Capítulo Único
Essa era a segunda vez em uma semana que eu saía daquela casa e a mesma sensação me atingia: até quando eu conseguiria resistir e não me levar por aquele charme? Aquele sentimento avassalador que me invadia de forma inexplicável. Passando pelo portão, parei de correr e respirei fundo. Eu não poderia me render nos braços daquele irritante e metido a egocêntrico jamais.
[...]
– Até que enfim, você levantou! Achei que iria ficar naquela cama para sempre em estado de hibernação – Lídia falou, enquanto eu entrava na cozinha.
– Uma hora a gente tem que acordar e encarar a realidade – bocejei, esfregando os olhos.
-É a vida, babie. Tenho que deixá-la ciente de que as nossas aulas voltam amanhã.
– Ah, não! – deitei minha cabeça sobre o balcão. – Quero ficar de baixo das minhas cobertas, assistindo às minhas séries e não estudar mais! – disse com a voz abafada e Lídia riu.
– Já estudou tantos anos para chegar até aqui e agora, quando só faltam alguns meses para acabar o Ensino Médio, você não quer mais?
– Você tem razão – falei, levantando subitamente a cabeça e a olhando. – Já estamos no final, cara. Nem acredito – sorri.
– Vai dizer que você não sentiu falta de ninguém lá da escola?
– Claro que eu senti falta da Lucy, da Mel, do Pedrinho, mas um pouco de descanso não mata ninguém – respondi, colocando o café em minha xícara.
– Nem me fale, mas nossa folga acabou. Mais tarde, vou para casa arrumar minhas coisas e amanhã passo aqui cedo para nós irmos juntas.
– Ok, vou esperá-la. Mas enquanto você não vai... – olhei-a.
– Fale! O que você quer? – ela falou, concluindo que eu iria lhe pedir algo.
– Isso é jeito de falar com as amigas? – perguntei, fingindo indignação.
– Fale logo, – disse impaciente e eu ri.
– Vamos assistir a mais um capítulo de “Teen Wolf”?
– Uh! Por que não me disse antes? Claro. Não me canso de ver aquele lindo do Tyler Hoechlin atuando.
– Sou mil vezes o meu Dylan! – falei, enquanto comia meu brownie, e fiz um coração com a mão. – Mas não posso negar que o Hoechlin é um gostoso!
– Olhe o linguajar! – Lídia disse e gargalhou. – Enfim, todos os homens dessa série são meus “musos”.
– Nossos “musos”! – disse e liguei a TV.
[...]
Depois do almoço, Lídia foi embora e eu resolvi sair e andar um pouco pelo centro com minha mãe, já que não estava fazendo nada e ela havia me proibido de assistir a mais séries, porque já estava de bom tamanho ver mais de cinco capítulos por dia.
Ela me deixou no shopping, enquanto ia ao supermercado fazer as compras. Eu não estava com fome, pois tinha acabado de almoçar, então resolvi gastar nas lojas. Depois de um tempo andando, achei dois vestidos que me cativaram rapidamente. Sem mais demora, fui ao caixa e paguei. Quando eu estava saindo da loja, alguém esbarrou em mim ou eu esbarrei em alguém. Não importa, mas essa pessoa eu conhecia muito bem.
– Meu Deus! Veja se olha por onde anda, ! – gritei estupefata.
– Se não fosse por mim, você teria caído, lindinha – ele falou com sua voz rouca em meu ouvido, o que só aumentou minha vontade de bater nele.
– Gracinha é a sua mãe – afastei-me dele, que deu seu marcante sorriso torto em tom de deboche.
– A culpa é toda sua que seja totalmente desatenta, querida .
– Dê-me licença que eu tenho muita coisa para fazer – passei por ele com a cara amarrada e somente o ouvi gritar de longe.
– Tenha uma boa tarde, gracinha.
[...]
– Bom dia! – Lídia falou, quando eu entrei no carro de sua mãe.
– Dia – respondi.
– Eita, mau humor! Tomara que não seja contagioso – ela deu três batidinhas na lataria do carro e eu ri.
– Não é mau humor. Só não consigo sorrir para todos os cantos em plena manhã, meu bem.
– Entendo completamente você, – a mãe de minha amiga falou.
– Viu, Li? Até a sua mãe concorda comigo – sorri e ela me deu língua.
– Mudando de assunto, por que você estava tão estressada ontem à noite? – minha amiga perguntou e eu fiquei calada. – Fale logo!
