Última atualização: 30/10/2017

Único

- , você tem mais um.
A mulher parou no meio do caminho, olhando de Wanda para o copo quente de café em sua mão, o aroma do líquido recém-feito, por ela própria, parecendo se intensificar diante aquela frase que lhe indicava que ela não poderia aproveitar. Sabia que deveria ter tomado seu café na sala de descanso. Pelo menos não havia esquentado o bagel que havia comprado mais cedo.
- Eu sinto muito – disse Wanda, quando a entregou o copo da bebida quente após tomar um longo gole que queimou sua língua e o céu da boca, não que ela tivesse se importado. – Leito nove. – completou Wanda após entregar a ficha do paciente para a colega.
- Me lembre de matar Natasha quando ela voltar da estúpida viagem dela.
Natasha era sua colega no hospital e decidira aproveitar o feriado prolongado para viajar com o namorado, com quem não vinha passando muito tempo devido ao trabalho exaustivo dos dois. Infelizmente, para , isso significava uma troca de escalas e ela trabalhando um turno duplo e noturno. O pior turno que poderia existir. As pessoas pareciam incapazes de continuarem a se comportar como seres humanos decentes em feriados e deixavam a bebida controlar suas noites e, pior, seus atos. O número de casos emergenciais que entravam durante esses dias, principalmente à noite, eram ridículos.
caminhou até o leito indicado, sem prestar atenção no caminho que já sabia de cor e examinando a ficha que lhe fora dada. Como esperado, mais um ferimento causado por um objeto perfuro-cortante, revirou os olhos diante a falta de originalidade dos casos daquela noite. Ela afastou a cortina e examinou a ficha a procura do nome de seu paciente.
- Muito bem, senhor , que problema você me traz? – perguntou ela antes de olhar para o homem que a esperava sentado na maca.
Definitivamente não era o que a mulher estava esperando e ela quase suspirou aliviada ao constar que ele não parecia embriagado ou ter se envolvido em alguma briga nas últimas horas. Muito pelo contrário, ele estava muito bem arrumado, provavelmente a caminho de alguma festa quando seu acidente ocorreu. Os olhos azuis pareciam olhá-la como se pedissem desculpas pelo inconveniente que ela havia acabado de deixar óbvio, porém o ferimento no ombro, coberto por gazes e um pedaço de fita em uma tentativa bem frustrada de impedir o sangramento a indicavam que sua ajuda era necessária.
- Oh, desculpe – disse a mulher, quase rindo diante a expressão confusa do homem. Ela entrou no espaço do leito e fechou a cortina atrás dela, como a norma do hospital exigia e se aproximou dele, puxando um par de luvas na mesinha em frente à maca. – Sou a enfermeira .
- – respondeu ele, se arrumando na maca para facilitar o acesso dela a seu braço ferido. – Espero não ser um problema muito grande.
- Não, eu sinto muito por isso... – ela riu sem graça, logo depois olhando para o paciente e mordiscando o lábio inferior. – Eu preciso que você retire o suéter – disse ela, com medo de cortar a peça que ele usava, que já estava arruinada com a mancha de sangue e com um rasgo onde o ferimento dele havia ocorrido, mas ainda parecia extremamente cara. Porém seria impossível analisar o que havia acontecido e tomar as medidas necessárias caso a peça permanecesse.
- Pode rasgar, não me importo – disse ele. interpretou que o ferimento deveria estar doendo mais do que ele deixava transparecer.
Ela assentiu, um pouco incerta, antes de buscar a tesoura que eles geralmente usavam para retirar os tecidos dos pacientes. exalava uma calma que lhe dava a má impressão de que o ferimento nem estava tão ruim, mas ela já tinha uma longa experiência para saber que era apenas fachada. Com cuidado, ela recortou o tecido do braço dele, tirando um pouco mais para cima tanto pela necessidade, quanto pela curiosidade em saber se o que havia por baixo de tudo aquilo realmente era o que parecia. E não se decepcionou.
Muito pelo contrário, teve um elemento surpresa, a tatuagem no ombro. gostava de tatuagens, apesar de não ter feito uma até hoje por ser indecisa demais tanto com o desenho quanto com o lugar. Mas sempre que via uma em alguém, não conseguia deixar de admirar o desenho, principalmente quando era tão bem-feita como aquela. Seria difícil fazer aquele curativo.
- Bonita tatuagem – soltou ela quando começou a retirar o curativo improvisado e percebeu o braço dele enrijecendo. não respondeu, apenas acenando como se agradecesse o elogio. – Eu geralmente evito perguntar, mas...
- Qual é o significado?
- O que? – Ela olhou para ele, desviando do ferimento, e sorriu. – Não, quero saber sobre o machucado, como o conseguiu. – Ele pareceu relaxar, o cenho ficando menos franzido ao compreender o que ela queria. – Acho que tatuagens são pessoais demais para sair perguntando os significados e os motivos.
começou a se preparar para limpar o ferimento, que parecia profundo e muito feio. Ela tinha uma ideia de qual objeto havia causado aquilo, mas preferia esperar a confirmação, e enquanto ela não vinha, a enfermeira se manteve em silêncio, tentando delicadamente limpar a região e hesitando nas vezes em que sentia o homem tencionando o braço.
- Prego – ele se pronunciou quando ela trocou a gaze que passava no braço. levantou o olhar para ele, levemente confusa. – O machucado. Um prego na porta, eu esqueci que estava lá.
- Suspeitei – ela sorriu, analisando o corte para ver se estava bem limpo. – Você terá que tomar uma injeção quando eu finalizar... O que me lembra, com ou sem anestesia?
- Pode ser sem.
- Vai doer bastante.
- Estou acostumado com a dor – ele deu de ombros, parecendo se arrepender logo depois e fazendo uma careta. Os olhos dela se voltaram para a tatuagem, desconfiando que sabia o significado por trás dela.
- Isso parece... Por falta de palavra melhor, doloroso. – apontou ela, preparando os instrumentos de sutura para começar a fechar o ferimento.
- É o que a guerra faz com você – ele deu de ombros, fazendo uma leve careta quando sentiu uma pontada de dor no braço, quase fazendo com que ela risse diante a situação tão contraditória.
- Estava certa então – falou, talvez mais alto do que pretendia, já que instantes depois arregalou os olhos. – Já atendi alguns soldados com tatuagens parecidas. – Se explicou. – Faz tempo que voltou?
- Alguns dias – respondeu, percebendo que a conversa desviava os pensamentos da dor incômoda em seu braço.
- Definitivo ou só para alguns dias de folga mesmo?
- Volto no fim do mês.
- Então, estava saindo para aproveitar seus breves dias de folga? – Ela não sabia por que estava falando tanto e fazendo tantas perguntas. Não era o primeiro soldado que ela atendia, mas era o primeiro com quem ela conversava tanto. Talvez fosse algo nele e na forma como se portava.
- Aniversário de um amigo. – Respondeu , soltando um palavrão baixo quando ela perfurou sua pele em um ponto mais sensível.
- No dia da independência? – perguntou ela, fazendo uma careta de leve. – Não tinha uma data melhor para ele comemorar? – Aquilo fez rir e ela parou o que fazia diante o movimento dos ombros dele. – Me diga que ele não pediu para você fazer um desfile para ele.
- Sem desfiles – disse , parando de rir com certo esforço para que ela pudesse finalizar a sutura. – Sargentos não participam de desfiles, geralmente.
- Sargento, então? – perguntou ela, sorrindo de lado.
Sem que ela pudesse controlar, as roupas que ele usava, em sua mente, foram substituídas pelo uniforme do exército e todas as listras e medalhas que os sargentos geralmente carregavam. De repente, aquele leito estava quente demais, e sua boca muito seca. A mulher respirou fundo, balançando a cabeça rapidamente para afastar aquelas imagens e forçando-a a voltar a seu trabalho, finalizando logo aquela sutura.
- Bem, sargento – disse ela, finalmente cortando o fio e colocando de lado os instrumentos que usara. – Vou preparar a sua injeção, colocar uma gaze por cima e você estará pronto para ir.
Eles permaneceram em silêncio enquanto ela fazia tudo o que havia anunciado que faria. deixando de observar os detalhes do local em que se encontrava, para focar nela e no cuidado e atenção que a moça tinha ao cuidar de seu ferimento. Os cabelos loiros estavam presos em uma trança que já possuía vários fios fora do lugar. Tudo nela exalava cansaço, mas havia também a paixão costumeira de quem gostava muito do que fazia. O cuidado e a atenção característicos. Não havia dúvidas para ele que, fosse um bêbado dando problema para ela, a mulher o atenderia com a mesma dedicação.
- Eu sei que você vai sair daqui direto para uma festa – disse ela, após finalizar totalmente seu ferimento e retirar as luvas – mas, infelizmente, você não poderá beber. Não é recomendável para não dar algum efeito colateral.
- Se por acaso eu beber e der algum efeito colateral, você ainda estará aqui? – perguntou ele antes mesmo que pudesse controlar. A mulher sorriu e olhou para o relógio na parede atrás da maca.
- Meu turno acaba em duas horas, você teria que beber muito para causar um estrago muito grande – disse ela.
- Fica para a próxima, então – disse , descendo da maca e pegando da mão dela a prescrição médica para os remédios que ele teria que tomar por alguns dias para evitar infecções.
- Bom 4 de Julho, sargento.
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se olhava no espelho, analisando a quinta roupa que havia vestido para sair àquela noite. A verdade era que ela não estava no espírito de sair, não depois da semana cansativa que tivera. Mas Natasha havia voltado da viagem com o tal namorado e prometia mil fofocas, mas apenas na condição que e Wanda saíssem com ela – as bebidas na conta da ruiva, para compensar os turnos dobrados que as colegas haviam trabalhado para cobri-la. Por fim, mais por já estar atrasada e Natasha ter ligado dez vezes para perguntar onde ela estava, decidiu pelo vestido curto e a bota acima do joelho que usava, jogando uma jaqueta por cima já que a noite havia esfriado um pouco e, enfim, saindo do apartamento para encontrar as meninas no bar de sempre.
