Finalizada em: 04/06/2020

01

Meus pés doíam, mas de maneira alguma isso era um incômodo para que eu continuasse andando naquele caminho. As árvores que permitiam que a nossa caminhada fosse à sombra, os pássaros que estavam responsáveis pela trilha sonora daquele lugar silencioso e o vento que refrescava nossos corpos daquele calor infernal faziam com que o cansaço físico virasse um mero detalhe. Eu já não sabia dizer por quanto tempo estávamos andando, mas percebi que havíamos chegado ao nosso destino quando ouvi a voz de , que até então, estava calado.
– Chegamos, ! – me avisou e eu soltei a sua mão que estava segurando, me arriscando a dar mais um passo para frente.
Se eu tivesse morrido e ido para o paraíso, talvez eu não estivesse em um lugar tão lindo como aquele. Estávamos em cima de uma pedra enorme e, em nossa frente, um pouco mais abaixo, tinha um lago com uma água tão limpa que era possível ver os peixinhos nadando no fundo. As árvores com folhas no tom verde escuro realçavam ainda mais a beleza daquele lugar.
– Uau! – Foi o que eu consegui pronunciar. Tudo era tão simples e ao mesmo tempo tão perfeito, eu estava encantada demais para formar frases.
– Esse é o meu lugar preferido próximo da fazenda, sempre que posso eu venho para cá. – disse, me fazendo voltar para o lugar em que estávamos. Minha mente havia viajado para longe e eu não tinha percebido.
– Acho que esse é o lugar mais lindo que eu já vi na minha vida. – Confessei, sem parar de olhar para aquele maravilhoso buraco cheio de água.
Escutei o barulho dos passos de e percebi que ele estava se aproximando, logo em seguida senti os seus braços em volta do meu corpo e então ele me abraçou por trás.
– Esse lugar se tornou o meu lugar favorito depois que o meu pai morreu. – Eu consegui sentir a tristeza de através das palavras que ele pronunciou.
Não consegui dizer nada, apenas me virei e encontrei o semblante de triste, abatido, completamente diferente do que sempre me fazia sorrir quando estava por perto. Segurei em sua mão e o puxei para baixo para que pudéssemos sentar no chão. Levei a minha mão direita em direção ao seu queixo para que ele levantasse a cabeça, parasse de olhar para baixo e olhasse para mim. Percebi que ele tinha algo a mais para me falar, então acenei com a cabeça para que ele continuasse e no mesmo momento, senti suas mãos segurando as minhas, era como se ele buscasse forças para colocar o que estava sentindo para fora.
– Eu tinha nove anos na época, meu pai trabalhava onde eu moro hoje e morávamos em uma pequena casa que tinha ao lado da fazenda. Estava chovendo muito na noite em que tudo aconteceu, eu estava na rede que ficava na frente da minha casa rezando para que a chuva passasse logo para que eu continuasse brincando. – fez uma pequena pausa, se esforçou o máximo que pôde para que as lágrimas, que já estavam tomando conta dos seus olhos, não escapassem. – As luzes da frente da minha casa estavam apagadas e através das luzes da fazenda eu consegui ver três caras entrando nela. Na mesma hora fui avisar o meu pai, ele estava na cozinha com a minha mãe e o meu irmão mais velho estava dormindo. Avisei que tinha gente na fazenda, sua expressão mudou na mesma hora, eu me lembro. Ele colocou uma faca no bolso da sua calça jeans e pediu para que eu não saísse de dentro de casa ate ele voltar, minha mãe pediu para ir com ele, mas ele não deixou. Deu um beijo em minha mãe e em mim e saiu logo em seguida. O que eu consegui ouvir depois disso foram os gritos do meu pai e o barulho de alguns tiros.
As lágrimas já percorriam o rosto de com facilidade e eu percebi que eu também estava chorando. Eu queria que ele parasse de chorar, que ele não sofresse, mas eu não sabia o que fazer para ajudá-lo.
– Eu sinto muito, . – Com dificuldade, eu consegui falar por cima das minhas lágrimas. Minha voz saiu mais baixa do que eu esperava e eu só tive a certeza de que tinha me escutado quando suas mãos apertaram as minhas com um pouco mais de força. – Eu sinto muito. – Sussurrei novamente enquanto o envolvia em um abraço apertado, o abracei com toda a força que eu tinha, desejando que a minha força destruísse toda a sua dor. – Eu sinto muito mesmo, .
Com a minha atitude, se sentiu à vontade para chorar, para colocar toda sua dor para fora, através das lágrimas. Vê-lo chorar foi uma das piores coisas que eu já havia presenciado na minha vida. Todos os momentos ao seu lado eram sempre tão alegres, que eu acabei me esquecendo de que ele também possuía problemas, tristezas e dores. Só o soltei quando notei que o barulho do seu choro não estava mais presente entre nós. Agora, além do barulho dos pássaros, que não paravam de cantar um minuto sequer, eu só conseguia ouvir a sua respiração acelerada. Encarei o seu olhar fundo e depositei um selinho demorado em seus lábios, que foi correspondido na mesma intensidade. Eu sabia que um simples beijo não seria capaz de fazer com que a sua dor diminuísse, mas eu queria mostrar que eu estava com ele, que eu me importava.
– Os três caras que eu tinha visto foram assaltar a fazenda, como encontraram só o meu pai por lá, acabaram o assassinando. – continuou e eu percebi que ele já estava melhor, mesmo conseguindo ver resquícios de mágoa pairando pelos seus olhos. – Eu fiquei louco, me culpei pela morte do meu pai, pois fui eu quem havia falado com ele sobre a presença daquelas pessoas na fazenda.
– Vocês não descobriram nada sobre os assassinos? – Me senti a vontade para perguntar, tomei cuidado para não dizer nada que o fizesse voltar para o estado que ele se encontrava em minutos atrás.
