Capítulo Único
O dia amanhecera em um dourado pálido com uma fina chuva caindo gentilmente do lado de fora. Para null, era um dia perfeito para pintar - sim, ficar entre suas tintas em seu próprio mundo, com nada além do barulho da chuva e a decisão de qual cor colocar no papel para criar o melhor efeito.
Ele fizera seu habitual chá verde da manhã, colocando-o em sua fiel xícara de porcelana, para sentar ao lado da janela de seu apartamento studio e observar a cidade. Paris era realmente o melhor lugar para inspirar artistas - era lá que ele estudava, era lá que ele seguia seu caminho na arte e era lá que conhecera null.
Também estudante de arte que nem ele, a moça era conhecida por tentar de tudo um pouco. Nunca fizera um curso, uma aula que fosse na vida, antes de entrar na mesma turma que ele e impressionar quem a conhecesse com sua habilidade de simplesmente olhar as coisas e transmitir para o papel.
null não podia mentir que inicialmente sentira uma pontada de inveja dela. Ele estudara tanto, tentara tanto, esforçara-se sempre que conseguia - carregando seu sketchbook para cima e para baixo, estudando os pintores que mais admirava, sempre pedindo opiniões ao seu professor para aperfeiçoar sua técnica e ter um portfólio minimamente razoável para ser aceito em uma das Universidades de Paris.
null não fizera nada daquilo e fora aceita do mesmo jeito.
De início, ele ficava observando-a enquanto desenhava por cima dos ombros, certo de que um dia descobriria que não era ela que fazia os próprios desenhos. Mas era. “Como?!” ele se perguntava. “Qual técnica ela usa? Quais pintores ela estudou? De onde ela tirou esse traço?!” null era praticamente uma alma obscura que circundava null onde quer que a moça fosse e sempre observava cada rabisco que ela fazia.
- Chá verde. Você gosta, né? - null comentou de repente, colocando um copo de papelão em frente a null, com o chá verde fumegante. Ele levantou os olhos do sketchbook, um tanto assustado por trás dos óculos redondos de armação dourado antigo.
- Oi...? - O coração dele estava a mil. Será que ela tinha notado? Não. Provavelmente não. Provavelmente era neura da cabeça dele...
- Você tem mania de ficar perto de mim quando tô treinando, então o mínimo que posso fazer é te deixar confortável. - A moça sorriu, fazendo com que null quase caísse de cara no chão e se encolhesse de vergonha.
Sim. Ele tinha quebrado. O cérebro dera apagão total. COMO ELE PÔDE SER TÃO ÓBVIO? null JURAVA que estava sendo discreto.
- Hmmm... É que... Então... - Era isso. Ele já não era lá muito bom com palavras, agora estava estratosfericamente pior.
- Hey, relaxa. Às vezes é melhor pra gente ficar perto de quem nos sentimos confortáveis mesmo. - null deu de ombros, sentando-se ao lado de null e preparando os materiais para começar a desenhar. - Geralmente eu não gosto de desenhar perto de ninguém, mas já me acostumei com você. Meu encosto artístico pessoal.
- Ei, eu não sou encosto. - null lançou um olhar enviesado para ela, finalmente voltando a pensar normalmente. O que um insulto não fazia. - Só fiquei... Impressionado. É, acho que é a palavra certa. Impressionado com o jeito que você desenha. Queria ver, mas não queria invadir o seu espaço.
null somente lançou um olhar óbvio para ele.
- Não queria invadir TANTO assim o seu espaço. - null suspirou, derrotado. - Foi uma péssima decisão, né? Eu fui um ser humano horrível até agora, não?
- Durante um tempo sim, mas como disse, já acostumei. - null deu uma breve risada. - Agora já até acho esquisito não ter você pairando em volta de mim enquanto desenho.
- Meu Deus, eu sou uma pessoa péssima. - Ele rolou os olhos, finalmente fazendo-a rir abertamente. - Desculpe por isso. De verdade. Só não sabia o que fazer com você.
- Podia ter me chamado pra tomar um café e conversarmos sobre arte? - Ela sugeriu, desenhando enquanto conversava. - Sabe, como pessoas normais?
- Era mais decente, né? - Ele apoiou a cabeça em uma das mãos, rindo do próprio comportamento idiota.
- Bem mais. Você já foi desenhar perto do rio Sena? - Ela ergueu uma sobrancelha de volta e null negou com a cabeça. - Se não tiver onde almoçar depois das aulas, poderíamos pegar uns sanduíches e sentar lá na beirada pra desenhar um pouco e jogar conversa fora. O que acha?
- Acho uma ótima idéia. Muito melhor do que as minhas. - null sorriu de volta, empolgado com a perspectiva de desenhar com null nas margens do Sena.
Quem diria que anos depois ele estaria morando com ela, dividindo um apartamento com null no meio de Paris. Conseguiram um bom desconto em um lugar legal e tinham uma boa vista da janela da cobertura do pequeno prédio de seis andares - podiam desenhar sem ao menos sair, se quisessem. Era um lugar simples, não muito grande, mas o suficiente para acomodá-los e acomodar todo o material de pintura que quisessem.
Por isso o chão era constantemente sujo com marcas de tinta. Tinham que lembrar de lavar toda vez que o proprietário vinha checar se não estavam destruindo o apartamento e eventualmente aumentar o aluguel.
- Bom dia, null. - A voz de null ecoou de maneira melódica pela sala, chamando a atenção de null. Ela caminhava calmamente, os pés descalços na madeira manchada, o corpo coberto somente pela camisa fina que ele usara na noite anterior. Estava com o típico cabelo descabelado de quem havia acabado de acordar, mas null não podia mentir: acharia null bonita em qualquer circunstância.
- Bom dia, null. Dormiu bem? - Ele apoiou os cotovelos nos joelhos, segurando a xícara de porcelana enquanto o sketchbook jazia aberto ao seu lado, o lápis esperando que ele encontrasse alguma inspiração.
- Uhum. Dormir do seu lado sempre me deixa quentinha nesse frio terrível. - null deu um sorriso contente, preparando o próprio chá com a água quente que null deixara em uma chaleira igualmente de porcelana. Mas, diferentemente dele, a moça preparava uma caneca. - Preciso me acostumar ainda com o frio intenso que faz por aqui.
- Diz a mulher que está somente com a minha blusa logo de manhã. - Ele analisou, tomando um gole do próprio chá e fazendo-a rir. - Onde está seu roupão?
- Não sei. Procurei pelo quarto, mas estava com muito sono pra uma busca mais a fundo... - Ela suspirou de volta, pegando a caneca com o chá pronto e misturando o açúcar com um pauzinho de canela enquanto se aproximava de null. - Preciso procurar com os duendes das roupas.
- Provavelmente os mesmos que roubam somente um pé de cada par de meia. - Ele respondeu a brincadeira, rindo levemente enquanto null se sentava em frente a ele no sofá perto da grande janela da sala.
A moça se recostou no braço do sofá, esticando uma das pernas até que o pé ligeiramente gélido encontrasse o de null. Ele usou os próprios pés para esquentar os de null, enquanto ela corria os próprios pelos tornozelos e batatas das pernas de null, distraidamente apreciando a chuva do lado de fora.
Ambos passaram em silêncio alguns momentos de contemplação naquela manhã preguiçosa. Não tinham horário, não tinham obrigações imediatas. Gostavam de simplesmente sentar e apreciar a companhia um do outro - quase como se suas almas pudessem conversar em silêncio entre si, sem precisar do barulho constante de palavras.
Até null finalmente suspirar e segurar o lápis com uma expressão não muito animada. null o observou como se perguntasse o que estava errado.
- Preciso treinar um pouco de anatomia... - Ele ergueu uma sobrancelha, jogando a cabeça para trás em seguida. - Eu te juro que se mais alguém comentar que os braços ou olhos estão desproporcionais nos meus desenhos, jogo uma cadeira em cima da pessoa.
- Justo. Eu bato neles com meu cavalete de pintura a óleo. - null concordou na hora, sem expressão alguma, fazendo null rir imediatamente. - Ninguém poderá nos parar.
- Olha que um cavalete é um ótimo instrumento pra bater em alguém. Aquele desgraçado do Reinier precisa de uma boa surra. - Ele balançou a cabeça, ainda rindo, porém parecendo desconfortável. Reinier era o desafeto pessoal de null na Universidade: simplesmente não o deixava em paz e queria achar TODOS os defeitos do mundo nos desenhos de null.
Não que ele se importasse com feedback - muito pelo contrário, era assim que os artistas cresciam e se desenvolviam. Mas o que Reinier fazia era bullying, não uma crítica construtiva. E, depois que o relacionamento de null e null ficou mais sério e se provou sólido ao longo dos anos, Reinier ficou cada vez pior, arranjando todas as maneiras do mundo para espezinhar a vida de null.
- Então preciso treinar mais anatomia. Pro meu próximo exercício em aula ser nada mais que perfeito e aquele zé ruela não poder me perturbar. - Ele deu uma risada rápida, fazendo null sorrir. Ela adorava o fato que null pegara a mania dela de xingar todo mundo de “zé ruela”.
- Como você vai fazer? Fotos no Pinterest? - Ela ergueu uma sobrancelha, tomando um gole rápido de chá. - Eu tenho uma pasta cheia de referências, se você quiser. Pode dar uma olhada e fazer as que preferir.
- É, pensei em fazer algo assim... - null suspirou, rabiscando sem vontade no papel. Não estava com motivação para ficar olhando várias fotos e copiando automaticamente. Queria fazer algo menos mecânico e mais livre naquele dia. Mas estava completamente sem inspiração. - Ou eu podia te usar de modelo vivo também.
- Quando você quiser. - null deu de ombros, esticando-se mais no sofá. - O tanto que eu já te usei de modelo vivo pra praticar também. Sempre é bom.
- Você já me usou muitas vezes e até sem roupa. - Ele lançou um olhar engraçado para ela, fazendo-a corar levemente e parecer um pouco envergonhada. - As únicas vezes que te desenhei, foram quando você estava distraída em algum lugar.
- Na minha defesa, foi muito mais fácil estudar os grupos de músculos podendo te encarar de perto e de todos os ângulos possíveis. - null respondeu de maneira analítica e null semi cerrou os olhos, com um sorriso positivamente ameaçador e divertido nos lábios.
- Ah, não vem com esse ar de “artista analítica sem segundas intenções” pra cima de mim, não! - Ele deixou a xícara no parapeito da janela, aproximando-se de null pelo sofá como um leão se aproxima de uma presa, fazendo-a lutar para segurar o riso. - Você gostou bastante de estudar os grupos de músculos...!
- Você não pode falar que não fui profissional! - Ela se defendeu, deixando a própria caneca no parapeito da janela antes que null estivesse praticamente em cima de seu corpo. - Além de que você se ofereceu de modelo vivo enquanto eu estava estudando.
- Claro. Muito melhor estudar comigo do que com uma foto de um ilustre desconhecido no Pinterest. - null dissera como se fosse óbvio, fingindo até estar ofendido. Em seguida, sorriu para ela. - Eu sei que você tem vergonha. Mas não precisa ter vergonha de mim, né? Quantas vezes eu já te vi sem roupa?
- Diversas vezes, em outras circunstâncias. - null suspirou levemente, contente que null conhecia as limitações dela. A moça morria de medo de ter uma crise de consciência no meio do caminho e se cobrir toda, arruinando todo o estudo dele. - Nunca com você estritamente me observando enquanto eu estou lá, sendo...
- Linda? - E ele deu um beijo rápido nela. - Maravilhosa? - Mais um beijo. - Como uma deusa grega? - E outro beijo. - Ou melhor, como “uma das minhas garotas francesas”? - E a risada que ela dera com a referência a um dos momentos favoritos de ambos em Titanic fora abafada para um beijo mais demorado e calmo da parte de null. null subiu uma das mãos para afagar os cabelos sedosos do namorado, uma de suas coisas preferidas de fazer.
- Se eu tiver uma crise de consciência no meio do caminho...
- Fica à vontade pra fazer o que quiser, null. Você sabe que eu nunca vou te forçar a nada. - Ele tirou alguns cabelos rebeldes do rosto dela, em seguida acariciando a bochecha da moça. - É o que você disse. Você sempre foi estritamente profissional comigo e nunca me deixou desconfortável. Todos os exercícios de anatomia que fizemos juntos sempre foram agradáveis para mim e nunca quis sair correndo, porque você me fez ficar seguro. E é isso que vou fazer com você, se você quiser. Se não quiser, eu posso treinar com fotos aleatórias do Pinterest, sem problemas.
Sem problemas. Era a frase clássica de null para todas as inseguranças dela: ele nunca cobrava posições de null, sempre dava uma gama de opções para a moça e “o que quer que você escolha, não vou ficar incomodado, sem problemas, null”. Ela apreciava tanto aquilo que sempre sorria um pouco quando null falava “sem problemas”, de sua maneira casual para os mais conflitantes assuntos.
- Ok, a gente pode tentar. - null respondeu com um beijo rápido nos lábios do namorado. null sorriu, mais contente por ela depositar a confiança nele do que pelo estudo que tinha que fazer. - Não vamos almoçar cedo hoje, né?
- Podemos almoçar só quando bater a fome mesmo. Sem problemas.
O próprio null não queria admitir que estava nervoso.
Com as palmas das mãos suando, ele não parava de andar de um lado para o outro na sala do apartamento enquanto esperava null terminar de se arrumar no quarto. Ele arrumou as almofadas, os materiais de desenho, a luz, fechou as cortinas para que ninguém além dele conseguisse vê-la e null ficasse à vontade... null checou aquela sala trezentas vezes - e checaria mais um milhão se fosse preciso.
- Você parece nervoso, monsieur grand artiste. - null comentou com uma breve risada enquanto null virava em um susto, quase derrubando todos os lápis no chão, incluindo os de cor.
- Um pouco. - Ele admitiu com um sorriso levemente encabulado, mas positivamente lindo de se admirar. null teria apreciado se ele não estivesse tão confuso com os lápis de cor. - Achou o seu penhoar, huh?