O estabelecimento não estava tão movimentado como de costume, o que iria ajudar bastante a manter as conversas em um tom mais baixo. Atrás do bar, um dos funcionários cumprimentou o grupo de amigas, que já rumavam para sua mesa habitual, mesmo fazendo um certo tempo que não conseguiam se reunir ali. Natasha garantiu que não estava ali para brincadeiras - quando ela estava? - e começou com quatro shots de tequila para cada uma, o que já foi a derrota de Wanda, que era a mais jovem e a mais inexperiente nesse quesito, enquanto Nat e seguiram para seus drinks habituais, com a primeira finalmente começando a contar sobre as aventuras da viagem. Metade das histórias mal surpreendia mais , mas era divertido ver as reações de Wanda.
Por já estar habituada com as histórias da colega, deixou sua atenção ser desviada para o resto do bar, reconhecendo alguns rostos familiares e analisando outros que eram novidade. Foi só quando ela estava passando os olhos pela área onde ficava o balcão, que sua procura parou e ela se concentrou, esperando a pessoa voltar a normalizar sua postura após dar uma longa e sonora risada que chegou até ela. ofegou ao reconhecê-lo, sorrindo ao perceber o copo de cerveja nas mãos dele já pela metade. Aproveitando que as amigas estavam distraídas, pediu licença e se retirou da mesa, contornando o bar até chegar ao balcão, aproveitando que o homem ficara sozinho e ela se sentiria mais confortável para se aproximar.
- Bonito, né, soldado? – disse ela, sorrindo ao vê-lo se assustar antes de se virar para ela. a olhou dos pés à cabeça sem qualquer pudor, sorrindo de lado como se gostasse do que via.
- Eu? Obrigado – respondeu ele, apoiando o copo no balcão. – Mas acho que a doutora não deve ter se olhado no espelho antes de sair, a visão que eu tenho é bem melhor que a sua.
- Enfermeira – corrigiu ela, preferindo ignorar a investida direta dele.
- Detalhes.
- Você não deveria estar aqui – disse ela, ocupando o banco vago ao lado dele e apoiando-se no balcão.
- Ah não? E onde eu deveria estar?
- Qualquer lugar que não envolve misturar remédios e bebida alcoólica. – Ele tinha a resposta pronta na ponta da língua, ela sabia, mas foi interrompido com a chegada de duas pessoas, ambas muito inconvenientes, e uma delas muito bêbada.
- Olha só, Nat! – Wanda chegou, tropeçando nos próprios pés e apoiando-se em para apoio, ou apenas para sentir o que a jaqueta de couro preta escondia. – Pelo visto ela tem amigos além da gente. Me sinto trocada.
- – O soldado estendeu a mão para ela, tanto para se apresentar, quando para ajudá-la a se estabilizar, não reparando na revirada de olhos que dava atrás dele, muito menos o sorriso que Nat tinha nos lábios. – Mas acho que estou mais para trabalho de feriado do que amigo.
- Eu queria ter um trabalho desse todo dia… – soltou Nat, alto o suficiente para que o soldado ouvisse e sorrisse de lado, deu um soco no ombro da amiga.
- Se não ficasse viajando com o namorado todo feriado, teria – respondeu , erguendo o copo que havia carregado com ela e dando um gole.
- De nada então. Vou até tirar umas férias em seu benefício. – A ruiva devolveu, analisando o que a jaqueta escondia e olhando para a amiga como quem dissesse que aprovava aquele candidato.
- Continue falando assim e eu vou te dar o maior prejuízo da sua vida, Natasha.
Apesar de disfarçar bem, desejava que um buraco se abrisse abaixo dela e a sugasse, ela não estava bêbada o suficiente para aguentar as amigas bancando as taradas para cima de .
- Então, – começou Natasha, pedindo outra bebida para ela e usando como desculpa sua movimentação para se posicionar ao lado do moreno, oposta a , que, se fosse possível, a mataria com o olhar. – O que você faz da vida?
- Soldado – respondeu ele, seus olhos pegando o momento em que Wanda tropeçou e se levantou para ajudá-la, pedindo uma garrafa de água para a mais nova.
- É mesmo? Qual posição? – Natasha passou a língua pelos lábios, umedecendo-os levemente, só conseguia revirar os olhos, a mulher tinha namorado! O que diabos pretendia ali?
- Sargento – respondeu , os olhos azuis buscando e parecendo relaxar quando viu que ela havia conseguido controlar Wanda um pouco.
- Sargento?! – exclamou Natasha, olhando para de forma muito julgadora e se controlando para não revirar os olhos ao notar que a amiga preferia cuidar de Wanda do que conquistar esse cara e levá-lo para a cama. – Com licença, .
A ruiva contornou o soldado e se aproximou das duas amigas, de longe, o soldado conseguia perceber que o assunto era ele e , e Natasha parecia muito desapontada com a enfermeira por vê-la dando mais atenção para Wanda do que para o paciente. Ele teve que disfarçar que não olhava para elas quando a ruiva empurrou sem delicadeza alguma em direção ao soldado.
- Eu não estou bêbada o suficiente para isso – murmurou a mulher, alto demais a ponto de o soldado ter conseguido ouvir e se adiantando para pedir uma bebida para ela. - Você não precisava…
- Se bem me lembro, fiquei te devendo uma bebida – disse .
- Ficou?
- Eu atrapalhei seu feriado e não pude te levar para beber – lembrou o soldado, entregando a ela a bebida que havia sido entregue.
- Isso me lembra, como está o braço?
- Quem cuidou dele fez um ótimo trabalho – disse ele, passando a mão na região ferida e sorrindo de lado.
- Alguém tinha que cuidar direito, não é? – respondeu ela, apontando para o copo de cerveja que ele havia acabado de pedir.
- É minha despedida, doutora – revelou , logo se arrependendo ao ver o sorriso divertido sumir do rosto dela. – Sabe-se lá quanto tempo ficarei sem uma boa cerveja.
- Então está de partida? – perguntou ela, não conseguindo disfarçar a preocupação e a leve decepção.
- Amanhã à noite – contou . Ele parecia que ia dizer mais algo, mas um loiro chegou apontando para as duas mulheres atrás deles, Wanda e Natasha.
- , , … Esse bar! – O loiro se apoiou no moreno, sorrindo e derrubando um pouco da própria cerveja na jaqueta do amigo. – Você viu quem está atrás… – Ele finalmente enxergou e seu sorriso ficou mais largo e ele apertou o ombro do amigo, sequer notando a leve careta de dor que fez. – Ah, bem… Olá, senhorita.
- Olá – respondeu , sorrindo levemente envergonhada pela forma intensa que o loiro a olhava. revirou os olhos.
- Ah, esse é Steve, e aquele é o Sam. – Apontou para um moreno que começava a se aproximar, mais discreto que o loiro.
- Soldados também? – perguntou , olhando para o tal Sam que se aproximava.
- Steve era do mesmo batalhão que o meu – disse . – Sam é de outro.
- Muito prazer – disse , aceitando a mão que Steve havia estendido a ela. – Sou .
- … – disse Steve, prolongando o nome dela em seus lábios como se aquela não fosse uma palavra estranha. Claro que ele ignorou o olhar desesperado do amigo cujo ombro ele ainda apertava, e parecia apertar com ainda mais força à medida em que as memórias voltavam e ele conseguia se lembrar de onde havia escutado aquele nome. – da Independência?
- Desculpe? – perguntou ela, olhando de para Steve.
- Diga, querida , o que você faz da vida?
- Sou enfermeira – respondeu, não conseguindo entender qual era a intenção de Steve.
- Sam! – gritou o loiro, puxando o terceiro colega para perto. – Conheça , a razão do quase coma alcoólico do no meu aniversário.
- Como é? – exclamou, olhando para o soldado, que afundava o rosto na mão e dava um soco em Steve com a outra.
- Merda – murmurou o moreno.
Felizmente, para , Natasha e Wanda voltaram a se juntar a eles, atraindo toda a atenção de Steve e Sam para elas, e de também, que ainda não conseguia acreditar na cara de pau de Natasha para dar em cima dos rapazes mesmo sendo compromissada. Os quatro levaram a conversa por um tempo, sem se importarem que e permaneciam em completo silêncio, trocando olhares vez ou outra e bebendo cada vez mais. Com qual propósito, nem eles dois conseguiam mais dizer, mas parecia que haviam criado uma competição entre eles sobre quem conseguia terminar primeiro seus copos de cerveja e quem aguentaria mais rápido antes de passar mal.
Claro que aquela era uma péssima combinação para , que já havia começado a noite com tequila e outros destilados até resolver combinar com o soldado na cerveja. Ela sentia sua cabeça rodando, e seu corpo já mostrava todos os sinais de embriaguez, mas ela permanecia consideravelmente lúcida, apesar de não ter ideia de como havia ido parar naquele canto mais afastado com . Leves memórias dela própria sugerindo que eles saíssem do balcão e se afastassem um pouco passavam por sua mente, mas ela não conseguia ter certeza.
- Então, quer dizer que você quase entrou em coma alcoólico só para me ver? – perguntou ela, apoiando-se na parede para que não caísse.
- Steve exagera demais – brincou . – Eu só queria beber o suficiente para causar alguma leve reação com os remédios.
- Você sabia o horário que eu ia sair – observou ela, a noite em que se conheceram bem vívida em sua mente. – Podia ter aparecido lá.
- Eu já estava bêbado demais para isso, doutora – respondeu ele.
- Enfermeira – corrigiu ela, gostando de vê-lo sorrir diante a correção dela.
Eles estavam bem próximos, fosse para se ouvirem melhor devido ao barulho do bar, fosse porque ele queria se certificar de que estaria perto caso ela começasse a cair, fosse pela instabilidade dela que a fazia, mesmo parada, das uns passos aleatórios para diversas direções, mas principalmente em direção a ele, nenhum dos dois sabia, mas estavam próximos o suficiente para sentirem o calor que seus corpos emanavam. sentia o perfume dela, que conseguia afastar o aroma familiar da cerveja, enquanto ela sentia uma leve nota de tabaco, apesar de duvidar que fosse por ele. O cheiro da bebida de cevada estava mais forte nele por Steve ter derrubado em sua jaqueta, mas aquilo parecia deixá-lo ainda mais atraente.
