12. A Rosa e o Beija-Flor

Capítulo 1 – NOVEMBRO 2016.

**** POV****


– Quem é?
Ouvi várias vozes perguntarem isso enquanto alguém se aproximava da parte da areia na qual nós estávamos. Chequei as horas no meu celular, eram 2h. Eu só soube que era uma pessoa porque ela carregava uma luz, a lanterna do celular provavelmente. Antes que eu pudesse imaginar que era um serial killer e me arrepender daquele fatídico dia no qual eu voltei com meu ex – já faz um ano que terminamos de verdade, estou curada –, a luz caiu no chão, junto com a pessoa misteriosa.
Todos rimos.
Duas das meninas caminharam alguns metros até alcança-la e gritaram:
– É o Guilherme!
Eu não sabia quem era o Guilherme, mas a julgar pelas expressões e comentários, tudo estava bem agora. Bebi mais um gole do que havia no meu copo, também não identificado. Aquela noite estava cada vez mais misteriosa.
– Quem é Guilherme? – Perguntei ao Vitor, uma das poucas pessoas ali que eu conhecia bem, bem até demais.
– Ele é da faculdade também. Não sei quem o chamou, mas o cara é maneiro. Você não lembra dele na casa do Igor com a gente?
Fiz que não com a cabeça.
Forcei minha memória, mas não consegui lembrar através do nome. Talvez o rosto me ajudasse. Olhei para o Guilherme, que ainda estava tentando se livrar da areia em seu rosto enquanto uma das meninas, a Luísa, segurava uma lanterna para ajudá-lo. Só consegui ver com clareza seu cabelo loiro. Meio cabelo. Fiquei confusa porque metade estava quase raspada e a outra estava presa num rabo de cavalo que ia até seu ombro. Ele vestia uma blusa rosa claro com os dizeres em branco "Schwifty". Já gostei. Vendo-o do chão, ele parecia alto.
– Por que ele não veio com todo mundo? – Perguntei.
– Deve ter se perdido. Ninguém tá sóbrio aqui – disse olhando ao redor, enquanto sorria de um jeito que só os chapados conseguem sorrir, como alguém se estivesse sentindo orgulho
– Eu não estou – retrucou Ana irritada.
– Graças a Deus! Porque ninguém merece a e o Igor sóbrios – disse Isabele.
Revirei os olhos.
Eu morava com aquelas duas meninas em Niterói há três meses. Não porque eu tinha grana, mas o deslocamento que eu fazia todos os dias de Nova Iguaçu para minha faculdade além de longo, era caro. As conheci através de um grupo da internet onde as pessoas procuravam outras para dividir aluguel, e aquela foi a melhor coisa que aconteceu no meu último semestre. Apesar da Ana nunca admitir que estava bêbada e não saber a hora de parar, de resto, ela era ótima.
– De novo: como nós viemos parar aqui? – Perguntou Ana pela décima vez.
– Ai, amor! Esquece isso e me beija – disse Isabele antes de conseguir beijá-la.
– Você precisa me contar, – disse Ana voltando-se para mim.
– Ah... aqui? – Olhei ao redor – Na praia?
– É.
– Eu também não sei – dei de ombros – Você sabe, Vitor?
, a gente estava na casa do Igor e você pilhou todo mundo para vir para cá.
– Pilhei?! – perguntei confusa.
– Romero Britto! Jarbas! – brincou Vitor.
– O rolê começou a ficar estranho – riu Isabele.
Estávamos num grupo de 10 pessoas, se eu não contei errado. Metade delas estava nua criando coragem para entrar no mar e as outras estavam mais perdidas que eu. Tinha um cara deitado bem próximo de mim, no grupo dos com-roupa, parecia ser o Guilherme. Bebi um pouco mais para tentar ajudar minha memória, sem sucesso. Ao olhar para frente, encontrei o olhar fixo de Vitor, enquanto ele falava, eu só consegui sentir meus olhos pesando e não entendi nenhuma de suas palavras. Ao fundo, uma pequena caixa de som tocava "Bad liar" da Selena Gomez, e apesar de essa ser uma das poucas músicas pop que eu gostava, não aguentava mais ouvi-la. Me distrai vendo o Bruno dançar essa música para o Igor de forma tão escrachada que Elton gritou “Que safada!” e eu acabei rindo.
– Desculpa! Essa música, sabe? É engraçada. Mas eu estava ouvindo – menti.
– Então, você entende que é o melhor para gente, ?
Assenti.
Acho que o que ele estava falando era mais sério do que eu imaginava. Nós éramos amigos que se beijavam e pelo vist,o eu estava distraída demais para ouvir seu discurso de "pé-na-bunda". Como eu não sentia nada por ele, me agradeci internamente por não o ter ouvido. Eu estava curtindo a fase que vem depois de um término doloroso chamada “eu não ligo para ninguém”.
– Amigos?
Respondi com um sinal positivo com as mãos, só para irritá-lo, eu confesso. Funcionou tão bem que ele se levantou e foi na direção do mar.
De repente ficou muito frio. Eu estava arrepiada. Meu primeiro impulso foi olhar para minhas pernas, de forma que lembrei que estava usando uma canga como saia. Em poucos segundos, eu estava na areia, enrolada numa canga azul com flores amarelas que tinha me custado uma semana a mais naquele maldito estágio, mas isso não importa agora. Já era tarde demais quando eu comecei a me incomodar com os grãos de areia entrando na minha orelha e se alojando na minha nuca. Eu deveria ter coberto minha cabeça!
e Guilherme! – Gritou uma voz que eu reconheci como a do Igor.