- Achei. As forças do Universo estão ao nosso favor hoje. - Ela se aproximou do namorado, segurando as mãos de null para que ele finalmente parasse. - Se você derrubar esses lápis no chão, vai quebrar todas as minas e nunca mais vamos conseguir apontar algum sem quebrar a ponta a cada cinco segundos.
- Eu sei. Desculpa. - null fechou os olhos e riu nervosamente por alguns segundos. - Eu não quero que você se preocupe. Ou fique desconfortável.
- Acho muito difícil ficar desconfortável com você. - null sorriu de volta, acariciando as mãos dele. Aos poucos, as bochechas dela foram corando. - Então... O que você quer que eu faça?
- Fica à vontade. Quer sentar? Deitar? Ficar em pé? Eu arrumei o sofá. - Ele falava mais rápido que o necessário, fazendo-a rir, apontando os lugares.
- Quem tá precisando treinar é você, mon artiste! - Ela respondeu com uma risada, enquanto null corava. - O que você quer treinar? Mais detalhado, mais rápido...? Se for demorado, acho bom ficar meio deitada ou algo do gênero.
- Hmmm... É bom que você comentou... Quer começar com rascunhos de uns cinco minutos cada? Só pra eu pegar proporção e forma? - null pegou os materiais, estudando as páginas do próprio sketchbook. - Aí podemos fazer com você de pé e quando eu quiser ir pro mais detalhado usando os lápis de cor, acho que pode deitar no sofá perto da janela, a luz é melhor.
- Ok, pode ser! Aí eu não canso tanto.
E nisso, a sala caiu em silêncio.
null ficou observando-a enquanto null olhava o sketchbook dele como se nada estivesse acontecendo.
Após alguns segundos, os olhos de null encontraram os de null e ele começou a sorrir gentilmente.
- Sabe... Você tem que tirar o penhoar pra funcionar. - No que ele falou, as bochechas dela coraram imediatamente, fazendo null rir ao mesmo tempo. - Se você não quiser, sem problemas! Eu posso...
- Não, tudo bem, tudo bem! - Ela riu de volta, distanciando-se dele e casualmente desamarrando o penhoar. - É bom você me direcionar, monsieur grand artiste. Estou acostumada a desenhar, não a modelar.
- Ok, ok, não se preocupa. - null riu, sentando-se distraidamente em uma poltrona ao lado da mesa na qual preparara todos os materiais de desenho.
Mal percebeu quando a seda deslizou dos ombros de null e atingiu o chão, em volta dos pés dela. A moça finalmente sentiu o ar levemente gélido atingir a pele e podia dizer com certeza que era definitivamente estranho ficar tão... Exposta.
Ele já a tinha visto nua, várias vezes, mas não em circunstâncias tão óbvias. Lá estava ela, exatamente como veio ao mundo, olhando para null sem saber o que fazer com as próprias mãos - e com o corpo todo, na realidade.
E ele finalmente olhou para ela.
- Ah, uau... - null parou alguns segundos para encará-la, fazendo-a corar mais ainda. - Desculpa. Mas você é muito linda. De verdade. Muito mesmo.
- Nada como um artista galanteador em plena Paris, não...? - null perguntou de volta, um tanto sem jeito, fazendo-o dar uma breve risada e relaxar um pouco. Mesmo assim, os ombros de null estavam definitivamente tensos. - Obrigada, null. Muito obrigada.
- Imagina, você é mesmo. Hmmm... Fica à vontade, viu? - Com isso, ele pegou o sketchbook e, apoiando-o nas pernas, escolheu um de seus lápis grafite favoritos para começar a trabalhar nos desenhos do dia. - Preciso treinar poses, proporções, ângulos... Você sabe.
- Sei. Sei sim. - null suspirou, andando até uma das bancadas da cozinha e, de costas para a mesma, apoiou os cotovelos casualmente, com os cabelos cascateando sobre os seios e descansando o peso em uma das pernas. - Está bom assim pra primeira?
- Claro, claro! Sim, tá ótimo... Você tá sempre bem, linda. - Ele piscou para ela, fazendo-a corar feito um pimentão imediatamente.
null se sentia completamente exposta e realmente não sabia o que fazer. Estava tentando se manter séria e calma, mas a cada segundo crescia a vontade de começar a rir escandalosamente. E null percebeu quando um sorriso começou a crescer nos lábios da namorada, por mais que ele estivesse concentrado em delinear as formas dos braços dela, trabalhando nos pulsos e descendo pelos dedos delicados.
Na verdade, null planejara não falar nada. Sabia que ela tinha a tendência a rir de nervoso - o que podia ser muito assustador dependendo da situação - e não queria perturbá-la.
Bom. Não muito.
- Olha só essa risadinha aparecendo aí... - Ele não resistiu. Tinha que falar aquilo. Tinha que brincar com ela pelo menos um pouquinho.
- Ah, null! - null deu um tapa na mesa, jogando a cabeça para trás e começando a rir escandalosamente. Ele mesmo não conseguiu e começou a rir junto. - Eu tô tentando ser uma modelo exemplar!
- Você já é! - null também ria, sem tirar os olhos do corpo dela e alternando para o desenho. Fazia as curvas da cintura, descendo para as pernas e adicionando os detalhes que precisava de maneira orgânica. - Mas se ficar toda risadinha, não vou conseguir te desenhar direito quando for fazer o mais detalhado!
- Mas não estamos nos detalhados por enquanto! - Ela respondeu, respirando fundo e tentando parar de rir, fechando os olhos para não ter que ver o olhar atento de null no corpo dela, desenhando enquanto sorria de maneira concentrada. - Posso rir pelo menos um pouco.
- Um pouquinho. - null ergueu uma sobrancelha e apontou para ela com o lápis. - Não vai virar um saquinho de risada. Lembra quando você me desenhou a primeira vez?
- Você fica estranhamente confortável andando pelado pela casa. - Foi a vez de null ficar indignada com o comentário dele, fazendo null dar boas gargalhadas. - Nunca vi. Você simplesmente tirou a roupa e ficou de boa enquanto eu olhava cada canto do seu corpo.
- Na minha defesa, eu tava surtando por dentro. Mas não queria que você se sentisse mal por me usar como objeto de estudo. - Com isso, null parou de desenhar e começou a alongar os dedos. - Pode mudar de posição, terminei esse.
- Ok... - Pensando um pouco, null se desapoiou da bancada e virou de lado, torcendo um pouco o torso para que estivesse levemente de costas para ele, a cabeça virada para o namorado. Como sempre fazia quando estava posando, levou as mãos para perto do rosto, uma pose que lembrava muito a graciosidade do ballet. null sorriu abertamente em admiração.
- Perfeito. Fica nessa. - E imediatamente começou a desenhar.
- Se você tava desconfortável, devia ter me avisado. - null suspirou, trazendo de volta o assunto. Ele franziu as sobrancelhas.
- Não, tudo bem. Era só uma questão de me soltar mesmo. - E, em seguida, null deu de ombros. - Meu coração tava a mil por hora. Fiquei pensando que você ia ver todos os meus defeitos, mas com o tempo acabei ficando mais calmo, sabe? Afinal, era você. Tava tudo bem.
- Acho que é isso mesmo. - null deu um sorriso carinhoso. - É você, né? Eventualmente meu coração vai parar de disparar e eu vou parar de sentir que tá pra pular da minha boca.
- Vai, não se preocupa, vai sim. - Ele espelhou o sorriso dela. - E quando você se acalmar, vai ser extremamente de boa. Afinal, não é como se eu não conhecesse bem essa bunda maravilhosa, né?
- null! - null arregalou os olhos, praticamente gritando o nome dele e querendo se enfiar debaixo da mesa, se fosse possível. Ele, por outro lado, desatava em risadas. - “Como ser um artista e namorado sem noção”, você deveria escrever um livro!
- Ah, vai, não é como se você não tivesse achado engraçado! E sabe que eu tenho razão! - Ele apontou novamente com o lápis, fazendo-a rir mais ainda.
Ele tinha razão, sim. E, estranhamente, aquilo a fez se sentir um pouco mais confortável. null notou que, vagarosamente, o coração dela parava de disparar, voltando para a frequência normal, enquanto null desenhava de maneira concentrada e calma.
Era incrível, para falar a verdade.
Com alguns minutos naquela pose - e no silêncio após tantas risadas entre bons assuntos - null encontrou-se observando null trabalhar. Não que nunca tivesse feito aquilo antes, mas agora tinha todo o tempo do mundo para ver como ele trabalhava em suas artes.
Mas, quando ela já estava começando a admirar demais, ele parou.
- Ok, mais um terminado. Acho que dá pra fazer mais um rápido e depois podemos passar pros desenhos mais detalhados? - Ele ergueu os olhos para ela, em expectativa, o lápis abandonado no colo.
- Você quem manda, grand artiste. Estou aqui somente como uma musa hoje. - null falou com um ar sábio, fazendo-o dar uma rápida risada.
- A mais bela das musas. - Ele ergueu o grafite novamente, apontando uma cadeira com o mesmo. - Pode se apoiar lá? Acho que vai dar um bom estudo.
- Hmmm... Assim? - null ficou em pé ao lado da cadeira, apoiando um dos joelhos no assento da mesma e segurando as costas da cadeira com uma das mãos. Pendeu a cabeça para o lado, o cabelo reluzindo na luz daquele dia preguiçoso. null sorriu inconscientemente.
- Uhum. Tá linda, assim. - A fala dele foi meio automática e ausente até. null sorriu discretamente, observando enquanto ele começava a entrar no próprio mundo artístico, o tempo passando como se não existisse realmente.
Pela primeira vez naquele dia, null começava a sentir o próprio coração batendo um pouco mais forte. Será que ela se sentira assim quando o desenhara? null era boa em esconder os próprios sentimentos, principalmente amorosos - e null era tão bom quanto ela. Mas não esperava que fosse sentir a respiração alterando, mesmo que um pouco, ao delinear os seios dela e observar com calma.
Franzindo um pouco as sobrancelhas, null continuou o desenho, descendo rapidamente para as curvas da cintura e sombras da barriga. Queria tirar a cabeça de qualquer sentimento diferente que tivesse tido ao desenhar o corpo dela - por mais que se sentisse atraído por null e a achasse maravilhosa, não queria que ela se sentisse desconfortável por algum comentário ou reação que não fosse estritamente “profissional” do ponto de vista artístico.
Foi somente naquele momento que null notara a situação na qual ele tinha se enfiado.
- Tudo bem por aí? - A voz de null ecoou de repente e ele achava que ia morrer engasgado na própria saliva que nem null tinha notado que estava na boca.
- Oi...? - Ele deu uma breve tossida, olhando para ela de um jeito engraçado, tentando ficar o mais profissional que conseguia. null começou a rir e null não tinha idéia se ela tinha notado algo ou não. - Desculpa. Distraí demais desenhando. Oi?
- Tá tudo bem, null? - Ela repetiu devagar, a expressão compreensiva.
Aparentemente, não tinha percebido nada.
Aparentemente. Aquela mulher era extremamente sagaz, null sabia daquilo.
- Ah, sim, tudo bem. Eu errei uma proporção, seu braço ficou longo demais. - Nisso, ele suspirou, apagando algo que estava com a proporção correta. Mas ela não sabia daquilo. - Aí tentei consertar e ficou bem pior. Só mais um pouquinho, tá?
- Tudo bem. - null sorriu de volta e null só suspirou novamente.
Lá ia ele redesenhar algo que estava perfeitamente bem só porque inventou alguma desculpa esfarrapada para não admitir que de repente começou a ficar atraído pela própria namorada em um exercício de desenho da figura humana.
- Viu só? - Ele começou a puxar assunto novamente, quando estava terminando a mão dela pela segunda vez. Talvez se conversassem, não fosse tão ruim assim. - Acho que você já deu uma boa relaxada. Seus ombros não parecem tão tensos.
- É o que você faz comigo. - null deu um sorriso calmo, fazendo null sorrir de volta.
Mal sabia null que ela também o acalmava.
- Bom, vamos pra segunda parte então? - null perguntou decididamente, espreguiçando-se um pouco na poltrona e começando a aquecer novamente os dedos, pulsos e estalar o pescoço. Sempre era preciso se alongar. - Queria fazer um mais detalhado, com cor e tudo mais.
- Ah, eu adoro o jeito que você usa as cores! - null sorriu de volta, indo até o sofá próximo à janela em que estavam sentados antes, agora com as cortinas fechadas. - Aqui tá bom? Você quer que eu sente? Ou que eu deite...?
- Talvez meio deitada? - Ele respondeu incerto. - Não sei. Vê o que é mais confortável para você, aí vamos ajustando a pose.
- Tá... - null suspirou, deitando-se de lado no sofá, de frente para ele. Uma das mãos ficou próxima do rosto, mas ela não tinha idéia do que fazer com o outro braço. Na realidade, ela não tinha idéia do que fazer com ela mesma inteira. A sorte é que null estava lá e levava aquilo tão a sério quanto null. - Hmmm... Talvez se você me passar aquela almofada...?
- Você pode ficar meio deitada. - Ele repetiu, levando a almofada até ela e ajudando a ajustar nas costas da namorada, erguendo-a um pouco. - Assim. Gosto de quando você coloca as mãos próximas do rosto, talvez assim...?
Nisso, as mãos de null seguraram cuidadosamente as delicadas mãos de null, ajudando-a a encontrar a melhor posição para que ele pudesse desenhar. Sorriram um para o outro, sem trocar palavras, enquanto null ajudava a ajeitar os cabelos dela em torno do rosto e sobre o colo - ele simplesmente amava o cabelo da namorada. Descansando uma das mãos na cintura dela, observou-a novamente.
- Confortável?
- Confortável, grand artiste. Obrigada pela ajuda. - Ela confirmou de leve com a cabeça, no que null deu um beijo na testa de null antes de se levantar e se acomodar em sua poltrona novamente.
E, quando olhou para ela, achou que o coração ia disparar pelo peito, sair pela boca e ele não teria condição alguma de permanecer tão profissional quando aquela musa maravilhosa estava lá de maneira tão bela, posando para ele, em um início de tarde preguiçoso de fim de semana em Paris.
Um dos raros momentos em que null pensava “como é que eu fui tão abençoado para ter uma vida assim, ó Universo?”