A conversa era sem sentido, agora só uma desculpa para que se tocassem e se aproximassem mais, até que conseguiu tropeçar nos próprios pés e se viu nos braços dele quando a amparou, estavam tão próximos que ele só tivera que elevar os braços para segurá-la. Estavam tão próximos que ela conseguia reparar detalhes no rosto dele. Mesmo com a visão levemente turva, ele estava em total foco. Os olhos azuis brilhavam enquanto pareciam analisar o rosto dela na mesma minúcia que ela fazia com ele. Ele tinha uma cicatriz no supercílio e outra no queixo, a do queixo maior e mais disfarçada com a barba rala do dia, parecia com a cicatriz que um tiro de raspão deixava, enquanto a do supercílio parecia ser a de um soco, algo que deveria ser bem comum durante o treinamento. E então tinham os lábios deles. O superior era mais fino que o inferior, que era mais carnudo, mas ambos eram vermelhos e deliciosamente convidativos. umedeceu os próprios lábios, como se conseguisse imaginar como seria sentir aqueles lábios não só contra os dela, mas em todo seu corpo. A mão firme que a impedira de cair e ainda sustentava seu corpo a deixara arrepiada só com aquele toque imponente, como se ele quisesse clamar posse do corpo dela para si. E, meu deus, como queria que ele fizesse aquilo.
Os olhos dela voltaram a focar nos dele, que analisavam os lábios dela, provavelmente tendo pensamentos parecidos ou iguais ao que ela tivera mais cedo. encontrou o olhar dela, ambos sentindo algo como eletricidade percorrendo seus corpos, as áreas em que se tocavam pareciam emitir as ondas mais fortes. O bar havia sumido para eles, o barulho era completamente ignorado.
Nenhum dos dois soube dizer quando e quem eliminou a distância e uniu seus lábios, a explosão de sabores das bebidas da noite parecendo intensificar a sensação que aquele encontro voraz e sedento provocava. Ele havia bebido whisky aquela noite, conseguia sentir o sabor se misturando ao de tequila dela. A mão dele intensificou o aperto em seu corpo, fazendo-a soltar um gemido nos lábios dele, que provocou a reação desejada e logo em seguida ela sentiu suas costas contra a parede, o corpo dele contra o dela de forma imponente. As mãos dela, que antes estavam nos ombros do soldado, subiram para a nuca, agarrando alguns fios do cabelo negro dele, puxando-os levemente quando sentiu um aperto em sua cintura.
Quando partiram o beijo, novamente sem saber quem havia provocado aquilo, arqueou o pescoço para dar mais espaço para que ele percorresse e saboreasse sua pele, subindo até a orelha dela, dando uma leve mordida antes de sussurrar com a voz rouca que causou ainda mais ondas de choque pelo corpo dela, uma parte em especial parecendo tremer mais diante àquela voz e a sugestão dada por ela.
- Que tal irmos para qualquer lugar que não envolva misturar bebida alcoólica e remédios? – sugeriu , pressionando seu quadril contra ao dela ao sentir as unhas da mulher arranhando sua nuca.
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Antes mesmo de abrir os olhos ela já sentia sua cabeça explodindo. Lentamente, levou sua mão até a testa e a esfregou na inocente tentativa de fazer aquilo amenizar sua dor. Madita Natasha. Maldita tequila. Maldita cerveja. Maldito soldado.
Soldado.
Sua respiração ficou suspensa por um breve momento enquanto ela se lembrava de , os jogos silenciosos entre eles, a forma como ele a agarrou no canto do bar. E como sugeriu de forma delirante que eles levassem o ato para outro lugar.
Felizmente ele morava no fim do quarteirão, e foi para o apartamento deles que os dois seguiram. lembrou de como ele mal havia terminado de trancar a porta e já havia prensado o corpo dela contra a mesma, de costas para ele enquanto o soldado explorava o pescoço, nuca e ombros da enfermeira, descendo de forma lenta e torturante o zíper do vestido dela. Sua mão percorrendo a extensão da coluna dela, espalhando arrepios e ondas de calor por todo seu corpo, fazendo-a pulsar de desejo no ponto mais íntimo.
Daí em diante, tudo o que ela tinha eram as lembranças das sensações. De como o corpo dela reagia a cada toque dos dedos, mãos e lábios dele. De como sua respiração parecia ficar mais acelerada a cada gemido que ele soltava em resposta a algo que ela fazia. Era mais um jogo como os que fizeram no bar, a tortura lenta e deliciosa, atrasando o prazer que chegaria em algum momento.
E ele veio. Uma... Duas... Três... E uma quarta vez para ela, sob os lábios e dedos eficientes de , que carregou um sorriso orgulhoso pelo resto da noite enquanto se recuperavam da maratona.
se moveu na cama, a sensação dolorida entre suas pernas fazendo-a morder os lábios. Quanto tempo fazia que não tinha uma noite dessas? Que não fazia uma loucura daquelas?
Com uma quantidade mínima de coragem, ela abriu os olhos, estava deitada de lado na larga e confortável cama do moreno e a primeira coisa que seus olhos viram foi o que parecia ser a jaqueta que compunha o uniforme do exército dele. A lembrança vindo com força. vestindo a jaqueta sem que ele soubesse, usando nada por baixo. Foi o que levou à loucura final da noite. sorriu ao se lembrar da forma que o soldado havia reagido quando ela surgiu de dentro de seu closet, de como ele a colocou contra a parede e a beijou de forma faminta e possessiva. Forma que ele agiu até o final, na verdade, não que tivesse reclamado.
A lembrança não durou muito, já que a claridade do quarto, provocada pelas cortinas afastadas da janela, voltou a incomodar e a dor de cabeça retornou. soltou um gemido de dor, virando-se na cama e ficando de barriga para cima, a mão subindo para cobrir seu rosto enquanto ela rezava para que a dor fosse embora. De algum canto do quarto, definitivamente não do espaço ao lado dela, veio uma risada debochada e seu corpo inteiro reagiu àquele som. Por um breve segundo, conseguiu esquecer da dor e um sorriso brincou em seus lábios.
- Quer um analgésico, enfermeira? – O riso não havia abandonado a voz dele, percebeu, pensando que reviraria os olhos e faria uma careta para ele caso a dor em sua cabeça não estivesse tão lancinante.
- Você está achando graça, não está? – perguntou ela, o tom de voz mais alto do que ela gostaria.
- Talvez só um pouco… Mas você realmente parece estar sofrendo, quis ser um bom anfitrião. – Com aquilo, ela riu, finalmente descobrindo os olhos e o encarando. Deus, deveria ser proibido alguém parecer tão gostoso apenas encostado no batente da porta, usando apenas uma calça de moletom e segurando uma xícara de café.
- Você foi ontem à noite… – respondeu ela, notando com certo prazer o rosto dele ficando levemente avermelhado. – Está corando, soldado?
- Você continua de porre ou ressaca age de forma diferente no seu sistema?
- Essas são as únicas explicações que você consegue achar para eu fazer comentários inapropriados? Tenho que dizer que estou desapontada.
- Apenas... Não achei que fosse do seu feitio fazer esses comentários a menos que estivesse em alguma dessas situações – tentou escapar, finalmente se desencostando do batente e se aproximando da cama, estendendo a xícara de café de antes de sentar na beirada da cama. – Se eu bem me lembro, eu te fiz perder um café na noite que nos conhecemos.
assistiu com atenção a mulher se ajeitar na cama e bebericar a bebida com cuidado, produzindo um som de aprovação depois de constatar que a temperatura estava a seu gosto, assim como o sabor. A postura de em comparação aos momentos anteriores que estiveram juntos estava bastante diferente, quase um tanto acuada, e o soldado não conseguiu ignorar tal fato, começando a se desculpar antes que pudesse entender o que fazia.
- Se eu cruzei algum limite… Me desculpe – pediu ele, seu olhar passeando pelo quarto não sendo capaz de captar o sorriso divertido que se formava no rosto da mulher – Não quero ter estragado o q…
- Nada estragado, relaxa…! – garantiu ela risonha, empurrando seu corpo com a ponta do pé – Nem parece que acabou de ter uma boa noite de sexo.
- Uma noite muito boa, você quis dizer.
- É mesmo?
- Uhum... Conheci essa enfermeira, sabe?
se flagrou rindo, quase voltando a se deitar na cama enquanto se inclinava para trás.
- Não me diga que você é um daqueles soldados com essas fantasias…
- Não tenho – ele respondeu rápido, tentando se fingir sério embora também achasse graça na situação – As minhas são bem mais elaboradas, relaxa.
- Ah é? – ergueu uma sobrancelha, a reviravolta no assunto sendo o suficiente para ela acordar de vez – Como o que?
- Para ter essa conversa temos que estar pelo menos de banho tomado e com copos de café nas mãos, então levanta. Juro que não vou espiar.
aceitou a mão que o soldado lhe ofereceu para ajudar a se levantar depois de pegar de volta a xícara já vazia, permitindo assim que ela pudesse segurar melhor o lençol que a envolvia. Quando já de pé, ela até chegou a esperar mais alguma gracinha vinda de , e quase se viu preocupada ao notar como sua expressão estava contorcida em uma careta séria.
- Eu não sei o que é isso entre a gente, e muito menos se isso vai ser alguma coisa... Mas, em todo caso, por favor, não se apaixone – o pedido simples veio em um sussurro quase inaudível, o silêncio quase absoluto do quarto ajudando a escutá-lo com perfeita clareza. teve que se controlar para não sorrir demais, afinal, era um sinal de que ele não queria que aquela relação deles, amorosa ou não, terminasse ali.
- Não precisa se preocupar, soldado – disse ela, apoiando uma mão no ombro dele e o forçando a olhá-la. – Sou inteligente o suficiente para não me apaixonar por um soldado - garantiu ela, notando a curiosidade no olhar dele diante o tom de voz que havia usado, como se estivesse escondendo algo dele. Mas antes que pudesse perguntar qualquer coisa, voltou a se pronunciar. – Toalhas?
- Embaixo da pia.
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- , leito nove – avisou Nat com um sorriso de lado sobre o qual não quis perguntar o motivo já que naquele dia sua cabeça parecia estar em guerra contra ela.
A enfermeira seguiu o caminho, sonhando com a pausa que faria após esse paciente para seu tão sonhado café.
Estava tão distraída aquele dia que só foi perceber que não carregava a ficha do paciente quando chegou ao leito indicado. Preguiçosa demais para voltar, ela apenas afastou a cortina e esperou que não fosse algo sério.