Como a areia estava realmente me incomodando, o obedeci. Foi difícil, mas consegui me desenrolar da canga, que mais parecia meu casulo e sentei. Ouvi algumas risadas enquanto fazia isso, mas a maioria da galera estava distraída.
– Oi – disse Guilherme ainda sonolento.
– Mar. Agora.
Só nessa hora que eu percebi que o Igor estava encharcado. Por sorte, ele estava de roupa. Eu certamente não iria querer vê-lo nu e muito menos entrar no mar naquela escuridão. Aliás, o namorado dele, o Bruno, me matéria se eu o tivesse visto assim.
– Fé – respondi rindo enquanto ainda lutava contra os grãos no meu cabelo.
– Você quem disse que entraria no mar! – Disse Elton como se eu tivesse acabado de quebrar o nariz da mãe dele.
Eu odeio bêbados. Pensei que o Elton fosse meu amigo!
– Eu?
– Pior que sim, amiga – confidenciou Isabele.
Droga. Eu falo demais.
– Eu sabia que você ia dar para trás, cara – disse Vitor, ao se aproximar de onde estávamos de novo.
Por algum motivo, ouvir isso naquele momento me incomodou demais. Eu já estava de biquíni e livre da minha canga, então corri até o mar e nele entrei. A água estava mais quente do que eu esperava, mas o efeito do álcool passou muito rápido. Comecei a ficar preocupada em ser devorada por um polvo gigante ou ser capturada por um pirata, até que o Guilherme emergiu do meu lado.
– Oi.
Dei um gritinho devido ao susto. Ouvi algumas risadas.
– Foi mal – ele riu – Você é a...?
. Guilherme, certo?
Ele concordou.
O silêncio começou a ficar constrangedor, mas algo me dizia que sair da água naquela hora me mataria de frio, então eu fiquei. Para minha sorte, ele quebrou o silêncio em poucos segundos:
– Como nós viemos parar aqui?
– A gente estava na casa do Igor e...
– Não! – me interrompeu – Em Camboinhas, não. O Igor mora a duas quadras daqui. Quis dizer no mundo, nesse planeta.
Droga. Ele devia ter ficado quieto. Papo existencial essa hora?
– Sexo – respondi.
Guilherme riu timidamente, concordou e olhou para cima, para as estrelas.
Sério, libido? Você não tinha uma cantada melhor?
Talvez a água não tivesse me deixado tão sóbria quanto eu imaginei. Nem forcei uma resposta profunda? Não parecia eu. Aproveitei sua distração para finalmente prestar atenção em seu rosto. Suas sobrancelhas eram grossas e tão loiras quanto o cabelo. Seus lábios finos, e suas feições magras. Ele parecia ser mais velho por conta desses últimos. Eu nunca o havia visto pelo campus, senão eu lembraria. Ele não tinha um rosto comum, não necessariamente bonito, mas eu certamente não o teria esquecido.
Minhas pernas começaram a doer, mas eu não queria sair dali. Tive que prolongar aquilo e infelizmente atrapalhar a conexão que ele estava tendo com... sei lá... o mundo.
– Você é de qual período? – perguntei.
Ele me olhou e sacudiu levemente a cabeça, como se estivesse se organizando.
– Você está no máximo no quarto período, não é?
– No segundo.
– Depois da metade da faculdade, isso de período já era – disse em tom de brincadeira – Eu aumentei dois semestres de previsão de término no ano passado.
Nós rimos (de nervoso).
– O professor Mitidieri de História da Arte II é tão horrível quanto falam?
– Ah! Você achou que eu era de Artes também – disse surpreso – Eu sou de biologia. Só que eu conheço o Igor há uns três séculos.
– Desculpa, não quis ofender – brinquei.
– Você não gosta das pessoas do seu curso?
– Eu não tenho nada contra.
– Tenho até uns amigos que cursam – brincou.
– Estou brincando. Eu gosto das pessoas lá, mas elas são muito parecidas. Eu e só... Parecidas comigo, inclusive. – Continuei – Isso é tão chato as vezes, mas eu sabia que você era interessante demais para eu ter dado essa sorte.
Era para isso ser um pensamento, mas saiu da minha boca frouxa. Por sorte, eu não fico vermelha nessas horas.
– Eu...
Começaram a nos chamar nessa hora, e eu voltei a areia antes que tivesse que ouvir uma resposta da minha cantada péssima, que pela expressão que ele fez, não era nada positiva. Senti o "Eu namoro" chegando e me desesperei.
– Vamos – falei.
Ao chegarmos na areia, Igor nos recebeu com os braços cruzados, como pais bravos fariam. Ele era péssimo em fazer cara de mau, mas estava tentando. As outras pessoas estavam distraídas demais para se preocupar com a gente.
– Minha caloura é apenas um neném – disse Igor me puxando para perto dele pela minha cintura.
– Mas eu não fiz nada! – Riu Guilherme levantando os braços até a altura dos ombros .
Ah! Se o Igor soubesse quem deu em cima de quem!
– Você tem quantos anos mesmo? – me perguntou Igor.
– Vinte.
– Uau – disse Guilherme fingindo animação – Eu tenho 23.
Então essa era a idade dele? Eu chutaria uns 25 anos, no mínimo. Me distrai nos meus pensamentos nessa hora e parei de prestar atenção na conversa dos dois. Sai do abraço de Igor e andei até as meninas.
– Eu demorei muito na água?
– Não. Uns cinco minutos – respondeu Isabele me entregando uma toalha.
Para mim pareceu muito mais tempo.
– Você é um anjo! – Agradeci a gentileza.