– Nada de mais. – respondi.
– Sei – ela disse com os olhos semicerrados. – Quem foi o boy da vez? – questionou e eu arquei as sobrancelhas.
– Boy da vez? Está louca?
– Eu não estou louca, mas você com certeza está na TPM – ela riu.
– Chata! – falei, beliscando-a.
– Ai! – Lidia continuou rindo.
– .
– O ? – ela abriu a boca em uma expressão incrédula.
– Não é nada do que você está pensando, sua mente poluída! – respondi.
– Você nem sabe o que eu estou pensando – falou convencida.
– Sei exatamente a primeira coisa que veio na sua cabeça – falei e realmente eu tinha certeza. – Foi só um esbarrão e ele foi irritante como sempre.
– Irritante? Você que é implicante, amiga. Aquela voz dele é tudo!
– Nossa, pegue para você então, meu bem – debochei.
– Quero, não. É todo seu – Ela sorriu e eu dei o sorriso mais cínico que alguém poderia dar.
[...]
– Bom dia, alunos! – a professora de Física falou entrando na sala, onde quase todos já estavam presentes. – Vocês estão voltando agora do descanso e tive uma ideia para exercitarem os seus cérebros e voltarmos ao pique das aulas.
– Só não diga que é trabalho – ouvi Paulo murmurar no fim da sala.
– Como você sabia, Paulo? – a professora Regina sorriu em direção a ele. – Exatamente isto, mas será bem divertido. Vai ser realizado em duplas que eu já separei – ao dizer isso, foi possível ouvir um coro de “aaaaaaah”.
– Qual vai ser o tema? – resolvi perguntar.
– Cada dupla vai ficar com um tópico diferente, senhorita . Irei anunciar as duplas agora – ela disse e foi até sua mesa pegar uma pasta portfólio.
– Ai, meu Deus. Odeio esse suspense – Lucy falou e Pedro riu atrás dela.
– Menina, você é muito desesperada.
– Curiosa – corrigiu Mel, tentando prender o cabelo com a caneta. Ela estava sentada atrás de mim.
– Eu quero ficar com algum de vocês – Lídia disse, cruzando os dedos.
– Eu nunca dou sorte com sorteios mesmo – falei, dando de ombros, e a professora começou a falar.
– Jéssica Mota com Arthur Alves – disse. – Lucy Barreto e Melanie Santana – ela continuou e vi minhas amigas comemorarem. – Lúcio Cunha e Lídia Miller.
– Ah, pelo menos ele também é inteligente – Lídia falou.
– Pedro Albuquerque e Daniel Dantas – a mulher continuava dizendo.
– Pronto. Acabaram as minhas esperanças – disse e abaixei a cabeça, quando ouvi Regina falar meu nome.
– e .
“Ah, não! Não podia ser! Logo o ?”, pensei e olhei para trás, avistando aquele sorriso torto com ar de superior, o que me fez revirar os olhos.
– Ao fim da aula, quero que as duplas citadas venham em minha mesa para pegarem o tema. Entendido? – perguntou após indicar todos os alunos.
– Sim – algumas pessoas responderam e eu não fiz questão de olhar novamente para o meu “par”.
[...]
Levantei-me ao perceber que todos já haviam saído da sala e só faltávamos eu e para pegar o tema. Ele se adiantou e foi até a mesa da professora, que estava ocupada anotando algo quando eu cheguei ao seu lado. Ela levantou a cabeça e olhou para nós.
– O tópico de vocês é ação e reação. Quero que abordem a parte teórica e façam uma boa explicação aqui na frente para os seus colegas – a mulher falou e vi minha dupla coçar o queixo. – Espero muito dos dois. Viu?! Posso confiar?
– Com certeza, professora – falou.
– Senhorita ? – professora Regina falou em um tom de incentivo.
– Vou me esforçar ao máximo – falei e fechei meus lábios em uma linha fina.
– Estão liberados – ela falou e então saiu da sala, porém percebi que alguém estava em meu encalço.
– , eu sei que você amou me ter como sua dupla – falou com sua voz rouca muito perto de minha orelha.
– Pobre iludido – respondi seca.
– Você tenta ser ríspida comigo, mas isso não vai funcionar – ele falou, puxando-me pelo braço, o que me fez parar de andar. Onde estava Lidia naquela hora? Ela e Lucy haviam dito que me esperariam no corredor, mas ali elas com certeza não estavam. – Tem algum motivo para você me tratar assim? – o rapaz perguntou, olhando-me nos olhos.