O sorriso surgiu em seus lábios antes mesmo que ela terminasse de processar o que via. Vestindo uma jaqueta jeans por cima de uma blusa de moletom, e cobrindo parcialmente o rosto com um boné preto, sentado despreocupadamente na maca estava uma das razões, talvez a número um, para sua dor de cabeça. nem se deu ao trabalho de fechar a cortina atrás dela antes de correr para abraçar o homem.
- ! – exclamou ela, tarde demais percebendo que o braço esquerdo do moreno estava imobilizado.
- Quebra meu braço de novo mesmo – brincou ele, apesar da dor incômoda, abraçando-a com força e não deixando-a se afastar quando percebeu que o machucava.
- O que faz aqui? – perguntou quando enfim se afastaram.
- Você estava tão bêbada que nem lembra que mandou eu vir te ver quando voltasse?
- Mandei?
- Você disse que não confiava nos médicos do exército, ou em mim, e ia querer confirmar por conta própria que eu estava bem.
Aquilo parecia levemente familiar, e sorriu por ele se lembrar e atender a seu pedido. Ela pediu para que ele esperasse enquanto ia pedir para Natasha – que, obviamente, já sabia quem era o paciente misterioso – para uma sala mais apropriada para o atendimento dele, além de dar um jeito de conseguir a ficha da fratura dele. O soldado havia falado que fora uma fratura simples, mas havia algo em sua voz e expressão que o denunciavam e fazia não acreditar totalmente nele. Fazia quase um ano que não se viam – a última vez, um mês após a primeira noite deles, viera e ficara na cidade apenas por um feriado prolongado, e acreditava que fora nesse último encontro deles que ela havia pedido para ele voltar – mas ela ainda conseguia enxergar por trás da máscara que ele tentava manter com tanto afinco.
Enquanto esperavam a liberação de Natasha, aproveitou para saber tudo o que podia sobre a última missão dele, um papo que não durou muito, já que não era autorizado a falar sobre essas coisas. Então, ela deixou que ele a interrogasse sobre a vida bem monótona que ela levara naqueles últimos meses. A provável especialização que ela começaria a fazer em breve, o relacionamento cada vez mais sério e duradouro de Natasha, e suas ocasionais saídas com as meninas. Ela havia ficado com outras pessoas durante aqueles meses, afinal era um ser humano e tinha necessidades, mas ela preferiu não entrar em detalhes, já que não via sentido em dissecar toda sua vida amorosa para , de certo modo, parecia estranho.
- Tem algo que você queira me contar, soldado? – perguntou , analisando a radiografia que havia acabado de tirar do braço dele. estava posicionado atrás dela, e engoliu em seco no momento em que ela se virou com a cadeira para olhá-lo.
- Talvez... – Ele se sentia como uma criança que havia sido pega fazendo arte, e quase riu diante a expressão culpada dele.
- Você tentou agir como se não tivesse sido nada sério para que eles não o dispensassem, não é? – perguntou ela, apesar de já saber a resposta. Era , afinal, o homem que havia pedido para que ela não se apaixonasse por ele para que não tivesse que fazê-la viver esperando por boas notícias sobre o estado de vida dele. O cara que não acreditava que merecia alguém na vida dele por causa das escolhas que havia feito e pela paixão que tinha pelo que fazia. – Isso é sério, – disse ela, voltando a encarar a tela. Aquela não havia sido sua formação, mas ela era curiosa e gostava de estudar, então sabia identificar uma fratura problemática quando a via. – Você tem sorte não precisar de cirurgia.
- Vai me colocar de castigo? – perguntou ele, o tom de voz brincalhão, provavelmente sem ter consciência do que suas palavras haviam provocado na mente hiperativa dela.
- Deveria – disse ela, mandando as imagens para o e-mail do médico responsável que estava em plantão para receber o veredito final.
Duas horas depois, tinha seu braço sendo enfaixado novamente e um atestado médico que o impedia de voltar aos serviços por, pelo menos, dois meses. Ele ia enlouquecer, não havia dúvidas, como ficaria dois meses sem uma missão? Mal aguentava uma semana. Mas bastou ouvir a risada de ao longe para que aquela preocupação sumisse, ela havia se disponibilizado a fazê-lo companhia durante aquele tempo, sabendo como aquilo era tortura para ele. havia relutado, temendo que o pior poderia acontecer com aquela proximidade toda deles, mas se recusou a aceitar não como resposta e já havia até mesmo começado a sugerir alguns programas que eles poderiam fazer nas próximas semanas.
Se alguém perguntasse, nenhum dos dois saberia responder o tamanho interesse que um sentia pelo outro. Por muito tempo, ambos acreditavam ser apenas atração física, mas a última vez que haviam se visto, meses atrás, a única coisa que fizeram foi assistir a um filme que estava louca para ver e que não fazia ideia que sequer existia. Eles jantaram, foram ao cinema e depois andaram pelas ruas até chegarem ao prédio onde ela morava, conversando sobre amenidades, coisas mais sérias e iniciando as discussões mais patéticas que podiam existir.
Estar na presença dela, havia percebido, era fácil, leve, sem preocupações e sem pesadelos. Era diferente de estar na presença de Sam ou Steve, que carregavam o mesmo peso que ele, ou parecidos. poderia carregar muitos pesos com a profissão que tinha, mas ela conseguia encontrar um equilíbrio que nunca achou ser possível. Talvez ele conseguisse aprender algo com ela nos próximos dois meses.
Pela primeira vez ele rezou para que aquele tempo passasse devagar.

era a melhor guia turística que podia existir. Os gostos dela eram os mais variados, o que ajudava quando tinha que acompanhar alguém que há muito não passava mais de uma semana no país onde nascera. defendia o país que amava, mas mal o conhecia. Aquilo divertia , que o arrastou para os programas mais turísticos possíveis e outros mais inesperados, o levando a lugares que ele nunca imaginaria que existia ou que ela gostaria de frequentar.
À noite ela o levava para sair com as amigas, ou somente os dois, ela bebendo tudo o que podia, enquanto ele se mantinha sóbrio por estar tomando remédio, o que parecia diverti-la ainda mais, principalmente quando já havia ingerido algumas doses de tequila. Às vezes eles ficavam, outras a consciência de pesava e ele não permitia que ela lhe desse um beijo que fosse. Muitas noites eles passaram acordados conversando, deitados na grama do parque que havia em frente onde ela morava, encarando as estrelas e discutindo detalhes do passado, as motivações para as carreiras que haviam escolhido seguir e os planos que tinham para o futuro. Os planos de não surpreenderam .
- Eu gostaria de ter filhos – disse ela, após ele lhe jogar a pergunta. – Casar, ter uma casa mais afastada da cidade, com um grande jardim... Decorar a casa inteira para o natal e o halloween, criar as tradições mais bobas que possam existir com meu marido e nossos filhos.
Era o tom da voz dela e o brilho nos olhos fixos no céu que encantavam , que o faziam questionar como era possível ainda existir alguém como ela mesmo com tudo o que ela enfrentava diariamente – e que vez ou outra ela compartilhava, usando o ombro dele a seu bel prazer para desabafar qualquer peso do dia. Era doloroso ele pensar que gostaria de poder ser a pessoa ao lado dela vivendo tudo aquilo, mas ele sabia que nunca seria capaz de dar a o futuro que ela sonhava. Porque enquanto ela estivesse decorando a casa e criando suas tradições bobas, ele estaria sabe-se lá onde atirando em sabe-se lá quantas pessoas, ou treinando inúmeros outros como ele para aumentarem o vermelho em suas fichas. Ele via seus companheiros do exército com suas famílias, a dor diária que sentiam ao receberem cartas com novidades e fotos dos filhos que iam crescendo sem o pai ao lado. não queria aquilo. E nunca permitiria que o tivesse também.
- E você? – perguntou ela, virando a cabeça para encará-lo. engoliu em seco, era claro que ela sabia a resposta, mas toda vez que tocavam no assunto, sempre jogava a pergunta de volta para ele, talvez na esperança de que um dia aquilo fosse mudar.
- Você sabe a resposta, – respondeu ele, se recusando a olhar a decepção nos olhos dela, senti-la já era o suficiente. – Eu não posso sonhar com algo que não posso oferecer.
- Alguns sonhos podem ser compartilhados – disse ela, eliminando a ínfima distância entre as mãos deles na grama, entre os dois, e entrelaçando seus dedos. parecia em dor com as palavras dela, e sentiu-se levemente culpada por provocar aquilo.
- Não esqueça sua promessa – pediu ele, notando que ela ainda insistia em encará-lo. revirou os olhos, soltando uma risada debochada e arqueou a sobrancelha quando ela se sentou e o encarou.
- Por que você acha que qualquer assunto mais sério que eu queira ter deve ser uma dica de que estou quebrando essa estúpida promessa? – perguntou ela, visivelmente muito irritada.
Sem esperar resposta, se levantou e começou a se afastar, rumando para o prédio onde morava. se xingou inúmeras vezes mentalmente, se levantando para ir atrás dela. Ele não correu, não querendo fazer um show no meio da rua, que estava praticamente deserta devido ao horário, mas que ainda tinha alguns transeuntes vez ou outra. parecia compartilhar do pensamento dele, já que foi deixando todas as portas abertas para ele segui-la. Mas, enquanto subia as escadas até o segundo andar, ela concluiu que a última coisa que queria era voltar a brigar por aquilo. Aquele era o único assunto que causava atrito entre eles, e ambos já estavam cansados daquilo, ambos sabendo que os argumentos nunca mudariam.
Agradecendo por finalmente estar livre dos remédios, a primeira coisa que fez ao entrar no apartamento foi ir até o pequeno barzinho que havia no canto, pegando a garrafa de tequila que havia adquirido recentemente, quando Natasha sugeriu uma noite de garotas em casa, já que todas estavam cansadas das inúmeras saídas, principalmente a ruiva, que estava compromissada e não conseguia mais nem entrar na brincadeira de flertar apenas por diversão. havia comprado duas garrafas de tequila e algumas de vinho, sozinhas, as três acabaram com uma garrafa da bebida mexicana, e mais duas da bebida roxa, o que rendera uma bela ressaca no dia seguinte, e todas elas tinham turnos dobrados à noite. Enquanto voltava para o apartamento, decidida a não discutir mais com , a enfermeira concluiu que seria uma ótima ideia eles matarem aquela garrafa, ela sabia que ela estava muito necessitada.