[***]

Acordei de bruços e com dor nas costas numa espreguiçadeira perto da piscina na casa do Igor. Olhei ao redor para me certificar de que estava no lugar certo. A casa continuava tendo dois andares e sendo amarela, como eu me lembrava. Mas todas as casas daquele bairro eram muito parecidas. Tive que levantar e lutar pela minha sobrevivência, pois havia sido deixada para morrer pelas minhas colegas de apartamento que não estavam no meu campo de visão há minutos demais.
Procurei meu celular, mas ele não tinha bateria. Lutar pela minha sobrevivência estava cada vez mais difícil. Resolvi ir até a porta da casa e no caminho, eu encontrei o Guilherme deitado no chão da varanda, que por sorte era coberta. Ele era quase uma planta de tanto que ficava no chão. Uma planta que eu queria muito.
Deus! O que eu estou pensando? Eu jamais faria isso com uma planta, mas com o Guilherme, faria. Faria muito.
– Bom dia, .
– Bom dia – olhei ao redor – Por que dormimos aqui fora?
– Eu não sei – respondeu sentando-se – Eu só não quis acordar ninguém da casa.
Eu estava prestes a gritar até ser ouvida, mas isso me impediria de ter mais minutos com ele. Sempre que eu me sinto atraída por alguém é a mesma coisa. Eu tinha que conseguir um beijo dele, no mínimo. Eu precisava disso. Meu ego precisava disso. Nossos futuros bebês precisavam disso. Já havia imaginado: pequenos anjinhos de cabelos ondulados loiros e olhos castanhos, de preferência como os meus, correndo pela praia.
– Tem razão – concordei e me sentei de frente para ele.
– Você dormiu por onde?
– Perto da piscina, nas cadeiras.
– Eu provavelmente teria acordado com insolação no seu lugar.
– Esse azar eu não dou – brinquei.
Ficamos conversando por bastante tempo, eu acho. Ficar sem celular confunde meu relógio biológico. Descobri algumas coisas sobre ele, revelei algumas coisas sobre mim que talvez eu não devesse contar naquele momento, mas eu precisava arriscar. Jogar com ele até que estava interessante. Geralmente é bem fácil conseguir ficar com um cara como ele, mas algo tinha dado errado.
O único truque que eu ainda não havia usado a essa altura era ficar nua, mas eu nunca tinha tentado fazê-lo sóbria. Era melhor eu desistir, e assim fiz. Conversamos amigavelmente por mais algum tempo até que sentimos fome. Nessa hora ele me contou que cozinhava muito bem, para me motivar a fazer um escândalo, certamente. Comecei a cogitar uma amizade nessa hora. O joguinho tinha acabado para mim.
– No três a gente grita. Um. Dois. Três. – Eu disse, olhando-o
Ele me beijou.
Ele me beijou no três.
Melhor que ficar confusa, foi senti-lo àquela hora. Sentir aquele contato com cada parte do meu corpo. Me concentrar e guardar aquela sensação na minha memória. Nosso beijo encaixou de uma forma quase romântica, coisa que não acontecia há algum tempo. Essa é a parte sobre perder a esperança em relacionamentos, pouca gente tem graça e menos ainda química.
Eu só conseguia pensar em quanto aquilo era bom e em manter a calma. Isso é bastante difícil de se fazer quando alguém como ele te segura com as mãos apoiadas em suas costelas. Sim, costelas. Eu não sabia muito bem como, mas eu fiquei arrepiada por isso. Minhas mãos, muito menos empolgantes, esforçavam-se para permanecer entre os ombros e nuca dele. Finalmente, ele interrompeu o beijo com alguns selinhos e deslizou as mãos para trás do meu corpo, me abraçando na altura da cintura. Depois ele sorriu. Seus dentes eram pequenos, como os de uma criança. Isso só tornou as coisas piores. Eu não consegui resistir. Era tão fofo.
, você está ferrada – minha consciência às vezes é sincera demais.
Ouvi um barulho de chaves e em seguida, abriram a porta. Eu e Guilherme nos separamos.
– A Ana disse para eu não atrapalhar, mas sua mãe não para de me ligar – disse Isabelle, parecendo estressada.
Peguei o celular de sua mão. Não demorou para que ele tocasse de novo, então eu o atendi.
– Oi, mãe.
– Já são 14h! Por que você não me atendeu? Minha filha do céu!
Expliquei a ela que estava sem bateria e ouvi xingamentos em pelo menos três línguas diferentes. Nos sábados de manhã eu sempre volto para o Rio, onde moram meus pais, mas eu acabei esquecendo de avisar sobre minha possível ressaca dessa vez. Que só deu as caras quando eu lembrei que na vida real, eu tinha que ir para muito longe e eu ainda estava com a maquiagem de ontem, e o biquíni... e tudo. Eu não acredito que eu estava flertando nessas condições. Isso deveria ser proibido.
Depois de tomar um banho mais rápido do que eu gostaria, vesti uma T-shirt verde que ia até quase a metade da minha coxa. Eu não precisaria passar no apartamento antes de ir para casa dos meus pais porque havia levado tudo para casa do Igor. Fui até a cozinha onde ainda estavam as meninas com as quais eu divido o apartamento, eu não sabia se havia mais alguém nos outros cômodos, mas provavelmente o Guilherme estava no banheiro. Os móveis pareciam ter sido recém-comprados, compondo uma cozinha preta e vermelha que eu definitivamente copiarei quando juntar dinheiro o suficiente, devido ao sucesso das minhas exposições e carisma. Modéstia à parte.
Sentei à mesa e comi a maior quantidade de bolo de laranja e suco que consegui depois de cumprimentar as meninas. Eu não sabia que estava com fome até que comecei a comer. Ana estava vendo vídeos da nossa noite no celular. Alguém filmou o Guilherme caindo com a lanterna, e ela ria mais alto a cada vez que assistia. Isabele estava lavando a louça enquanto isso.
– Então – eu disse calmamente enquanto terminava minha última fatia – Por que vocês me largaram lá fora? – meu tom deixou claro que eu estava chateada.
– Você ameaçou bater na gente quando tentamos te tirar da piscina.
Droga. Eu pensei que eu não fazia mais isso quando ficava bêbada.
– Você real quis bater na gente – reforçou Isabele.
– Você me bateu – disse Vitor, surgindo no portal que separava a sala da cozinha.
– Desculpa – falei isso para Vitor sem a mínima vontade – E o Guilherme?
– Ele dormiu lá fora por opção mesmo – respondeu Ana.
Creep – brincou Isabele fazendo uma voz fantasmagórica, ou próxima disso.
Nós rimos.
– Eu sei que eu quis bater em vocês, mas me largar lá fora no meio...
– Dramática, não me faça cantar a sua música – ameaçou Ana.
A música era na verdade ela falando “ é dramática” muitas e muitas vezes.
Meus amigos têm uma mania feia de me chamarem de dramática. Talvez eu seja mesmo, mas o talento para manipulação emocional, não me ajudou nas aulas de teatro que eu frequentei durante o ensino fundamental. Desde pequena eu sabia que viveria da arte, apesar de não saber muito bem como. Ao tentar descobrir eu aprendi um pouco de cada coisa. Não fazia nada extraordinariamente bem. Eu era como um pato. Mas um pato maravilhoso e pronto para se descobrir cisne.


Capítulo 2 – MARÇO 2017.

