Por que está ali?
Ela tem muitas perguntas, mas, agora, a mais importante é: o que vai fazer? Ele já a viu. E está parado logo ao lado dela.
— null. — ela diz, ainda antes de virar-se e olhar para ele.
— Acho que não fui o único que andou bisbilhotando o Facebook. — null comenta, com um sorriso brincalhão no rosto.
Como é possível que ele tenha mudado tanto e, ao mesmo tempo, continuado tão igual?
Parece que em tudo que importa null ainda é o mesmo. E era bem assim que null o imaginava. Como o tipo de pessoa cuja essência jamais pode ser corrompida. Alguém bom demais para ser verdade em sua vida.
6.
Duas semanas depois disso, null a convida para visitar sua família.
null até pensa em recusar, mas a ideia de, além de rever a mãe e os irmãos de null, que ela adorava quando criança, poder ter uma refeição caseira de verdade compartilhada com outras pessoas é simplesmente impossível de ser recusada.
Ela chega de táxi — ainda precisa resolver a questão do carro — ao bairro simples onde se localiza a vila onde null mora.
Não há um porteiro ou interfone na entrada, e o portão principal está aberto.
As casas são quase iguais: diferem apenas nas cores e em detalhes mínimos de manutenção.
No meio da rua, meninos e meninas brincam, correndo de um lado para o outro sobre os paralelepípedos.
Parece um pouco com a infância que ela e null viveram juntos.
Uma das casas toca música um pouco alta na varanda, mas null não se incomoda. É uma música bonita.
Ya lo sé, la vida es un juego
Hay que saber perder o ganar
Y caminar sin perder el suelo
No dejes que nada se roba el color de tu vida
Não demora muito para que ela o note, parado na frente de uma das casas pouco à frente.
Vestindo uma camisa jeans sem mangas e calça cáqui, ele parece ter se esforçado para parecer bonito. Como se precisasse.
null sorri e acena para ela, que segue direto para lá.
Son los momentos de cada día
Cada minuto que se vá
Esos momentos de nuestra vida
Que nunca se olvidaran
No los dejes passar
— Você veio mesmo. — ele diz, com um sorriso maroto que ilumina seu rosto.
null sorri também.
— Não perderia por nada. — ela responde, dando nele um empurrão de brincadeira. — Estou morrendo de fome.
Dentro da casa de null, o aroma da comida é inebriante. Ela poderia morrer ali, e morreria em paz.
— Uau. — null o encara com os olhos brilhando. — O que ela está fazendo?
— De tudo um pouco. Principalmente comida brasileira, em caso de…
A mãe dele aparece na sala, e não parece ter mudado nada desde a última vez em que a vira. É parecidíssima com null, mas mais baixa e com uma expressão mais nervosa.
— Eu disse que era surpresa, null! — seu sotaque em português continua o mesmo, e isso só faz com que null sorria ainda mais. — Oi, null. É um prazer finalmente ver você. Eu quase não acreditei quando o null contou. — ela puxa null para um abraço.
Sé que vendrán tristezas y miedos
Y pensarás que no puedes continuar
Pero al final, tú escribes tus sueños
No dejes que nada se roba el color de tu vida*
— Eu volto num minuto. — ela diz. — Preciso terminar o jantar. Comida brasileira. — ela diz a última parte como uma provocação a null antes de sair.
— É… era para ser segredo. — null faz uma careta culpada.
Ele sempre foi assim. Pouco capaz de manter um segredo.
null ri.
— Onde tá a Martina? — ela pergunta, antes que o silêncio se instale.
— Deve estar para chegar. Ela não perderia a chance de te encontrar por nada nesse mundo.
null sorri e dá uma olhada rápida pela sala da família de null.
O sofá é coberto por uma manta de crochê, certamente feita por Claudia, a mãe de null. Os bibelôs de porcelana sobre a cômoda, os pratinhos decorativos pendurados na parede… detalhes de que null se lembrava da casa deles no Brasil.
— Nós quebramos vários deles, lembra? — null pergunta, apontando para os pratinhos na parede.
null ri, lembrando-se de como os dois corriam dentro de casa, mesmo contra as vontades das mães.
Como é que a vida muda tanto?
Não demora mais que alguns segundos para que Martina chegue. A irmã só dois anos mais nova de null, que costumava ser espevitada e curiosa, e sempre rendia risadas com suas artimanhas parece agora uma supermodelo.