- – o soldado começou assim que fechou a porta atrás dele, interpretando que o motivo para ela estar de costas para ele era por ainda estar brava – eu...
- Não – disse ela, se virando já com dois shots de tequila, andando até ele e entregando um. – Eu cansei dessa conversa, então nós vamos beber e comemorar que você finalmente pode beber.
- Eu não acho que isso...
- , nós vamos beber – disse ela, virando a dose dela para dar ênfase. – Se você quer discutir, vá procurar outra pessoa.
Ele não queria discutir, entendia o ponto dela. E como ele poderia dizer não a ela? À tequila? A beber tequila com ela? Ele sorriu de lado e finalmente pegou o copinho na mão dela, virando a dose enquanto ainda a encarava. A bebida queimou sua garganta e ele sorriu, gostando daquela sensação, havia ficado muito tempo sem senti-la. sorriu, assentindo como se aprovasse a escolha dele e deu as costas, voltando ao local onde a garrafa estava, pegando-a e colocando na mesa de centro. Então, ela retirou o casaco e os sapatos, enquanto pensava em como fariam para aquilo se tornar mais divertido. Algo na estante ao lado da televisão chamou sua atenção e ela sorriu, indo até lá e pegando o pedaço de papel cortado em formato de um grosso bigode.
- Natasha fez isso – explicou ela, pegando um rolo de fita adesiva, cortando um pedaço e colando atrás do bigode. – Ela queria brincar com isso na última vez que ficamos em casa, mas nós bebemos antes de podermos começar a brincadeira.
- Que brincadeira é essa? – perguntou , retirando a própria jaqueta e os sapatos. o olhou de relance ao perceber a movimentação dele, ficando levemente desnorteada ao observar as costas dele, destacadas pela camiseta branca e justa demais para o corpo forte e definido dele. Felizmente, ela se recuperou antes dele se virar e encará-la.
- Eu vou colar isso aqui na televisão – disse ela, logo depois fazendo o que dizia. – E nós vamos assistir qualquer coisa, toda vez que o rosto de alguém se encaixar no bigode, nós bebemos.
- E eu achando que você ia querer brincar de eu nunca – brincou ele, se jogando no sofá dela enquanto procurava pelo controle.
- Por favor – ela deu uma risada debochada. – Eu nunca é para adolescente excitado que nunca transou na vida, que nunca teve umas experiências divertidas tipo beijar gente do mesmo sexo ou mais de uma pessoa ao mesmo tempo.
- Você já passou por tudo isso? – perguntou , sorrindo por já imaginar qual seria a resposta.
- Um dia, talvez, eu te conto de uma noite que eu, a Natasha e a Wanda tivemos – disse ela, finalmente encontrando o controle e ligando a televisão.
- Wanda? – exclamou . – Eu achei que ela fosse a mais quietinha.
- Dê umas doses de tequila para ela e você ficará surpreso com o que ela pode fazer – disse , se jogando ao lado dele.
- Agora você me deixou curioso – disse , olhando para ela. – Eu quero saber a história. – riu divertida, sabendo que ele não conseguiria deixar de lado a curiosidade.
- Quem sabe no fim da noite, soldado, se você fizer por merecer.
Eles procuraram pelo programa que pudesse ter a mais aparição de rostos, por fim decidindo pela reprise de um reality show musical, em meia hora, já haviam ingerido metade da garrafa e ambos já se sentiam mais que alegres pela quantidade de álcool no sistema. A sala parecia ter ficado mais quente também, e se viu tirando a camiseta que usava, ficando apenas com a regata branca que usava por baixo da blusa quase transparente. não escondeu a forma como o ato dela o havia hipnotizando, analisando o torso dela e a forma como a regata ficava justa nos pontos certos.
- Olhos para cima, soldado – brincou , sorrindo divertida.
- Como se você não estivesse fazendo de propósito – respondeu ele, ainda sem desviar o olhar. riu divertida.
- Como se eu precisasse ir me despindo aos poucos para chamar sua atenção – disse ela, passando um dedo pelo braço dele, apoiado na perna de . O ato funcionou, fazendo-o desviar os olhos dos seios dela e encarando os olhos dela. – Viu.
- Isso é cruel, doutora – disse ele.
- Enfermeira – corrigiu.
- A fantasia permanece inalterada – ele deu de ombros, sorrindo quando a boca dela se abriu em surpresa.
- Tem fantasiado sobre mim, soldado? – perguntou ela, mudando sua posição para ficar mais de frente para ele, inconscientemente, ou não, evidenciando ainda mais os seios que antes ele encarava com tanto afinco.
- Você tem suas fantasias comigo que eu sei, por que não posso ter as minhas? – perguntou ele.
- Bem... Não é minha culpa você ficar tão irresistível de farda – disse ela, sorrindo ao se lembrar da vez em que o vira com o uniforme, quando ele estava prestes a voltar para a missão, e como aquela imagem a havia perseguido todas as noites, fazendo-a tomar mais banho que o normal em uma noite. – Então, o que você fantasia? Eu cuidando de você?
- Entre outras coisas... – disse ele, os olhos já ficando mais negros apenas com as provocações daquela conversa.
- Sabe, eu trouxe meu jaleco para casa – disse ela, sorrindo de lado, cruzando uma perna e evidenciando ainda mais as coxas minimamente cobertas pelo shorts curto que ela usava. – Você tem sido um paciente tão bom, talvez mereça um doce.
Meu deus, como havia esquentado, pensou , observando os lábios dela se curvando em um sorriso que pretendia ser inocente, mas que estava carregado de segundas, terceiras e quartas intenções. Ele engoliu em seco, sentindo sua calça ficar mais apertada e seu corpo inteiro queimando. O programa na televisão e a garrafa de tequila já há muito esquecidos, ele só tinha olhos para e as visões que vieram a sua mente ao ouvi-la dar atenção a sua fantasia. Como ela conseguia fazer aquilo com ele? Era apenas um jogo de palavras, e o havia deixado num estado de puro desejo.
- Fique aqui – disse ela, se levantando e se inclinando o suficiente para depositar um selinho rápido nos lábios dele antes de se retirar.
a viu se afastando e esperou ela sumir para mexer em sua calça, tentando encontrar uma posição mais confortável. Em seguida, ele se serviu de uma dose de tequila e a virou, na expectativa de que aquilo fosse aliviar um pouco a tensão que havia surgido e que de negativa não tinha nada. Ele sabia que a bebida não mudaria nada, somente uma coisa o faria. Somente um alguém o faria. E esse alguém vinha andando pelo corredor, o som de seus passos sendo evidenciado pelo salto alto que ela havia colocado. Eles iam sair? Pensou , mas logo depois abandonando tal pensamento ao vê-la surgindo na entrada da sala. O soldado engoliu em seco, analisando-a dos pés à cabeça. Primeiro os saltos pretos e extremamente altos que já fizeram um grande serviço a ele e sua atual situação, seguindo pelas pernas torneadas e levemente bronzeadas pelos dias que eles haviam passado no parque, e então para o jaleco. O avental branco tinha alguns botões na frente, que estavam fechados, mas não eram o suficiente para esconder o que havia embaixo, e ele conseguiu ver o suficiente para saber que, no máximo, ela usava apenas a lingerie. Seguindo pelo torço, os seios fartos e mais evidenciados pelo sutiã que ela usava, para o rosto, com um batom escarlate nos lábios sorridentes e o cabelo, que até poucos instantes estava preso em um coque, solto com algumas ondas naturais. voltou a engolir em seco, vendo-a parada com uma mão na cintura e a outra mais solta, como se estivesse desfilando.
- Então? – perguntou , analisando cada mínima reação tanto do rosto quanto do corpo dele e gostando do que via. – Fiz jus às suas fantasias?
se via incapaz de pensar em qualquer resposta, apenas observando-a dos pés à cabeça inúmeras vezes e imaginando as inúmeras coisas que iriam fazer naquela noite. Como era capaz alguém causar tanto efeito assim em alguém? Como era capaz ela afetar tanto ele? Ele que havia lutado tanto para não se afetar, para manter certa distância. Mas, agora enquanto a encarava sem conseguir pensar em nada além de tê-la e possuí-la, percebia como havia feito um péssimo trabalho em tentar mantê-la afastada. Será que em algum momento ele realmente havia tentado fazer aquilo acontecer? Ele duvidava.
Não, havia deixado a droga da porta aberta e ela havia aproveitado a oportunidade para entrar. Havia deixado ela entrar em sua vida e conhecer cada mínimo detalhe dela. Havia deixado ela fazer parte, talvez até imaginar um futuro com ele ainda que só como amigos. Deus sabia que ele havia imaginado aquilo em relação a ela, havia imaginado muitas coisas em relação a ela. No vocabulário mais claro que podia existir, estava fodido. E ele não achava aquilo algo tão ruim quanto deveria. Talvez no dia seguinte ou na próxima semana ou no próximo mês ele fosse se arrepender, mas naquele momento, o único arrependimento era ter demorado tanto para revelar a sobre sua fantasia, e mais ainda por demorar tanto para se levantar daquele maldito sofá e toma-la para si como havia imaginado tantas vezes não somente naquele cenário.
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Natasha são conseguia, e talvez nem queria, esconder o sorriso discreto e de lado que carregava nos lábios diante a forma mais que animada que trabalhou naquele dia. A enfermeira havia até mesmo cantarolado algumas músicas enquanto preenchia algumas fichas. Não que a ruiva precisasse de mais alguma informação para chegar às suas conclusões, mas qualquer argumento a mais era bem-vindo.
Apesar de conseguir ver a amiga em todos os cantos, foi só quando o turno estava acabando e estava no vestiário se arrumado que as duas conseguiram conversar. Natasha parou na porta do ambiente, observando a mulher inclinada para frente sobre a pia para se olhar melhor no espelho, terminando o delineado que fazia como toque final da maquiagem nos olhos. A ruiva sorriu, cruzando os braços, conseguindo ouvir bem baixinho uma música que cantava. Não querendo correr o risco de atrapalhar a maquiagem, Natasha esperou até a mulher encerrar a missão delineado para se pronunciar, quase rindo quando a enfermeira deu um pulo.
- Então... – disse Natasha, a olhando com os olhos arregalados. – Você e o ainda estão aproveitando as férias dele?