– Só o acho extremamente provocante – ops, não era exatamente aquela palavra que eu queria dizer.
– Provocante, é? – disse, aproximando-se da minha boca. – Pois eu acho que você sempre foi apaixonada por mim – falou e deu um sorriso abafado.
– Sério? – curvei meus lábios em um sorriso falso.
– Muito sério – ele sorriu também.
– Pois eu acho que é muito pelo contrário – disse, passando a mão em seu rosto.
– Ah, é? Como assim? – o garoto perguntou, segurando minha cintura, enquanto eu o olhava fixamente.
– Você que sempre esteve apaixonado por mim – respondi.
– Talvez ambos estejamos certos – sorriu de lado ao falar.
– Ou talvez não – falei, desvencilhando-me de seus braços, e lhe lancei um sorriso, virando-me de costas e indo embora. A próxima aula começaria em cinco minutos.
O que havia sido aquilo? Insinuações fortemente carregadas de realidade, eu não podia negar. Meu coração palpitava rapidamente. Por Deus, um dia me deixaria louca.
[...]
– Nossa! Onde vocês estavam? Rodei o pátio todo.
– Aqui, ué – Pedro falou rindo, enquanto eu respirava ofegantemente sem um motivo concreto.
– E está cansada assim por quê? – Mel me perguntou com o olhar engraçado.
– Longa história. Mas essas duas me deixaram sozinha lá na sala, dizendo que iriam me esperar no corredor e nada delas lá – apontei para Lídia e Lucy com um olhar incriminador.
– Sorry, . É que você demorou muito, então viemos nos sentar.
– É. Eu já estava cansada de esperar – Lucy falou, olhando-me.
– Que belas amigas vocês são, hein...? – disse.
– Acabou a DR tripla aí? – Pedro direcionou seu olhar para nós. – Porque a aula de Geografia já deve ter começado e estamos atrasados – completou.
– Geografia, meu Deus. Vamos logo, porque eu preciso de nota.
– Podem ir. Só vou beber água – respondi.
[...]
Cheguei exausta a casa. Era meio-dia e meia e o sono me consumia. Apenas tirei os tênis e me deitei na cama, bocejando com os olhos fechados. “O almoço está na mesa, filha”. Minha mãe bateu na porta alguns minutos depois para me avisar. “Ok, mãe. Estou indo”, respondi. Deixei o celular em cima da estante e fui para a cozinha em passos lentos.
– Que preguiça é essa, menina? – minha mãe perguntou.
– Não é preguiça. É descrença – falei rindo.
– Isso porque acabou de voltar das férias.
– Eu já tenho trabalho. Acredita?
– Que bom. Agora você não fica à toa – ela disse e eu gargalhei.
– Desde quando eu fico à toa, mãe?
– Desde que você começou a assistir a essas séries em todo tempo livre..
– Eu amo minhas séries e elas são produtivas para minha imaginação.
– Se você diz, , quem sou eu para falar o contrário? – ela me respondeu com ironia.
[...]
Quatro dias depois...
– Alô? – atendi ao telefone sem saber quem era.
– ... – ouvi aquele sussurro no outro lado da linha.
– – desde o acontecido na aula de Física, eu não havia trocado mais uma palavra sequer com ele, mas isso não quer dizer que não tenhamos trocado olhares, que foram muitos. – Como conseguiu meu número? – perguntei rápida.
– Tenho meus meios. O seu número não é tão difícil de encontrar.
– Agora está me investigando? – falei irritada.
– Não mesmo. O mundo não gira ao seu redor, lindinha.
– E o que você quer, então? – questionei-o. Eu estava sendo grossa, tinha certeza, mas era algo que eu não conseguia controlar.
– Temos um trabalho para fazer e, se você quiser tirar alguma nota sequer, terá que cooperar – ele disse, fazendo-me recordar do bendito trabalho em dupla. Já haviam passado quatro dias. Quase uma semana e nada estava feito.
– Nossa. Já estava me esquecendo – falei mais para mim do que para ele.
– Amanhã na minha casa. Pode ser? – ele perguntou.
– Sem chance – respondi.
– Você é louca? Por que não? Precisamos fazer isso logo!
– Você que é louco, meu bem.