– Depois de alguns dias os policiais descobriram que os assassinos que tiraram a vida do meu pai eram os mesmos que assaltaram a loja do Senhor Joseph, na cidade. O Senhor Joseph era o dono da fazenda, ele quase enlouqueceu quando soube do meu pai, apesar de serem chefe e funcionário, eles eram muito amigos.
– E vocês não sentiram medo de continuarem morando por aqui? – Continuei com o meu interrogatório depois de sentir que estava à vontade para falar do assunto.
– Os assassinos foram presos. Pensamos em sair da fazenda, mas não tínhamos para onde ir, minha mãe não ia conseguir trabalhar para sustentar os dois filhos e, poucos dias depois da morte do meu pai, ela descobriu que estava grávida. O senhor Joseph se sentiu culpado por tudo que aconteceu e para tentar diminuir a culpa que ele nem tinha, ele nos deu a fazenda, já que ele tem várias, e continuou pagando para gente o salário que ele pagava para o meu pai. Já se passaram onze anos e até hoje ele faz isso.
– Eu nem sei o que te dizer, , por um momento eu me coloquei em seu lugar e imaginei o quanto tudo isso foi difícil para você. – Senti vontade de chorar novamente, mas me segurei.
– Foram os piores dias da minha vida, . – Ele abaixou a cabeça e deixou que o silêncio falasse por nós.
Respirei fundo e disse a primeira coisa que veio em minha cabeça. Era péssimo vê-lo assim distante, eu precisava ouvir a sua voz.
– Então foi o seu pai quem te mostrou esse lugar? Por isso ele é tão especial para você? – Perguntei ao me lembrar do início da nossa conversa.
– Não. – Ele negou com a cabeça. – Depois do enterro do meu pai, eu peguei o meu cavalo e comecei a cavalgar sem direção, depois de um bom tempo eu cheguei aqui. Confesso que pensei em me matar pulando dessa pedra, mas eu estava tão cansado que acabei pegando no sono antes e acabei sonhando com o meu pai. No sonho ele me disse que estava bem e que contava comigo para ajudar a minha mãe. – sorriu de forma sincera ao lembrar-se do seu sonho com o pai, consegui ver o brilho dos seus olhos que eu tanto amava novamente.
– Seu pai deve estar muito orgulhoso de você! – Eu concluí, só pela forma como ele falava do pai.
– Eu sinto que sim. Tudo o que eu sou ou pretendo ser, devo a ele e à minha mãe.
Sorri orgulhosa da pessoa maravilhosa que estava em minha frente. Agradeci mentalmente a todos os anjos existentes por ter me dado a chance de ter conhecido aquele rapaz maravilhoso. Eu era uma pessoa de muita sorte, disso eu não podia discordar.
– O que foi? – perguntou quando percebeu que eu estava sorrindo.
– É que eu me sinto muito especial só por ter te conhecido, . Não sei se mereço ter uma pessoa tão maravilhosa como você ao meu lado. – Respondi de forma sincera, sem deixar de encarar os seus olhos, que agora brilhavam.
– Você que é alguém incrível, . Eu não sei por qual motivo você entrou na minha vida, mas depois que eu te conheci... – Senti que não sabia exatamente o que dizer quando fez uma pausa que acelerou o meu coração. – Esses são os dias mais felizes da minha vida. Pode parecer cedo demais para dizer, mas eu gosto muito de você, , na verdade é muito mais que isso. – Eu já imaginava o que ele queria dizer e percebi que ele tinha certa dificuldade de falar sobre os seus sentimentos. – Eu amo você! – concluiu e eu agradeci a Deus por estar sentada. Eu não ia conseguir continuar em pé depois de ouvir aquelas palavras.
Eu não sei dizer por quanto tempo eu fiquei calada, só me dei conta de que eu estava paralisada e de boca aberta quando ouvi a voz de , por cima de sua risada.
? , pelo amor de Deus, fala alguma coisa. – Ele segurou em meus ombros e me balançou para que eu voltasse ao normal.
Balancei minha cabeça de um lado para o outro na intenção de que esses movimentos fizessem com que o meu cérebro voltasse a funcionar.
– Eu também amo você, . – Sorri e nem percebi quando uma lágrima saiu do meu olho, sem permissão.
mantinha o sorriso nos lábios e me encarava como se quisesse ler os meus pensamentos através do meu olhar.
– E por que você esta chorando? Amar não é bom? – Arqueou a sobrancelha demonstrando sua confusão e, segundos depois, secou a minha bochecha com a palma de sua mão. Ele usou tamanha delicadeza, que me fez pensar que ele estava com medo de me machucar com um simples toque.
– É, claro que é bom. – Respondi o que parecia óbvio. – Só que tudo é muito novo para mim, eu nunca senti isso antes, não dessa forma como eu sinto por você.
– Para mim também, . É novidade para nós dois, vamos aprender o que tivermos de aprender, juntos. Só eu e você.
O beijo que eu ganhei logo em seguida, destruiu todos os medos e receios que eu tinha quando ouvia falar sobre o amor. As mãos de começaram a percorrer todo o meu corpo fazendo com que eu me arrepiasse da cabeça aos pés. Eu não sei dizer por quanto tempo ficamos assim, só sei que eu estava sentindo um calor enorme e o sol já não estava tão forte como antes. Parei o nosso beijo antes que eu não conseguisse mais responder pelos meus atos.
... – O chamei e ele se levantou, já estávamos deitados na grama e nem percebemos.
– Desculpe, , acho que eu me empolguei. – Ele se levantou e pegou sua camisa que estava jogada ao lado.
– Fui eu? – Apontei para a camisa em suas mãos e para as marcas de unhas distribuídas pelo seu corpo.
Vi afirmar com a cabeça e dar um sorriso safado, e eu quis cavar um buraco no chão e enfiar a minha cabeça nele.
– Ai, meu Deus! – Tapei minha cara com as mãos para ver se a vergonha que estava sentido desaparecia.
Mesmo com os olhos fechados, eu tinha certeza que ainda estava rindo daquela situação.
– Vamos nadar? – Ele mudou de assunto e eu o amei ainda mais por isso.