É bem mais alta que null, e tem o corpo esguio e muito bem delineado. Os cabelos negros caem pelo tronco até se transformarem em pontas verdes, estilosas como a maquiagem que está usando.
Ela joga a bolsa estilo carteiro no sofá e corre para abraçar null, como se fossem melhores amigas e o tempo nunca tivesse passado.
— Meu Deus do céu! Você está tão chique! — Martina diz, e null sente-se um pouco mal por sua escolha de roupas.
— E você está linda, Martina. — ela sorri.
— O Andreas não vai conseguir se juntar a nós, infelizmente. Preso no trabalho. — null diz, apontando o celular. — Mas a Paulina chega em cinco minutos.
Quando eram pequenos, null achava Paulina o máximo. A irmã mais velha de null era estudiosa, inteligente e centrada, e desde sempre fora mais madura do que a idade.
E, de fato, Paulina chega em menos de cinco minutos.
Parece pouco com a Paulina de antes, e carrega um bebê no colo e outra criança pela mão.
O tempo passa mesmo depressa.
— null! Quanto tempo! — ela entrega o bebê para null, que imediatamente começa a brincar com ele, e puxa null para um abraço rápido.
— É muito bom te ver, Paulina!
— Você está linda. Como sempre. E nem precisa ser educada e dizer que também estou, porque sei que parece que fui jogada embaixo de um caminhão. O nome dessa condição é “Cristian e Ernestina”. — ela diz, apontando os filhos. — A maternidade pode ser lindíssima, mas a mãe nem sempre consegue ficar ao menos bonitinha.
— O jantar está pronto! — Claudia volta à sala, secando as mãos em um pano de prato. — Venham, venham todos.
*Trechos de Momentos, do grupo Reik.
***
— Eu tinha certeza absoluta de que vocês dois iam se casar. E ter filhinhos com a cara da null. Porque o null é muito feio. — Martina diz, dando de ombros.
Todo ficam em silêncio, até null soltar um risinho nervoso e Paulina interromper, mudando de assunto.
— Mas conta para a gente, null, que loucura foi essa de vir parar aqui no México?
— Ah… — ela suspira aliviada. — Foi uma oportunidade de emprego maravilhosa. Sou gerente de marketing na rede null.
Todos à mesa trocam olhares de admiração.
— Quando null nos contou que te viu com o senhor null no mercado, achei que ele estava doido de vez. — Martina diz, e todos dão risada. — Quer dizer, quais as chances?
— Pois é… eu estava visitando algumas lojas da rede com o null quando vi o null e… bem, eu pensei a mesma coisa. Quais as chances?
— De todas as lojas… — Paulina diz, ainda saboreando seu jantar, enquanto tenta fazer a filha mais velha comer. — Você conheceu a Marimar?
— Lina! — Martina quase solta um rosnado. Sua expressão vai além do descontentamento. É pura raiva.
— Desculpe… quem? — null pergunta, curiosa.
Todos ficam em silêncio por um instante, e null encara um por um, sem entender nada.
— A namorada do null. — Paulina finalmente diz. — É a gerente de lá.
null abre a boca para dizer alguma coisa — que não, não conheceu Marimar —, mas nada sai. Está muda.
— Não é a namorada do null. Eles terminam o tempo inteiro, então isso nem conta. — Martina diz, irritada.
— Será que podemos mudar de assunto? — null pergunta.
null não sabe o porquê, mas a menção de uma namorada fez mais que pegá-la de surpresa. Realmente não se sente bem com a informação. Como se tivesse direito…
Sua cabeça está uma confusão. Anos sem vê-lo e, agora, ela quer sentir ciúmes?
Justamente quando sua mente acostumou-se a viajar sempre para o mesmo destino: null.
Que palhaçada é essa?
***
Eles caminham pelas ruas da vila onde null vive, que já está mais sossegada, sem as crianças na rua e a música alta tocando na vizinhança.
É uma noite bonita, com o céu estrelado e o clima ameno.
Mas, no coração de null, as coisas estão nubladas.
Sempre gostou de entender o significado por trás de tudo e, agora, não consegue compreender o que pode explicar seu reencontro com null.
Ele fora seu primeiro amor, muito antes de que ela imaginasse o que isso queria dizer.