– O que é isso no seu ombro? – Perguntou Isabele um segundo depois que eu cheguei no apartamento.
Olhei para meu ombro coberto com pomada e plástico e respondi:
– Uma tatuagem. Esqueceu que eu ia fazer?
– Você disse isso há meses, – continuou – Agora eu acabei de perder a aposta com a Ana e tenho que comprar as nossas alianças. Obrigado, hein – brincou.
– Bem feito!
Isa me encheu de perguntas que provavelmente outras pessoas fariam, então decidi fazer um FAQ: 1. Doeu? Um pouco, mas ela é bem pequena, então foi rápido 2. Por que uma rosa? Por causa de pequeno príncipe, dos espinhos, da natureza, eu sei lá! 3. Onde você fez? Na Daniela, uma tatuadora de Niterói. Amiga do Guilherme... e ex namorada.
Eu decidi fazer minha primeira tatuagem há 4 meses e desde lá eu procurei tatuadores nas redes sociais. Por ironia do destino, uma das sugestões era a Daniela Pessoa, que eu descobri ser a ex do Guilherme pouco antes da agulha tocar minha pele, mesmo que tivéssemos conversado por meses, sobre muitos assuntos. O Guilherme nunca foi nossa pauta Eu já sabia que eles se conheciam, mas não que eles já namoraram. O curto espaço de tempo que eu tive para pensar sobre isso me impediu de calcular o quanto eu me incomodei ou não me incomodei sobre.
Dani tatuava na própria casa e ao chegar lá, ela me levou até a cozinha, onde comemos um pudim que ela disse que fez para me relaxar. Nos últimos meses eu havia trocado muitas mensagens com ela, primeiro eram dúvidas sobre tatuagem, depois memes. Ela era muito legal. Eu sempre tive medo de fazer algum desenho do qual eu me arrependeria e esse tipo de coisa, mas ela me deixou muito segura. Seus trabalhos eram desenhos originais, o que me também me atraiu.
Conversamos por horas até ser noite e eu ter que ir para aula. Descobri que ela era atriz e conversamos sobre os trabalhos dela, sobre nossos planos e bem pouco sobre passado. A Daniela respirava sua própria arte. Ela aprecia tão livre, foi inspirador ter aquela longa conversa, porque cada uma de suas frases me tocou de alguma forma, todas tiveram sua importância. Principalmente a parte na qual ela me contou que abandonou o curso de Economia no 6º período porque percebeu definitivamente que não seria feliz dessa forma. Eu também largaria um curso preso desses, mas ela o fez no penúltimo ano. É preciso ser alguém muito corajoso para voltar atrás ao chegar nesse ponto, afinal, quanto mais tempo em algo que você não se encaixa, mais tempo você perdeu.
Eu me detestei por isso, mas foi inevitável me comparar a ela. Não é uma competição cujo prêmio é o Guilherme. Não é. Enfim, ela é linda. Se fosse uma competição, o que não é, ela venceria. Até eu me senti atraída por ela. A Daniela era uma sansei, como ela me disse que se chamam os descendentes de japoneses, apesar de seu pai ser brasileiro. Seu cabelo escapava toda hora de trás de sua orelha, mas ele era curto demais para ser preso. Me lembrou o da Isa. Aliás, a Ana tinha um Black e a Isabele tinha raspado a cabeça quando eu me mudei para o apartamento. Os cabelos mais longos até agora são o meu e o meio-cabelo do Guilherme.
A Daniela morava sozinha e tinha 25 anos, era o meu plano de vida. Seu apartamento era pequeno e com chatas paredes brancas, preenchidas com releituras e desenhos que ela ou seus amigos haviam feito, algumas em molduras, outras coladas diretamente na parede. Todo cômodo tinha um tapete de crochê na forma de uma flor, que ela mesmo tinha feito. Ela era habilidosa com as mãos.
Ironicamente, sua única tatuagem eram linhas que formavam um gato bebendo numa taça de vinho. Era a gata dela, a que eu tive o prazer de também conhecer. Eu amo gatos, mas a minha mãe e a Ana tinham alergias horríveis o que estragou o meu plano de adotar um em ambas as casas. A parecia ter gostado de mim, até afofou minhas coxas quando eu me sentei no sofá, deixando-as marcadas, pois eu estava usando um vestido que as deixava à mostra. Daniela pediu desculpas nessa hora, mas eu garanti que não me importava. Provavelmente por isso que a Isa perguntou, fazendo com que eu voltasse os meus pensamentos para onde eu estava:
– E esse arranhões? Foi o Guilherme? – disse fazendo uma expressão maliciosa.
– Eu e ele não estamos mais ficando – respondi desanimada.
Até então, eu tinha evitado falar ou pensar sobre isso.
– O que deu errado?
– Nada. Eu só cansei dele fazer pouco caso de mim – respondi num tom mais irritado do que eu gostaria.
Esse tom só aparece quando eu sinto vontade de chorar. Droga.
– Aleluia! – gritou Ana surgindo na sala.
Isabele veio até a porta onde eu ainda estava e me abraçou, enquanto Ana fazia uma dancinha de comemoração.
– Nem sempre a pessoa se apaixona de volta, mas...
– Não está ajudando – a interrompi
– Mas você não é menos incrível por isso, .
Eu quis acreditar nas palavras de consolo dela, mas ainda não sou madura o suficiente para ver as coisas dessa forma depois da rejeição lenta que o Guilherme me deu. Não havíamos conversado e decidido nada, mas faziam duas semanas que não saímos, as mensagens estavam sendo respondidas cada vez em mais tempo. Geralmente é o que acontece, mas o mínimo de orgulho que eu tenho me impediu de ter uma conversa para terminar aquilo que nem começou. Eu havia decido não ligar mais e felizmente, eu tenho autocontrole. Eu ainda me sentia afetava sobre ele, mas isso não quer dizer que eu deixaria de tentar esquece-lo por isso.
As meninas me aconselharam durante todo esse tempo a me relacionar com outras pessoas, a não me entregar tanto e toda essa bobagem que não faz sentido na minha cabeça quando estou apaixonada de verdade. Eu sabia que havia tentado fazer o que tínhamos florescer, mas se não funcionou, não tinha porquê eu insistir e usar minha energia em sentido contrário do que ele queria. Decidi tornar “Roseira” da Ana Muller meu mantra. Isso estava muito claro para mim.
– Obrigada – agradeci – Significa muito para mim.
E realmente significava. Meu ego ferido não tirou a beleza de um gesto de amizade. Era incrível como Isabele se importava comigo, considerando que nos conhecíamos há menos de um ano. Eu, claro, retribuía isso. Nos tornamos muito amigas e ela até foi a minha casa em Nova Iguaçu em alguns fins de semana durante o período. A Ana era ótima também, apesar de eu ter me aproximado menos. Eu não poderia ter decidido morar com pessoas melhores. Elas me lembravam minha mãe até, era assustador.
– Momento kawaii – disse Ana fazendo uma voz infantil assustadora, nos abraçando.
Nós rimos.
– Gente – chamou Isa, ainda naquele abraço coletivo.
– O que, amor?
– Vamos sair hoje, está decidido.
Nos separamos e eu chequei as horas no meu celular.
– Mas já são 22:37h – avisei.
– A Cantareira fica a duas ruas daqui.
– Sem desculpinhas, garota – completou Ana.
Antes que eu me defendesse, elas me deixaram sozinha na sala e foram ao quarto que elas dividiam. A Cantareira é uma praça pequena circundada por bares que todos os universitários da cidade se reúnem. É um péssimo lugar para se ir quando você quer evitar conhecidos, mas tem pizza grande por R$20. É o oásis de Niterói.
Caminhei com passos lentos até meu quarto, tentando organizar meus pensamentos e não ficar triste por ter lembrado que meu shipp morreu. Separei uma pantacourt jeans e um cropped mostarda enquanto aguardava as meninas usarem o banheiro. Até que a Ana, enrolada numa toalha, bateu na porta do meu quarto.
– Oi – respondi, abrindo-a.
– Você não tem mais ninguém para chamar?
Forcei minha memória, mas não consegui me lembrar de ninguém que estivesse disponível. O Vitor me odeia desde que soube que eu saía com o Guilherme. O Igor estava fazendo um curta em Nova Friburgo. Eu sequer tinha o número da Luísa. Mudar de cidade reduziu bastante a quantidade de pessoas que eu me relacionava. Pensei, pensei e pensei.
– Tenho – respondi, finalmente.
– Quem?
– A Daniela.
– Quem?
A ignorei.
– Por que você está sorrindo, ? Homem? – Disse revirando os olhos.
Antes de explicar a ela, convidei a Dani e fui respondida um segundo depois com um “Siiiiim”. Isso significava que eu não ficaria só vendo as meninas se beijarem, mas que teria com quem conversar. Eu fiquei animada e me apressei para estar pronta na hora que marquei com ela, às 23:30h.