– E como vamos entrar no lago? Vamos ter que pular daqui? – Me levantei e dei mais um passo à frente para conseguir enxergar o lago novamente. A distância entre a pedra e o lago não era tão grande, mas aquela pequena altura já me dava um pouco de medo.
– Não vai me dizer que você esta com medo. – riu e eu me virei em sua direção.
Eu estava com medo sim, mas ele não precisava saber.
– Se você pular primeiro, depois eu pulo. – O desafiei e, segundos depois, já estava dentro do lago.
Tirei a minha roupa e, pela primeira vez, eu não estava sentindo vergonha por estar sendo observada. Me senti a vontade ao lado de assim que pulei no lago. Ele não estava me olhando porque eu estava apenas com as minhas roupas íntimas. me olhava como se fosse capaz de enxergar além da carne, como se pudesse ver o que eu era por dentro. E eu nunca me senti tão desejada como naquele momento.
, por que você me trouxe aqui? – Eu perguntei depois que paramos de brincar dentro do lago por causa do cansaço.
– Esse lugar é como se fosse o meu diário, ele é muito especial para mim. – fez uma pausa e eu continuei calada para que ele prosseguisse. – É aqui que as lembranças do meu pai ficam nítidas em minha mente. E, eu quero que se torne especial para você também. Eu quero que daqui a um ou cem anos, você ainda possa se recordar que foi aqui que eu disse que te amava pela primeira vez.
... – Eu tentei interrompê-lo, mas ele continuou.
– Os momentos passam, as pessoas mudam e a única coisa que podemos levar intactas conosco são as recordações.
– Você fala como se estivesse se despedindo. – Aquela conversa trouxe uma tristeza para o meu coração e eu consegui demonstrar isso através da minha fala.
– Não temos certeza de nada, . Eu nunca vou me esquecer desse lago e só te trouxe aqui para ter mais um motivo para não abandonar esse lugar. Você é tão importante para mim quanto às recordações que tenho do meu pai.
me abraçou e eu senti que seu coração estava acelerado. Entendi de uma vez por todas porque aquele lugar era tão especial para e porque ele havia me levado lá. queria me colocar junto com as melhores lembranças do seu pai e aquele lago era como se fosse o histórico da sua mente. Assim como o seu pai, eu seria alguém que ele iria se recordar para sempre. E tudo isso era recíproco.



02

? – Já estávamos indo em direção à fazenda quando eu escutei o meu nome ser pronunciado logo depois que o barulho de um automóvel ligado se aproximou de nós.
– Oi, pai. – Respondi assim que reconheci aquela careca brilhante do homem que dirigia o carro. – O quê você está fazendo aqui? – Perguntei só para não ficar no meio de um silêncio constrangedor.
– Fui resolver umas coisas na cidade. E você esta vindo de onde, eu posso saber? – Ele perguntou e logo em seguida olhou para o parado ao meu lado, que até então estava calado. – Não vai me apresentar o seu namorado?
– Ele não é o meu namorado, ele... – Eu teria corrigido o que meu pai havia dito se o não tivesse me interrompido.
– Sou o , namorado da sua filha. – Respondeu estendendo a mão para cumprimentar o meu pai pelo vidro do carro. – Muito prazer, senhor...
– Hector, só Hector, sem o senhor, por favor. – Ele sorriu enquanto correspondia o cumprimento. – Bom, estou indo para casa, estavam indo para lá? Posso dar uma carona para vocês.
– Minha casa é logo ali. – apontou para o sentido contrário do caminho que percorríamos. – Eu só estava indo levar a .
– Então vamos juntos, filha. Não vai fazer o rapaz andar todo esse caminho se você pode ir comigo, né?
Olhei para o meu pai e concordei com a cabeça, em seguida, me virei para e segurei suas mãos.
– Eu não me lembro de ter recebido algum pedido de namoro. – Sussurrei baixinho em seu ouvido para que o meu pai não escutasse.
A sua risada gostosa tomou conta do ambiente silencioso e eu não consegui não olhar para aqueles olhos brilhantes, que sorriam também.
– Achei que isso estava incluso no eu amo você. – Ele brincou fazendo com que eu sorrisse também, me deu um selinho e me abraçou.
Entrei no carro e pude ver o meu pai se despedindo através da janela e dizendo que esperava uma visita de na nossa fazenda. E antes que o meu pai colocasse o automóvel em movimento, eu observei pelo retrovisor do carro, vi que ele já estava distante de nós, mas não estava longe o suficiente para que não me ouvisse. Foi pensando nisso que eu coloquei minha cabeça para fora e gritei.
? – Ele parou de andar e olhou para trás, ficou esperando que eu continuasse a falar e assim eu o fiz. – Eu aceito!
Ele me viu sorrindo e sorriu também. Se o pedido dele estava no "eu amo você", a minha resposta devia estar no "eu também", mas como não tinha certeza, achei melhor reforçar.
A curta viagem até chegarmos à fazenda foi silenciosa, o que de certa forma me assustava, eu tinha certeza que o meu pai estava com um questionário pronto em sua mente para usá-lo quando entrássemos em casa.
Assim que coloquei os pés dentro de casa, fui recebida da melhor maneira possível. Meu cachorro que mais parecia um urso, começou a morder minhas pernas como se quisesse falar comigo.
– Brad, sentiu minha falta, meu amor? – O peguei no colo esperando que ele me respondesse, eu tinha esperanças de que um dia isso poderia acontecer.
– Filha, onde você estava? Você demorou, fiquei preocupada. – Minha mãe apareceu na sala, junto com o meu pai que acabara de entrar no cômodo.
– Ela estava com o namorado dela. Encontrei com eles no caminho. – Meu pai foi mais rápido que eu e respondeu a pergunta que havia sido feito para mim.
– Namorado? Mas você me disse que era só um amigo, .
– Mãe, se eu dissesse que estava ficando com alguém que é um estranho para vocês, vocês não me deixariam sair de casa. – Dei risada da inocência da minha mãe enquanto colocava Brad no chão.