- Eu não gosto desse tom – disse , nem se importando em reclamar do susto, apesar de seu coração ainda bater acelerado.
- Que tom? – Natasha desencostou do batente e entrou no banheiro, tentando fingir que era apenas um encontro casual entre amigas no fim de um turno.
- Não ofenda minha inteligência – pediu enquanto aplicava o batom.
- Direto ao assunto? Essa é novidade – observou Nat, se apoiando na pia e observando a amiga dos pés à cabeça, sabendo que a enfermeira havia passado um longo tempo pensando naquela roupa. – Você está bonita.
- Natasha... – alertou , encarando a amiga pelo reflexo do espelho. – Sem rodeios, por favor.
- O fato de você estar tão alarmada é porque já deve saber que está fazendo cagada – a ruiva apontou.
- Ou talvez você não seja tão boa disfarçando seus pensamentos quanto acha que é – alfinetou , guardando a maquiagem e os utensílios que havia usado. – Então, o que é? Você não gosta dele?
- ? Não tenho problema algum com ele.
- Então é o tempo que eu passo com ele e o que eu não tenho passado com você?
- Você acha que sou o que? Uma criança de seis anos? – Natasha bufou, sorrindo para a amiga. – Meu deus, , quem sou eu para cobrar a presença de alguém na minha vida?
- Então qual é o problema? – cruzou os braços e se virou, olhando a amiga. Natasha a encarou, tendo todo o resto das informações ali nos olhos bem delineados da enfermeira. A ruiva suspirou, de repente não querendo ser tão sincera quanto havia planejado, talvez estivesse melhor sem ter que encarar aquela realidade. Mas, por outro lado, talvez fosse exatamente o que ela precisasse. Quanto tempo fazia desde que ela havia deixado alguém entrar tanto na sua vida quanto havia permitido com ?
- Você disse que não ia mais se apaixonar por um soldado – disse Natasha, sem rodeios, sem tentar amenizar. foi claramente pega de surpresa, dando até alguns passos para trás e deixando sua boca levemente aberta. Seus olhos encarando Natasha sem foco algum. Então veio, primeiro estágio, negação.
- De onde você... Óbvio que não. – exclamou a mulher, sua voz ficando um pouco aguda enquanto ela ria sem humor algum. Mas Natasha sabia que ela sabia, que aquilo era apenas uma tentativa bem fracassada de manter a verdade escondida. abaixou os olhos e mordiscou o lábio, de repente não conseguindo mais encarar a amiga. Felizmente, Natasha conhecia a enfermeira o suficiente para saber que todos os outros estágios ela pularia e iria logo para os dois últimos.
- ... Não precisa ser o fim do mundo. – O que veio a seguir, surpreendeu Natasha. levantou o olhar para ela e a ruiva ofegou ao ver os olhos cheios de lágrimas da amiga.
- Mas é – sua voz não era mais alta que um sussurro, e ela engoliu com dificuldade. – Eu prometi para ele... Eu garanti... Eu...
- Você é um ser humano, – disse Natasha, se aproximando da amiga e apoiando as mãos nos ombros dela. – Não é um crime quebrar uma promessa. Muito menos se apaixonar. Demorou até demais para isso acontecer.
- Não, Nat, você não entende – exclamou , se afastando da ruiva e andando pelo banheiro. – Era a única condição da nossa amizade... Nosso relacionamento... Sei lá que porcaria é isso. Nossa primeira manhã juntos, ele pediu, e eu prometi. E várias vezes nós conversamos sobre o assunto, eu não... Eu não podia me apaixonar.
- Você sabe que eu odeio essas frases clichês, mas vou abrir uma exceção para dizer que a gente não tem como mandar no coração, . A gente não escolhe por quem se apaixona ou não.
- Não é uma escolha, Nat – choramingou , fazendo um biquinho que Natasha teve que se controlar muito para não fazer piada e rir. – É um fato, eu não podia, e eu estraguei tudo.
- Certo, digamos por um minuto que eu compre essa sua baboseira toda, qual é o crime em se apaixonar por ele?
- Ele não se acha digno de ser amado – respondeu, foi tão rápido que Natasha suspeitou que era o único argumento que a amiga vinha se repetindo há dias, semanas talvez. – E ele não acha justo manter alguém preso enquanto ele vai colocar a vida dele em risco. Ele não quer ninguém sofrendo por ele.
- Bem, ele é um babaca por isso – confessou Natasha. – Não deveria nem ter se aproximado de você se esse fosse o caso mesmo.
Não havia muito o que falar além disso, então Natasha apenas puxou para um abraço e sentiu a amiga soltando todo o ar que vinha segurando, provavelmente tentando controlar as lágrimas para não arruinar a maquiagem que estava impecável. Natasha queria poder ter as palavras certas para tranquilizar e afastar aquele desespero da enfermeira. Queria poder ficar cara a cara com e dizer algumas boas verdades para que ele deixasse de ser o babaca egoísta que ele estava se mostrando ser após essas revelações. Como ele se achava no direito de passar quase três meses com sua melhor amiga, saindo com ela, deixando-a conhece-lo melhor e tendo a oportunidade de conhece-la também, e esperar que ela não fosse se apaixonar? Natasha apostava seu salário dos próximos cinco anos que ele também se encontrava no mesmo dilema de . O que o tornava ainda mais babaca e egoísta.
- O que eu faço? – perguntou , ainda nos braços da ruiva. Natasha suspirou, sem saber como responder a amiga. Ela fechou os olhos e se lembrou de como a amiga parecia feliz naquele dia, de como ela havia se esforçado para se vestir bem. Lembrou do vestido branco com flores coloridas que a enfermeira usava, o salto alto que ela só usava nas ocasiões especiais de tão caro que havia sido. A maquiagem impecável, o cabelo no estilo que o deixava mais lindo. Natasha se afastou e a olhou nos olhos, no fundo agradecendo por ter se controlado e não chorado.
- Você vai aproveitar essa noite – disse Natasha. – Porque você está maravilhosa. Você vai aproveitar. Você vai fazer ele confirmar ou terminar de se apaixonar por você. Você vai mostrar para ele como ele é um idiota por estar se privando dessa mulher maravilhosa que ele tem e se recusa a trata-la da forma como ela merece. – A ruiva afastou uma mecha de cabelo do rosto da amiga e sorriu levemente. – E amanhã você vai pensar em tudo isso, vai aceitar o que aconteceu, e vai pensar em uma forma de lidar com isso. Seja contando para ele, seja se afastando, seja continuando a se torturar até que surja alguém melhor e que faça você esquecê-lo. Independentemente do que você decidir, eu estarei do seu lado.
Àquela altura, realmente quase chorou, tendo que respirar fundo e puxando a amiga para mais um abraço de forma a se controlar melhor e se sentir mais confortada. Ela não tinha ideia de como iria encarar aquela noite após aquela conversa com Natasha, mas era tarde demais para cancelar, provavelmente já deveria estar a caminho ou na porta do hospital apenas esperando-a para saírem. Ela engoliria todas aquelas lágrimas, aqueles pensamentos. Ignoraria a forma como suas mãos tremiam e seu estômago parecia infestado por borboletas. Ela ignoraria sua mente gritando para agarrar aquele homem até que ele confessasse sentir o mesmo. Ela ignoraria todos os sinais e seguiria o roteiro da noite, beberia, dançaria, e riria das piadas que fizesse sobre a forma como as pessoas se comportavam quando iam para as boates.

Foi uma noite boa, ela não iria negar, mas ao mesmo tempo parecia ser sua eterna condenação. Porque pelo resto da semana em que aproveitou sua folga para ficar isolada em seu apartamento, a todo momento aquela noite voltava a sua mente. Era impossível esquecer a forma como a segurava próximo ao corpo enquanto eles dançavam, ou como ele sorria a cada piada sem graça que ela fazia, ou cada peripécia que ela conseguia fazer em seu estado entorpecido pela bebida. Como esquecer a forma como ele se arrepiava cada vez que ela dizia algo no ouvido dele para que ele ouvisse apesar da música alta? Como esquecer a forma que ele a havia olhado dos pés à cabeça no momento em que a vira saindo do hospital? Ou como ele continuara a olhar cada vez que ela ia para a pista de dança sem ele? E ela sequer queria pensar que seria possível esquecer a forma como ele a beijara algumas vezes durante a noite, ambos não escondendo como era uma missão impossível se manter muito tempo afastados quando ambos estavam tão desejáveis. Afinal, deveria ser um crime um homem ficar tão gostoso quanto ele ficara vestido de preto dos pés à cabeça.
E era a louca das listas, então durante todos aqueles dias, ela tentou fazer uma lista de prós e contras, e muitas vezes aquelas memórias daquela noite entraram na lista de prós. Os contra contendo apenas um item: ele havia pedido.
havia ligado, havia ido até o prédio onde ela morava, e o ignorara todas as vezes, mandando mensagem dizendo ter pego turnos duplos no hospital para cobrir sua semana de folga no natal. Mas ele deveria saber que aquilo era mentira, porque Natasha e Wanda haviam mandado mensagem informando que ele havia passado no hospital para vê-la. Ao ver aquelas mensagens, afundou o rosto nas almofadas e suspirou, ela era péssima com mentiras, por que achou que escaparia daquela vez?
Na sexta, ela havia atingido seu ápice em manter a distância e o segredo. Sabia que em breve começaria a enviar pombos correios e sinais de fumaça para atrair a atenção dela, mas aquilo era a última coisa em sua mente. A verdade era que ela estava cansada. Passara a semana remoendo a conversa com Natasha, os momentos com o soldado e tudo o que vinha sentindo por ele. Passara os dias revirando na cama, tendo os mais diversos tipos de sonhos e pesadelos, dos mais prazerosos aos mais assustadores. Promessas eram quebradas todos os dias, pessoas se apaixonavam a cada segundo, e corações se partiam em milésimos. E daí se ela entrasse para mais alguma estatística de alguma revista idiota de moda e comportamento? E daí se ela tivesse seu próprio coração partido mais uma vez? Ao menos seria por uma escolha dela e não pelos atos de terceiros. Ela sabia onde estava se metendo quando aceitou os jogos de e se enfiou na vida dele mesmo com a relutância do homem.