– AH! Já sei! Você está com medo de se render ao meu charme – o rapaz falou, provocando.
– Você se acha, garoto!
– Tenho certeza!
– Amanhã, na sua casa – respondi com firmeza.
– Vou lhe enviar a localização – ele falou em meio a um sorriso abafado que me irritava.
– Por que você é tão irritante?
– Sei que você está louca para ficar perto de mim novamente – disse convicto.
– Vá se ferrar! – esbravejei impaciente.
– Tchau, ! Até amanhã – o garoto desligou.
[...]
– Você vai começar o trabalho com o hoje?
– Sim. Hoje à tarde – respondi.
– Eu e a Lucy começamos terça-feira. Vocês estão um pouquinho atrasados...
– É, eu sei. Só que eu tinha esquecido e ele só me lembrou ontem. É tanta coisa para estudar que eu me perco.
– , você precisa seriamente se tornar uma pessoa mais organizada – ela me falou rindo.
– Ai, nem me fale.
– Então nossa sorveteria fica para outro dia? Eu ligo para a Lídia e para a Lucy para avisar.
– Não, Melanie. Podem ir. Não precisa desmarcar. Na próxima, eu não furo – disse a ela.
– Ah, não... Mas sem você as fofocas não têm a mesma graça – Mel disse com a voz arrastada e eu gargalhei.
– Pare de besteira, menina. Vou adiantar o trabalho com o e vocês vão se divertir, hum! Não quero que desacatem minha ordem! – ergui a cabeça e falei em tom autoritário.
– Ui! Ok, Queen – ela riu. – Mas você sabe muito bem que pode se divertir lá também – lançou-me um olhar saliente. – Eu sinto as faíscas entre os dois de longe – disse e eu arregalei os olhos.
– Nem cogite essa ideia! – falei. – Ele se acha o centro do mundo.
– Eu sei que você gosta! – ela gargalhou.
– Ha-ha-ha – falei, revirando os olhos.
[...]
– Olá! – ele falou sorrindo, enquanto eu entrava na casa dele.
– Boa tarde – falei com a cara fechada.
– Vejo que chegou com antecedência – falou.
– Pretendo adiantar esse trabalho o máximo possível. Onde vamos ficar? – perguntei.
– Vamos para a sala. É melhor lá – ele respondeu.
– E seus pais? – franzi o cenho.
– Não estão aqui, então estamos livres para fazer o que você quiser – ele chegou por trás, pegando em minha cintura, e eu me virei subitamente por extinto, mas por alguma razão não tirei a mão dele dali.
– Eu quero fazer o trabalho – lancei-lhe um sorriso cínico.
– Acho que não é só isso – o garoto falou e o empurrei para trás.
– Pode ter certeza que é – respondi, pegando meu notebook de dentro da mochila, e continuei caminhando. – Você vem ou não vem? – perguntei, olhando para trás.
– Claro. Só estava observando... A paisagem! – sorriu de canto e revirei os olhos.
– Ande logo – sentei-me no sofá e se colocou ao meu lado. – Vamos pesquisar primeiro a teoria.
– E depois a gente encaixa em um assunto mais cotidiano?
– Exatamente – falei, olhando fixamente para a tela, procurando informações úteis. Ele se levantou, mas voltou em pouco tempo com um bloquinho na mão e uma caneta. Jogou-os para mim e pegou o notebook do meu colo.
– Ei! – disse indignada.
– Anote o que eu falar – ele disse simplesmente. Decidi não criar confusão.
– Lei da ação e reação, terceira Lei de Newton. A uma ação, sempre se opõe uma reação igual, ou seja, as ações de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e se dirigem a partes contrárias – falou e me olhou. – Escreveu?
– Espere. Meio estranho isso. Você não acha? Eu sei que toda ação tem uma reação e tudo, porém não quer dizer que a reação seja igual à ação, mas de sentido oposto. Ou não? – falei realmente confusa e ele riu, riu da minha cara. Então o olhei impaciente.
– Eu entendi o que você quis dizer... Mas acho que, na maioria dos casos, a reação é fazer o mesmo.
– Já testou na prática? – perguntei, erguendo as sobrancelhas.
– Não, mas se você quiser... Podemos tentar – falou com um olhar sugestivo.
– Como assim, criatura?
– Assim – ele disse e subitamente me deu um beijo, que por sinal estava ótimo, contudo eu não podia deixar isso acontecer, então o empurrei.