– Filha, você esta namorando um estranho! – Ela afirmou mais para ela mesma do que para mim.
– Ele parece ser gente boa, já disse que estou esperando uma visita dele aqui. – Meu pai interrompeu o suposto discurso da minha mãe e piscou para mim como se dissesse: "você está me devendo uma".
Ouvi mais alguns resmungos da minha mãe, mas assim que ela voltou para a cozinha, eu sorri para o meu pai.
– Te livrei de ouvir um discurso infinito sobre o seu namoradinho, sabia? – Meu pai falava como se fosse um herói que havia acabado de salvar uma vida.
– É por isso que eu te amo muito, pai, porque você sempre me ajuda. O que eu fiz para merecer um pai como você, hem? – Segurei o queixo com o dedo, fingindo pensar na resposta da minha pergunta.
– Eu sei que eu sou o careca mais lindo e maravilhoso que existe, você é muito privilegiada mesmo! – Meu pai gargalhou e beijou minha testa, sem perder a oportunidade de entrar da brincadeira.
– Palhaço. – Sorri enquanto subia as escadas, sendo acompanhada por Brad.

O tempo na fazenda passou muito rápido e, com isso, muita coisa em minha vida mudou. Minhas férias acabaram e eu comecei estudar na cidade mais próxima de lá, conheci a família do e também o apresentei para a minha mãe em um jantar em família. Ela adorou e toda aquela preocupação de antes acabou se transformando em um carinho que dava gosto de ver. Jurei para o que se ele roubasse os meus pais de mim, eu sequestraria a sua mãe. A senhora Brielle era um amor e era a sua cópia. O carinho com os filhos, a sua dedicação, seu cuidado com eles e o amor pelo próximo era o seu diferencial. Eu nunca havia conhecido um ser humano igual a ela. Evan, o irmão mais novo de , era a alegria em forma de pessoa, suas piadas eram sempre as melhores e as suas brincadeiras nunca se tornava um incomodo. Luke, o irmão mais velho, era o chefe da casa. Nos poucos dias de convivência eu consegui enxergar nele todas as qualidades que me contava sobre o seu pai. Era lindo ver um garoto, no auge da sua juventude, se importar tanto com a família. Eu não tinha dúvidas de que aquela era a melhor família que eu poderia ter conhecido.
– Para de frescura, , vem logo. – tentava me convencer a segui-lo, enquanto me puxava pelo braço.
– Por que eu sinto que você está aprontando? – Andei com um pouco de receio em direção ao seu quarto. Aquele caminho eu já conhecia muito bem.
Ele deu uma risada gostosa enquanto abria a porta do nosso ninho de amor, vulgo, seu quarto.
– Quero te apresentar o meu pequeno amigo. – Ele disse assim que conseguimos visualizar o seu quarto através da porta aberta.
Varri o seu quarto com o olhar, mas não encontrei nada, o encarei e notei sua cara de decepção.
– Que amigo? Um fantasma? – Brinquei e vi revirar os olhos e apontar para a cama com a cabeça, logo em seguida.
Vi uma coisinha branca se mexendo no meio das almofadas, tão pequena que se eu entrasse no quarto sozinha, correria um sério risco de sentar em cima daquele animalzinho. , agora, teria que usar lençóis com cores diferentes na sua cama, com certeza.
– Oi, cachorrinho. – Eu falei assim que consegui enxergar o filhote.
– Não chama ele assim. – me repreendeu como se eu tivesse falado um absurdo.
– E eu vou chamá-lo como?
– Paçoca. – Ele disse enquanto colocava aquela pequena bola de pelos em seu colo.
Tentei segurar a risada, mas foi impossível. Como ele foi capaz de colocar um nome daqueles em um cachorro tão fofinho? Aquilo não fazia nenhum sentido. Com certeza aquele cachorro sofreria bullying quando crescesse e se ele falasse, certamente pediria que mudasse o seu nome.
– Como? – Me atrevi a perguntar só para ter certeza de que eu havia escutado direito.
– Paçoca. – Ele respondeu mais para o cachorro do que para mim. Ele estava olhando-o como um pai olha para um recém-nascido, literalmente. E era lindo de se ver.
– Eu juro que não vou deixar você escolher o nome dos nossos filhos. – Comentei, arrancando um sorriso de . Deitei na cama e ele fez o mesmo, deixando Paçoca no meio de nós dois.
– Você fala como se Brad fosse um nome bem lindo, né? – Ele me olhou fingindo estar sério.
– Ei, Brad é um nome bonitinho.
– Paçoca também. – Pelo tom que ele usou, eu quase acreditei que ele estava ofendido.
Ficamos por um bom tempo discutindo de uma forma engraçada sobre os nomes dos nossos cachorros. falaria sobre o nome do Brad até eu me acostumar com Paçoca, eu tinha certeza.
Aproveitamos o momento em que o Paçoca nos deixou a sós na cama de casal, assim que ele encontrou uma bolinha perdida no quarto e resolveu brincar pelo tapete, para matarmos a saudade que estávamos sentindo um do outro, devido às horas que ficamos separados. Os lábios de sabiam exatamente como se encaixar nos meus. Seu beijo era calmo e doce, sem deixar de ser excitante. Era como se os nossos corpos viajassem para um outro universo, distante de tudo e de todos.
... – Sussurrei em seu ouvido assim que escutei duas batidas na porta do seu quarto, tendo toda a atenção dos seus olhos castanhos voltada para mim. – A porta. – Indiquei com a cabeça, ele estava tão ocupado enquanto distribuía beijos pelo meu pescoço que provavelmente não tinha notado a presença de um outro alguém do lado de fora do quarto.
– Ah. – Vi a decepção em seus olhos enquanto ele arrumava suas roupas e ia em direção à porta.
abriu a porta e eu consegui enxergar a imagem sorridente de Evan, nos olhando com uma cara de quem imaginava o que estávamos fazendo, ou pretendíamos fazer.