Podia parecer exagerado - e provavelmente era. Mas não era como se ele conseguisse controlar de imediato tudo que sentia.
- Ficou bom assim? - null instintivamente pendeu a cabeça um pouco para o lado, tentando entender o motivo de null estar parado somente observando, como se algo estivesse errado. - A iluminação tá boa? Qualquer coisa posso trocar...
- Não, tá ótimo. Tá ótimo. - Ele balançou a cabeça, finalmente acordando dos devaneios e começando a rabiscar o formato básico com linhas finas e claras em seu sketchbook. - É que já disse. Você é muito linda. Eu já tinha pensado em te pedir pra posar pra mim assim, mas acho que não estava realmente pronto pra tudo isso de uma vez. Desculpa.
- Se você ficar falando de cinco em cinco minutos que eu sou linda, vou morrer de vergonha e começar a rir, daí você vai ver a risadinha dando o ar da graça durante seu treino todo. - As bochechas de null arderam e ela mesma tentava controlar um pouco da risada que começava a insistir em surgir.
Mas ela colocava a culpa de tudo aquilo em null.
- Antes eu falar que você é linda do que fazer pouco caso. - Ele comentou analiticamente, apontando para ela com o lápis novamente enquanto observava por cima do sketchbook. - E você controla a risadinha. Fique séria.
- Tô tentando, mon amour. - Claro, null não conseguia ficar sem brincar um pouco com ele também, fazendo null dar um breve sorriso.
Novamente, null fechou os olhos e respirou fundo, tentando não começar a rir de nervoso descontroladamente que nem quando tinham começado a praticar naquele dia. null ficou feliz consigo mesmo que poderia apreciá-la o tempo que quisesse: a maneira como a expressão dela estava calma e confortável com a luz da tarde batendo nas bochechas, os lábios levemente entreabertos, avermelhados como se pintados de aquarela. Os cabelos emolduravam o rosto e o corpo como nuvens, a pele brilhando levemente no dourado da tarde. Os ombros dela finalmente tinham relaxado, as pernas e braços desprovidos de tensão, os dedos delicados se movendo vez ou outra contra o ar ligeiramente gélido. Ela estava levemente corada, abrindo os olhos e fixando-os em null como duas pedras preciosas refletindo a luz de estrelas.
Se null era apaixonado por null? Perdidamente.
Ele tentava não pesar muito a mão enquanto fazia os traços de grafite - ou poderia manchar demais quando quisesse usar cores claras para pintar alguns cantos do desenho. Não sabia exatamente qual paleta usaria, mas não queria se limitar por errar com traços muito grossos e rudes em um desenho que queria que fosse somente cor e delicadeza.
null gostava de observar como null era gentil com o grafite contra o papel. Como antes, observava-o com calma, sem pressa em apreciar cada movimento do namorado ao desenhá-la. Os olhos dele eram atentos e alternavam dela para o papel. Uma das mãos segurava o sketchbook com força para mantê-lo no lugar enquanto a outra era delicada e deslizava com proficiência, muitas vezes lentamente, em longos traços contínuos - algo que era meio que marca registrada de null quando desenhava. Diferente de null que fazia vários riscos até montar uma linha, ele conseguia manter a mão estável e contínua para cada traço que queria construir. E, quando queria usar cores, era extremamente delicado - como naquele dia.
null desceu o lápis pela boca dela, delineando da melhor maneira que conseguia. Queria capturar as estrelas nos olhos de null, o rosto pintado em aquarela naquela tarde parisiense. Desenhar os cabelos era como traçar delicadas penas, macias e brilhantes, descendo pelo pescoço e levando o lápis grafite até o colo e os seios da moça. Enquanto traçava delicadamente o formato arredondado, null sentia as bochechas corando levemente - escondendo-se atrás do sketchbook instintivamente para que ela não pudesse vê-lo. Era besta até corar daquela maneira àquela altura do relacionamento deles, mas lá estava ele.
Descendo o grafite pela barriga, null delineou a cintura em um longo traço que foi além dos quadris, iniciando uma das coxas. Voltando para cima, ele se concentrou nos detalhes da barriga, começando a trabalhar nos quadris e, consequentemente, na virilha. Sem perceber, null mordeu o próprio lábio de leve, franzindo um pouco as sobrancelhas enquanto descia a mão em traços delicados do interior das coxas de null.
- Olha só quem está começando a ficar com vergonha.
Ela tinha que comentar.
null quase desmontou no exato momento em risadas e bochechas coradas, parando de desenhar e apoiando o sketchbook no colo, escondendo o rosto com uma das mãos apoiada na testa. A própria null não conseguiu deixar de rir da reação do namorado.
- Eu sabia que você tinha percebido...! - A voz dele era agourenta, apesar de estar se dissolvendo em risadas envergonhadas, sem conseguir tirar a mão do rosto e tentando manter o pouco de compostura que lhe restava.
- Não fica assim! Eu também fiquei quando tava te desenhando, lembra? - null ria, tentando não sair da pose que eles tinham pensado tão cuidadosamente. - Eu fico até feliz que você esteja todo desconcertado assim, viu...?
- Não tá achando que não tô sendo profissional...? - null apoiou o cotovelo na poltrona, olhando para ela por entre os dedos.
- Ah, assim, com certeza grandes pintores que nem o Van Gogh não ficavam assim. Mas posso te dar um desconto. - Ela brincou, sabendo que obteria algum tipo de reação de null.
E realmente obteve, pois o namorado imediatamente tirou a mão do rosto e parecia indignado.
- Pois bem, Van Gogh pintava paisagens. - Apesar de parecer incomodado, null tinha um sorriso no rosto, claramente entrando na brincadeira com ela. - Paisagens. Quero ver o que os grandes pintores fariam pintando suas amadas nuas no próprio apartamento!
null tentava conter o sorriso orgulhoso que surgia nos lábios, mal notando as leves lágrimas que surgiam em torno dos olhos. Não conseguia evitar o sentimento de puro amor que surgia quando null falava dela daquela maneira em momentos impensados e instintivos.
- Que foi? - E claro, ele percebera a reação dela, voltando a se apoiar na poltrona para continuar o desenho, tentando achar uma posição confortável.
- “Suas amadas”. - Ela comentou, finalmente deixando de lutar contra o sorriso. - É assim que você me descreveria para alguém que casualmente visse seus desenhos?
- Primeiro que eu evitaria ao máximo alguém desavisado encontrar os seus desenhos no meu sketchbook. - Ele respondeu incomodado, ajeitando-se novamente na poltrona enquanto torcia o nariz. - Não acho que você ficaria confortável com isso e não tenho pretensão nenhuma de sair te panfletando pelada por aí. Sei lá. Isso aqui... É nosso, né?
E, novamente, aquele sentimento de orgulho se acendeu no peito de null. Ela ficava tão feliz de ouvir aquilo de null. Como sempre, ele a entendia perfeitamente e não cruzava nenhuma das barreiras que ela mesma tinha estabelecido - de privacidade, de conforto, de direito sobre o próprio corpo. E, se aquilo não falasse algo muito importante sobre a relação deles, null não sabia o que falaria.
- Segundo: sim. Eu geralmente me refiro a você como “minha amada”. Pode parecer brega e fora de época, mas acho que “namorada” é uma palavra muito infantil pro nível do nosso relacionamento. - Com isso, ele ficou alguns segundos em silêncio, enquanto focava nos detalhes dos dedos de null. Sempre adorava como as mãos dele pareciam grandes demais perto das dela. - “Namorada” às vezes me parece adolescente demais... Jovem demais pra gente, sabe? Não que sejamos um casal de velhos, mas... Não sei... Não acho que o nosso relacionamento seja tão casual assim... Entende?
- Entendo. - null suspirou, fechando os olhos. Era em momentos assim que ela mesma se perguntava “o que eu fiz para chegar até aqui com essa vida ótima que tenho agora?” - É um limbo estranho entre namorar e casar.
- Exato. Exatamente isso. - Ele concordou de maneira entusiasmada com a cabeça, antes de distanciar o sketchbook dos olhos e observar algumas vezes entre o papel e null, alternando o olhar rapidamente de um para o outro e voltando a apoiar o caderno nas pernas para ajustar os últimos detalhes. - Não tão casual, mas ainda não tão oficial.
- Eu entendo. - E, com isso, ela deu uma breve risada, abrindo os olhos novamente e encontrando o olhar curioso de null antes que ele voltasse a atenção para o papel. - Acho que é por isso que estamos tanto tempo juntos. A gente se entende.
- Hmmm, também acho. - Ele confirmou com a cabeça, atentamente ajustando a cintura dela no sketchbook. Após terminar, novamente comparou null com o desenho e deu um pequeno sorriso. - Pronta para ser colorida?
- Prontíssima, mon grand artiste. Quero ver depois o resultado de todas as suas observações hoje. - Ela suspirou, espreguiçando-se levemente. Agora que null terminara o rascunho, null não tinha que se preocupar muito em manter a posição.
Afinal, quando estavam pintando, geralmente acabavam ignorando os pontos de luz, principalmente em exercícios pessoais como naquele dia.
- Se não fosse você que tivesse me ensinado a usar sentimento ao invés de paleta de cor, eu teria gastado pelo menos umas boas três horas só pra definir as cores. - Ele brincou enquanto observava a procissão de lápis de cor em cima da mesa ao lado da poltrona, tentando escolher qual usaria de base.
- Hmmm. Os professores sempre esquecem de ensinar que a arte tem que vir da alma, não da razão. - Ela respondeu casualmente, observando o teto enquanto null continuava na missão de escolher a cor ideal para começar.
Ele adorava quando ela falava aquele tipo de coisa. Poderia estar sempre sério e agindo de maneira casual ao ouvir aqueles comentários, mas sabia o quanto null era especial - principalmente na vida dele. Afinal, ele realmente aprendera tudo de maneira lógica e técnica, observando grandes artistas e emulando o que havia aprendido para achar o próprio estilo. Porém fora com ela que encontrara a sua maneira de se expressar no mundo, de usar as cores, de falar com sinceridade da alma por meio da arte.
- O que você está fazendo?
Dessa vez fora null quem surgira como um espectro por trás de null enquanto ele desenhava. O homem quase derrubara todos os lápis de cor no fundo do rio Sena - e seria culpa exclusiva dela.
- Decidindo a paleta de cores que vou usar. - Ele comentou de volta, suspirando. Não daria uma bronca nela. Ele fizera aquilo com a moça o suficiente para umas duas vidas.
- E por que você faria isso? - null franziu as sobrancelhas, sentando-se ao lado dele claramente confusa.
E foi a vez de null olhar para ela confuso. Como assim “por que você faria isso”? Será que ela nunca tinha estudado teoria de cores e formação de paletas? Ela tinha e ele tinha certeza, pois aquilo era matéria que eles reviam toda hora na Universidade e SEMPRE havia alguém reclamando da formação de paleta de alguma arte.
- Para saber quais cores eu vou usar durante a pintura...? - Ele ergueu uma sobrancelha, falando lentamente, tentando entender se ela estava brincando com ele ou falando sério.
- Sim, sim, mas por que você vai fazer isso pra treinar? Você já pintou sem paletas?
- Já, mas faz muito tempo. Quando comecei a estudar arte, só usei paletas e teoria de cor. - E null pendeu a cabeça para o lado quando null parecia COMPLETAMENTE ofendida. - O que foi?
- O que foi? Essa galera técnica resolveu matar a sua alma na arte e você tá aí de boas? - Ela ergueu uma sobrancelha, colocando as mãos na cintura. - null, a arte não vem daqui. - null apontou para a cabeça dele ao dizer isso. - A arte vem daqui. - E com isso, ela colocou a mão sobre o coração dele.
null ficou observando null durante um tempo, sem saber muito o que fazer. Era a primeira vez que eles tinham um pouco mais de intimidade daquela maneira, principalmente em um lugar completamente aberto e público, e nenhum dos dois estava acostumado.
- Hmmm... - Ele franziu as sobrancelhas, enquanto ela recolhia a mão no próprio colo e esperava uma resposta de null. - Eu não... Sei muito bem como, como fazer... Hmmm... Sem as paletas? - Ele ergueu uma sobrancelha, ainda pensando enquanto falava. - Tipo, por onde eu começo? Não sei nem a cor base, nem o que fazer...
- Você vai de acordo com o que a sua alma tá te mandando fazer. - null sorriu de volta, pegando o próprio sketchbook e abrindo em uma página com um rascunho aleatório que ela estava procrastinando para pintar. Aquele, porém, parecia um bom momento. - Esse aqui... Acho que vou começar com um azul. Intermediário, talvez? Vamos testar.
- Mas e se ficar ruim? - null parecia exasperado enquanto ela começava a pintar o papel, ainda incerta se o azul ficaria bom.
- Aí eu tento outra coisa e lido com o que ficou ruim para fazer ficar bom. - null sorriu de volta para ele, piscando em seguida e escolhendo outra cor. Com rapidez, ela misturou uma cor na outra e ficou muito melhor do que null esperava: ele não teria feito aquilo se estivesse só com a paleta de cores pré definida. - Que nem certas coisas na vida. A gente não consegue mudar, mas consegue fazer ficar melhor.
- Consegue fazer ficar melhor... - Ele murmurou para si mesmo, observando os lápis de cor que já havia selecionado.
E, para a própria surpresa, pegou um rosa coral que não se encaixava nem um pouco no que tinha pensado e começou a pintar. Se ficaria bom ou ruim, ele veria depois. E null consertaria para que ficasse bom.
Com o tempo ele evoluíra e aprendera a pintar a partir do que queria ao invés do que pensara. Aprendera a “pintar de impulso” como falava, sem se prender nas milhares de teorias cromáticas que aprendera ao longo do tempo. Claro, aquelas teorias eram ótimas para criar trabalhos impecáveis - mas conseguir fazer as coisas somente “no feeling”, era completamente diferente.
Isso que o levara a começar a pintar o rosto de null com um lápis roxo quase brilhante - um tom que ele adorava e queria usar cada vez mais em suas pinturas. Aquele roxo iria bem com um rosa mais claro, que ele usou para fazer outras partes do rosto da namorada e trabalhar no volume do desenho, além do vermelho que usara para começar a introduzir sombreamento nas áreas que seriam detalhadas. Mas o laranja e o amarelo em locais específicos fizeram os olhos dela se destacar, como se estivessem brilhando - a melhor maneira de representar a força que null tinha no olhar.