– Viu? Nem toda reação é igual à ação! – falei ofegante.
– Eu ainda nem comecei, lindinha – tornou a me beijar e dessa vez eu não pude impedir. Não consegui, não quis. Estava muito bom e minha reação foi fazer exatamente o mesmo que ele com mais intensidade. Cortei o beijo e mordi meus lábios. Peguei o computador e voltei para a pesquisa, tentando me concentrar em algo que não fosse . Então o ouvi sussurrar:
– Agora acho que provei que seu pensamento era incorreto.
[...]
Após duas horas, fizemos um fichamento sobre o tema que abordaríamos e anotamos todos os tópicos para estudarmos e ficarmos prontos para a apresentação. Poucas palavras foram trocadas. Combinamos que iria fazer os slides e eu faria o trabalho escrito. Vi que eram 16h30. Já ia embora, mas estava chovendo e eu não havia trazido nenhum guarda-chuva, pois o clima não aparentava que iria mudar de uma hora para outra. Porém, mudou.
– Que merda! – sussurrei emburrada, sentando-me no sofá novamente.
– Pode esperar mais um pouco aqui. Não vou empurrá-la para a chuva – ele riu.
– E, se fosse, eu o levava junto. Mas ainda bem que você é são de consciência – falei, porém pensei comigo mesma: “ou não”.
– Quem disse? – ele arqueou as sobrancelhas.
– Esqueça – coloquei as mãos sobre o rosto e me levantei.
– O que foi? – o rapaz perguntou.
– Não consigo ficar muito tempo quieta – disse e ele se levantou também, caminhando até a mim.
– Posso fazer uma coisa?
– Depende.
– Do quê?
– Ah, faça logo – falei inquieta e ele foi para trás de mim e colocou as mãos nos meus ombros, fazendo uma massagem. – Ai, que bom – falei com os olhos fechados.
– Tudo o que eu faço é bom, .
– Seu beijo não é esse espetáculo todo – falei.
– Todas acham o contrário, lindinha.
– Dá para parar de ficar me chamando de “lindinha”?
– Não – ele passou a mão no meu pescoço, fazendo-me arrepiar. – Você gosta disso, das minhas mãos em você. Até se arrepia.
– Metido.
– Assuma.
– Assumir o quê? Você que tem que assumir que é metido e irritante.
– Está aí outra coisa que só você – o rapaz falou, beijando meu pescoço.
– Você está me provocando, né?
– Acha isso?
– Tenho certeza – disse e me virei para ele, segurando seu pescoço.
Fitamo-nos com um sorriso.
– Vou lhe dizer uma coisa – beijei seu pescoço, passando minha unhas levemente em suas costas. – Ninguém consegue assim tão fácil – falei bem próximo de sua boca.
– Eu estou disposto a tentar – lançou-me um olhar que me arrepiou da cabeça aos pés.
– A chuva está diminuindo. Já vou.
– Vai vir amanhã depois da aula?
– Só para finalizarmos tudo. Não me beije mais – pisquei para ele.
– Não farei nada que você não queira.
– Que bom, pois toda ação tem uma reação.
[...]
No dia seguinte...
– Porra! – ouvi alguém gritar de dentro da casa e alguma coisa se quebrar no chão.
– ? – gritei no portão e ele provavelmente abriu com o controle, mas não o vi. – Licença – falei, abrindo a porta e entrando. Ele estava sentado no chão, ao lado do sofá, e cacos de vidro estavam espalhados. Olhei-o assustada. – Meu Deus, por que fez isso? – olhei ao redor. O rapaz estava cabisbaixo. Caminhei até lá.
– Não foi nada. Desculpe-me pela cena – ele falou seco e levantou a cabeça. Então eu pude perceber que seus olhos estavam vermelhos. Será que estava chorando? , naquela situação, eu nunca esperaria ver.
– Não. Perdão pela intromissão. Você está na sua casa. Quer fazer o resto do trabalho outro dia? Qualquer coisa, eu vou embora – perguntei. No fundo, estava preocupada com ele.
– Não precisa. Vamos fazer hoje mesmo. Só vou arrumar essa bagunça que fiz – ele ia apoiar a mão no chão para se levantar, mas eu gritei antes e o garoto me lançou um olhar de interrogação.
– Tem vidro aí. Você ia cortar a mão – apontei e depois ofereci a minha para que o menino pudesse se erguer.