Com um suspiro revoltado por ter demorado tanto para aceitar a decisão mais óbvia a sua frente, se levantou do sofá, enfiou o caderninho onde vinha rabiscando suas inúmeras listas de prós e contras na bolsa e saiu de casa. Ela ainda estava razoavelmente apresentável, já que tivera que sair mais cedo para fazer umas compras de essenciais para sua sobrevivência, e não se preocupou em mudar o vestuário. Talvez desistisse de encarar seu destino caso o fizesse. A sorte a seu favor, um táxi não demorou a apontar na rua e ela fez sinal para que ele parasse, indicando o endereço antes mesmo de terminar de fechar a porta. Naquela hora, a ligava pela enésima vez e ela fez o mesmo que vinha fazendo nos últimos dias, recusou a ligação e mandou direto para a secretária eletrônica. Que sentido havia em atende-lo quando estava há dez minutos da casa dele?

Ele sentia que iria enlouquecer. Mais uma ligação na qual ele acaba ouvindo a voz da secretária eletrônica. Mais uma ligação ignorada sem qualquer explicação plausível. teria acreditado na história dela trabalhando turnos duplos, não fossem as versões desencontradas que recebera dela e das duas outras. era tão péssima em contar mentiras, que até para trazer as duas amigas para seu plano, ela esquecia de combinar tudo. O soldado encarou o celular, a foto da mulher sorrindo em seu celular o encarando, convidando-o a tentar mais uma ligação fracassada e ele estava prestes a fazê-lo quando ouviu a campainha soando.
encarou a porta como se ela fosse feita de vidro e fosse revelar quem vinha atormentá-lo naquela noite. E então a campainha soou de novo, mais insistente dessa vez e ele suspirou. Estava determinado a ignorar o barulho e seguir para mais uma noite tentando conversar com a enfermeira quando a pessoa do outro lado se irritou com a teimosia dele e se pronunciou.
- , você nem ouse me ignorar. – Aquela voz lhe era tão familiar que seu corpo reagiu por impulso e fez brotar um sorriso em seus lábios. Uma semana sem aquele som e ele já estava daquele jeito, como ele conseguiria lidar com... – , eu sei que você está ai.
Ela o ignorava por uma semana e agora ele não tinha o direito de aproveitar o som daquela voz, ainda que brava e com aquela raiva direcionada a ele, por cinco segundos? Ele não podia sequer considerar dar o troco e ignorá-la? riu, quem ele estava tentando enganar? Se era péssima em mentir, ele era péssimo em fingir que estava irritado com ela, e que não estava curioso para saber o motivo dela tê-lo evitado durante toda a semana.
estava prestes a grudar o dedo na campainha e só retirá-lo de lá quando recebesse uma resposta, quando a porta se abriu e surgiu. Meu deus, como ela era idiota. Só de aparecer na porta e seu estômago já parecia em queda livre. sorriu de lado ao vê-la, cruzando os braços e deixando evidente que a passagem dela ainda não era permitida.
- Olha quem resolveu aparecer – disse ele, inclinando a cabeça levemente para o lado e deixando um sorriso irônico pintar em seus lábios.
- Digo o mesmo – respondeu ela, dando um passo na intenção de entrar no apartamento, mas não se moveu, e o olhou com curiosidade. – Não vai me deixar entrar?
- Depende... – disse ele, se divertindo ao vê-la engolir em seco.
- Vou ter que dizer a senha secreta agora?
- É uma pergunta, e é uma fácil – garantiu ele. – Vai me dizer por que me evitou a semana toda? – se orgulhou de si própria por conseguir agir com certo descaso, como se o que ele havia falado fosse o maior absurdo. Ela deu uma risada seca e revirou os olhos, imitando a postura dele ao cruzar os braços e encará-lo com uma sobrancelha arqueada.
- Eu estava trabalhando, não evitando você – mentiu ela, sabendo que não enganaria uma criancinha sequer. – Por quê? Sentiu tanto assim a minha falta? – Ela conseguia ver nos olhos dele que estava certa, e aquilo causou certo incomodo dentro dela, talvez ele tivesse ficado tão mal quanto ela ficara por ignorá-lo. – Vai me fazer ficar plantada aqui por mais quanto tempo?
suspirou, se dando por vencido e se afastando para deixa-la entrar. Ela estava ali, já era algo positivo, e ele tinha toda a noite para provoca-la e tentar arrancar a verdade dela. Conhecendo-a como sabia que conhecia, não demoraria muito para que isso acontecesse. A única possibilidade em que poderia vir a mentir com convicção seria quando fosse salvar um paciente, fora isso, nem tentando poupar a própria vida ela enganaria alguém.
Eles se divertiram aquela noite, talvez por motivos diferentes, afinal aproveitou cada mínima oportunidade para perguntar sobre a semana da mulher, deixando bem evidente que sabia dos buracos na história dela e os explorando. nem tentava disfarçar mais, talvez sob o efeito do vinho que haviam dividido, ou talvez por sua consciência pesar a cada nova mentira que tinha que contar e esticar ainda mais para se adaptar ao que perguntava.
Foi só quando a mulher se retirou para ir ao banheiro, e se levantou para arrumar a bagunça que haviam feito na sala que ele teve uma oportunidade de chegar mais próximo da verdade. havia jogado o celular de qualquer jeito dentro de sua bolsa, que também fora jogada de qualquer jeito na poltrona da sala do soldado, e ele conseguiu ver o caderno de anotações aberto e, a pior parte, seu nome escrito na caligrafia apressada da enfermeira. olhou em direção ao corredor que levava ao banheiro, certificando-se de que ela não estava voltando, e pegou o caderninho, sua curiosidade levando a melhor naquela situação. Não era necessário ser um gênio para decifrar o que aquela lista significava e ficou dividido entre sorrir e se sentir mais culpado por ver a eterna lista de prós e aquele único item na lista de contra.
- Sabe, eu não acredito que para alguém que receba tão bem você tenha um papel tão... – parou na entrada da sala, reconhecendo o seu caderno na mão do soldado e rapidamente encarando o rosto dele para ver como ele estava. Ela engoliu em seco, de repente ficando incrivelmente sóbria, como se não tivesse ajudado a acabar com uma garrafa e meia de vinho. – ... – Ela começou, mas logo se interrompeu, que diabos ia dizer naquele momento?
- Apenas... – largou o caderno, não conseguindo se concentrar para decidir o que falar. Então ele olhou para a lista, o único item na lista de contras e depois olhou para , que parecia uma criança pega pelos pais fazendo arte. – Diga que não é o que eu estou pensando.
Ela podia mentir. Ela queria mentir. nunca quis tanto em toda sua vida mentir como naquele momento, porque ela sabia, tinha certeza que no momento em que a verdade saísse de sua boca, tudo estaria perdido. Estava evidente nos olhos dele, na forma como ele fizera aquela pergunta, na forma como suas sobrancelhas se arqueavam e quase se uniam em um pedido, uma súplica para que ela dissesse que aquilo era mentira, que era apenas alguma conversa que eles tiveram enquanto ele estava bêbado e não conseguia se lembrar.
- Eu não posso – ela cedeu, porque sabia que sua mentira o afastaria com mais facilidade. Ela abaixou o olhar porque não conseguiria ver nos olhos dele a negação, não conseguiria ver o que quer que fosse se quebrando e indicando que ali ela o havia perdido.
- Você disse... – ele começou, parando logo em seguida quando a viu chacoalhando a cabeça.
- Diga que não sente o mesmo – pediu ela, voltando a encará-lo. Havia um detalhe que não a havia abandonado durante aqueles dias. Em uma de suas conversas com Natasha, a ruiva havia apontado que era mais do que claro que ele correspondia ao que ela sentia. tentou analisar suas memórias a busca de qualquer sinal, mas havia falhado, não confiando em sua própria mente.
- É irrelevante, – disse , nem mesmo tentando esconder. – Eu te disse...
- Não pode ser irrelevante se é importante – disse ela, começando a se aproximar lentamente dele. – E você me disse que eu havia me tornado importante demais na sua vida.
- ...
- Eu tentei fugir, – ela o cortou, tomada por uma coragem que ela desconhecia. – Mas você viu, é impossível. A única coisa que me impede é uma babaquice que você me disse meses atrás e que nem você mesmo acredita mais.
- Eu não...
- Você não o que? – perguntou ela, próxima demais ao soldado para permitir que ele conseguisse ter um pensamento coerente. – Você não mudou de ideia? Você não me vê como algo além de uma amiga? Você não corresponde aos meus sentimentos? Você não está apaixonado por mim? – queria responde-la, mas era o perfume dela, o calor do corpo dela, o hálito de menta misturado ao vinho, que começavam a tomar conta do ar que ele respirava e inebriavam ele, nublavam sua mente e o deixavam impossibilitado de encontrar uma resposta. – Talvez eu não seja a única nessa sala que não consegue mentir para salvar a própria vida.
- ... – ele respirou fundo, se arrependendo por aquele ato trazer mais ainda do perfume dela para dentro de seus pulmões. – É errado.
- Quem está nos julgando? – perguntou ela, antes de eliminar de vez a distância entre eles e colando seus lábios nos dele.
demorou, mas não desistiu. Sua mão sobre o peito dele conseguia sentir a batida acelerada do coração dele, combinando com o dela. Ela também sentia sua respiração ofegante, assim como ela havia ficado. Sinais que a incentivavam a permanecer ali, seu corpo colado ao dele, seus lábios unidos, apenas esperando ele ceder e se entregar. Não demorou muito. soltou um grunhido no fundo de sua garganta e agarrou o corpo da enfermeira, trazendo-o para mais perto antes de andar com ela até a parede mais próxima. Ele estava furioso e cansado, uma combinação não muito boa, mas fadada ao prazer dos dois. O sexo que haviam feito até então era bom, mas nada era tão bom quanto sexo de reconciliação, o sexo tomado pelo desejo misturado a paixão que ainda estava tímida, disfarçada pela raiva que ambos sentiam por ter cedido e quebrado a promessa que os havia levado a tão longe. As mãos se exploravam com força e imprecisão, parecendo dois adolescentes ainda descobrindo como dar prazer ao outro, como agir naquela situação. Os lábios se devoravam e a outras partes do corpo, e não havia nada que os impedisse de soltar os gemidos mais altos e longos que eram capazes de soltar.