[***]

– Chega de Catuaba para você – advertiu Isa, tirando a garrafa do meu alcance.
– Por que? – Fiz beicinho.
–Você é um neném, e nenéns não bebem – brincou Dani.
Nós rimos.
As meninas pareciam tão empolgadas quanto eu ao conhecer a Daniela. Ela tinha tanto para falar, e era tão bom ouvi-la. Nós rimos, bebemos, choramos e falamos idiotices a noite inteira. Na Cantareira, a música varia de acordo com quem parte da praça você está, e o ritmo da noite para gente foi funk, que tocava no fim da praça, em frente à rua, onde não havia mesas de nenhum bar, mas algumas barraquinhas vendiam bebida.
Às vezes tudo que você precisa para ficar em paz com o Universo é rebolar. Eu nunca dancei bem, mas perdi a timidez junto com a sobriedade dessa vez. Até que decidimos entrar num dos bares, o que tinha um karaokê. Eu não aguentava mais a forma com que alguns homens olhavam para nós, um até se ofereceu para entrar no beijo da Ana e da Isa. Isso foi nojento e eu quis bater nele, mas me seguraram. Então a decisão de entrar em algum dos bares foi quase que uma medida de segurança.
– Você é bem bravinha, hein? – disse Dani quando sentamos no karaokê.
– Eu desisto dessa menina – disse Ana e estalou a língua.
– Ela ainda vai voltar roxa para casa e eu vou ter que cuidar.
– Ele merecia um soco. Vocês são muito chatas! – Me defendi.
– Você podia apanhar – disse Isa preocupada.
Eu ri.
– Eu sei bater. É por isso que vocês nunca me deixam bater? – Levantei pronta para sair do bar e achar aquele cara – Meu tio tem uma academia de luta. Eu só... Eu não fiz nenhuma. “Você não tem disciplina, ” – imitei meu tio mudando meu tom de voz – Mas eu sei bater, tá?
– Você está muito louca, querida – disse Isa.
Elas riram e a Ana me puxou pelo braço de forma que eu sentasse de novo.
Eu fiquei irritada, mas se eu já tinha dançado funk, já não estava em condições de decidir nada. Daniela folheava um catálogo de músicas enquanto as meninas pediam mais cerveja. Eu não sei como elas e o resto do mundo conseguem beber isso. A Dani me entendia. Ela estava tão bonita... Comecei a encará-la. Ela estava com um vestido branco, contrastando com sua pele recém bronzeada, a julgar pela vermelhidão. Por que ela não me chamou para ir à praia também? Fiquei triste ao pensar isso.
– Por que você tá com essa cara, ? – Ana e suas perguntas inconvenientes.
– Nada.
– Ih!
Ana e Isa gargalharam.
– Alguém canta “Só sei dançar com você” comigo, por favor! – pediu Daniela.
Sem responder, levantei e fomos juntas até a máquina.
A Daniela cantava bem. Eu acho que ela faz tudo bem. Isso é assustador. Eu gosto da minha voz também. Talvez pudéssemos enriquecer juntas cantando nos bares de Niterói ou algo do tipo. Comecei a formular várias ideias nesse sentido na minha cabeça até que a música chegou ao fim e nos sentamos. As meninas estavam gargalhando.
– Que foi? – perguntei.
– Você. Cantou. Tudo errado – respondeu Isabele entre gargalhadas.
– Nem para ler, cara! – disse uma voz que eu não reconheci de primeira.
Olhei para o meu lado direito, depois para o esquerdo e encontrei o Guilherme sentado. Ele estava com uma lata, então parecia que ficaria por lá. Olhei para as meninas buscando explicações para aquela traição. Isabele sussurrou um “não sei” que saiu alto demais.
– Eu chamei o Guilherme. Não podia? – Disse Daniela, tornando aquele momento mais constrangedor.
– Não – forcei uma risada – Brincadeira! Oi, Guilherme – o cumprimentei com um beijinho em cada bochecha.
Eu não podia culpa-lo, ele não sabia que eu tinha terminado as coisas na minha cabeça e a Dani, menos ainda. Eu só conseguia torcer para que nada desse errado naquela conversa que durou pouco menos de uma hora. Cheguei a esquecer de que estava tentando me afastar do Guilherme e agimos tão normalmente que nos beijamos no fim da noite. Quando a Isabele resolveu me constranger dizendo:
– Nunca diga dessa água não bebereis.
E eu me afoguei. Fui parar na casa dele.
Não era a primeira vez que eu agia irracionalmente perto dele, mas era culpa da bebida, eu juro. E da minha vontade, é claro. Vontade infeliz. Como ele morava a quatro quadras da praça, o tempo passou rápido demais, impedindo que eu me arrependesse e voltasse para casa.
Não acredito que minhas amigas me deixaram de fazer isso...
Já estávamos nos beijando na cama dele quando tive um lapso de racionalidade. Não era assim que se esquecia uma pessoa. Aos poucos, ele me deitou na cama, ficando por cima. Seu corpo pesava sobre o meu de uma forma deliciosa, fazendo-me sentir tudo que experimentei das outras vezes. Essa certeza de que seria bom ainda vai me matar. Ele afastou o seu rosto e me encarou por alguns segundo antes de continuar. Nessa hora, um perfume conhecido invadiu minhas narinas, mas não era o dele.