Agora estão ali de novo, lado a lado, milhas e milhas distantes de onde se despediram, tantos anos antes.
— Sinto muito pelo comportamento da Martina. Ela cresceu, mas continua a mesma. Não tem freio nenhum na língua. — null diz, depois de certo tempo.
— Não tem problema. Ela não falou nada demais. A não ser sobre a sua namorada… acho que isso te incomodou.
Ele assente.
— É que… a Martina não tem ideia das coisas envolvidas no meu relacionamento com a Marimar. — ele explica. — E são muitas.
Dessa vez é null quem assente.
— Talvez você entenda… um pouco. Por causa do null.
null ergue uma sobrancelha, confusa.
— A Marimar não é só gerente do mercado. Ela é uma administradora experiente, se especializou na Suíça… a família dela é milionária. São sócios dos null, inclusive. — ele dá uma risada nervosa. — E ela é mais velha que eu. Já foi casada… com um cara que é um super advogado de sucesso. Às vezes eu só… não consigo entender o que ela vê em mim… o porquê de ela não escolher alguém do mesmo nível, alguém melhor. — null olha para null, e seus olhos estão brilhando. — Eu sei que não é a mesma coisa com você e o null, porque você também é uma profissional de sucesso, mas… o que eu quis dizer foi que viemos de baixo, e eles sempre tiveram tudo. Tem como viver com essa insegurança? Com esse medo de nunca ser o suficiente?
null sente uma pontada no estômago.
null acha que ela e null estão juntos.
E, pior, ele acha que ela é alguém moralmente decente, como ele, com quem ele pode desabafar sobre isso.
Se ele sequer imaginasse que, antes de se interessar por null, todo seu interesse era em dinheiro…
— Acho que você é suficiente se ela te ama. — ela diz, engolindo em seco. — E se você a ama também.
null assente.
— Acho que você está certa.
Os dois ficam em silêncio por mais um tempão, até começar a chover e null decidir levá-la para casa.
Dentro de um Escort, o carro que causara tanto trauma e tantas reviravoltas para null, ela se sente segura. Mas talvez seja hora de outra reviravolta em sua vida.
null até pensa em recusar, mas a ideia de, além de rever a mãe e os irmãos de null, que ela adorava quando criança, poder ter uma refeição caseira de verdade compartilhada com outras pessoas é simplesmente impossível de ser recusada.
Ela chega de táxi — ainda precisa resolver a questão do carro — ao bairro simples onde se localiza a vila onde null mora.
Não há um porteiro ou interfone na entrada, e o portão principal está aberto.
As casas são quase iguais: diferem apenas nas cores e em detalhes mínimos de manutenção.
No meio da rua, meninos e meninas brincam, correndo de um lado para o outro sobre os paralelepípedos.
Parece um pouco com a infância que ela e null viveram juntos.
Uma das casas toca música um pouco alta na varanda, mas null não se incomoda. É uma música bonita.
Ya lo sé, la vida es un juego
Hay que saber perder o ganar
Y caminar sin perder el suelo
No dejes que nada se roba el color de tu vida
Não demora muito para que ela o note, parado na frente de uma das casas pouco à frente.
Vestindo uma camisa jeans sem mangas e calça cáqui, ele parece ter se esforçado para parecer bonito. Como se precisasse.
null sorri e acena para ela, que segue direto para lá.
Son los momentos de cada día
Cada minuto que se vá
Esos momentos de nuestra vida
Que nunca se olvidaran
No los dejes passar
— Você veio mesmo. — ele diz, com um sorriso maroto que ilumina seu rosto.
null sorri também.
— Não perderia por nada. — ela responde, dando nele um empurrão de brincadeira. — Estou morrendo de fome.
Dentro da casa de null, o aroma da comida é inebriante. Ela poderia morrer ali, e morreria em paz.
— Uau. — null o encara com os olhos brilhando. — O que ela está fazendo?
— De tudo um pouco. Principalmente comida brasileira, em caso de…
A mãe dele aparece na sala, e não parece ter mudado nada desde a última vez em que a vira. É parecidíssima com null, mas mais baixa e com uma expressão mais nervosa.
— Eu disse que era surpresa, null! — seu sotaque em português continua o mesmo, e isso só faz com que null sorria ainda mais. — Oi, null. É um prazer finalmente ver você. Eu quase não acreditei quando o null contou. — ela puxa null para um abraço.