– Nem vi – falou, parecendo realmente confuso, e se levantou com minha ajuda.
– Vou ajudá-lo – fui pegando alguns cacos maiores.
– Não, não precisa. Eu arrumo sozinho. Vá começando a organizar o material.
– Eu insisto – falei.
– Vá logo, – ele me olhou impaciente.
– Você não manda em mim – respondi.
– Você é teimosa demais, garota – pareceu desistir de me contradizer.
– Mais do que você pensa – falei.
[...]
– Você quer contar o que aconteceu? – sugeri após limparmos tudo e ele me entregou um copo de suco. Vi que suas feições mudaram rapidamente. Uma espécie de tristeza o invadiu, se é que tristeza tinha espécie.
– Prefiro não tocar no assunto – forçou um sorriso.
– Está bom – voltei minha atenção para ver o que faltava na parte escrita do trabalho, porém percebi que o rapaz ficou aéreo e pensativo. Olhei-o. era lindo, mas algo em mim insistia em implicar sempre com ele. Apesar de quase sempre me irritar, não era agradável vê-lo daquela forma, então segurei sua mão e a apertei forte, o que o fez me olhar. – Se precisar, estou aqui! – falei, dando-lhe um sorriso de apoio que, para minha surpresa, foi retribuído.
– Obrigado, – o garoto me fitou. – Posso fazer uma coisa?
– Depende – repeti a resposta do dia anterior e ele, sem precisar me questionar, simplesmente me abraçou forte, apertado. E eu retribuí quando senti suas lágrimas silenciosas caírem em meu ombro, apoiando sua cabeça em mim. – Sh... – sussurrei baixinho.
– Eu só estou preocupado com meu avô. Ele está internado há uma semana e minha tia ligou para avisar que seu quadro piorou.
– Vai ficar tudo bem – falei, passando as mãos em seus cabelos involuntariamente, e não foi necessário dirigir mais nenhuma palavra sequer. Ficamos ali, alguns minutos abraçados que poderiam durar a eternidade, só sentindo cada toque e suas sensações. Seus toques me acorrentavam, faziam-me não ter mais vontade alguma de sair dali e eu sei que sentia o mesmo.
[...]
– Tudo pronto? – perguntei para ele em relação ao slide. Tínhamos resolvido deixar tudo preparado para não criar problemas com a professora Regina no dia.
– Minha parte já está toda feita. E a sua?
– Tudo terminado também. Aleluia! – suspirei e riu.
– Está aliviada assim porque não vai mais precisar vir aqui para casa? – ele perguntou.
– Lógico! – falei.
– Que não – o menino completou. – Por que você não faz o que tem vontade de fazer? Por que não diz o que quer dizer? – perguntou calmo.
– Eu estou fazendo e falando – gesticulei, mas ele sabia realmente o que eu queria.
– , nós tivemos uma história, por mais que você tenha preferido mantê-la oculta até dos seus amigos naquela época. Eu sei que sente algo forte por mim. Por que não diz?
– E quanto a você? Por que também não fala o que sente? Você não me entende e não me permite entendê-lo – elevei um pouco o tom de voz.
– Realmente, eu não consigo entender você – me imprensou contra a parede. – Mas isso me faz ter mais vontade de querê-la. É como um enigma que tem que ser decifrado pouco a pouco – ele falava muito próximo à minha boca.
– Eu estou no limite, . Eu sinto algo muito forte, sim, mas não sei dizer o quê – enquanto eu falava, ele abaixou uma das mãos para a minha cintura.
– Acho que nós dois temos dificuldade para nos expressarmos por meio de palavras...
– Eu concordo – falei com pouco fôlego.
– Mas por gestos nos expressamos muito melhor...
– Com certeza – fechei os olhos.
– Mas eu tenho que lhe pedir uma coisa antes, amor.
– O quê?
– Não mate isso, não sufoque esse sentimento. Não mate esse amor, o nosso amor. Nós vamos conseguir juntos. Só não se afaste de mim, porque eu tenho medo de perdê-la – olhou diretamente nos meus olhos, deixando-me completamente extasiada. Que palavras foram aquelas? Era muita coisa para a minha cabeça. Dei-lhe um selinho longo, que não queria ser desfeito, mas foi preciso. Eu precisava pensar e ele também.
– Abra o portão, por favor – falei com as bochechas queimando. Não por vergonha, mas por desejo. Desejo esse que eu ainda teria que avaliar.