- Verde.
- Huh? - Os grandes olhos pegos de supetão de null se levantaram para ela, como se acordando-o de um sonho.
- Verde esmeralda. Tenta em algum lugar, acho que vai combinar com o que você tá fazendo. - Ela sugeriu sorrindo, acomodando-se no sofá para mudar um pouco a posição e não ficar com dores nas costas.
- Hmmm... - null analisou, achando onde poderia colocar o verde. E seria uma ótima desculpa para começar a puxar um azul claro e novamente rosa para trazer o roxo de volta pelo corpo todo dela. - Boa idéia, vai dar pra puxar melhor o roxo nos quadris... Talvez por dentro das pernas...?
null olhou novamente para null, estudando as pernas dela com cuidado, imaginando as cores escorrendo pelo corpo dela. O olhar concentrado a deixou levemente desconcertada: não era sempre que ele a olhava daquela maneira.
E null não queria admitir que as vezes em que null a olhara daquele jeito foram em situações muito íntimas.
- Antes que você possa falar qualquer coisa... - Ele murmurou de maneira meio ausente, buscando os lápis de cor metodicamente organizados como ambos gostavam de deixar. - Não tá fácil pra mim também ficar te olhando desse jeito e só continuar pintando, viu?
- Ah, que bom... - null suspirou levemente aliviada, com um pouco de sarcasmo na própria voz, fazendo-o rir sem prestar atenção propriamente dita na moça.
null passou a observar o rosto de null enquanto ele se concentrava no trabalho. Conseguia ver como ele se perdia aos poucos no próprio mundo, nos próprios movimentos e na maneira como enxergava as cores ao pintar o papel. Podia ver como null se desligava vagarosamente do mundo material e focava somente naquele trabalho - para ambos, a arte era como uma terapia: tanto ele como ela conseguiam desligar todos os tipos de pensamentos para focar somente naquilo. Era como atingir a paz, mesmo que somente durante algumas horas por dia.
null se deixou levar pelo som da mina macia do lápis de cor contra o papel levemente texturizado do sketchbook de null. Ela se deixou levar pela maneira como ele movia as mãos - agora com um pouco mais de força do que antes, mas sem perder a delicadeza - como os olhos dele corriam pelo corpo dela e pelo papel com concentração, como pequenas pausas eram utilizadas para deliberações entre cores e testes em papéis a parte para saber qual tom era o melhor para o detalhe no qual ele estava trabalhando, como null inconscientemente começava a murmurar alguma música perdida que tocava na cabeça dele no momento.
Aos poucos, sem perceber, null embalou null em um sono preguiçoso de uma tarde de fim de semana, fazendo-a adormecer enquanto ele a desenhava sem pressa alguma.
E em momento nenhum null precisou se preocupar - fosse acordada ou dormindo: sabia que null não faria nada com ela, sabia que ele não se aproveitaria ou tomaria alguma atitude fora das barreiras que ela mesma havia estabelecido com ele. Aquela era a prova de que null confiava completamente nele - e a prova de que null poderia ter a confiança cega dela.
Notando que a moça tinha adormecido, null sorriu. Sabia que era uma visão rara: ter null de maneira tão vulnerável, tão exposta e, mesmo assim, depositando toda a confiança nas mãos dele. Confiança de que null jamais faria algo para machucá-la, em qualquer situação que fosse.
E ele sabia que ela não confiava fácil - e como sabia. O simples fato de null adormecer enquanto ele calmamente a pintava nua naquela tarde era o suficiente para null saber que ele era a pessoa que ela mais confiava naquele mundo. E null jamais quebraria aquela confiança.
Então ele continuou a desenhar, como tinham combinado desde o início. E cuidou para não fazer nenhum barulho que pudesse acordá-la de supetão.
null sentiu o sol batendo forte na parte do tornozelo que não estava coberta.
Mas por que ela estava coberta? Será que tinha dormido tanto assim?
Ao abrir os olhos, encontrou-se cuidadosamente envolta no próprio penhoar de seda, em uma posição mais confortável, que null provavelmente a ajudara a se recolocar. Por causa daquilo, não estava com dores nas costas ou no pescoço, os braços estavam abaixados próximos ao peito, o cabelo longe do rosto para não incomodá-la. Observando a sala e se situando novamente, encontrou null em silêncio, mexendo no próprio celular.
- Obrigada por me cobrir. - Ela comentou com a voz de quem havia tirado um bom cochilo, sorrindo para null. De tudo que o namorado poderia ter feito, ele terminara o próprio desenho e a cobrira, esperando que ela acordasse.
- Ah, bom dia de novo, dorminhoca! - Ele deu uma risada rápida. - Estava fuçando alguns sites, acho que poderíamos tentar fazer alguma receita nova hoje. O que você acha?
- Já é muito tarde...? Que horas são?
- Não se preocupa, não passou das três ainda. - Ele abaixou o celular, observando-a se sentar no sofá. O penhoar escorreu pela pele de null, acomodando-se nas coxas dela enquanto o torso todo ficava descoberto, emoldurada pelos cabelos que reluziam durante a tarde. - Você tava dormindo tão bem que não queria te acordar.
- E ainda me ajeitou e me cobriu. Você é um amor, null. - null respondeu com sinceridade, pendendo a cabeça para o lado enquanto sorria. Ele sorriu de volta, tentando não corar e deixar óbvio que sempre ficava ligeiramente desconcertado quando ela falava dele daquela maneira. - Terminou o desenho?
- Terminei! Quer ver? - No que ele perguntou, ela somente concordou com a cabeça. Pegando o sketchbook, null abandonou o celular para se sentar ao lado dela. Mostrando as folhas, abriu nos primeiros rascunhos. - Esses são os que fizemos com você de pé.
- Olha, você melhorou muito na proporção! - null observava com interesse enquanto null apoiava o sketchbook tanto nas pernas dela quanto nas dele. - Não sei o motivo de te perturbarem com os braços. Todos estão ótimos e proporcionais.
- O motivo se chama “o Reinier é um encosto”. - null respondeu com cara de paisagem, enquanto null dava uma boa risada. Ele estava correto: Reinier era realmente um encosto na vida de null. - E aqui está o colorido.
No que ele mostrou o desenho, null ficou sem palavras. Nunca tinha se enxergado tão bonita da maneira como ele a enxergava. Repleta de cores, com destaque nos olhos e na maneira como observava null enquanto ele desenhava, o desenho era definitivamente magnético - muito mais do que qualquer foto que ela pudesse tirar: null captara a essência dela, não só a imagem.
- Nossa, null... Ficou lindo. Você ficou muito bom em usar as cores. - Ela admirava, correndo os dedos pelo próprio corpo no papel brilhante e sedoso com a cera dos lápis de cor. - É tão triste que mais ninguém vai poder ver esse desenho, acho que é um dos melhores que você já fez.
- Ninguém mais precisa ver, né... - Ele deu de ombros, um sorriso um tanto sem jeito surgindo nos lábios enquanto olhava para ela. - Se você gostou, já tá bom para mim. Não fiz isso para ficar ouvindo milhões de elogios, fiz porque queria desenhar. E é uma coisa nossa no fim, não?
Dizendo isso, null repousou uma das mãos no rosto de null, tirando uma sujeira que tinha pousado na bochecha da moça enquanto ela dormia. De todas as maneiras que ele podia tocá-la, de tudo que null podia ter feito ou fazer, resolvera somente acariciar a bochecha dela com carinho. Sorrindo, null se aproximou dele, repousando os lábios nos de null.
Ele fora pego de surpresa, mas riu brevemente com a reação dela antes de ser abafado pelos lábios da moça. Acomodando-se melhor, fechou os braços em volta da namorada, deixando o sketchbook em um aparador próximo. Tentou se manter equilibrado, porém null apoiava todo o peso sobre ele, fazendo null tombar nas almofadas do sofá, com o corpo dela sobre o dele, semi coberto pelo penhoar de seda.
- Eu adorei o seu desenho, mon grand artiste. - Ela comentou ao se separar de null, rindo um pouco com o namorado enquanto ele tentava se ajustar no sofá. - Você foi mais do que profissional, definitivamente um artista de renome. Mas, se você não se importar, quero meu namorado de volta.
- Fico feliz de ouvir isso. Sobre os dois. - E, puxando-a delicadamente, null aproveitou o tempo em um beijo lento, explorando os lábios de null sem se importar com horário. Mal percebeu enquanto ela subia as mãos pelo torso dele, subindo a camiseta para tirá-la. Separando-se dele, null jogou a blusa em uma poltrona próxima, sentindo a pele quente de null contra a pele do torso dela, levemente gelada. - Hmmm, acho que a gente vai ter que atrasar o almoço um pouco mais.
- Sem problemas. - null sorriu para ele. - Cansei de ser a única andando completamente sem nada por essa casa.
- Não se preocupa, eu me junto com você em um instantinho. - null brincou, fazendo-a rir. Segurando uma das pernas de null, tomou impulso para mudar de posição e ficar em cima dela, aumentando ainda mais as risadas da namorada. - Opa...!
- É, não foi das melhores escolhas! - Ela comentou ainda entre risadas enquanto observava null tentando se desembrulhar da bagunça que virara o penhoar de seda enroscado entre as pernas dela e as dele. - Imagina só se Monet faria algo...
- Ele pintava paisagens! - null respondeu parecendo bravo, mas claramente na brincadeira junto com ela, rindo logo em seguida ainda tentando se desenroscar da seda sem causar danos no penhoar. - Paisagens, mulher! Não tinha que lidar com... Isso!
null somente ria. Não podia negar que achava uma graça quando null - normalmente tão confiante, tão imponente e sério, principalmente em sua arte - ficava completamente desembestado e desconcertado daquela maneira. Ela sempre se divertiria assistindo àquilo e somente parou de rir quando ele conseguira se desvencilhar do penhoar.
- Talvez se eu só pintar lagos, campos e flores consiga me concentrar mais, não...? - Ele perguntou enquanto ajeitava null em seus braços para que ambos ficassem confortáveis, sem tirar os olhos dela até conseguir voltar aos lábios da namorada. - Não vou ficar corando e tentando controlar todos os sentimentos que surgirem, tomando todo o cuidado para desenhar o seu corpo.
- Uhum... - Ela murmurou, aproveitando o beijo de null. Não tinha pretensões de fazê-lo ir mais rápido e sabia como ele gostava de saborear todos os momentos quando estavam juntos, ainda mais em uma tarde preguiçosa como aquela. - Mas falando sério. Você tem que saber isso, null: eu só consegui relaxar a ponto de dormir, porque você foi extremamente profissional e em nenhum momento me fez ficar desconfortável. Não acho que nenhum grande artista de paisagens poderia ter me tratado tão bem durante tudo isso como você. Mon grand artiste.
- E minha arte não teria saído tão boa se não fosse com você, null. Você precisa saber disso. - Ele voltou aos lábios dela, beijando-a vagarosamente antes de se separar para sussurrar um pequeno apelido que sabia que ficaria para sempre depois daquele dia. - Ma belle muse.
Porque se ele era o grande artista que a ensinara a confiar novamente, ela era a bela musa que o ensinara a se expressar através do coração - e tudo isso porque tinham algo muito importante um pelo outro: respeito.
Ele fizera seu habitual chá verde da manhã, colocando-o em sua fiel xícara de porcelana, para sentar ao lado da janela de seu apartamento studio e observar a cidade. Paris era realmente o melhor lugar para inspirar artistas - era lá que ele estudava, era lá que ele seguia seu caminho na arte e era lá que conhecera null.
Também estudante de arte que nem ele, a moça era conhecida por tentar de tudo um pouco. Nunca fizera um curso, uma aula que fosse na vida, antes de entrar na mesma turma que ele e impressionar quem a conhecesse com sua habilidade de simplesmente olhar as coisas e transmitir para o papel.
null não podia mentir que inicialmente sentira uma pontada de inveja dela. Ele estudara tanto, tentara tanto, esforçara-se sempre que conseguia - carregando seu sketchbook para cima e para baixo, estudando os pintores que mais admirava, sempre pedindo opiniões ao seu professor para aperfeiçoar sua técnica e ter um portfólio minimamente razoável para ser aceito em uma das Universidades de Paris.
null não fizera nada daquilo e fora aceita do mesmo jeito.
De início, ele ficava observando-a enquanto desenhava por cima dos ombros, certo de que um dia descobriria que não era ela que fazia os próprios desenhos. Mas era. “Como?!” ele se perguntava. “Qual técnica ela usa? Quais pintores ela estudou? De onde ela tirou esse traço?!” null era praticamente uma alma obscura que circundava null onde quer que a moça fosse e sempre observava cada rabisco que ela fazia.
- Chá verde. Você gosta, né? - null comentou de repente, colocando um copo de papelão em frente a null, com o chá verde fumegante. Ele levantou os olhos do sketchbook, um tanto assustado por trás dos óculos redondos de armação dourado antigo.
- Oi...? - O coração dele estava a mil. Será que ela tinha notado? Não. Provavelmente não. Provavelmente era neura da cabeça dele...
- Você tem mania de ficar perto de mim quando tô treinando, então o mínimo que posso fazer é te deixar confortável. - A moça sorriu, fazendo com que null quase caísse de cara no chão e se encolhesse de vergonha.
Sim. Ele tinha quebrado. O cérebro dera apagão total. COMO ELE PÔDE SER TÃO ÓBVIO? null JURAVA que estava sendo discreto.
- Hmmm... É que... Então... - Era isso. Ele já não era lá muito bom com palavras, agora estava estratosfericamente pior.
- Hey, relaxa. Às vezes é melhor pra gente ficar perto de quem nos sentimos confortáveis mesmo. - null deu de ombros, sentando-se ao lado de null e preparando os materiais para começar a desenhar. - Geralmente eu não gosto de desenhar perto de ninguém, mas já me acostumei com você. Meu encosto artístico pessoal.