Sé que vendrán tristezas y miedos
Y pensarás que no puedes continuar
Pero al final, tú escribes tus sueños
No dejes que nada se roba el color de tu vida*
— Eu volto num minuto. — ela diz. — Preciso terminar o jantar. Comida brasileira. — ela diz a última parte como uma provocação a null antes de sair.
— É… era para ser segredo. — null faz uma careta culpada.
Ele sempre foi assim. Pouco capaz de manter um segredo.
null ri.
— Onde tá a Martina? — ela pergunta, antes que o silêncio se instale.
— Deve estar para chegar. Ela não perderia a chance de te encontrar por nada nesse mundo.
null sorri e dá uma olhada rápida pela sala da família de null.
O sofá é coberto por uma manta de crochê, certamente feita por Claudia, a mãe de null. Os bibelôs de porcelana sobre a cômoda, os pratinhos decorativos pendurados na parede… detalhes de que null se lembrava da casa deles no Brasil.
— Nós quebramos vários deles, lembra? — null pergunta, apontando para os pratinhos na parede.
null ri, lembrando-se de como os dois corriam dentro de casa, mesmo contra as vontades das mães.
Como é que a vida muda tanto?
Não demora mais que alguns segundos para que Martina chegue. A irmã só dois anos mais nova de null, que costumava ser espevitada e curiosa, e sempre rendia risadas com suas artimanhas parece agora uma supermodelo.
É bem mais alta que null, e tem o corpo esguio e muito bem delineado. Os cabelos negros caem pelo tronco até se transformarem em pontas verdes, estilosas como a maquiagem que está usando.
Ela joga a bolsa estilo carteiro no sofá e corre para abraçar null, como se fossem melhores amigas e o tempo nunca tivesse passado.
— Meu Deus do céu! Você está tão chique! — Martina diz, e null sente-se um pouco mal por sua escolha de roupas.
— E você está linda, Martina. — ela sorri.
— O Andreas não vai conseguir se juntar a nós, infelizmente. Preso no trabalho. — null diz, apontando o celular. — Mas a Paulina chega em cinco minutos.
Quando eram pequenos, null achava Paulina o máximo. A irmã mais velha de null era estudiosa, inteligente e centrada, e desde sempre fora mais madura do que a idade.
E, de fato, Paulina chega em menos de cinco minutos.
Parece pouco com a Paulina de antes, e carrega um bebê no colo e outra criança pela mão.
O tempo passa mesmo depressa.
— null! Quanto tempo! — ela entrega o bebê para null, que imediatamente começa a brincar com ele, e puxa null para um abraço rápido.
— É muito bom te ver, Paulina!
— Você está linda. Como sempre. E nem precisa ser educada e dizer que também estou, porque sei que parece que fui jogada embaixo de um caminhão. O nome dessa condição é “Cristian e Ernestina”. — ela diz, apontando os filhos. — A maternidade pode ser lindíssima, mas a mãe nem sempre consegue ficar ao menos bonitinha.
— O jantar está pronto! — Claudia volta à sala, secando as mãos em um pano de prato. — Venham, venham todos.
*Trechos de Momentos, do grupo Reik.
— Eu tinha certeza absoluta de que vocês dois iam se casar. E ter filhinhos com a cara da null. Porque o null é muito feio. — Martina diz, dando de ombros.
Todo ficam em silêncio, até null soltar um risinho nervoso e Paulina interromper, mudando de assunto.
— Mas conta para a gente, null, que loucura foi essa de vir parar aqui no México?
— Ah… — ela suspira aliviada. — Foi uma oportunidade de emprego maravilhosa. Sou gerente de marketing na rede null.
Todos à mesa trocam olhares de admiração.
— Quando null nos contou que te viu com o senhor null no mercado, achei que ele estava doido de vez. — Martina diz, e todos dão risada. — Quer dizer, quais as chances?
— Pois é… eu estava visitando algumas lojas da rede com o null quando vi o null e… bem, eu pensei a mesma coisa. Quais as chances?
— De todas as lojas… — Paulina diz, ainda saboreando seu jantar, enquanto tenta fazer a filha mais velha comer. — Você conheceu a Marimar?
— Lina! — Martina quase solta um rosnado. Sua expressão vai além do descontentamento. É pura raiva.
