Finalizada em: 04/12/2017

Instinct

Ela não estava tendo um bom dia. Finalmente tinha conseguido uma faculdade que ia lhe dar uma bolsa integral de estudos, baseada em todo seu esforço até então, na Coréia. Quando finalmente chegou, estava deslumbrada com aquele mundo avançado, porém logo sentiu um baque de realidade: como não coreana, teria que se esforçar três vezes mais para alguém achar que a tese de mestrado dela era digna de um olhar.
Ok, não podia generalizar. Porém, até aquele momento, tudo que null recebera foram comentários tortos de seus colegas de mestrado e até de professores orientadores. Alguns a incentivavam a se esforçar e provar que tinha o necessário para estar lá, porém outros somente a olhavam de baixo para cima com desdém.
Ela teria que enfrentar um bocado de situações complicadas por lá.
Portanto, naquele dia, null caminhava pela faculdade com o papel de seu itinerário em mãos, penando para descobrir onde diabos era a ala que precisava ir, já que nenhuma boa alma estava disposta a ajudá-la.
E, como se não bastasse, um cara desavisado deu um encontrão com ela, derrubando todos os livros e papéis da moça no chão.
- Ei! Você não olha por onde anda, não?! – null perguntou irritada, já se abaixando para recolher tudo.
Ele se abaixou mais por educação, pois queria xingá-la e ir embora depois daquela.
- E você nunca aprendeu boas maneiras, hein? – O moço suspirou de volta, claramente tão irritado quanto ela. - Só podia ser uma estrangeira, aposto que nem sabe falar...
- Coreano? Sei sim. – E null mudou de idioma, pois nem percebera que estava falando inglês antes. Estava tão distraída e incomodada que se esquecera de utilizar o idioma padrão do lugar. – Só achei que alguém que nem você não valia o esforço.
- Toma suas coisas. Espero que a gente nunca mais se encontre. – null respondeu secamente, estendendo as coisas bruscamente para a moça. Ela praticamente arrancou os livros e papéis das mãos dele e virou de costas imediatamente.
Assim, cada um foi para seu lado, esperando nunca mais ter que olhar na cara do outro.

- Professor, o senhor não sabe como eu fico feliz por isso... – null suspirou enquanto seguia o homem pelos corredores da faculdade.
Já fazia por volta de três meses desde aquele dia horrível em que aquele cara grosso esbarrara nela e derrubara tudo no chão. Após a crise existencial da moça, ela respirou fundo, levantou a cabeça e prometeu que mostraria a todos o que ela era capaz.
Aquele professor começou a ajudá-la quando percebeu que ela estava tendo problemas por ser estrangeira. Conseguira pegar um de seus “alunos extras” – nome que o professor dera para todos aqueles que eram de cursos diferentes, porém cursavam a matéria dele por pura curiosidade – para dar o suporte a null que ele não poderia por estar ocupado.
- Não precisa agradecer, null. – O homem respondeu, ajeitando os óculos no rosto. Caminhavam rapidamente, pois ele tinha uma aula se aproximando em seu relógio. Seu objetivo era somente apresentar os dois e deixá-los conversando enquanto seguia para a outra sala. – Esse aluno é bem dedicado. Está cursando Música, porém faz várias matérias que vão além do curso dele. Além disso, é muito simpático e sempre disposto a ajudar os outros. Ah, aqui! Chegamos!
Dizendo isso, o homem abriu a porta da sala.
E, logo que entraram, null deu de cara com o moço bruto que tinha encontrado no que gostava de chamar de “o pior dia da minha vida”.
A reação de null ao vê-la também não foi das melhores.
- null, null... Vocês vão ser algo como aluno-tutor e aluna-tutelada. – O professor comentou rapidamente enquanto os dois ainda se observavam boquiabertos.
- Calma... Ela é a aluna que precisa de ajuda?! – null perguntou imediatamente, apontando para null de uma maneira completamente desrespeitosa, chocando até o professor.
- Não vai achando que eu gostei disso também, seu grosso! – A moça respondeu balançando a cabeça e olhando para o professor, que agora estava chocado com os modos dela também. – Olha, eu posso aceitar ajuda de todo mundo, menos dele!
- E quem disse que eu ofereceria minha ajuda para você?! – null cruzou os braços, observando-a com um par de sobrancelhas franzidas.