Quando morrer de ciúmes
Quando sua sensibilidade, identifica o perfume
Isso é amor, tá rolando amor

– Perfume. Da. Daniela – deixei escapar baixinho.
Guilherme me olhou confuso e disse inocentemente:
– Ela dormiu aqui hoje à tarde, depois da praia.
– Sai de cima de mim – eu disse antes de lagrimas começarem a descer meu rosto.
– A gente não fez nada. Por que você...
– Não fala comigo – o interrompi secando meu rosto com minhas mãos.
Antes de ir embora, fui ao banheiro lavar meu rosto. Como sua casa tinha três cômodos, foi difícil ter privacidade para liberar todo aquele sentimento ruim com um grito, como eu geralmente faço. É assustador, mas alivia. Eu não estava triste. Eu estava com raiva, muita raiva. Meu peito borbulhava, eu sentia ânsia de vômito, foi horrível. Era pior que raiva. Talvez fosse o esquecido ciúmes, que eu não sentia há anos. Isso era tão infantil. Eu não devia ter sentido isso.
Eu só quero socar eles dois.
O Guilherme tentou consertar as coisas, mas eu o ignorei e ele me levou em silencio para casa. Eu não me importava se eles tinham feito algo ou não. Talvez um pouco... Eu não queria deixar de ser amiga dela e agora que descobri essa intimidade deles, as coisas mudariam. Eu não queria sentir ciúmes, eu não queria me importar, eu não queria me magoar...Eles dois juntos? Sério?
Eu sou tão patética.
A Isabele abriu a porta para mim e ao ver minha expressão, me recolheu para casa, depois de xingar o Guilherme, sem eu sequer ter falado uma palavra sobre o que aconteceu. Ele nem tentou argumentar e foi embora porque é isso que as pessoas fazem. Te magoam e vão embora.
Sentamos no nosso pequeno sofá vermelho e eu disparei a contar tudo, dessa vez sem mentir. Contei como eu me sentia sobre ele todos esses meses, contei que senti ciúmes – esse sentimento infantil –, contei que eu não queria deixar de ser amiga da Daniela por isso, mas que eu não sabia como conseguiria encarar ela sabendo que eles ainda ficavam. Eu estava muito confusa.
– Para de se culpar por ter sentimentos! – Brigou Isabele – Você gostava dele, ele gostava de você e da torcida do Flamengo. Acontece.
– Eu odeio ele.
– Não você não o odeia.
– Odeio.
– Olha, e eu não acho que você deva parar de falar com a Daniela, nem nada do tipo. O problema é você.
– Ai! – resmunguei.
– Deixa eu terminar: ele se relaciona com você e com outras, você sabia disso – ela disse e eu concordei com a cabeça – Você foi boba e gostou dele, e não se relacionou com mais ninguém.
– Isso é ser boba? – choraminguei.
– Não! Eu me expressei mal... a bobeira foi tentar se relacionar com alguém assim, não sendo assim também, entende?
– Você tem razão – concordei baixinho.
– Às vezes eles nem ficaram. Eu sou amiga da minha ex.
Levantei uma das minhas sobrancelhas, duvidando de Isa.
– Tá... Eu não sou – confessou –, mas poderia ser. Isso existe.
– Isso não existe.
– Espera aí... – Isabele me olhou com a pior expressão do mundo nessa hora – Você tem medo dela “roubar ele de você”? – disse com ainda com a expressão assustadora, acrescida de um tom de voz agudo.
– Não! – Respondi ofendida – Me respeita!
– Se você começar a disputar macho por aí, eu vou te bater.
Nós rimos.
– Eu não vou cair na competição feminina, Isabele. Nós somos mais que isso.
– Muito mais que isso.
Nos abraçamos.
Eu não sabia do que eu estava com medo, com medo de perder. Isso que são os ciúmes, não é? Eu só senti, mas eu não sou dona de ninguém. Eu ia superar isso com toda a racionalidade do mundo. Eu me prometi.
– Se eles podem ser só amigos, não teria nada de errado... Por que você o xingou então?
– Ele te fez chorar, não importa o porquê, ele é um idiota.
Eu ri.


Capítulo 3 – MAIO 2017.