– O que você quer, pirralho? – falou em um tom de brincadeira, não era para ofender o irmão mais novo ou algo do tipo.
– Eu estou morrendo de medo. – Falou de um jeito manhoso, ganhando a minha atenção.
– O que aconteceu, Evan? – Fiz menção de me levantar, mas ele fez um gesto com as mãos para que continuasse na cama.
– Eu estou vendo umas coisas muito estranhas, ultimamente. – Olhei para ele demonstrando a minha confusão.
– O quê? – Eu gritei assustada, olhei para e só então percebi que ele estava rindo, olhei para Evan e vi que ele fazia o mesmo. Era mais uma brincadeira dele e eu cai feito um patinho.
– Você é um palhaço, Evan, não vou acreditar em mais nada que você me disser. – Fingi que estava brava, mas não demorou muito para que eu fosse contagiada pelo sorriso dos dois.
– Na verdade eu vim chamar vocês para jogarmos baralho. – Evan disse de uma forma animada e apesar de tudo, eu tive vontade de apertar as suas bochechas.
– Agora? – olhou para mim como se dissesse: eu tinha outros planos.
– Estão com medo de perder?
Segurei o riso quando percebi que aquele garotinho estava nos desafiando. Apenas com um olhar, entendeu o que quis dizer e no segundo seguinte, nós dois estávamos enchendo Evan de cócegas e indo em direção à sala.
– Você vai ver quem está com medo aqui, rapaz. – Brinquei com ele enquanto chegávamos na sala de estar.
Assim que sentamos próximos da mesa, descobri que íamos jogar truco. Como eu não sabia nada sobre o jogo, os meninos gastaram um bom tempo me explicando tudo.
– Vamos começar porque não vejo a hora de ganhar. – Evan gritou animado, talvez por ter notado a minha dificuldade em entender a explicação dos irmãos.
Joguei junto com o , contra Evan e Luke, e claro, perdemos feio. Era muita coisa para minha cabecinha e cada jogada minha era uma burrada diferente. Os momentos ao lado dos três sempre eram de alegria, a união entre os irmãos era de dar inveja. Se eu tivesse uma irmã com certeza eu não teria tanta paciência assim.
Depois do jogo, passamos a tarde inteira conversando e comendo, Brielle era uma cozinheira de mão cheia e eu tinha certeza que eu já estava com alguns quilos a mais desde o dia que comecei a frequentar aquela casa.
, acho que já vou embora. – Falei em seu ouvido já que estava deitada em seu ombro.
– Mas ainda é cedo.
– O clima lá em casa está muito estranho, acho melhor eu ir. – Confessei e deixei transparecer a minha preocupação com algo que eu nem sabia o que era.
– O que aconteceu? – Vi a preocupação em seu olhos ao me questionar.
– Para falar a verdade eu não sei, mas ultimamente sempre pego os meus pais discutindo e quando estou por perto eles mudam de assunto. Sinto que eles estão me escondendo alguma coisa.
– Não deve ser nada de mais, . – beijou o topo da minha cabeça e me abraçou. Me senti protegida independente de qualquer coisa que pudesse acontecer.
– Vamos? – Me levantei e ele fez o mesmo, me despedi do pessoal e saímos andando em direção a minha fazenda.
Combinamos de passar à tarde do domingo juntos. Minha mãe não parava de falar que eu morava mais na casa do do que na minha própria casa, para evitar esse tipo de comentário – que eram apenas verdades –, combinei com o que passaria a manhã toda com os meus pais, já que na semana eu não tinha muito tempo devido ao Colégio.
Cheguei na fazenda e antes mesmo de entrar em casa, ouvi os meus pais conversando, ou melhor, discutindo. Assim que passei pela porta o silêncio tomou conta do local, meu pai fingia que estava assistindo um filme e minha mãe fazia qualquer outra coisa na cozinha. A expressão deles me lembrava a de uma criança quando é pega fazendo algo de errado.
– Por que o meu pai está com a cara tão fechada? – Perguntei para a minha mãe sobre a expressão do meu pai.
– Não é nada de mais, filha. – Ela me garantiu, mas eu não acreditei.
– Está tudo bem? – Tentei puxar assunto com o meu pai ao me aproximar dele para ver se eu conseguia descobrir o que estava acontecendo debaixo do meu próprio teto.
– Claro, filha. E aí como foi o seu dia? – Meu pai me respondeu me convencendo 0% e mudou de assunto logo em seguida.
– Legal. – falei sem ânimo algum assim que comecei a subir os degraus da escada. – Vou tomar banho, daqui a pouco desço para o jantar.
Deitei na minha cama e logo em seguida Brad fez o mesmo, deitando ao meu lado.
– É, Brad, temos um problema por aqui! Bem que você podia me contar o que está acontecendo, né? – Perguntei esperando que ele fosse me responder.
O jantar só não foi em total silêncio devido às perguntas desnecessárias do meu pai. Eu tinha certeza que tudo aquilo era para que eu não perguntasse nada sobre o clima chato que havia se instalado em casa. Afinal, qual pai se interessa em saber o que a filha comeu no almoço ou se ela toma leite com uma ou duas colheres de Nescau, no café da manhã? O meu com certeza não.
Acordei no domingo mais cedo do que eu pretendia, tudo isso, graças aos gritos dos meus pais. Sim, gritos, eles discutiam de uma forma que eu nunca tinha visto antes. Minha porta estava fechada e isso impedia que eu entendesse qual era o assunto da discussão. Quando eu decidi descer para saber o que estava acontecendo o volume de suas vozes diminuíram. Mesmo assim, coloquei as minhas pantufas preferidas nos pés e sai do meu quarto. Antes mesmo que eu pudesse começar a descer pelos degraus, escutei a voz do meu pai. Dessa vez, sem os gritos da minha mãe e sem a porta fechada para atrapalhar.
– Está decidido, Catherine, vamos ter que voltar para cidade o quanto antes.
– Como é? – Eu gritei do segundo andar, descendo rapidamente pelas escadas logo em seguida.