- Ei, eu não sou encosto. - null lançou um olhar enviesado para ela, finalmente voltando a pensar normalmente. O que um insulto não fazia. - Só fiquei... Impressionado. É, acho que é a palavra certa. Impressionado com o jeito que você desenha. Queria ver, mas não queria invadir o seu espaço.
null somente lançou um olhar óbvio para ele.
- Não queria invadir TANTO assim o seu espaço. - null suspirou, derrotado. - Foi uma péssima decisão, né? Eu fui um ser humano horrível até agora, não?
- Durante um tempo sim, mas como disse, já acostumei. - null deu uma breve risada. - Agora já até acho esquisito não ter você pairando em volta de mim enquanto desenho.
- Meu Deus, eu sou uma pessoa péssima. - Ele rolou os olhos, finalmente fazendo-a rir abertamente. - Desculpe por isso. De verdade. Só não sabia o que fazer com você.
- Podia ter me chamado pra tomar um café e conversarmos sobre arte? - Ela sugeriu, desenhando enquanto conversava. - Sabe, como pessoas normais?
- Era mais decente, né? - Ele apoiou a cabeça em uma das mãos, rindo do próprio comportamento idiota.
- Bem mais. Você já foi desenhar perto do rio Sena? - Ela ergueu uma sobrancelha de volta e null negou com a cabeça. - Se não tiver onde almoçar depois das aulas, poderíamos pegar uns sanduíches e sentar lá na beirada pra desenhar um pouco e jogar conversa fora. O que acha?
- Acho uma ótima idéia. Muito melhor do que as minhas. - null sorriu de volta, empolgado com a perspectiva de desenhar com null nas margens do Sena.
Quem diria que anos depois ele estaria morando com ela, dividindo um apartamento com null no meio de Paris. Conseguiram um bom desconto em um lugar legal e tinham uma boa vista da janela da cobertura do pequeno prédio de seis andares - podiam desenhar sem ao menos sair, se quisessem. Era um lugar simples, não muito grande, mas o suficiente para acomodá-los e acomodar todo o material de pintura que quisessem.
Por isso o chão era constantemente sujo com marcas de tinta. Tinham que lembrar de lavar toda vez que o proprietário vinha checar se não estavam destruindo o apartamento e eventualmente aumentar o aluguel.
- Bom dia, null. - A voz de null ecoou de maneira melódica pela sala, chamando a atenção de null. Ela caminhava calmamente, os pés descalços na madeira manchada, o corpo coberto somente pela camisa fina que ele usara na noite anterior. Estava com o típico cabelo descabelado de quem havia acabado de acordar, mas null não podia mentir: acharia null bonita em qualquer circunstância.
- Bom dia, null. Dormiu bem? - Ele apoiou os cotovelos nos joelhos, segurando a xícara de porcelana enquanto o sketchbook jazia aberto ao seu lado, o lápis esperando que ele encontrasse alguma inspiração.
- Uhum. Dormir do seu lado sempre me deixa quentinha nesse frio terrível. - null deu um sorriso contente, preparando o próprio chá com a água quente que null deixara em uma chaleira igualmente de porcelana. Mas, diferentemente dele, a moça preparava uma caneca. - Preciso me acostumar ainda com o frio intenso que faz por aqui.
- Diz a mulher que está somente com a minha blusa logo de manhã. - Ele analisou, tomando um gole do próprio chá e fazendo-a rir. - Onde está seu roupão?
- Não sei. Procurei pelo quarto, mas estava com muito sono pra uma busca mais a fundo... - Ela suspirou de volta, pegando a caneca com o chá pronto e misturando o açúcar com um pauzinho de canela enquanto se aproximava de null. - Preciso procurar com os duendes das roupas.
- Provavelmente os mesmos que roubam somente um pé de cada par de meia. - Ele respondeu a brincadeira, rindo levemente enquanto null se sentava em frente a ele no sofá perto da grande janela da sala.
A moça se recostou no braço do sofá, esticando uma das pernas até que o pé ligeiramente gélido encontrasse o de null. Ele usou os próprios pés para esquentar os de null, enquanto ela corria os próprios pelos tornozelos e batatas das pernas de null, distraidamente apreciando a chuva do lado de fora.
Ambos passaram em silêncio alguns momentos de contemplação naquela manhã preguiçosa. Não tinham horário, não tinham obrigações imediatas. Gostavam de simplesmente sentar e apreciar a companhia um do outro - quase como se suas almas pudessem conversar em silêncio entre si, sem precisar do barulho constante de palavras.
Até null finalmente suspirar e segurar o lápis com uma expressão não muito animada. null o observou como se perguntasse o que estava errado.
- Preciso treinar um pouco de anatomia... - Ele ergueu uma sobrancelha, jogando a cabeça para trás em seguida. - Eu te juro que se mais alguém comentar que os braços ou olhos estão desproporcionais nos meus desenhos, jogo uma cadeira em cima da pessoa.
- Justo. Eu bato neles com meu cavalete de pintura a óleo. - null concordou na hora, sem expressão alguma, fazendo null rir imediatamente. - Ninguém poderá nos parar.
- Olha que um cavalete é um ótimo instrumento pra bater em alguém. Aquele desgraçado do Reinier precisa de uma boa surra. - Ele balançou a cabeça, ainda rindo, porém parecendo desconfortável. Reinier era o desafeto pessoal de null na Universidade: simplesmente não o deixava em paz e queria achar TODOS os defeitos do mundo nos desenhos de null.
Não que ele se importasse com feedback - muito pelo contrário, era assim que os artistas cresciam e se desenvolviam. Mas o que Reinier fazia era bullying, não uma crítica construtiva. E, depois que o relacionamento de null e null ficou mais sério e se provou sólido ao longo dos anos, Reinier ficou cada vez pior, arranjando todas as maneiras do mundo para espezinhar a vida de null.
- Então preciso treinar mais anatomia. Pro meu próximo exercício em aula ser nada mais que perfeito e aquele zé ruela não poder me perturbar. - Ele deu uma risada rápida, fazendo null sorrir. Ela adorava o fato que null pegara a mania dela de xingar todo mundo de “zé ruela”.
- Como você vai fazer? Fotos no Pinterest? - Ela ergueu uma sobrancelha, tomando um gole rápido de chá. - Eu tenho uma pasta cheia de referências, se você quiser. Pode dar uma olhada e fazer as que preferir.
- É, pensei em fazer algo assim... - null suspirou, rabiscando sem vontade no papel. Não estava com motivação para ficar olhando várias fotos e copiando automaticamente. Queria fazer algo menos mecânico e mais livre naquele dia. Mas estava completamente sem inspiração. - Ou eu podia te usar de modelo vivo também.
- Quando você quiser. - null deu de ombros, esticando-se mais no sofá. - O tanto que eu já te usei de modelo vivo pra praticar também. Sempre é bom.
- Você já me usou muitas vezes e até sem roupa. - Ele lançou um olhar engraçado para ela, fazendo-a corar levemente e parecer um pouco envergonhada. - As únicas vezes que te desenhei, foram quando você estava distraída em algum lugar.
- Na minha defesa, foi muito mais fácil estudar os grupos de músculos podendo te encarar de perto e de todos os ângulos possíveis. - null respondeu de maneira analítica e null semi cerrou os olhos, com um sorriso positivamente ameaçador e divertido nos lábios.
- Ah, não vem com esse ar de “artista analítica sem segundas intenções” pra cima de mim, não! - Ele deixou a xícara no parapeito da janela, aproximando-se de null pelo sofá como um leão se aproxima de uma presa, fazendo-a lutar para segurar o riso. - Você gostou bastante de estudar os grupos de músculos...!
- Você não pode falar que não fui profissional! - Ela se defendeu, deixando a própria caneca no parapeito da janela antes que null estivesse praticamente em cima de seu corpo. - Além de que você se ofereceu de modelo vivo enquanto eu estava estudando.
- Claro. Muito melhor estudar comigo do que com uma foto de um ilustre desconhecido no Pinterest. - null dissera como se fosse óbvio, fingindo até estar ofendido. Em seguida, sorriu para ela. - Eu sei que você tem vergonha. Mas não precisa ter vergonha de mim, né? Quantas vezes eu já te vi sem roupa?
- Diversas vezes, em outras circunstâncias. - null suspirou levemente, contente que null conhecia as limitações dela. A moça morria de medo de ter uma crise de consciência no meio do caminho e se cobrir toda, arruinando todo o estudo dele. - Nunca com você estritamente me observando enquanto eu estou lá, sendo...
- Linda? - E ele deu um beijo rápido nela. - Maravilhosa? - Mais um beijo. - Como uma deusa grega? - E outro beijo. - Ou melhor, como “uma das minhas garotas francesas”? - E a risada que ela dera com a referência a um dos momentos favoritos de ambos em Titanic fora abafada para um beijo mais demorado e calmo da parte de null. null subiu uma das mãos para afagar os cabelos sedosos do namorado, uma de suas coisas preferidas de fazer.
- Se eu tiver uma crise de consciência no meio do caminho...
- Fica à vontade pra fazer o que quiser, null. Você sabe que eu nunca vou te forçar a nada. - Ele tirou alguns cabelos rebeldes do rosto dela, em seguida acariciando a bochecha da moça. - É o que você disse. Você sempre foi estritamente profissional comigo e nunca me deixou desconfortável. Todos os exercícios de anatomia que fizemos juntos sempre foram agradáveis para mim e nunca quis sair correndo, porque você me fez ficar seguro. E é isso que vou fazer com você, se você quiser. Se não quiser, eu posso treinar com fotos aleatórias do Pinterest, sem problemas.
Sem problemas. Era a frase clássica de null para todas as inseguranças dela: ele nunca cobrava posições de null, sempre dava uma gama de opções para a moça e “o que quer que você escolha, não vou ficar incomodado, sem problemas, null”. Ela apreciava tanto aquilo que sempre sorria um pouco quando null falava “sem problemas”, de sua maneira casual para os mais conflitantes assuntos.
- Ok, a gente pode tentar. - null respondeu com um beijo rápido nos lábios do namorado. null sorriu, mais contente por ela depositar a confiança nele do que pelo estudo que tinha que fazer. - Não vamos almoçar cedo hoje, né?
- Podemos almoçar só quando bater a fome mesmo. Sem problemas.
O próprio null não queria admitir que estava nervoso.
Com as palmas das mãos suando, ele não parava de andar de um lado para o outro na sala do apartamento enquanto esperava null terminar de se arrumar no quarto. Ele arrumou as almofadas, os materiais de desenho, a luz, fechou as cortinas para que ninguém além dele conseguisse vê-la e null ficasse à vontade... null checou aquela sala trezentas vezes - e checaria mais um milhão se fosse preciso.
- Você parece nervoso, monsieur grand artiste. - null comentou com uma breve risada enquanto null virava em um susto, quase derrubando todos os lápis no chão, incluindo os de cor.
- Um pouco. - Ele admitiu com um sorriso levemente encabulado, mas positivamente lindo de se admirar. null teria apreciado se ele não estivesse tão confuso com os lápis de cor. - Achou o seu penhoar, huh?
- Achei. As forças do Universo estão ao nosso favor hoje. - Ela se aproximou do namorado, segurando as mãos de null para que ele finalmente parasse. - Se você derrubar esses lápis no chão, vai quebrar todas as minas e nunca mais vamos conseguir apontar algum sem quebrar a ponta a cada cinco segundos.
- Eu sei. Desculpa. - null fechou os olhos e riu nervosamente por alguns segundos. - Eu não quero que você se preocupe. Ou fique desconfortável.
- Acho muito difícil ficar desconfortável com você. - null sorriu de volta, acariciando as mãos dele. Aos poucos, as bochechas dela foram corando. - Então... O que você quer que eu faça?
- Fica à vontade. Quer sentar? Deitar? Ficar em pé? Eu arrumei o sofá. - Ele falava mais rápido que o necessário, fazendo-a rir, apontando os lugares.
- Quem tá precisando treinar é você, mon artiste! - Ela respondeu com uma risada, enquanto null corava. - O que você quer treinar? Mais detalhado, mais rápido...? Se for demorado, acho bom ficar meio deitada ou algo do gênero.
- Hmmm... É bom que você comentou... Quer começar com rascunhos de uns cinco minutos cada? Só pra eu pegar proporção e forma? - null pegou os materiais, estudando as páginas do próprio sketchbook. - Aí podemos fazer com você de pé e quando eu quiser ir pro mais detalhado usando os lápis de cor, acho que pode deitar no sofá perto da janela, a luz é melhor.
- Ok, pode ser! Aí eu não canso tanto.
E nisso, a sala caiu em silêncio.
null ficou observando-a enquanto null olhava o sketchbook dele como se nada estivesse acontecendo.
Após alguns segundos, os olhos de null encontraram os de null e ele começou a sorrir gentilmente.
- Sabe... Você tem que tirar o penhoar pra funcionar. - No que ele falou, as bochechas dela coraram imediatamente, fazendo null rir ao mesmo tempo. - Se você não quiser, sem problemas! Eu posso...
- Não, tudo bem, tudo bem! - Ela riu de volta, distanciando-se dele e casualmente desamarrando o penhoar. - É bom você me direcionar, monsieur grand artiste. Estou acostumada a desenhar, não a modelar.
- Ok, ok, não se preocupa. - null riu, sentando-se distraidamente em uma poltrona ao lado da mesa na qual preparara todos os materiais de desenho.
Mal percebeu quando a seda deslizou dos ombros de null e atingiu o chão, em volta dos pés dela. A moça finalmente sentiu o ar levemente gélido atingir a pele e podia dizer com certeza que era definitivamente estranho ficar tão... Exposta.
Ele já a tinha visto nua, várias vezes, mas não em circunstâncias tão óbvias. Lá estava ela, exatamente como veio ao mundo, olhando para null sem saber o que fazer com as próprias mãos - e com o corpo todo, na realidade.
E ele finalmente olhou para ela.
- Ah, uau... - null parou alguns segundos para encará-la, fazendo-a corar mais ainda. - Desculpa. Mas você é muito linda. De verdade. Muito mesmo.
- Nada como um artista galanteador em plena Paris, não...? - null perguntou de volta, um tanto sem jeito, fazendo-o dar uma breve risada e relaxar um pouco. Mesmo assim, os ombros de null estavam definitivamente tensos. - Obrigada, null. Muito obrigada.