********* POV DO GUILHERME *********

Acordei de madrugada com o som do meu celular tocando, era a Dani. Eu atendi e só ouvi risadas e logo ela desligou. Em seguida recebi uma mensagem dela, junto com uma foto da vestida de preto, segurando um copo:
“Você é um idiota, Guilherme. Q MULHER!!!!! gostosaaa”
Há uns meses atrás eu pensei que a nunca mais falaria comigo, mas de alguma forma, o Destino a transformou em minha amiga ou quase isso. Um tipo de relacionamento sem ódio e sem sexo. E a Daniela achava hilário me zoar por não termos namorado, ou algo assim. Eu nunca entendi isso muito bem. A Dani era estranha às vezes. Ainda com meu celular na mão, fui notificado de que era aniversário da Marques. Demorou alguns minutos para eu entender que era a . Era a madrugada de terça e eu não tinha sido convidado para comemoração delas.
Parabenizei a por mensagem e tentei recuperar meu sono. Eu teria prova na primeira aula, às 7h, e eu não sabia nada. No mínimo, teria que estar disposto o suficiente para colar. Rolei na cama por quase uma hora e não consegui voltar a dormir.
A Daniela poderia ter tirado meu sono de tantas outras formas...
Levantei e fui até minha sala-barra-cozinha onde esquentei água para me fazer um chá. A tinha respondido minha mensagem, perguntando sobre seu presente. Alguma parte do meu corpo, que não era meu cérebro, respondeu “Seu presente sou eu HAHA Vamos sair qualquer dia.”. Esperei para ler o xingamento da vez, mas ela aceitou e ainda perguntou se eu estava livre na quinta a tarde porque ela tinha tido uma ótima ideia. Imaginei que ela se arrependeria no dia seguinte mesmo, então acabamos marcando por pior que essa ideia me parecesse. Não que eu não quisesse sair com ela, mas eu sabia que não rolaria nada, então não tinha por quê.

[***]

Era quinta e eu estava em um ônibus para a cidade vizinha, São Gonçalo, com a , que não era nem tão minha amiga assim e nem tão desinteressante assim, indo para um lugar onde ambos nunca tinham ouvido falar. Um fliperama, em um shopping esquisito. Acho que é por isso que ainda tem um fliperama lá. Eu nunca imaginei que faria esse tipo de programa com a , nem que ela era espontânea assim. Legal.
O lugar era grande até e bastante escuro, fazendo com que as inúmeras luzes dos jogos irritassem minha visão. Procuramos por comida e na própria loja havia uma pequena lanchonete onde comemos uma pizza de calabresa com suco de uva para mim e refrigerante para ela. Ela usava uma camisa de manga vinho lisa, um short jeans claro e um tênis branco com tiras pretas. Era impressionante como ela conseguiu ficar sexy nisso.
Compramos algumas fichas e começamos a explorar o lugar. A gastou toda a sua parte dos créditos tentando pegar ursos de pelúcia em uma máquina, mas ela conseguiu. O menor deles, mas conseguiu. Parte de mim ficou assustado em vê-la por uma hora fazendo isso e a outra, achou engraçadinho e fofo como ela estava se dedicando a algo tão pequeno. Ela era assim.
Eu fiquei ao lado dela conversando sobre coisas que desconhecidos conversariam e descobri muito sobre ela que ainda não sabia. Foi estranho ter esse tipo de primeiro-contato depois de tanto tempo que nos conhecemos. Parecia ser bem recente o momento no qual eu a vi dentro do mar, de cabelos molhados. A partir desse dia eu passei a me referir mentalmente a ela como indiazinha, pois seus traços fizeram-na parecer uma, mas ela não sabia disso. Do apelido ou de como eu a acho linda.
Finalmente chegou a minha vez de gastar minhas fichas, então começamos a andar procurando outras opções. No fim da loja, havia uma fileira de brinquedos fixos que imitam veículos. Sem dizer nada, subiu no único que era aberto de forma que ela coubesse nele. Era um unicórnio que começou a tocar uma música infantil quando ela inseriu os créditos. Foi divertido, até que eu notei como aquele short era curto e não consegui mais desviar o olhar.
– Você é linda, .
– Tudo isso para andar no meu possante? – retrucou bem-humorada
– Tudo isso para conseguir um beijo seu – falei me aproximando dela.
Ela virou o rosto.
– O que foi? – perguntei com o meu melhor tom rouco, perto de sua orelha.
Ela não resistiria.
– Eu gosto de outra pessoa.
O que? Todo mundo sabe que essa pessoa sou eu. Ela quer jogar, então...
Não consegui segurar minha gargalhada, apesar de ter certeza de que isso me faria perder pontos com a . Ela é muito sensível.
– E isso te impede de me beijar? – disse, enquanto fitava aquela boca desenhada que nunca tinha parecido tão atraente.
Ela me olhou com a uma expressão que dizia “Você é nojento”.
Que exagerada!
– Vamos lá para casa. Eu chamo a Dani e a gente, sei lá...
– Nada de Dani – espero que isso tenha soado como um flerte.
– Os homens sentem o cheiro de superação – murmurou quase que para si mesma.
– Hã?
– Nada. Só vamos embora.

******** POV DANIELA ****************

A essa hora o Guilherme deve estar beijando a . Eu até apoiaria os dois se ele soubesse decidir o que quer com as garotas com quem ele sai. Essa confusão e joguinho dele nos afastou quando namorávamos, e agora me faz ainda pior porque a não merece ser magoada. Nem por ele, nem por ninguém.
Eu podia ter ido com eles para São Gonçalo, ela parecia muito animada na mesa do bar quando aceitou o convite dele, mas inventei que estava ocupada porque tenho péssimas notícias para dar e não queria estragar a semana do aniversário dela. Nós ficamos tão próximas que eu sabia o mal que faria a ela quando contasse e eu não queria deixa-la mal. Isso estava me consumindo, então eu passei os últimos dois dias fumando e trancada no meu quarto com a tentando me animar com suas patinhas.
No fim de semana eu voltaria a morar na casa dos meus pais, em Pádua. Eu não estava mais conseguindo me sustentar tão longe e minha saúde mental pedia por isso, esta foi uma decisão que eu tomei no carnaval, mas desde lá não consegui contar para ninguém. É pior tomar uma decisão difícil quando as pessoas ao seu redor te enchem de conselhos. Eu quis evitar isso e agora já era tarde.