- Basta, vocês dois! – O professor disse de maneira nervosa, tirando os óculos do rosto. Os dois só passaram a observá-lo como duas crianças que tinham acabado de levar bronca enquanto o homem limpava as lentes com a camisa. – Não sei o que aconteceu entre vocês dois, mas ele é seu tutor e ela é a sua tutelada. Tratem de ser cordiais um com o outro, pois eu não tenho tempo para isso! null, você precisa de ajuda para se encaixar e realizar bem a sua pesquisa. null, você pode ajudá-la com isso e a pesquisa dela é muito importante para nós, podendo dar um bom nome para a nossa faculdade em termos internacionais. Então aprendam a brincar juntos.
Dizendo isso, o homem se virou e foi embora.
Deixando os dois sozinhos na enorme sala vazia.
Ele não tinha noção do perigo.
- Duvido que a sua pesquisa seja tão importante assim. – null cruzou os braços, olhando-a com desdém.
- E eu duvido que você seja a pessoa inteligente e simpática que ele comentou comigo. – null soltou uma risada de escárnio no fim da frase. – O professor deveria estar louco quando falou uma coisa dessas.
Apesar de não gostarem nem um pouco daquela situação, os dois teriam que se contentar com o fato que praticamente sambava na frente deles: eram tutor e tutelada e, portanto, teriam que aprender a conviver.
Aquilo seria pior que um parto.

- Eu quero morrer. Não vejo a graça em nada disso. – null suspirou enquanto empanava os pedaços de lombo na farinha de rosca.
- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA...! – E claro, como era de se esperar, null estava sentada em uma cadeira, escachando-se de rir.
- Você quer falar pra asna da sua irmã que rir da desgraça dos outros é feio? – null perguntou para null, enquanto o primo fritava alguns pedaços de bacon com um toque de whisky.
Algo que eles inventaram no momento e esperavam que desse certo. Ou teriam que comer miojo.
- Como que eu fui acabar com uma irmã tão sádica, né...? – null suspirou, fazendo com que a prima começasse a rir. – Ô null! A situação da null é ruim, vai! Deixa pra rir quando ela estiver dormindo!
null só ficou olhando para ele. Logo que null olhou para null, ambos ficaram em silêncio durante alguns segundos e começaram a rir juntos.
- Eu estou rodeada de pessoas cruéis... – null suspirou, passando a mão na testa e fingindo começar a chorar.
- Ah, vai! De todas as pessoas da faculdade, o seu tutor tinha que ser aquele grosso que você encontrou naquele dia e não quer ver nem pintado de ouro! – E null ria cada vez mais. – Você não pode negar que a ironia em tudo isso é engraçada!
- Eu sei que é! Mas, no momento, quero curtir minha raiva da situação, me deixa! – E a própria null começou a rir, ouvindo a campainha tocar logo em seguida. – Pode deixar que eu vou atender. null, vem terminar de empanar o lombo!
null, null e null moravam juntos. null era meio-irmão de null, morando junto com a moça durante algum tempo nos EUA. Porém, logo que os dois cresceram, resolveram se mudar para a Coréia a fim de realizar a faculdade. Quando null terminou o próprio curso, eles que deram a idéia para que ela também se mudasse para lá a fim de realizar o mestrado. Assim, logo que a moça conseguiu a bolsa, a casa já estava garantida.
Assim, como os amigos que passavam lá para importuná-los quase todos os dias, como era o caso de null.
Exatamente a pessoa que estava à porta, com um sorriso gigante nos lábios e uma sacola com uma quantidade considerável de Soju.
- Oiê! – Ele acenou alegremente quando a moça abriu a porta. E era impossível não sorrir ao encontrá-lo. null imediatamente levantou a sacola. – Eu trouxe bebidas!
- Percebi! – E null o abraçou, convidando-o para entrar. – Tem o meu Soju de pêssego?
- Claro! – null tirou uma garrafa com uma tampa cor de rosa de dentro da sacola. – Acho bom você beber tudo que eu trouxe, porque só você toma isso.
- Você é um amor, ! – A moça deu alguns pulinhos até ele e um beijo estalado na bochecha de null, fazendo-o corar levemente e dar um sorriso um tanto envergonhado e convencido ao mesmo tempo. – Bom, vamos lá pra cozinha! Estamos terminando o jantar e a null tá rindo da ironia que é a minha vida.
- Ironia? – Ele franziu as sobrancelhas, acompanhando-a no curto caminho até a cozinha. Como era uma casa em conceito aberto, logo que alcançaram a sala já conseguiam ver null e null conversando. – Por que ironia? O que aconteceu dessa vez?