- Imagina, você é mesmo. Hmmm... Fica à vontade, viu? - Com isso, ele pegou o sketchbook e, apoiando-o nas pernas, escolheu um de seus lápis grafite favoritos para começar a trabalhar nos desenhos do dia. - Preciso treinar poses, proporções, ângulos... Você sabe.
- Sei. Sei sim. - null suspirou, andando até uma das bancadas da cozinha e, de costas para a mesma, apoiou os cotovelos casualmente, com os cabelos cascateando sobre os seios e descansando o peso em uma das pernas. - Está bom assim pra primeira?
- Claro, claro! Sim, tá ótimo... Você tá sempre bem, linda. - Ele piscou para ela, fazendo-a corar feito um pimentão imediatamente.
null se sentia completamente exposta e realmente não sabia o que fazer. Estava tentando se manter séria e calma, mas a cada segundo crescia a vontade de começar a rir escandalosamente. E null percebeu quando um sorriso começou a crescer nos lábios da namorada, por mais que ele estivesse concentrado em delinear as formas dos braços dela, trabalhando nos pulsos e descendo pelos dedos delicados.
Na verdade, null planejara não falar nada. Sabia que ela tinha a tendência a rir de nervoso - o que podia ser muito assustador dependendo da situação - e não queria perturbá-la.
Bom. Não muito.
- Olha só essa risadinha aparecendo aí... - Ele não resistiu. Tinha que falar aquilo. Tinha que brincar com ela pelo menos um pouquinho.
- Ah, null! - null deu um tapa na mesa, jogando a cabeça para trás e começando a rir escandalosamente. Ele mesmo não conseguiu e começou a rir junto. - Eu tô tentando ser uma modelo exemplar!
- Você já é! - null também ria, sem tirar os olhos do corpo dela e alternando para o desenho. Fazia as curvas da cintura, descendo para as pernas e adicionando os detalhes que precisava de maneira orgânica. - Mas se ficar toda risadinha, não vou conseguir te desenhar direito quando for fazer o mais detalhado!
- Mas não estamos nos detalhados por enquanto! - Ela respondeu, respirando fundo e tentando parar de rir, fechando os olhos para não ter que ver o olhar atento de null no corpo dela, desenhando enquanto sorria de maneira concentrada. - Posso rir pelo menos um pouco.
- Um pouquinho. - null ergueu uma sobrancelha e apontou para ela com o lápis. - Não vai virar um saquinho de risada. Lembra quando você me desenhou a primeira vez?
- Você fica estranhamente confortável andando pelado pela casa. - Foi a vez de null ficar indignada com o comentário dele, fazendo null dar boas gargalhadas. - Nunca vi. Você simplesmente tirou a roupa e ficou de boa enquanto eu olhava cada canto do seu corpo.
- Na minha defesa, eu tava surtando por dentro. Mas não queria que você se sentisse mal por me usar como objeto de estudo. - Com isso, null parou de desenhar e começou a alongar os dedos. - Pode mudar de posição, terminei esse.
- Ok... - Pensando um pouco, null se desapoiou da bancada e virou de lado, torcendo um pouco o torso para que estivesse levemente de costas para ele, a cabeça virada para o namorado. Como sempre fazia quando estava posando, levou as mãos para perto do rosto, uma pose que lembrava muito a graciosidade do ballet. null sorriu abertamente em admiração.
- Perfeito. Fica nessa. - E imediatamente começou a desenhar.
- Se você tava desconfortável, devia ter me avisado. - null suspirou, trazendo de volta o assunto. Ele franziu as sobrancelhas.
- Não, tudo bem. Era só uma questão de me soltar mesmo. - E, em seguida, null deu de ombros. - Meu coração tava a mil por hora. Fiquei pensando que você ia ver todos os meus defeitos, mas com o tempo acabei ficando mais calmo, sabe? Afinal, era você. Tava tudo bem.
- Acho que é isso mesmo. - null deu um sorriso carinhoso. - É você, né? Eventualmente meu coração vai parar de disparar e eu vou parar de sentir que tá pra pular da minha boca.
- Vai, não se preocupa, vai sim. - Ele espelhou o sorriso dela. - E quando você se acalmar, vai ser extremamente de boa. Afinal, não é como se eu não conhecesse bem essa bunda maravilhosa, né?
- null! - null arregalou os olhos, praticamente gritando o nome dele e querendo se enfiar debaixo da mesa, se fosse possível. Ele, por outro lado, desatava em risadas. - “Como ser um artista e namorado sem noção”, você deveria escrever um livro!
- Ah, vai, não é como se você não tivesse achado engraçado! E sabe que eu tenho razão! - Ele apontou novamente com o lápis, fazendo-a rir mais ainda.
Ele tinha razão, sim. E, estranhamente, aquilo a fez se sentir um pouco mais confortável. null notou que, vagarosamente, o coração dela parava de disparar, voltando para a frequência normal, enquanto null desenhava de maneira concentrada e calma.
Era incrível, para falar a verdade.
Com alguns minutos naquela pose - e no silêncio após tantas risadas entre bons assuntos - null encontrou-se observando null trabalhar. Não que nunca tivesse feito aquilo antes, mas agora tinha todo o tempo do mundo para ver como ele trabalhava em suas artes.
Mas, quando ela já estava começando a admirar demais, ele parou.
- Ok, mais um terminado. Acho que dá pra fazer mais um rápido e depois podemos passar pros desenhos mais detalhados? - Ele ergueu os olhos para ela, em expectativa, o lápis abandonado no colo.
- Você quem manda, grand artiste. Estou aqui somente como uma musa hoje. - null falou com um ar sábio, fazendo-o dar uma rápida risada.
- A mais bela das musas. - Ele ergueu o grafite novamente, apontando uma cadeira com o mesmo. - Pode se apoiar lá? Acho que vai dar um bom estudo.
- Hmmm... Assim? - null ficou em pé ao lado da cadeira, apoiando um dos joelhos no assento da mesma e segurando as costas da cadeira com uma das mãos. Pendeu a cabeça para o lado, o cabelo reluzindo na luz daquele dia preguiçoso. null sorriu inconscientemente.
- Uhum. Tá linda, assim. - A fala dele foi meio automática e ausente até. null sorriu discretamente, observando enquanto ele começava a entrar no próprio mundo artístico, o tempo passando como se não existisse realmente.
Pela primeira vez naquele dia, null começava a sentir o próprio coração batendo um pouco mais forte. Será que ela se sentira assim quando o desenhara? null era boa em esconder os próprios sentimentos, principalmente amorosos - e null era tão bom quanto ela. Mas não esperava que fosse sentir a respiração alterando, mesmo que um pouco, ao delinear os seios dela e observar com calma.
Franzindo um pouco as sobrancelhas, null continuou o desenho, descendo rapidamente para as curvas da cintura e sombras da barriga. Queria tirar a cabeça de qualquer sentimento diferente que tivesse tido ao desenhar o corpo dela - por mais que se sentisse atraído por null e a achasse maravilhosa, não queria que ela se sentisse desconfortável por algum comentário ou reação que não fosse estritamente “profissional” do ponto de vista artístico.
Foi somente naquele momento que null notara a situação na qual ele tinha se enfiado.
- Tudo bem por aí? - A voz de null ecoou de repente e ele achava que ia morrer engasgado na própria saliva que nem null tinha notado que estava na boca.
- Oi...? - Ele deu uma breve tossida, olhando para ela de um jeito engraçado, tentando ficar o mais profissional que conseguia. null começou a rir e null não tinha idéia se ela tinha notado algo ou não. - Desculpa. Distraí demais desenhando. Oi?
- Tá tudo bem, null? - Ela repetiu devagar, a expressão compreensiva.
Aparentemente, não tinha percebido nada.
Aparentemente. Aquela mulher era extremamente sagaz, null sabia daquilo.
- Ah, sim, tudo bem. Eu errei uma proporção, seu braço ficou longo demais. - Nisso, ele suspirou, apagando algo que estava com a proporção correta. Mas ela não sabia daquilo. - Aí tentei consertar e ficou bem pior. Só mais um pouquinho, tá?
- Tudo bem. - null sorriu de volta e null só suspirou novamente.
Lá ia ele redesenhar algo que estava perfeitamente bem só porque inventou alguma desculpa esfarrapada para não admitir que de repente começou a ficar atraído pela própria namorada em um exercício de desenho da figura humana.
- Viu só? - Ele começou a puxar assunto novamente, quando estava terminando a mão dela pela segunda vez. Talvez se conversassem, não fosse tão ruim assim. - Acho que você já deu uma boa relaxada. Seus ombros não parecem tão tensos.
- É o que você faz comigo. - null deu um sorriso calmo, fazendo null sorrir de volta.
Mal sabia null que ela também o acalmava.
- Bom, vamos pra segunda parte então? - null perguntou decididamente, espreguiçando-se um pouco na poltrona e começando a aquecer novamente os dedos, pulsos e estalar o pescoço. Sempre era preciso se alongar. - Queria fazer um mais detalhado, com cor e tudo mais.
- Ah, eu adoro o jeito que você usa as cores! - null sorriu de volta, indo até o sofá próximo à janela em que estavam sentados antes, agora com as cortinas fechadas. - Aqui tá bom? Você quer que eu sente? Ou que eu deite...?
- Talvez meio deitada? - Ele respondeu incerto. - Não sei. Vê o que é mais confortável para você, aí vamos ajustando a pose.
- Tá... - null suspirou, deitando-se de lado no sofá, de frente para ele. Uma das mãos ficou próxima do rosto, mas ela não tinha idéia do que fazer com o outro braço. Na realidade, ela não tinha idéia do que fazer com ela mesma inteira. A sorte é que null estava lá e levava aquilo tão a sério quanto null. - Hmmm... Talvez se você me passar aquela almofada...?
- Você pode ficar meio deitada. - Ele repetiu, levando a almofada até ela e ajudando a ajustar nas costas da namorada, erguendo-a um pouco. - Assim. Gosto de quando você coloca as mãos próximas do rosto, talvez assim...?
Nisso, as mãos de null seguraram cuidadosamente as delicadas mãos de null, ajudando-a a encontrar a melhor posição para que ele pudesse desenhar. Sorriram um para o outro, sem trocar palavras, enquanto null ajudava a ajeitar os cabelos dela em torno do rosto e sobre o colo - ele simplesmente amava o cabelo da namorada. Descansando uma das mãos na cintura dela, observou-a novamente.
- Confortável?
- Confortável, grand artiste. Obrigada pela ajuda. - Ela confirmou de leve com a cabeça, no que null deu um beijo na testa de null antes de se levantar e se acomodar em sua poltrona novamente.
E, quando olhou para ela, achou que o coração ia disparar pelo peito, sair pela boca e ele não teria condição alguma de permanecer tão profissional quando aquela musa maravilhosa estava lá de maneira tão bela, posando para ele, em um início de tarde preguiçoso de fim de semana em Paris.
Um dos raros momentos em que null pensava “como é que eu fui tão abençoado para ter uma vida assim, ó Universo?”
Podia parecer exagerado - e provavelmente era. Mas não era como se ele conseguisse controlar de imediato tudo que sentia.
- Ficou bom assim? - null instintivamente pendeu a cabeça um pouco para o lado, tentando entender o motivo de null estar parado somente observando, como se algo estivesse errado. - A iluminação tá boa? Qualquer coisa posso trocar...
- Não, tá ótimo. Tá ótimo. - Ele balançou a cabeça, finalmente acordando dos devaneios e começando a rabiscar o formato básico com linhas finas e claras em seu sketchbook. - É que já disse. Você é muito linda. Eu já tinha pensado em te pedir pra posar pra mim assim, mas acho que não estava realmente pronto pra tudo isso de uma vez. Desculpa.
- Se você ficar falando de cinco em cinco minutos que eu sou linda, vou morrer de vergonha e começar a rir, daí você vai ver a risadinha dando o ar da graça durante seu treino todo. - As bochechas de null arderam e ela mesma tentava controlar um pouco da risada que começava a insistir em surgir.
Mas ela colocava a culpa de tudo aquilo em null.
- Antes eu falar que você é linda do que fazer pouco caso. - Ele comentou analiticamente, apontando para ela com o lápis novamente enquanto observava por cima do sketchbook. - E você controla a risadinha. Fique séria.
- Tô tentando, mon amour. - Claro, null não conseguia ficar sem brincar um pouco com ele também, fazendo null dar um breve sorriso.
Novamente, null fechou os olhos e respirou fundo, tentando não começar a rir de nervoso descontroladamente que nem quando tinham começado a praticar naquele dia. null ficou feliz consigo mesmo que poderia apreciá-la o tempo que quisesse: a maneira como a expressão dela estava calma e confortável com a luz da tarde batendo nas bochechas, os lábios levemente entreabertos, avermelhados como se pintados de aquarela. Os cabelos emolduravam o rosto e o corpo como nuvens, a pele brilhando levemente no dourado da tarde. Os ombros dela finalmente tinham relaxado, as pernas e braços desprovidos de tensão, os dedos delicados se movendo vez ou outra contra o ar ligeiramente gélido. Ela estava levemente corada, abrindo os olhos e fixando-os em null como duas pedras preciosas refletindo a luz de estrelas.
Se null era apaixonado por null? Perdidamente.
Ele tentava não pesar muito a mão enquanto fazia os traços de grafite - ou poderia manchar demais quando quisesse usar cores claras para pintar alguns cantos do desenho. Não sabia exatamente qual paleta usaria, mas não queria se limitar por errar com traços muito grossos e rudes em um desenho que queria que fosse somente cor e delicadeza.
null gostava de observar como null era gentil com o grafite contra o papel. Como antes, observava-o com calma, sem pressa em apreciar cada movimento do namorado ao desenhá-la. Os olhos dele eram atentos e alternavam dela para o papel. Uma das mãos segurava o sketchbook com força para mantê-lo no lugar enquanto a outra era delicada e deslizava com proficiência, muitas vezes lentamente, em longos traços contínuos - algo que era meio que marca registrada de null quando desenhava. Diferente de null que fazia vários riscos até montar uma linha, ele conseguia manter a mão estável e contínua para cada traço que queria construir. E, quando queria usar cores, era extremamente delicado - como naquele dia.
null desceu o lápis pela boca dela, delineando da melhor maneira que conseguia. Queria capturar as estrelas nos olhos de null, o rosto pintado em aquarela naquela tarde parisiense. Desenhar os cabelos era como traçar delicadas penas, macias e brilhantes, descendo pelo pescoço e levando o lápis grafite até o colo e os seios da moça. Enquanto traçava delicadamente o formato arredondado, null sentia as bochechas corando levemente - escondendo-se atrás do sketchbook instintivamente para que ela não pudesse vê-lo. Era besta até corar daquela maneira àquela altura do relacionamento deles, mas lá estava ele.