Parei em frente aos meu país, que estavam imóveis no meio da sala, eu já estava com vestígios de lágrimas nos olhos só de pensar na possibilidade de deixar aquele lugar.
– Eu fiz uma pergunta. – Gritei novamente quando percebi que nenhum dos dois pretendiam me responder.
Vi minha mãe acenar com a cabeça para o meu pai, como se desse permissão para que ele falasse comigo o que estava acontecendo.
– Nós perdemos tudo, , tudo. – Meu pai começou a falar e pela primeira vez na vida eu o vi chorando. – O Albert roubou tudo o que eu tinha, minhas empresas, meus apartamentos, meus investimentos.... Ele me roubou tudo.
Albert era o melhor amigo do meu pai. Os negócios dele estava indo de vento em polpa. De uma hora para outra meu pai decidiu morar na fazenda do outro lado do país, que havíamos herdado dos meus avós. Ele dizia que precisava de sossego e por isso deixou Albert, que era o seu melhor amigo, tomando conta de tudo que era seu. No início eu achei tudo isso uma loucura, eu não queria largar a cidade e ir viver em um lugar totalmente desconhecido. Meus primeiros dias na fazenda foram horríveis e eu só passei a aceitar a ideia quando conheci , em umas das minhas caminhadas sem destino pela estrada de terra. Agora, depois de tanto tempo, só de pensar na possiblidade de deixar aquele lugar, eu sentia uma dor enorme no coração.
– Não sei como ele teve a coragem de me roubar, mas é como se eu tivesse passado todos os meus bens para o nome dele. Só fiquei com a casa na cidade e com essa fazenda porque está no nome da sua mãe. – Meu pai continuou explicando, me deixando mais confusa a cada palavra que saia da sua boca.
– Então por que precisamos ir embora? Se a fazenda ainda é nossa, vamos continuar aqui. – Apesar do clima tenso eu consegui sorrir pela ideia que passou pela minha cabeça. Claro, como eles não pensaram nisso?
– Os gastos que tínhamos na cidade eram bem menores do que os que temos aqui, filha. Seu pai precisa estar lá para tentar recuperar tudo o que perdeu. E essa fazenda é muito valiosa, já achamos um comprador que... – Minha mãe se pronunciou e eu preferia que ela tivesse ficado calada. Assim que ouvi as palavras fazenda e comprador o meu sangue ferveu e eu a interrompi.
– Vocês não podem vender a fazenda. Eu não vou voltar para lugar nenhum. – Gritei o máximo que pude, só para deixar claro que o que eu estava falando era sério.
– Você vai sim, já estamos organizando tudo para vendermos a fazenda e vamos ir embora o quanto antes. Com esse dinheiro eu vou conseguir pagar um bom advogado e recuperar tudo o que é meu.
– Você não pode me obrigar, quem você pensa que é? – Gritei apontando o dedo na cara do meu pai.
Eu realmente estava muito nervosa, as lágrimas já desciam pelo meu rosto sem permissão e eu não tinha mais controle dos meus atos. Em um outro momento, eu jamais falaria com os meus pais daquela forma.
– Eu sou o seu pai! – Ele elevou o tom da sua voz me fazendo dar um passo para trás por medo. Seu rosto estava vermelho e ele estava me assustando.
Eu não conseguia mais segurar minhas lágrimas. Por mais que a minha vontade de gritar e mandar tudo e todos para a puta que pariu, o medo de machucar o meu pai com as minhas palavras era muito maior.
– Bem que eu te avisei que não era uma boa ideia deixar tudo nas mãos do Albert, Hector, eu te avisei. – Minha mãe quebrou o silêncio, jogando tudo na cara do meu pai como se isso fosse adiantar alguma coisa.
– Eu pensei que ele era meu amigo de verdade, Catherine, ele sempre me pareceu ser um cara tão honesto que eu nunca imaginei que ele pudesse fazer alguma coisa desse tipo.
– Você não sabe que as aparências enganam? Bom, agora não adianta mais nada reclamar. – Minha mãe concluiu enquanto ia em direção à cozinha, me deixando a sós com o meu pai.
– Pai? – Chamei e recebi sua atenção, seus olhos estavam vermelhos e eu sabia que ele voltaria a chorar a qualquer momento. – Desculpa, pai, mas é que eu não quero ficar longe do , você sabe o quanto eu estou feliz, não estrague tudo isso, por favor.
Meu pai segurou a minha mão e me direcionou ate o sofá mais próximo, eu estava aos prantos e acho que ele percebeu que eu poderia cair a qualquer momento.
– Eu só quero a sua felicidade, filha, mas dessa vez eu não posso fazer nada. Não podemos ficar aqui e nem te deixar para trás. Sinto muito, mas já está decidido.
Eu sabia que nada que eu dissesse faria com que meu pai mudasse de ideia, por isso, antes mesmo de formular alguma frase para retrucá-lo, eu saí andando em direção a porta de entrada da fazenda. Antes de passar por ela, ainda consegui ouvir a voz da minha mãe.
, aonde você vai?
– Eu preciso ficar sozinha. – Gritei sem olhar para trás e comecei a andar pelo caminho que eu conhecia tão bem.



03

A água do lago estava mais gelada que o normal, mas eu não sentia frio, nem vontade de sair de lá. Mesmo com o meu rosto molhado, eu sabia que muitas lágrimas ainda percorriam por ele apesar de não conseguir distingui-las das gotas de água. Meu coração doía de uma forma que não era possível descrever. Eu não queria acreditar que toda aquela conversa com o meu pai realmente existiu, desejava que tudo aquilo fosse o meu pior pesadelo e que quando eu acordasse, tudo estaria bem. A verdade era que eu havia me apegado em tudo naquele lugar.