- Gosto do fato de que você já aprendeu que minha vida é uma loucura tão grande que tem que usar o complemento “dessa vez”. – null comentou, fazendo-o dar uma risada um tanto escandalosa. – Tão cruel quanto a null rindo da minha cara!
- Ah, ! – E a própria null se manifestou quando notou qual era o assunto e que o amigo estava lá. – Venha cá, sente-se, abra uma garrafa de Soju e vá petiscando alguns giozas, porque o assunto é ótimo! Só escuta a história!
- A maldade não tem fim, né...? – null suspirou, voltando a ajudar null com o lombo empanado. O primo somente sorriu para ela.
- Você sabe que uma das maiores belezas da nossa vida é te zoar. – Ele comentou ainda com o sorriso doce nos lábios. null só conseguia rir.
- Ah, relaxa, null! Eu te entendo! – O amigo comentou, pegando um guioza com o hashi que null estendeu para ele. – Sobrevivi a esses dois sem você durante quatro anos.
- Pois é, meu querido. Ela já sobreviveu a mais de vinte. – null comentou, apoiando na bancada à frente de null e fazendo-o rir. – Agora que temos vocês dois nas nossas mãos, o que acham que irá acontecer?
- Só vai ficar pior. – null comentou amargamente e todos caíram em gargalhadas, inclusive a moça.
Apesar de tudo que tinha acontecido no dia, agora ela conseguia ver a graça de ser tutelada por aquele moço grosso que tinha encontrado na faculdade. Nem dissera o nome dele aos amigos, simplesmente porque fizera questão de não se lembrar.
Tinha chegado até ali por conta própria. Então, não precisaria da ajuda de alguém agora, principalmente da dele. null conseguia se virar muito bem e terminaria a sua tese de mestrado por mérito próprio, não importava a dificuldade.
Aquilo era uma promessa.

Naquela manhã dourada, as salas de aula estavam silenciosas enquanto os alunos conversavam pelos corredores e jardins da faculdade, gastando um pouco de tempo antes de terem que começar o dia.
null caminhava com seu livro em mãos, os óculos escorregando pelo nariz até ele ter que empurrá-los de volta para o lugar novamente. Estava muito ocupado compondo uma de suas quinhentas mil músicas e queria um lugar mais silencioso para que pudesse ouvir as melodias dentro da sua mente.
Sendo assim, nada melhor do que ir para a sala de aula da manhã – justamente a aula de Algoritmos que ele resolvera cursar por puro interesse por Computação. Era o único lugar que ele tinha certeza que poderia terminar de colocar todas as notas e batidas no lugar.
Quando abriu a porta da sala, entretanto, demorou alguns segundos para notar que não estava sozinho.
Sentada no extremo oposto da sala, em uma das primeiras carteiras, grudada à janela, estava null, com um monte de papéis e livros abertos, os próprios óculos escorregando pelo nariz enquanto a moça tentava ajeitar a cascata de cabelos que escorregava por seus ombros.
null já estava pronto para rolar os olhos e fazer algum comentário maldoso quando null levantou um livro à frente do rosto e ele pôde ler o título Edmund Husserl – O Pai da Fenomenologia.
Ele ainda estava um tanto chocado de ver uma aluna que estava desenvolvendo um mestrado em Computação lendo um livro de Filosofia, quando ela abaixou o livro e finalmente notou a presença dele na sala.
- Ah. Que bom. Meu dia tinha que começar bem, não? – null perguntou mais para si mesma do que qualquer outra coisa, rolando os olhos e apoiando o livro em uma das mesas próximas.
Estava usando três carteiras ao mesmo tempo para fazer sua pesquisa. E uma delas era para apoiar os pés quando precisava se esticar.
- Ah, sim. Porque eu estou radiante de alegria por te encontrar aqui tão cedo. – null finalmente rolou os olhos e foi para uma carteira no extremo oposto de onde ela estava sentada. – Por acaso não sabe que a biblioteca serve pra fazer isso que você tá fazendo?
- Se eu soubesse onde é a biblioteca. – Ela comentou de maneira amarga e voltou a escrever em suas quinhentas folhas bagunçadas. Ele só a encarou durante alguns segundos.
- Ninguém te mostrou onde é? – null perguntou e null negou com a cabeça. Ele ergueu uma sobrancelha. – E você não perguntou?