Descendo o grafite pela barriga, null delineou a cintura em um longo traço que foi além dos quadris, iniciando uma das coxas. Voltando para cima, ele se concentrou nos detalhes da barriga, começando a trabalhar nos quadris e, consequentemente, na virilha. Sem perceber, null mordeu o próprio lábio de leve, franzindo um pouco as sobrancelhas enquanto descia a mão em traços delicados do interior das coxas de null.
- Olha só quem está começando a ficar com vergonha.
Ela tinha que comentar.
null quase desmontou no exato momento em risadas e bochechas coradas, parando de desenhar e apoiando o sketchbook no colo, escondendo o rosto com uma das mãos apoiada na testa. A própria null não conseguiu deixar de rir da reação do namorado.
- Eu sabia que você tinha percebido...! - A voz dele era agourenta, apesar de estar se dissolvendo em risadas envergonhadas, sem conseguir tirar a mão do rosto e tentando manter o pouco de compostura que lhe restava.
- Não fica assim! Eu também fiquei quando tava te desenhando, lembra? - null ria, tentando não sair da pose que eles tinham pensado tão cuidadosamente. - Eu fico até feliz que você esteja todo desconcertado assim, viu...?
- Não tá achando que não tô sendo profissional...? - null apoiou o cotovelo na poltrona, olhando para ela por entre os dedos.
- Ah, assim, com certeza grandes pintores que nem o Van Gogh não ficavam assim. Mas posso te dar um desconto. - Ela brincou, sabendo que obteria algum tipo de reação de null.
E realmente obteve, pois o namorado imediatamente tirou a mão do rosto e parecia indignado.
- Pois bem, Van Gogh pintava paisagens. - Apesar de parecer incomodado, null tinha um sorriso no rosto, claramente entrando na brincadeira com ela. - Paisagens. Quero ver o que os grandes pintores fariam pintando suas amadas nuas no próprio apartamento!
null tentava conter o sorriso orgulhoso que surgia nos lábios, mal notando as leves lágrimas que surgiam em torno dos olhos. Não conseguia evitar o sentimento de puro amor que surgia quando null falava dela daquela maneira em momentos impensados e instintivos.
- Que foi? - E claro, ele percebera a reação dela, voltando a se apoiar na poltrona para continuar o desenho, tentando achar uma posição confortável.
- “Suas amadas”. - Ela comentou, finalmente deixando de lutar contra o sorriso. - É assim que você me descreveria para alguém que casualmente visse seus desenhos?
- Primeiro que eu evitaria ao máximo alguém desavisado encontrar os seus desenhos no meu sketchbook. - Ele respondeu incomodado, ajeitando-se novamente na poltrona enquanto torcia o nariz. - Não acho que você ficaria confortável com isso e não tenho pretensão nenhuma de sair te panfletando pelada por aí. Sei lá. Isso aqui... É nosso, né?
E, novamente, aquele sentimento de orgulho se acendeu no peito de null. Ela ficava tão feliz de ouvir aquilo de null. Como sempre, ele a entendia perfeitamente e não cruzava nenhuma das barreiras que ela mesma tinha estabelecido - de privacidade, de conforto, de direito sobre o próprio corpo. E, se aquilo não falasse algo muito importante sobre a relação deles, null não sabia o que falaria.
- Segundo: sim. Eu geralmente me refiro a você como “minha amada”. Pode parecer brega e fora de época, mas acho que “namorada” é uma palavra muito infantil pro nível do nosso relacionamento. - Com isso, ele ficou alguns segundos em silêncio, enquanto focava nos detalhes dos dedos de null. Sempre adorava como as mãos dele pareciam grandes demais perto das dela. - “Namorada” às vezes me parece adolescente demais... Jovem demais pra gente, sabe? Não que sejamos um casal de velhos, mas... Não sei... Não acho que o nosso relacionamento seja tão casual assim... Entende?
- Entendo. - null suspirou, fechando os olhos. Era em momentos assim que ela mesma se perguntava “o que eu fiz para chegar até aqui com essa vida ótima que tenho agora?” - É um limbo estranho entre namorar e casar.
- Exato. Exatamente isso. - Ele concordou de maneira entusiasmada com a cabeça, antes de distanciar o sketchbook dos olhos e observar algumas vezes entre o papel e null, alternando o olhar rapidamente de um para o outro e voltando a apoiar o caderno nas pernas para ajustar os últimos detalhes. - Não tão casual, mas ainda não tão oficial.
- Eu entendo. - E, com isso, ela deu uma breve risada, abrindo os olhos novamente e encontrando o olhar curioso de null antes que ele voltasse a atenção para o papel. - Acho que é por isso que estamos tanto tempo juntos. A gente se entende.
- Hmmm, também acho. - Ele confirmou com a cabeça, atentamente ajustando a cintura dela no sketchbook. Após terminar, novamente comparou null com o desenho e deu um pequeno sorriso. - Pronta para ser colorida?
- Prontíssima, mon grand artiste. Quero ver depois o resultado de todas as suas observações hoje. - Ela suspirou, espreguiçando-se levemente. Agora que null terminara o rascunho, null não tinha que se preocupar muito em manter a posição.
Afinal, quando estavam pintando, geralmente acabavam ignorando os pontos de luz, principalmente em exercícios pessoais como naquele dia.
- Se não fosse você que tivesse me ensinado a usar sentimento ao invés de paleta de cor, eu teria gastado pelo menos umas boas três horas só pra definir as cores. - Ele brincou enquanto observava a procissão de lápis de cor em cima da mesa ao lado da poltrona, tentando escolher qual usaria de base.
- Hmmm. Os professores sempre esquecem de ensinar que a arte tem que vir da alma, não da razão. - Ela respondeu casualmente, observando o teto enquanto null continuava na missão de escolher a cor ideal para começar.
Ele adorava quando ela falava aquele tipo de coisa. Poderia estar sempre sério e agindo de maneira casual ao ouvir aqueles comentários, mas sabia o quanto null era especial - principalmente na vida dele. Afinal, ele realmente aprendera tudo de maneira lógica e técnica, observando grandes artistas e emulando o que havia aprendido para achar o próprio estilo. Porém fora com ela que encontrara a sua maneira de se expressar no mundo, de usar as cores, de falar com sinceridade da alma por meio da arte.
- O que você está fazendo?
Dessa vez fora null quem surgira como um espectro por trás de null enquanto ele desenhava. O homem quase derrubara todos os lápis de cor no fundo do rio Sena - e seria culpa exclusiva dela.
- Decidindo a paleta de cores que vou usar. - Ele comentou de volta, suspirando. Não daria uma bronca nela. Ele fizera aquilo com a moça o suficiente para umas duas vidas.
- E por que você faria isso? - null franziu as sobrancelhas, sentando-se ao lado dele claramente confusa.
E foi a vez de null olhar para ela confuso. Como assim “por que você faria isso”? Será que ela nunca tinha estudado teoria de cores e formação de paletas? Ela tinha e ele tinha certeza, pois aquilo era matéria que eles reviam toda hora na Universidade e SEMPRE havia alguém reclamando da formação de paleta de alguma arte.
- Para saber quais cores eu vou usar durante a pintura...? - Ele ergueu uma sobrancelha, falando lentamente, tentando entender se ela estava brincando com ele ou falando sério.
- Sim, sim, mas por que você vai fazer isso pra treinar? Você já pintou sem paletas?
- Já, mas faz muito tempo. Quando comecei a estudar arte, só usei paletas e teoria de cor. - E null pendeu a cabeça para o lado quando null parecia COMPLETAMENTE ofendida. - O que foi?
- O que foi? Essa galera técnica resolveu matar a sua alma na arte e você tá aí de boas? - Ela ergueu uma sobrancelha, colocando as mãos na cintura. - null, a arte não vem daqui. - null apontou para a cabeça dele ao dizer isso. - A arte vem daqui. - E com isso, ela colocou a mão sobre o coração dele.
null ficou observando null durante um tempo, sem saber muito o que fazer. Era a primeira vez que eles tinham um pouco mais de intimidade daquela maneira, principalmente em um lugar completamente aberto e público, e nenhum dos dois estava acostumado.
- Hmmm... - Ele franziu as sobrancelhas, enquanto ela recolhia a mão no próprio colo e esperava uma resposta de null. - Eu não... Sei muito bem como, como fazer... Hmmm... Sem as paletas? - Ele ergueu uma sobrancelha, ainda pensando enquanto falava. - Tipo, por onde eu começo? Não sei nem a cor base, nem o que fazer...
- Você vai de acordo com o que a sua alma tá te mandando fazer. - null sorriu de volta, pegando o próprio sketchbook e abrindo em uma página com um rascunho aleatório que ela estava procrastinando para pintar. Aquele, porém, parecia um bom momento. - Esse aqui... Acho que vou começar com um azul. Intermediário, talvez? Vamos testar.
- Mas e se ficar ruim? - null parecia exasperado enquanto ela começava a pintar o papel, ainda incerta se o azul ficaria bom.
- Aí eu tento outra coisa e lido com o que ficou ruim para fazer ficar bom. - null sorriu de volta para ele, piscando em seguida e escolhendo outra cor. Com rapidez, ela misturou uma cor na outra e ficou muito melhor do que null esperava: ele não teria feito aquilo se estivesse só com a paleta de cores pré definida. - Que nem certas coisas na vida. A gente não consegue mudar, mas consegue fazer ficar melhor.
- Consegue fazer ficar melhor... - Ele murmurou para si mesmo, observando os lápis de cor que já havia selecionado.
E, para a própria surpresa, pegou um rosa coral que não se encaixava nem um pouco no que tinha pensado e começou a pintar. Se ficaria bom ou ruim, ele veria depois. E null consertaria para que ficasse bom.
Com o tempo ele evoluíra e aprendera a pintar a partir do que queria ao invés do que pensara. Aprendera a “pintar de impulso” como falava, sem se prender nas milhares de teorias cromáticas que aprendera ao longo do tempo. Claro, aquelas teorias eram ótimas para criar trabalhos impecáveis - mas conseguir fazer as coisas somente “no feeling”, era completamente diferente.
Isso que o levara a começar a pintar o rosto de null com um lápis roxo quase brilhante - um tom que ele adorava e queria usar cada vez mais em suas pinturas. Aquele roxo iria bem com um rosa mais claro, que ele usou para fazer outras partes do rosto da namorada e trabalhar no volume do desenho, além do vermelho que usara para começar a introduzir sombreamento nas áreas que seriam detalhadas. Mas o laranja e o amarelo em locais específicos fizeram os olhos dela se destacar, como se estivessem brilhando - a melhor maneira de representar a força que null tinha no olhar.
- Verde.
- Huh? - Os grandes olhos pegos de supetão de null se levantaram para ela, como se acordando-o de um sonho.
- Verde esmeralda. Tenta em algum lugar, acho que vai combinar com o que você tá fazendo. - Ela sugeriu sorrindo, acomodando-se no sofá para mudar um pouco a posição e não ficar com dores nas costas.
- Hmmm... - null analisou, achando onde poderia colocar o verde. E seria uma ótima desculpa para começar a puxar um azul claro e novamente rosa para trazer o roxo de volta pelo corpo todo dela. - Boa idéia, vai dar pra puxar melhor o roxo nos quadris... Talvez por dentro das pernas...?
null olhou novamente para null, estudando as pernas dela com cuidado, imaginando as cores escorrendo pelo corpo dela. O olhar concentrado a deixou levemente desconcertada: não era sempre que ele a olhava daquela maneira.
E null não queria admitir que as vezes em que null a olhara daquele jeito foram em situações muito íntimas.
- Antes que você possa falar qualquer coisa... - Ele murmurou de maneira meio ausente, buscando os lápis de cor metodicamente organizados como ambos gostavam de deixar. - Não tá fácil pra mim também ficar te olhando desse jeito e só continuar pintando, viu?
- Ah, que bom... - null suspirou levemente aliviada, com um pouco de sarcasmo na própria voz, fazendo-o rir sem prestar atenção propriamente dita na moça.
null passou a observar o rosto de null enquanto ele se concentrava no trabalho. Conseguia ver como ele se perdia aos poucos no próprio mundo, nos próprios movimentos e na maneira como enxergava as cores ao pintar o papel. Podia ver como null se desligava vagarosamente do mundo material e focava somente naquele trabalho - para ambos, a arte era como uma terapia: tanto ele como ela conseguiam desligar todos os tipos de pensamentos para focar somente naquilo. Era como atingir a paz, mesmo que somente durante algumas horas por dia.
null se deixou levar pelo som da mina macia do lápis de cor contra o papel levemente texturizado do sketchbook de null. Ela se deixou levar pela maneira como ele movia as mãos - agora com um pouco mais de força do que antes, mas sem perder a delicadeza - como os olhos dele corriam pelo corpo dela e pelo papel com concentração, como pequenas pausas eram utilizadas para deliberações entre cores e testes em papéis a parte para saber qual tom era o melhor para o detalhe no qual ele estava trabalhando, como null inconscientemente começava a murmurar alguma música perdida que tocava na cabeça dele no momento.
Aos poucos, sem perceber, null embalou null em um sono preguiçoso de uma tarde de fim de semana, fazendo-a adormecer enquanto ele a desenhava sem pressa alguma.
E em momento nenhum null precisou se preocupar - fosse acordada ou dormindo: sabia que null não faria nada com ela, sabia que ele não se aproveitaria ou tomaria alguma atitude fora das barreiras que ela mesma havia estabelecido com ele. Aquela era a prova de que null confiava completamente nele - e a prova de que null poderia ter a confiança cega dela.