— Desculpe… quem? — null pergunta, curiosa.
Todos ficam em silêncio por um instante, e null encara um por um, sem entender nada.
— A namorada do null. — Paulina finalmente diz. — É a gerente de lá.
null abre a boca para dizer alguma coisa — que não, não conheceu Marimar —, mas nada sai. Está muda.
— Não é a namorada do null. Eles terminam o tempo inteiro, então isso nem conta. — Martina diz, irritada.
— Será que podemos mudar de assunto? — null pergunta.
null não sabe o porquê, mas a menção de uma namorada fez mais que pegá-la de surpresa. Realmente não se sente bem com a informação. Como se tivesse direito…
Sua cabeça está uma confusão. Anos sem vê-lo e, agora, ela quer sentir ciúmes?
Justamente quando sua mente acostumou-se a viajar sempre para o mesmo destino: null.
Que palhaçada é essa?
Eles caminham pelas ruas da vila onde null vive, que já está mais sossegada, sem as crianças na rua e a música alta tocando na vizinhança.
É uma noite bonita, com o céu estrelado e o clima ameno.
Mas, no coração de null, as coisas estão nubladas.
Sempre gostou de entender o significado por trás de tudo e, agora, não consegue compreender o que pode explicar seu reencontro com null.
Ele fora seu primeiro amor, muito antes de que ela imaginasse o que isso queria dizer.
Agora estão ali de novo, lado a lado, milhas e milhas distantes de onde se despediram, tantos anos antes.
— Sinto muito pelo comportamento da Martina. Ela cresceu, mas continua a mesma. Não tem freio nenhum na língua. — null diz, depois de certo tempo.
— Não tem problema. Ela não falou nada demais. A não ser sobre a sua namorada… acho que isso te incomodou.
Ele assente.
— É que… a Martina não tem ideia das coisas envolvidas no meu relacionamento com a Marimar. — ele explica. — E são muitas.
Dessa vez é null quem assente.
— Talvez você entenda… um pouco. Por causa do null.
null ergue uma sobrancelha, confusa.
— A Marimar não é só gerente do mercado. Ela é uma administradora experiente, se especializou na Suíça… a família dela é milionária. São sócios dos null, inclusive. — ele dá uma risada nervosa. — E ela é mais velha que eu. Já foi casada… com um cara que é um super advogado de sucesso. Às vezes eu só… não consigo entender o que ela vê em mim… o porquê de ela não escolher alguém do mesmo nível, alguém melhor. — null olha para null, e seus olhos estão brilhando. — Eu sei que não é a mesma coisa com você e o null, porque você também é uma profissional de sucesso, mas… o que eu quis dizer foi que viemos de baixo, e eles sempre tiveram tudo. Tem como viver com essa insegurança? Com esse medo de nunca ser o suficiente?
null sente uma pontada no estômago.
null acha que ela e null estão juntos.
E, pior, ele acha que ela é alguém moralmente decente, como ele, com quem ele pode desabafar sobre isso.
Se ele sequer imaginasse que, antes de se interessar por null, todo seu interesse era em dinheiro…
— Acho que você é suficiente se ela te ama. — ela diz, engolindo em seco. — E se você a ama também.
null assente.
— Acho que você está certa.
Os dois ficam em silêncio por mais um tempão, até começar a chover e null decidir levá-la para casa.
Dentro de um Escort, o carro que causara tanto trauma e tantas reviravoltas para null, ela se sente segura. Mas talvez seja hora de outra reviravolta em sua vida.
7.
No dia seguinte, null não vai para o seu andar no escritório quando chega. Vai direto para o RH e, em menos de dez minutos, sai de lá sem sua carta de demissão, com a qual entrou.
Não pode mais fazer isso. Não pode fazer isso consigo mesma e, muito além disso, não pode fazer isso com null.
A noite passada em claro fora, literalmente, esclarecedora.
Sua filosofia de vida dos últimos anos era fútil e a havia privado de muitas coisas. A última delas de que a privaria seria null.
Ela precisara sentir ciúmes de null e depois ouvir a história dele com Marimar, uma verdadeira — e digna — história de amor, para entender que havia se apaixonado por null.
Apaixonara-se por null e camuflara o sentimento sob a carapaça de seu interesse, de sua futilidade.
Mas agora é tarde demais. Ela não tem sequer direito.
Não o merece.