Ele abriu. Não contestou, mas antes me agarrou novamente e me deu o beijo que eu não esqueceria nem que se passassem mil anos. Eu estava prestes a entrar em combustão. Saí então dali correndo. Sim, correndo. Se ficasse mais um minuto sequer, não seria responsável pelos meus atos e muito menos pelas reações que ele tomaria. Essa era a segunda vez em uma semana que eu saía daquela casa e a mesma sensação me atingia: até quando eu conseguiria resistir e não me levar por aquele charme? Aquele sentimento avassalador que me invadia de forma inexplicável.
Passando pelo portão, parei de correr e respirei fundo. Eu não poderia me render nos braços daquele irritante e metido a egocêntrico jamais. Porém, algo me dizia que eu já tinha me rendido há muito tempo e não tinha volta...
[...]
Uma semana depois (dia da apresentação)
– e , é a vez de vocês – a professora disse e nós dois nos posicionamos em frente toda à turma. Resolvi começar a falar.
– Teoricamente, toda ação tem uma reação. Newton afirmava que qualquer ato tomado em relação a algo ou alguém teria uma reação contrária de mesma intensidade, mas como isso se aplica na nossa vida para um entendimento melhor? – perguntei, enquanto todos olhavam com atenção.
– Nós resolvemos então citar fatos cotidianos da nossa juventude – continuou. – Por exemplo, o Joãozinho está há muito tempo querendo pedir a Marina em namoro e, quando finalmente toma coragem e resolve pedir, o que ela vai fazer?
– Chamá-lo de trouxa e falar que ama o José! – algum engraçadinho falou no final da sala, fazendo com todos rissem, inclusive .
– Talvez – ele continuou. – E isso é o exemplo de uma reação negativa. É possível afirmar que toda reação vai ter um aspecto positivo ou negativo, dependendo da situação em que você está.
– Exatamente – eu continuei. – Essa lei foi a terceira de Newton, criada logo após a da inércia, e é baseada em simples fatos que são literais e bastante perceptíveis em qualquer meio.
– Vamos terminar a apresentação com uma pergunta para vocês e queremos que respondam no bloquinho de papel que vamos passar. É apenas uma curiosidade – falou.
– Então vai lá: se toda ação tem uma reação, existe alguma ação que o deixa sem reação?
– Ótimo! – a professora se direcionou aos dois. – Aposto que o trabalho escrito de vocês ficou incrível. Apresentação muito bem desenvolvida. Parabéns!
– Obrigada, professora – sorri para ela e foi se sentar, mas, ao passar por mim, deixou um papel na minha mão. Sentei-me em minha carteira e abri o pequeno papelzinho. Era um bilhete. Tinha um poema.
Você é aquela voz
Que me acalenta e me acalma,
Que alimenta minha alma.
Dona do meu coração,
A menina que me aconchega.
Chega sem destreza,
Deixa-me sem noção,
Causa alucinação,
Toda maravilhada.
Gosta de boas ações
Com atitudes ousadas
Que me tiram a razão.
Dona do olhar que me fascina,
Com essa mente de menina
E esse corpo de mulher.
Seu olhar profundo
Enxerga bem no fundo
De toda a situação.
Quero lhe dedicar uma canção.
Ao tocar o sinal,
Vá até o nosso local.
Aquele que há anos se encontra
Sozinho e vazio,
Porque isso muda hoje
Sem nenhuma pré-noção.
Sinceramente, eu nunca esperaria aquilo de . Fiquei boquiaberta, o que chamou atenção de Lídia. Guardei o bilhete no bolso e ela perguntou o que tinha acontecido.
– Depois lhe conto. Agora preciso resolver uma coisa – disse ao ver saindo. Eu não poderia esperar até o intervalo. Pedi licença para a professora e o segui, até que ele parou e sorriu para mim. Aquele sorriso de canto. E eu... Sorri de volta.
– Foi a forma que encontrei para dizer o que eu sentia.
– Cale a boca – puxei-o para perto de mim e o beijei, rezando para que ninguém nos visse ali. – Eu quero. Eu quero você, eu quero nosso amor, e não destruí-lo. Não vou sufocá-lo, não vou matá-lo. Eu quero isso. Eu nos quero! Amo você – falei com nossas testas coladas e ele sorriu um sorriso que me deu vontade de passar o resto do dia ali só para observa-lo. Dessa vez, ele que me beijou.
FIM
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