Ouvir os pássaros cantando era muito melhor do que ouvir o barulho do trânsito da cidade; Respirar o ar puro com cheirinho de natureza era bem melhor do que inalar toda aquela poluição e claro, ficar ao lado de era mil vez melhor do que ir para festas ou shopping com as amigas.
conseguiu ocupar o lugar mais incrível que existe dentro de mim em tão pouco tempo. Foi ele quem me ensinou a amar, foi ele quem fez com que eu sentisse vontade de ser uma pessoa melhor em cada amanhecer. Eu estava tão concentrada nos meus pensamentos que quando olhei para o lado e vi dentro da água, achei que estava delirando. Ele se aproximou de mim com um sorriso tímido nos lábios, tentei sorrir também, mas não consegui.
– Fui à sua casa e sua mãe disse que você não estava, imaginei que estivesse aqui. – Continuei em silêncio, a tristeza que eu estava sentindo me impedia de dizer qualquer palavra. – Ela me contou tudo.
Pela primeira vez naquele dia, meus olhos encontraram com os de . Seu rosto estava pálido e seus olhos estavam vermelhos, o que me fez concluir que ele estava chorando. Aquilo foi a gota d'água para mim. Cheguei mais perto e o abracei, abracei com toda a minha força. Aquela situação em si já era complicada demais para mim e, saber que também estava sofrendo com toda essa reviravolta na vida dos meus pais fez com que minha dor aumentasse.
– Eu não quero ir embora daqui, , eu não quero me separar de você. – Minha voz saiu entre os soluços, mas, mesmo assim, conseguiu me entender.
– Eu também não queria que tudo isso acontecesse, , não foram esses os planos que eu fiz para gente. – demonstrava nervosismo em sua fala, resquícios de tristeza permaneciam presentes em sua voz. – Mas infelizmente não podemos fazer nada.
Eu me soltei do seu abraço assim que ouvi suas palavras. Como assim não podíamos fazer nada? Eu pensei que ele ia me dizer que tudo ia ficar bem, que íamos encontrar uma solução juntos.
– Como assim não podemos fazer nada? – Falei o que eu estava pensando demostrando a minha decepção, não era aquilo que eu esperava ouvir dele.
Ele procurou minhas mãos que estavam dentro da água para segurá-las antes de começar a falar.
, você lembra de tudo o que conversamos quando viemos aqui pela primeira vez? – Eu assenti com a cabeça e ele continuou. – Perder o meu pai foi a pior coisa que me aconteceu. Sei que são situações completamente diferentes, mas o que eu quero te dizer com isso é que por mais que as situações sejam complicadas, temos que aceitá-las, .
– Você está me dizendo que eu devo ir embora e esquecer tudo o que estamos vivendo? – Perguntei incrédula sem deixar de olhar no fundo dos seus olhos.
– Eu estou dizendo que você não deve pensar só em você. Imagina como seria pior se eu deixasse a dor que eu sinto pela falta do meu pai fazer parte do meu dia a dia. Seria uma dor a mais que as pessoas que se preocupam comigo teriam que suportar. Não é porque eu não fico chorando o tempo todo que eu esqueci do meu pai. Ainda dói, , dói bastante. Mas eu prefiro recordar de todos os momentos felizes ao seu lado.
... – Tentei interrompê-lo, mas ele continuou.
– Está sendo difícil para os seus pais também. Ou você acha que eles estão felizes em te deixar assim?
Pensando bem tinha razão, não era certo colocar o problema como foco na minha vida e eu estava fazendo isso. Eu sequer havia parado para tentar entender os motivos ou até mesmo buscar soluções para o problema que surgiu na minha vida e na dos meus pais.
– Eu não quero ficar longe de você, . Eu não quero acabar com tudo isso que a gente está vivendo. – Confessei por cima das lágrimas que já invadiam meus olhos mais uma vez.
– Se eu pudesse eu iria com você, mas minha mãe e meus irmãos precisam de mim. – Sua voz triste tomou conta de mim e mesmo com a ausência das lágrimas em seus olhos ele também estava destruído por dentro.
Fiquei algum tempo em silêncio enquanto um filme passava pela minha cabeça. Embora fosse a melhor coisa que aconteceu comigo naquele tempo, meus pais também eram importantes para mim. Eu não podia simplesmente ignorá-los, embora fosse essa a minha vontade. Eles fariam qualquer coisa por mim, por que eu não poderia fazer o mesmo?
– No fundo eu os entendo, embora eu não concorde com tudo o que estão fazendo. – fechou os olhos e eu imaginei que ele já sabia o que eu ia falar. – Já que eu não tenho outra escolha, eu vou embora com os meus pais.
Um tiro. Aquelas palavras atingiram como uma bala perdida, sua expressão de dor e os seus olhos marejados não me deixavam mentir. O beijei com certa urgência, um gosto salgado devido as nossas lágrimas estava presente, beijei porque sabia que quando os nossos lábios se tocavam, nossas almas se uniam. Eu precisava daquele beijo. Céus, como eu precisava. Era como se eu me renovasse cada vez que os nossos lábios estavam colados um no outro. não queria que eu fosse embora, mas ele estava me apoiando para não tornar aquele momento mais difícil para mim.
– Eu nunca vou me esquecer de você. Você me ensinou a valorizar os melhores momentos da vida e a me recordar somente deles. – Fui sincera enquanto sentia sua respiração contra a minha. – Te amar foi a melhor coisa que me aconteceu.
– Eu te amo tanto, . Distância nenhuma vai fazer com que eu me esqueça você e de tudo o que a gente viveu. – Ele me abraçou e eu senti que era a sua forma de agradecer por tudo o que vivemos juntos.
– Talvez o nosso amor tenha nascido somente para que pudéssemos ter algo valioso para recordarmos no futuro. – sussurrou contra os meus lábios.
– Eu vou me recordar de tudo que vivermos juntos, vou me lembrar até dessa nossa despedida. – Confessei enquanto deslizava minhas mãos sobre o seu rosto.
– Prefiro dizer que é um até logo, não tem como me despedir sabendo que você vai continuar morando dentro de mim.



Epílogo

Dez anos depois...

Eu estava me arrumando em frente ao espelho, pensando no quão importante era aquele dia em minha vida. Não conseguia explicar por que as lembranças da minha adolescência e juventude estava tão presentes em minha mente como naquele momento.