Provavelmente está matando sua carreira, mas isso não importa. null não pode mais enganar ninguém. Muito menos a si mesma.
Talvez seja hora de voltar para casa.
***
Ela sai da loja carregando as sacolas com suas malas novas, entretida demais em não tropeçar nas próprias pernas e cair com o peso das compras, e não nota quando esbarra em alguém no corredor.
— Ai, meu Deus, desculpa, eu nã...
— null?
Ela conhece aquela voz.
Olha para cima, estarrecida, apenas para dar de cara com o senhor null, o verdadeiro senhor null.
— Eu simplesmente não pude acreditar quando me comunicaram sobre sua carta de demissão. — ele diz, direto. — Simplesmente não… eu não sei, não esperava. Você recebeu uma proposta melhor?
Os olhos de null se enchem de lágrimas.
— O null fez alguma coisa com você?
Ela balança a cabeça veementemente, espantada com a ideia.
— Não, não… — null responde, fechando os olhos e deixando as lágrimas escorrerem. — Fui eu. Eu que fiz.
O senhor null oferece o braço a ela, indicando que se sentem em uma das mesinhas do café ao lado.
— Eu sei que ele nunca vai me perdoar… e ele realmente não deve. O que eu fiz… o que eu fiz não tem perdão.
— O que você fez que pode ser tão grave? Ele sente sua falta, está inconsolável… null está apaixonado por você, null. Até um cego veria. — o senhor null diz, confuso e preocupado.
Ela balança a cabeça, como se não quisesse ouvir. Não pode ouvir nada daquilo. Porque null não pode estar apaixonado por ela. Ela não merece que ele se sinta assim.
Então, de todas as pessoas do mundo, é para o pai dele, seu chefe e um senhor multimilionário, que ela conta toda sua história, desde o acontecimento com o ex até o momento em que sua meta de vida se transformou em dar um golpe.
O senhor null ouve tudo atentamente, e não parece julgá-la nem por um segundo.
Quando ela termina de falar, segue o olhar do senhor null até a porta.
null está lá.
— Se você quiser realmente resolver isso, é com ele que deve falar. — o pai dele diz. — Eu não considero nada do que você me disse um pecado. Você não tentou dar um golpe nele, minha filha. A vida sim deu um golpe em você. Você o ama. — ele dá de ombros, bebendo um gole do próprio café. — E, caso esteja se perguntando: sim, eu o chamei aqui. Mensagem de texto por baixo da mesa enquanto você falava. — null fica boquiaberta. — Não me olhe assim, querida, você vai me agradecer no futuro. — ele se levanta e deixa o café.
null se aproxima da mesa onde null está sentada, e o olhar dele sobre ela é tão profundo que parece que ele pode vê-la por dentro. O olhar que ela só recebera de null. Que faz parecer que ele lê sua alma, e que ela não precisa dizer nada.
Mas ela precisa dizer, sim.
Não pode mais fazer isso. Não pode fazer isso consigo mesma e, muito além disso, não pode fazer isso com null.
A noite passada em claro fora, literalmente, esclarecedora.
Sua filosofia de vida dos últimos anos era fútil e a havia privado de muitas coisas. A última delas de que a privaria seria null.
Ela precisara sentir ciúmes de null e depois ouvir a história dele com Marimar, uma verdadeira — e digna — história de amor, para entender que havia se apaixonado por null.
Apaixonara-se por null e camuflara o sentimento sob a carapaça de seu interesse, de sua futilidade.
Mas agora é tarde demais. Ela não tem sequer direito.
Não o merece.
Provavelmente está matando sua carreira, mas isso não importa. null não pode mais enganar ninguém. Muito menos a si mesma.
Talvez seja hora de voltar para casa.
Ela sai da loja carregando as sacolas com suas malas novas, entretida demais em não tropeçar nas próprias pernas e cair com o peso das compras, e não nota quando esbarra em alguém no corredor.
— Ai, meu Deus, desculpa, eu nã...
— null?
Ela conhece aquela voz.
Olha para cima, estarrecida, apenas para dar de cara com o senhor null, o verdadeiro senhor null.
— Eu simplesmente não pude acreditar quando me comunicaram sobre sua carta de demissão. — ele diz, direto. — Simplesmente não… eu não sei, não esperava. Você recebeu uma proposta melhor?