Foi só quando chegaram ao quarto do soldado que o ritmo diminuiu. Ambos finalmente deixando de lado aquela raiva e deixando o corpo e os sentimentos ditarem o que aconteceria dali em diante. Foi diferente de tudo o que haviam experimentado até então. Era mais atencioso e até mesmo tímido em alguns aspectos. Era delirante, torturante, delicioso. Os lábios se encontravam e as línguas se enlaçavam no mais perfeito encaixe, espelhando a forma como os corpos se uniam com perfeita harmonia. Uma cena digna dos filmes mais clichês de comédia romântica, até mesmo quando as mãos se entrelaçaram enquanto os corpos se moviam com sincronia e precisão. E em seu último suspiro, antes que ela pudesse controlar, ali estava, o sussurro mais baixo, que só fora ouvido pelo silêncio presente no quarto.
- Desculpa.
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O soldado passou a mão pelos cabelos suados em um movimento cansado, seu braço colidindo contra a lateral de seu corpo com um estalo alto quando deixou o membro cair, mas nem isso atrapalhou o sono tranquilo de . Aquele contraste antes tão singelo agora lhe parecia a maior ironia do destino, que provavelmente se divertia a suas custas. Ela conseguia dormir à noite, completamente em paz consigo mesma, e ali estava ele, ciente do peso que estava disposto a colocar sobre seus ombros delicados, que não tinham nada a ver com seus problemas pessoais. Essencialmente eles eram opostos: estava ali para salvar vidas, amparar pessoas necessitadas. Ele tinha como obrigação proteger, mas muitas vezes isso envolvia coisas que ele escolheria esquecer, se pudesse ter tal privilégio. Não, ele tinha que lembrar de tudo.
Acabava que ele realmente não merecia nada daquilo: o apartamento modesto, a conta bancária com um saldo generoso, as fotos de momentos felizes de seu passado expostas nas paredes. A mulher adormecida em sua cama.
Aquilo era um erro.
Fazia seu coração bater de um jeito novo, entusiasmado, porém não deixava de ser um erro.
O fluxo de pensamentos em sua mente era tão grande que ele mal notou a mulher despertando aos poucos, estranhando logo de cara a ausência de uma outra fonte de calor ao seu lado, que apenas deixara os lençóis bagunçados como lembrança de que realmente estivera ali. Em um primeiro momento ela estranhou o cenário diferente em que se encontrava, apenas segundos mais tarde as lembranças de seus últimos momentos acordada voltaram a sua mente, um sorriso singelo começando a se desenhar em seus lábios enquanto seus olhos sonolentos faziam uma busca pelo local, passando batido pela primeira vez que passou pelo canto mais escuro do quarto onde estava.
- O que você está fazendo? – resmungou ela enquanto se espreguiçava, logo emendando em um bocejo enquanto voltava a se acomodar na cama espaçosa – Deita logo.
mordeu os lábios enquanto abaixava o olhar para seus pés descalços, ciente de que aquela imagem não abandonaria sua mente por muito tempo. O semblante sereno, o brilho prazeroso nos olhos, a forma como seu lençol cobria o corpo da mulher, sua voz manhosa. Se não se policiasse, poderia passar a eternidade ali, apenas contemplando sua beleza. Era fácil demais se perder nela. Parecia algo natural, como respirar fundo depois de muito tempo sem ar.
O problema era que ele merecia continuar sufocando.
- Não me parece uma boa ideia... – suspirou ele por fim.
- Qual é, soldado... – manteve o tom brincalhão, puxando o tecido que a envolvia até a altura dos ombros para continuar coberta enquanto se sentava – O que aconteceu?
- Você disse que era inteligente o bastante para não se apaixonar por um soldado.
soltou apenas um riso fraco antes de morder os lábios, quase rindo irônica por aquelas palavras terem se voltado contra ela.
- A gente emburrece rápido, né? – devolveu ela a contragosto, satisfeita ao ver a seriedade do homem se quebrando à sua frente.
- Você não deveria estar me fazendo rir – reclamou , ainda evitando o contato visual.
- E você não devia pensar demais – o tom da mulher se tornou mais profundo e sério, algo que conquistou de imediato a atenção do soldado, que logo estava hipnotizado pelo seu olhar firme – Acredite ou não, sei muito bem no que estou me metendo, e a escolha não é sua.
- Você merece algo melhor.
- Eu mereço o que eu quero - um sorriso cínico e um pouco irritado apareceu no rosto da mulher - Você me diminui quando julga que eu não sei tomar minhas decisões.
Era agora. Nem se ele escrevesse toda a cena novamente com o maior cuidado ele conseguiria um melhor momento para tomar vergonha na cara e simplesmente colocar as cartas na mesa.
- Eu estou indo embora, - enfim ele confessou o que vinha incomodando a noite inteira. Talvez a semana toda, ele já nem lembrava mais. Ela não precisava que ele explicasse o que queria dizer com aquilo. A compreensão ia aos poucos passeando pelos traços que agora conhecia tão bem, sua expressão aos poucos se contorcendo em uma leve careta confusa.
- Mas você disse…
- Eu sei – suspirou, passando a mão no rosto – Os planos mudaram.
- E você não ia me contar, não é?
- … Eu disse, você merece algo melhor. Alguém melhor.
- Faça-me o favor – ela debochou, de repente ficando puta e cansada diante a postura dele – Eu sou inteligente, , grandinha o suficiente para tomar minhas próprias decisões desde os quinze anos. Acha que foi o único soldado que eu conheci na vida? Ou o único que significou algo para mim? O que te assusta tanto, hein? De verdade, porque eu realmente não consigo te entender!
- É isso que eu sou? Um objeto de estudo?
- Meu Deus... É como conversar com uma porta! Será que não passa por sua cabecinha que eu me importo com você? Que eu não me importo de te esperar? É tão ruim assim saber que vai ter alguém te esperando quando voltar?
- E se eu não voltar, ? – perguntou , fazendo a mulher fechar a boca. – Eu posso não ser o único soldado que você conheceu e que significou algo, e você também está longe de ser a única pessoa significativa para um soldado que eu conheci. Se você tivesse alguma ideia de quantas cartas eu já li que informam os entes queridos da morte de algum soldado… Ou da dor nos olhos das famílias que eu conheci, de irmãos de guerra que me acolheram durante alguns períodos e me trouxeram para dentro dos lares deles. – passou a mão nos cabelos novamente, a frustração crescente por ver nos olhos da mulher que ela ainda lutaria contra ele. – A dor, a tristeza, a solidão tudo ali nos olhos daquelas mulheres, daqueles homens, pais e mães, filhos… A esperança que nunca vai deixá-los de que a gente possa ter cometido algum erro. Eu não quero isso para você.
- Tarde demais – deu de ombros. – Eu já convivo com isso, , só você não conseguiu perceber ainda. – O soldado parecia confuso, e ela riria da expressão dele se o assunto não fosse tão sério. – Eu sou essas famílias, essas mulheres, esses filhos que você acabou de descrever.
- , eu…
- Quanto tempo nós temos? – ela o cortou, e mesmo que quisesse insistir, ele sabia que aquilo seria inútil, a mulher não o deixaria ganhar, e ele era incapaz de deixá-la perder.
---

- !
Ele parou entre um passo e outro, a voz familiar que ele reconheceria em qualquer lugar fazendo-o fechar os olhos rapidamente antes de se virar em direção ao som, encontrando-a com um sorriso triste, os olhos já levemente avermelhados. Ela usava a roupa da noite anterior, a bagunça de nós que ele deixara o cabelo dela presa em um coque no alto da cabeça. Ao vê-lo virando, o sorriso de só aumentou e ela começou a correr em direção a ele, desviando das pessoas com uma maestria invejável, ignorando o cabelo que ia se desfazendo do coque e caindo em ondas por seus ombros. só teve tempo de firmar seus pés no chão e abrir os braços antes de sentir o corpo dela chocando contra o dele, os braços dela envolvendo seu pescoço com força. Ela não pisava no chão, ele sustentando o corpo todo dela sem dificuldade alguma.
fechou os olhos e inspirou, o perfume dela invadindo suas narinas. "Você pode ir e eu posso te esperar, não é esforço algum", foi o que ela disse na noite anterior quando ele tentou mais uma vez argumentar que não havia chances de um futuro ao lado dele. Ele amava o que fazia, a vida no exército, e mesmo que a amasse também, ele nunca conseguiria escolher. E nunca o faria escolher. Para ela era fácil equilibrar as duas paixões, mas ela não entendia os verdadeiros motivos dele. Como ele seria incapaz de fazê-la passar pela angústia de não saber se ele voltaria com vida ou não para seus braços. Era mais fácil quando eram apenas amigos, mas agora ela havia se declarado, mesmo após prometer que nunca se apaixonaria por ele. Não era seguro. Não era certo.
- Achou que iria embora sem se despedir, soldado? – perguntou ela quando se afastaram. Os olhos marejados brilhavam com o reflexo do sorriso dela. Era um sorriso triste, mas ela estava feliz por ter conseguido a chance de se despedir.
fizera tanto esforço para levantar e não acordá-la, e mesmo assim de nada havia adiantado, ela parecia ter um sensor. Não poderia culpá-la depois da noite que tiveram, a típica e clichê noite da conexão, do laço que ele, sem querer, acabou firmando com ela. Estavam conectados, seria um tolo em pensar que não. Em ignorar aquilo.
- , eu...
- Tome cuidado, certo? – Ela o cortou, acariciando a bochecha dele. – E venha me ver quando voltar, confirmar que você está inteiro.
Ele parecia sofrer, ela conseguia ver. Sabia que não havia sido justo ir até o aeroporto para se despedir dele, mas também não havia sido justo da parte dele sair de fininho na manhã seguinte a tudo o que havia acontecido.
- Descansar, soldado – sussurrou ela, pressionando seus lábios contra os dele uma última vez.



Fim?



Nota da autora - Bruna: Quem foi que deixou esses seres escreverem juntas? Gente, onde é que cês tavam com a cabeça quando deixaram eu e a Jess soltas para escrever isso ai? Nem a gente tá entendendo como é que isso aconteceu, meu deus, socorro, é muita dor. Pra me justificar, quem veio com a ideia foi a Jessica, eu só obedeci, cês xinguem ela. milbjs.



Nota da autora - Jessica: que essa fic sirva de lição pra não deixarem mais eu e a Bru sem supervisão pORQUE TO SOFRENDO



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