Nesses dez anos que se passaram, minha vida mudou de cabeça para baixo. Meu pai demorou a conseguir de volta tudo o que era dele, passamos por uma fase difícil e só depois de muito tempo as coisas voltaram ao seu lugar. A primeira coisa que o meu pai fez foi tentar comprar a fazenda novamente, mas o novo dono não tinha interesse em vender.
Mantive contato com por muito tempo, tentamos fazer dar certo o que nós tínhamos, mas a distância não colaborou nem um pouco para que isso acontecesse. Eu achei que fosse morrer de amor no início, não entendia como consegui gostar de alguém tão forte assim e em tão pouco tempo. Eu achava que não era justo com nós dois algo tão lindo acabar.
O nosso relacionamento de fato acabou quando percebemos que estávamos mais atrapalhando a vida um do outro do que evoluindo juntos mesmo com a distância. Eu sentia que estava impedindo de viver a sua vida real, presente, ao vivo. Enquanto isso, achava que eu merecia mais do que o que ele estava podendo me oferecer naquele momento. Por muito tempo eu aceitei sofrer pelo término, eu me recusava a falar sobre o amor, porque na minha mente só vinha e a nossa história que não deu certo. Um pouco depois eu tentei conhecer outras pessoas, mas eu estava sempre buscando nelas algo que me lembrasse dele e isso só me frustrava ainda mais.
Depois de muito eu entendi que sempre seria o meu primeiro amor, independente do que acontecesse. E que mesmo ainda estando solteira, em algum momento apareceria alguém capaz de me fazer amar novamente sem que eu precisasse exclui-lo da minha mente.
– Alô? – Atendi ao telefone que tocou e me tirou dos meus pensamentos, ao ouvir a voz do outro lado da linha eu não pude deixar de sorrir. – Pai, já estou com saudades, acredita?
Meus pais haviam viajado, finalmente eles conseguiram comprar a fazenda novamente e voltaram lá para assinarem os papéis, depois de tantos anos. O homem que havia comprado faleceu e a família dele resolveu se mudar. Como meu pai acabou fazendo amizade com eles, ele foi o primeiro e o único que soube do interesse deles em vender a fazenda. Os meus pais ainda sonhavam em viver lá, mas queriam fazer tudo com calma, por isso aquela era uma viagem rápida e com data para voltar.
Confesso que fiquei com vontade de ir também e a primeira coisa que pensei foi em como seria rever novamente. Talvez ele nem morasse mais lá, poderia ter formado uma família e se mudado, tudo era possível. Muitos anos se passaram, a muito tempo não nos falávamos mais e tudo podia ter acontecido. Só que eu não fui para evitar esse possível reencontro, longe disso, eu apenas tinha outras prioridades. Estava inaugurando a minha segunda clínica veterinária e eu não podia estar mais feliz. Meus pais até pensaram em adiar aquela viagem para me prestigiar, mas eu não permiti, sabia que aquilo também era importante para eles e em todos os outros momentos da minha vida eles estavam presentes.
– Filha, agora oficialmente a fazenda é nossa de novo. – Ele comunicou animado e eu consegui imaginar o tamanho do sorriso que ele mantinha nos lábios. – Agora minha veterinária favorita pode voltar aqui quando quiser.
– Que notícia boa, pai, eu fico muito feliz por isso. Não vejo a hora de voltar. – Respondi tentando imaginar como lá devia estar diferente.
– Espero que seja em breve! Você já está indo para a clínica nova? Não quero te atrapalhar. – Ele perguntou sem esconder a animação.
– Estou me arrumando ainda, pai, tenho muito tempo até lá. – Avisei para que ele ficasse tranquilo.
– Certo, boa sorte, filha, eu e sua mãe estamos aqui na torcida e morrendo de orgulho. Queríamos muito estar ai com você, mas estamos de coração. Catherine disse que te liga mais tarde para saber de tudo. – Ele falou e eu me segurei para não chorar e borrar a maquiagem. – Te amamos muito!
– A felicidade que vocês estão sentindo hoje já vale como se vocês estivessem aqui do meu lado. – Sorri mesmo sabendo que ele não veria. – Eu amo vocês!
– Mais tarde nos falamos. Ah, tenho um presente para você, vou te mandar agora porque tem ligação com esse dia de hoje que é tão especial para você, olhe antes de sair de casa, tudo bem? Conheço bem a filha que tenho e sei que você vai gostar. – Ele mudou o seu tom de voz e eu podia jurar que meu pai estava aprontando algo.
– Certo, meu careca favorito.
Nos despedimos e logo em seguida recebi um vídeo em meu celular, vindo do número do meu pai. Não consegui conter a curiosidade, principalmente ao ver a imagem de apenas um homem na mídia recebida. Tentando não imaginar o que poderia ser aquilo, apertei o play ouvindo a pessoa que estava aparecendo ali.
“Oi, , eu preferia falar com você pessoalmente, mas se você não está aqui, tenho que apelar a tecnologia para te parabenizar antes que o seu pai...”
Eu pausei a reprodução ao sentir o meu coração acelerar de uma forma que a muito tempo eu não sentia, há mais de dez anos para ser mais exata. Aquele homem incrivelmente bonito no vídeo, com barba e muitos músculos a mais, poderia ter passado despercebido por mim se não tivesse despertado um sentimento que estava adormecido há muito tempo dentro do meu coração.
, eu não acredito que você está fazendo isso comigo. – Falei comigo mesma, com um sorriso de orelha a orelha, antes de respirar fundo e preparar meu coração para ver como toda emoção do mundo o restante daquele vídeo tão especial.





FIM.



Nota da autora: Olá, amores! Espero que tenham gostado da história, não deixem de comentar o que acharam, vou ficar feliz em saber. Caso queria conhecer outras histórias minhas, entrem no meu grupo do facebook. Beijos!





Nota da beta: Lembrando que qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.


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