Os olhos de null se enchem de lágrimas.
— O null fez alguma coisa com você?
Ela balança a cabeça veementemente, espantada com a ideia.
— Não, não… — null responde, fechando os olhos e deixando as lágrimas escorrerem. — Fui eu. Eu que fiz.
O senhor null oferece o braço a ela, indicando que se sentem em uma das mesinhas do café ao lado.
— Eu sei que ele nunca vai me perdoar… e ele realmente não deve. O que eu fiz… o que eu fiz não tem perdão.
— O que você fez que pode ser tão grave? Ele sente sua falta, está inconsolável… null está apaixonado por você, null. Até um cego veria. — o senhor null diz, confuso e preocupado.
Ela balança a cabeça, como se não quisesse ouvir. Não pode ouvir nada daquilo. Porque null não pode estar apaixonado por ela. Ela não merece que ele se sinta assim.
Então, de todas as pessoas do mundo, é para o pai dele, seu chefe e um senhor multimilionário, que ela conta toda sua história, desde o acontecimento com o ex até o momento em que sua meta de vida se transformou em dar um golpe.
O senhor null ouve tudo atentamente, e não parece julgá-la nem por um segundo.
Quando ela termina de falar, segue o olhar do senhor null até a porta.
null está lá.
— Se você quiser realmente resolver isso, é com ele que deve falar. — o pai dele diz. — Eu não considero nada do que você me disse um pecado. Você não tentou dar um golpe nele, minha filha. A vida sim deu um golpe em você. Você o ama. — ele dá de ombros, bebendo um gole do próprio café. — E, caso esteja se perguntando: sim, eu o chamei aqui. Mensagem de texto por baixo da mesa enquanto você falava. — null fica boquiaberta. — Não me olhe assim, querida, você vai me agradecer no futuro. — ele se levanta e deixa o café.
null se aproxima da mesa onde null está sentada, e o olhar dele sobre ela é tão profundo que parece que ele pode vê-la por dentro. O olhar que ela só recebera de null. Que faz parecer que ele lê sua alma, e que ela não precisa dizer nada.
Mas ela precisa dizer, sim.
Epílogo
Eles estão dançando no centro da pista, cercados por dezenas de outras pessoas.
A decoração está linda, muito mais bonita do que null poderia sequer sonhar.
null lhe oferece a mão, e ela o abraça com força o suficiente para expressar toda sua gratidão.
Como ela o ama.
Como nunca deixou de amá-lo.
Ao lado dele, Marimar, sua noiva, sorri enquanto olha para eles.
Quando os dois se separam, ela também abraça null.
— Obrigada. — dizem, em uníssono, e começam a rir.
Marimar volta para os braços do noivo, que está conversando com null.
— O plano é que não passemos mais que duas semanas fora. — null diz. — As coisas se acumulam muito rápido na empresa.
— Com licença. — null diz, empurrando null de brincadeira. — Você poderia me deixar a sós com meu marido, por gentileza?
Os quatro soltam gargalhadas, e null ergue os braços em sinal de rendição.
— Eu sempre soube que você ficaria ainda mais mandona com esse sobrenome. — diz, fazendo todos rirem outra vez.
— Mas lhe cai bem. — null diz, puxando a esposa para si. — Lhe cai muito bem. Senhora null.
A decoração está linda, muito mais bonita do que null poderia sequer sonhar.
null lhe oferece a mão, e ela o abraça com força o suficiente para expressar toda sua gratidão.
Como ela o ama.
Como nunca deixou de amá-lo.
Ao lado dele, Marimar, sua noiva, sorri enquanto olha para eles.
Quando os dois se separam, ela também abraça null.
— Obrigada. — dizem, em uníssono, e começam a rir.
Marimar volta para os braços do noivo, que está conversando com null.
— O plano é que não passemos mais que duas semanas fora. — null diz. — As coisas se acumulam muito rápido na empresa.
— Com licença. — null diz, empurrando null de brincadeira. — Você poderia me deixar a sós com meu marido, por gentileza?
Os quatro soltam gargalhadas, e null ergue os braços em sinal de rendição.
— Eu sempre soube que você ficaria ainda mais mandona com esse sobrenome. — diz, fazendo todos rirem outra vez.
— Mas lhe cai bem. — null diz, puxando a esposa para si. — Lhe cai muito bem. Senhora null.