Notando que a moça tinha adormecido, null sorriu. Sabia que era uma visão rara: ter null de maneira tão vulnerável, tão exposta e, mesmo assim, depositando toda a confiança nas mãos dele. Confiança de que null jamais faria algo para machucá-la, em qualquer situação que fosse.
E ele sabia que ela não confiava fácil - e como sabia. O simples fato de null adormecer enquanto ele calmamente a pintava nua naquela tarde era o suficiente para null saber que ele era a pessoa que ela mais confiava naquele mundo. E null jamais quebraria aquela confiança.
Então ele continuou a desenhar, como tinham combinado desde o início. E cuidou para não fazer nenhum barulho que pudesse acordá-la de supetão.
null sentiu o sol batendo forte na parte do tornozelo que não estava coberta.
Mas por que ela estava coberta? Será que tinha dormido tanto assim?
Ao abrir os olhos, encontrou-se cuidadosamente envolta no próprio penhoar de seda, em uma posição mais confortável, que null provavelmente a ajudara a se recolocar. Por causa daquilo, não estava com dores nas costas ou no pescoço, os braços estavam abaixados próximos ao peito, o cabelo longe do rosto para não incomodá-la. Observando a sala e se situando novamente, encontrou null em silêncio, mexendo no próprio celular.
- Obrigada por me cobrir. - Ela comentou com a voz de quem havia tirado um bom cochilo, sorrindo para null. De tudo que o namorado poderia ter feito, ele terminara o próprio desenho e a cobrira, esperando que ela acordasse.
- Ah, bom dia de novo, dorminhoca! - Ele deu uma risada rápida. - Estava fuçando alguns sites, acho que poderíamos tentar fazer alguma receita nova hoje. O que você acha?
- Já é muito tarde...? Que horas são?
- Não se preocupa, não passou das três ainda. - Ele abaixou o celular, observando-a se sentar no sofá. O penhoar escorreu pela pele de null, acomodando-se nas coxas dela enquanto o torso todo ficava descoberto, emoldurada pelos cabelos que reluziam durante a tarde. - Você tava dormindo tão bem que não queria te acordar.
- E ainda me ajeitou e me cobriu. Você é um amor, null. - null respondeu com sinceridade, pendendo a cabeça para o lado enquanto sorria. Ele sorriu de volta, tentando não corar e deixar óbvio que sempre ficava ligeiramente desconcertado quando ela falava dele daquela maneira. - Terminou o desenho?
- Terminei! Quer ver? - No que ele perguntou, ela somente concordou com a cabeça. Pegando o sketchbook, null abandonou o celular para se sentar ao lado dela. Mostrando as folhas, abriu nos primeiros rascunhos. - Esses são os que fizemos com você de pé.
- Olha, você melhorou muito na proporção! - null observava com interesse enquanto null apoiava o sketchbook tanto nas pernas dela quanto nas dele. - Não sei o motivo de te perturbarem com os braços. Todos estão ótimos e proporcionais.
- O motivo se chama “o Reinier é um encosto”. - null respondeu com cara de paisagem, enquanto null dava uma boa risada. Ele estava correto: Reinier era realmente um encosto na vida de null. - E aqui está o colorido.
No que ele mostrou o desenho, null ficou sem palavras. Nunca tinha se enxergado tão bonita da maneira como ele a enxergava. Repleta de cores, com destaque nos olhos e na maneira como observava null enquanto ele desenhava, o desenho era definitivamente magnético - muito mais do que qualquer foto que ela pudesse tirar: null captara a essência dela, não só a imagem.
- Nossa, null... Ficou lindo. Você ficou muito bom em usar as cores. - Ela admirava, correndo os dedos pelo próprio corpo no papel brilhante e sedoso com a cera dos lápis de cor. - É tão triste que mais ninguém vai poder ver esse desenho, acho que é um dos melhores que você já fez.
- Ninguém mais precisa ver, né... - Ele deu de ombros, um sorriso um tanto sem jeito surgindo nos lábios enquanto olhava para ela. - Se você gostou, já tá bom para mim. Não fiz isso para ficar ouvindo milhões de elogios, fiz porque queria desenhar. E é uma coisa nossa no fim, não?
Dizendo isso, null repousou uma das mãos no rosto de null, tirando uma sujeira que tinha pousado na bochecha da moça enquanto ela dormia. De todas as maneiras que ele podia tocá-la, de tudo que null podia ter feito ou fazer, resolvera somente acariciar a bochecha dela com carinho. Sorrindo, null se aproximou dele, repousando os lábios nos de null.
Ele fora pego de surpresa, mas riu brevemente com a reação dela antes de ser abafado pelos lábios da moça. Acomodando-se melhor, fechou os braços em volta da namorada, deixando o sketchbook em um aparador próximo. Tentou se manter equilibrado, porém null apoiava todo o peso sobre ele, fazendo null tombar nas almofadas do sofá, com o corpo dela sobre o dele, semi coberto pelo penhoar de seda.
- Eu adorei o seu desenho, mon grand artiste. - Ela comentou ao se separar de null, rindo um pouco com o namorado enquanto ele tentava se ajustar no sofá. - Você foi mais do que profissional, definitivamente um artista de renome. Mas, se você não se importar, quero meu namorado de volta.
- Fico feliz de ouvir isso. Sobre os dois. - E, puxando-a delicadamente, null aproveitou o tempo em um beijo lento, explorando os lábios de null sem se importar com horário. Mal percebeu enquanto ela subia as mãos pelo torso dele, subindo a camiseta para tirá-la. Separando-se dele, null jogou a blusa em uma poltrona próxima, sentindo a pele quente de null contra a pele do torso dela, levemente gelada. - Hmmm, acho que a gente vai ter que atrasar o almoço um pouco mais.
- Sem problemas. - null sorriu para ele. - Cansei de ser a única andando completamente sem nada por essa casa.
- Não se preocupa, eu me junto com você em um instantinho. - null brincou, fazendo-a rir. Segurando uma das pernas de null, tomou impulso para mudar de posição e ficar em cima dela, aumentando ainda mais as risadas da namorada. - Opa...!
- É, não foi das melhores escolhas! - Ela comentou ainda entre risadas enquanto observava null tentando se desembrulhar da bagunça que virara o penhoar de seda enroscado entre as pernas dela e as dele. - Imagina só se Monet faria algo...
- Ele pintava paisagens! - null respondeu parecendo bravo, mas claramente na brincadeira junto com ela, rindo logo em seguida ainda tentando se desenroscar da seda sem causar danos no penhoar. - Paisagens, mulher! Não tinha que lidar com... Isso!
null somente ria. Não podia negar que achava uma graça quando null - normalmente tão confiante, tão imponente e sério, principalmente em sua arte - ficava completamente desembestado e desconcertado daquela maneira. Ela sempre se divertiria assistindo àquilo e somente parou de rir quando ele conseguira se desvencilhar do penhoar.
- Talvez se eu só pintar lagos, campos e flores consiga me concentrar mais, não...? - Ele perguntou enquanto ajeitava null em seus braços para que ambos ficassem confortáveis, sem tirar os olhos dela até conseguir voltar aos lábios da namorada. - Não vou ficar corando e tentando controlar todos os sentimentos que surgirem, tomando todo o cuidado para desenhar o seu corpo.
- Uhum... - Ela murmurou, aproveitando o beijo de null. Não tinha pretensões de fazê-lo ir mais rápido e sabia como ele gostava de saborear todos os momentos quando estavam juntos, ainda mais em uma tarde preguiçosa como aquela. - Mas falando sério. Você tem que saber isso, null: eu só consegui relaxar a ponto de dormir, porque você foi extremamente profissional e em nenhum momento me fez ficar desconfortável. Não acho que nenhum grande artista de paisagens poderia ter me tratado tão bem durante tudo isso como você. Mon grand artiste.
- E minha arte não teria saído tão boa se não fosse com você, null. Você precisa saber disso. - Ele voltou aos lábios dela, beijando-a vagarosamente antes de se separar para sussurrar um pequeno apelido que sabia que ficaria para sempre depois daquele dia. - Ma belle muse.
Porque se ele era o grande artista que a ensinara a confiar novamente, ela era a bela musa que o ensinara a se expressar através do coração - e tudo isso porque tinham algo muito importante um pelo outro: respeito.
Fim!
Nota da autora: Apesar de saber que a letra de Respect é uma crítica à expressão “respect!” que surgiu na Coréia e meio que perdeu o significado da palavra, fazendo o Namjoon e o Yoongi questionarem tudo isso (e seguindo muito da crítica que tem em Parasita com o cara que fica gritando “respect!” pro cara rico toda hora, pra falar a verdade), eu quis trazer um outro significado pra palavra “respeito”.
(Na verdade, vejo um paralelo com o conceito do filósofo Byung Chul Han sobre pornografização da imagem - seria meio como uma “pornografização da palavra”, conforme o que entendi. Para quem tem mais interesse, ele discute sobre isso no livro “Sociedade da Transparência” e super recomendo a leitura - é curtinho e mais barato)
Em tempos de ouvirmos tanto sobre abusos, casos bizarros de assédio e, principalmente, de romantização de relacionamentos totalmente tóxicos e abusivos que simplesmente acabam com a mulher, eu queria deixar essa fic com uma moral de “um relacionamento baseado em respeito, é um relacionamento em que há segurança e conforto para ambas as partes”.
O respeito incondicional que ele tem por ela durante toda a fic faz com que ela se sinta confortável em ficar completamente exposta e vulnerável perto dele. O respeito que ela tem por ele, faz com que exista a possibilidade de haver uma construção de um relacionamento entre os dois. E em NENHUM momento ele quebra a confiança dela ou ultrapassa barreiras que ela mesma colocou como intransponíveis.
Mulheres, procurem pessoas que te respeitem - seja no amor, nas amizades, no trabalho, em qualquer lugar. Saibam que NINGUÉM tem o direito de te tratar como resto, como lixo, com pouco caso, com atenção somente nos momentos que importam para te ignorar depois, com ignorância, com palavras rudes, com menosprezo, violência, brutalidade - e mais uma lista de coisas que fazem parte de relacionamentos tóxicos e abusivos.
Você merece respeito. E você NUNCA deve se sentir culpada por buscar esse respeito: se as pessoas com quem você convive acabam brigando/não gostando/sendo passivo-agressivas porque você estabeleceu limites e barreiras que DEVEM ser respeitadas - independente se a pessoa concorda com você ou não - esse relacionamento deve ser revisado.
Você merece ser tratada com respeito e se sentir à vontade para ficar completamente vulnerável e exposta com alguém, sabendo que essa pessoa não vai te machucar de maneira alguma e ainda vai te tratar com o respeito que você merece - como na fic.
Em tempos de tantas incertezas e relacionamentos tóxicos, levantemos nossas vozes para exigirmos sermos tratadas como merecemos - e nunca nos envenenemos com dúvidas de que respeito é o MÍNIMO que nos devem.
E eu também estava REALMENTE querendo fazer uma história com ele usando ela como estudo de nu artístico - acabou virando um bom estudo de personagem acidental.
Queen of Sun
Nota da Beta: Nossa, eu não tenho nem palavras para descrever o que estou sentindo agora, sinceramente! Essa história vai muito além de um ficstape, muito além de uma leitura! Mexe conosco de uma forma sensível e delicada, ainda assim sendo brutal. Queen of Sun, obrigada por isso - é uma dádiva poder ter essa vivência <3
Caixinha de comentários: O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
(Na verdade, vejo um paralelo com o conceito do filósofo Byung Chul Han sobre pornografização da imagem - seria meio como uma “pornografização da palavra”, conforme o que entendi. Para quem tem mais interesse, ele discute sobre isso no livro “Sociedade da Transparência” e super recomendo a leitura - é curtinho e mais barato)
Em tempos de ouvirmos tanto sobre abusos, casos bizarros de assédio e, principalmente, de romantização de relacionamentos totalmente tóxicos e abusivos que simplesmente acabam com a mulher, eu queria deixar essa fic com uma moral de “um relacionamento baseado em respeito, é um relacionamento em que há segurança e conforto para ambas as partes”.
O respeito incondicional que ele tem por ela durante toda a fic faz com que ela se sinta confortável em ficar completamente exposta e vulnerável perto dele. O respeito que ela tem por ele, faz com que exista a possibilidade de haver uma construção de um relacionamento entre os dois. E em NENHUM momento ele quebra a confiança dela ou ultrapassa barreiras que ela mesma colocou como intransponíveis.
Mulheres, procurem pessoas que te respeitem - seja no amor, nas amizades, no trabalho, em qualquer lugar. Saibam que NINGUÉM tem o direito de te tratar como resto, como lixo, com pouco caso, com atenção somente nos momentos que importam para te ignorar depois, com ignorância, com palavras rudes, com menosprezo, violência, brutalidade - e mais uma lista de coisas que fazem parte de relacionamentos tóxicos e abusivos.
Você merece respeito. E você NUNCA deve se sentir culpada por buscar esse respeito: se as pessoas com quem você convive acabam brigando/não gostando/sendo passivo-agressivas porque você estabeleceu limites e barreiras que DEVEM ser respeitadas - independente se a pessoa concorda com você ou não - esse relacionamento deve ser revisado.
Você merece ser tratada com respeito e se sentir à vontade para ficar completamente vulnerável e exposta com alguém, sabendo que essa pessoa não vai te machucar de maneira alguma e ainda vai te tratar com o respeito que você merece - como na fic.
Em tempos de tantas incertezas e relacionamentos tóxicos, levantemos nossas vozes para exigirmos sermos tratadas como merecemos - e nunca nos envenenemos com dúvidas de que respeito é o MÍNIMO que nos devem.
E eu também estava REALMENTE querendo fazer uma história com ele usando ela como estudo de nu artístico - acabou virando um bom estudo de personagem acidental.
Queen of Sun
Nota da Beta: Nossa, eu não tenho nem palavras para descrever o que estou sentindo agora, sinceramente! Essa história vai muito além de um ficstape, muito além de uma leitura! Mexe conosco de uma forma sensível e delicada, ainda assim sendo brutal. Queen of Sun, obrigada por isso - é uma dádiva poder ter essa vivência <3
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