Quando você fecha os olhos
E no pensamento está
Fotografado o rosto desse alguém

Tentei relaxar, mas não consegui porque o rosto dela não saía da minha cabeça. Imaginá-la triste era uma visão terrível. Aqueles olhos pequenos cheios de lágrimas olhando para mim... Eu não quero ter que encarar isso. Tomei um banho demorado enquanto ouvia minha playlist de música nacional, e uma delas me deu o conselho que eu precisava. Eu tinha que fazer isso.

Quando você fica ao lado de uma pessoa
E ela mesmo em silêncio lhe faz bem

Peguei um ônibus até o prédio onde a mora sem perguntar se haveria alguém em casa, caso contrário eu poderia pensar e perder a coragem. Felizmente, ela mesma me atendeu. O Gui também estava lá, sentado no sofá conversando com a Ana. Eles pareciam estar se divertindo e de repente minha coragem de estragar aquele clima sumiu. Eu fitava o chão quando a me abraçou apertado. Ela soube que eu estava triste só ao me olhar, ela é tão boa nisso. Em fazer bem e em sentir o outro. Ela é maravilhosa.

Quando estiver no dia triste
Basta o sorriso dela para você ficar feliz

– Eu estou aqui – ela disse baixo.
– Você não existe – respondi, sorrindo fraco.
– Então você não tá me vendo agora? – ela sorriu fraco de volta.

Quando se sentir realizado
E dizer que encontrou o bem que você sempre quis

Por mais que não tenha sido um sorriso de felicidade como eu gostaria, ele me mostrou a nossa conexão. Ela estava triste porque eu também estava. Ela se importou. Isso não deveria ser tão raro. Nossa amizade era especial, eu sentia isso. A me fez recuperar minha fé na existência de pessoas boas e por isso foi importante tê-la conhecido, exatamente como foi. Seria ingenuidade minha pensar que mesmo no interior de Minas, ela ainda faria parte da minha vida?
Meus pensamentos andam tão dramáticos.
Nossa amizade? Quem eu quero enganar?
Eu estava apaixonada por ela desde que fizemos aquele dueto na Cantareira, como na cena inicial de High School Musical. Ela era tão doce e tão forte. Tão bonita. Ela me fazia rir e se importava comigo. Ela nem parecia de verdade, honestamente. A já quis me bater e depois se sentiu tão mal que me enviou um lanche todos os dias por uma semana na hora do almoço, já que eu lhe falei uma vez que não jantava. Essa menina prestava atenção em tudo que eu ou seus amigos falassem, ela dava atenção. E eu não senti vontade de fugir, mas de estar com ela. Do jeitinho que ela era.
Mas e os sentimentos dela sobre mim?

[***]

********** POV **********

Eu estava finalizando meu último trabalho do semestre quando meu celular me notificou de uma chamada de vídeo solicitada pela Daniela. Ela havia mandado mensagem pedindo para falar com a , que agora morava no meu apartamento, com livre circulação bem longe da alergia da Ana. Peguei a gatinha cinza que estava debaixo da minha escrivaninha deitada em cima de uma pilha de papéis e a coloquei na cama, dessa forma eu poderia segurar o celular de forma a mostrar-lhe para Dani. Era assim todos os dias há duas semanas.
– Agora você, .
Troquei para câmera frontal.
– Oi, Dani. Como estão as coisas? – Perguntei animada.
Eu fiquei muito abalada quando soube que ela se mudaria, mas seria egoísta da minha parte não ser compreensiva. Ela é a minha melhor amiga e queria mais que tudo vê-la bem, mesmo que longe. Se ela sentiu que precisava voltar para casa, eu entendia. Morria de saudades, mas entendia. Talvez nós fôssemos nos ver entre os semestres, até. Ela me prometeu muitos doces mineiros. Ela sabia como cativar uma taurina.
– Bem. Fiz uma tatuagem nova até.
– Qual?

Isso é amor, tá rolando amor
É o encontro de metades, a rosa e o beija flor

Dani posicionou a câmera de seu celular de forma que eu visse seu ombro, onde agora havia uma pequena tatuagem de um beija-flor colorido. Por mais que eu já tivesse entendido, ela me deu certeza de que aquilo tinha um significado:
Marques, eu sei que essa é a pior hora que eu poderia escolher para fazer isso, mas eu já demorei tanto para me entender que... Eu só não quero perder mais tempo esperando – ela fez uma pequena pausa e disse apressadamente, como se tivesse vivendo os cinco segundos de coragem insana que todos precisamos as vezes – Você quer namorar comigo?
– Você é tudo que eu tenho pensado há meses – eu sorri.
– Isso foi muito melhor que um sim – ela sorriu de volta.
– Eu não sabia que você também...
– Como uma pessoa não se apaixonaria por você, ? – ela disse me olhando com uma expressão tão linda que eu me senti assistindo um vídeo com três filhotinhos de gato dormindo, em looping.
Eu nunca namorei uma garota, mas eu não precisava pensar muito sobre isso, meu coração soube o que responder. Ela é a pessoa mais incrível que eu já conheci e agora estamos juntas. Eu me senti tão feliz. Meu coração ardia no meu peito. Minhas lágrimas de felicidade, igualmente quentes percorriam o meu rosto. Eu queria tanto beijá-la pela primeira vez...
Havia esperança em nossos olhares. Esperança de um dia sermos felizes.
E de fato, nós fomos felizes para sempre.




Fim.



Nota da autora: Eu tive um semestre muito puxado na faculdade e não pude dar mais atenção a essa história, por isso fui rasa ao tratar de algumas questões e foquei no casal, já que é uma ficstape de uma música tão fofinha. Peço desculpas por isso :((
A escrevi com muito carinho, carinho de primeira fic, aliás. Estou nervosa haha
Os personagens fixos são amigos meus que merecem uma homenagem por quem são para mim e por terem ajudado com a insegurança de expor algo que eu escrevi.
A Ana e a Isa são um casal muito fofo também na vida real.
Muito obrigada e espero que vocês tenham gostado da leitura <3




Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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