- Claro que sim. Mas sempre me falam “ah, a gente mostra pra você mais tarde”! – Ela respondeu com a voz mais insuportável que conseguiu fazer. – Então eu pesquiso onde consigo. Nesse momento, a sala de aula é o lugar mais silencioso da faculdade e consigo produzir bastante.
Ele nem sabia o que responder. Apoiou o próprio livro sobre a mesa e puxou suas folhas de papel de dentro da mochila, apontando o lápis silenciosamente para voltar a escrever sua música.
- O null pode te apresentar a biblioteca mais tarde, null.
Os dois literalmente deram saltos em suas cadeiras ao ouvir aquela voz misteriosa surgindo da frente da sala. Papéis e lápis voaram para todos os lados. O professor, de braços cruzados e com um sorrisinho satisfeito estampado nos lábios, tinha a visão perfeita de dois pastéis, de olhos arregalados, boquiabertos e respirações entrecortadas com o susto repentino.
- Aish, Professor! Não faz isso comigo! – null levou a mão ao coração, que estava mais agitado que uma escola de samba desfilando na Sapucaí.
- Quase morri... – null praticamente choramingou em seu cantinho, de olhos fechados e com a cabeça abaixada.
- Faço sim e vocês dois mereciam ter morrido. – O senhor comentou com um suspiro ao fim da frase. – Nunca vi duas pessoas mais orgulhosas e cabeça dura que vocês dois. Você vai apresentar a biblioteca para ela hoje depois da aula e você vai quietinha de bom grado. Entendido?
Os dois nem tiveram oportunidade de responder, pois os outros alunos começaram a entrar na sala de aula no segundo seguinte. Simplesmente bufaram e voltaram a focar em seus papéis – recolhendo toda aquela bagunça que tinham feito por conta do susto.

A biblioteca era um dos lugares favoritos de null, ele não podia negar. Ficar rodeado de livros era certamente calmante e ajudava com a escrita de músicas.
Se ele gostasse pelo menos um pouquinho de null, apresentaria aquele lugar com prazer.
Mas não gostava.
Então estava odiando ter que levá-la até lá.
- Olha, você já me mostrou o caminho. Seu martírio chegou ao fim. – null suspirou logo que alcançaram o balcão principal do local. – Pode ir embora.
- Eu até queria... – Ele rolou os olhos, enfiando as mãos nos bolsos. – Mas você vai ficar perdida aqui se eu não te ajudar.
- Consigo me virar muito bem sozinha. Não preciso de você segurando minha mãozinha e me orientando por aí. – A moça comentou de maneira amarga, já retirando alguns livros da própria bolsa e ajeitando os óculos no rosto, preparada para procurar uma mesa.
- Percebi. Você é uma mulher independente que não precisa da ajuda de ninguém. – null suspirou como se só a mera idéia daquilo já o cansasse.
O que a fez lançar um olhar emburrado por cima dos óculos.
- Algum problema? Ou você é machista de carteirinha?
null foi tão direta que ele nem sabia o que responder.
Só ficou lá. Encarando-a. Com a boca aberta feito um peixe.
- Vou pegar a segunda opção como verdadeira e deixá-lo aqui com todo o seu machismo e a sua mente fechada. Tenha um bom dia. – E ela deu um pequeno sorriso, acenando para ele. – Até nunca mais, homem das cavernas!
Dizendo isso, null começou a caminhar placidamente até as mesas que já tinha identificado. Enquanto null ainda a encarava, sem palavras.
- Ei! Espera aí! – E teve que correr atrás dela. Não podia deixá-la ir embora daquela maneira depois de todas aquelas acusações sem fundamento. – Eu não sou machista nem aqui nem na Noruega!
- Precisa ter muita segurança pra falar isso. A Noruega é um dos países mais avançados do mundo. – null respondeu sem prestar muita atenção. Estava mais interessada em achar uma mesa com espaço para continuar desenvolvendo sua tese.
- Eu só disse aquilo, porque é a típica ladainha que as mulheres usam para ser grossas com todo mundo! – null lutava para se justificar. – “Sou independente, curta e grossa, uma mulher moderna”!
Quando ele terminou a frase na voz mais insuportável que conseguiu, enquanto agitava as mãozinhas ao lado do corpo, null imediatamente parou e ficou encarando-o. null finalmente percebera como estava agindo estupidamente e começou a questionar a si mesmo o motivo de estar se esforçando tanto para se justificar a ela.
Ele tinha certeza que null não valia aquele esforço todo.
- Touché. Essa eu não posso negar. Já vi muita mulher assim... – A moça suspirou e rolou os olhos. – Mas eu só sou grossa com você, porque o senhor foi grosso comigo antes!
- Eu?! – E agora ele estava mais indignado que nunca. – Eu fui grosso com você?! Por favor, esclareça-me sobre isso!
- Ah, então eu tenho que te lembrar daquele dia que você deu um encontrão em mim e nem pediu desculpas?! – null se virou novamente, com as mãos na cintura. Ele queria brigar? Então iriam brigar.
- Quem foi a grossa que já mandou um “você não olha por onde anda”?! – O próprio null colocou as mãos na cintura, completamente incrédulo com aquela situação.
- Você que continuou andando e nem me ofereceu ajuda! – E ela não conseguia acreditar na pessoa que estava parada à sua frente. – Nem um pedido de desculpas! Como pessoas educadas fazem quando esbarram nas outras!
- Você que esbarrou em mim, sua doida!
- O quê?! – Agora ela estava furiosa. – Eu esbarrei em você?! Por um acaso você bebeu antes de vir pra cá?!
- Não mais que você, pra falar esse monte de absurdo! – null já estava mais vermelho que pasta de pimenta.
Mal perceberam os seguranças da biblioteca se aproximando. Quando foram notar o que acontecia em volta, tiveram seus braços agarrados e foram compulsoriamente retirados da biblioteca.
Foi a primeira vez que foram expulsos de uma biblioteca. Com xingamentos no meio da calçada, os dois prometeram nunca mais olhar pra cara do outro.

A promessa até teria se concretizado. Quando null e null enfiavam algo na cabeça, não havia Buda que os fizesse mudar de idéia. Passaram semanas se evitando, trocando somente alguns comentários secos e maldosos – pois a maior diversão para ambos era encher o saco do outro – e estavam muito contentes com aquela relação de tutor e tutelada.
Ele não a ajudava mais que o necessário e ela não precisava vê-lo mais que o suficiente. Era o melhor dos dois mundos.
- Agora diz uma coisa, galera... – null estava feliz, apesar de se encontrar próxima ao fogão nas últimas duas horas. – Esse amigo de vocês não vai chegar nunca, não?
Era sexta-feira, todo mundo estava feliz e resolveram beber e fazer a maior quantidade de churrasco coreano para comemorar a chegada do fim de semana. Como sempre, null ficou encarregado de trazer as bebidas e, como resolveram convidar um amigo deles que null ainda não conhecia, esse ser resolveu dividir a incumbência de null – ou o amigo ficaria facilmente pobre, por conta do tanto que bebiam.
- Ele ficou preso em uma aula na faculdade. Filosofia, acho... – null comentou, checando as mensagens no celular. – Isso, Filosofia! Acabou de passar no mercado pra comprar as bebidas e já está vindo pra cá!
- Só ele fica numa aula de Filosofia até as oito horas da noite numa sexta-feira, né! – null comentou com uma risada um tanto má no fim da frase.
- Mas Filosofia é legal. Deve ser uma aula boa... – null respondeu, checando um dos vinte acompanhamentos que faziam para o churrasco.
Sim. Vinte.
- Um homem tem prioridades, null! – null comentou, fingindo estar irritado como se estivesse fazendo o discurso da libertação da Coréia do Sul. Agitava seus hashis de cozinha de um lado para o outro. – Comida é uma delas! Nada nesse mundo pode se impor à comida, null! Nada! Prioridades!
- Se eu começar a fazer uma lista do que se impõe... – null apontou para o primo, suspirando.
- Ele vai continuar com o discurso de “NADA NESSE MUNDO, ”! – null respondeu imediatamente, imitando o irmão, que somente começou a rir enquanto cozinhava.
E ainda teriam continuado a conversa se a campainha não tivesse tocado.
- Ah, deve ser ele! Eu vou atender! – null comentou prontamente e saiu correndo até a porta a fim de receber o amigo.
null continuou preparando os acompanhamentos, ouvindo duas vozes animadas conversando na sala. Ouvia os passos se aproximando, as sacolas chacoalhando com o tilintar das garrafas dentro, enquanto ela mesma tirava uma das panelas do fogo para descansá-la sobre a bancada.
- Oi, gente! Trouxe o resto das bebidas!
null e null cumprimentaram alegremente o amigo. null teria feito o mesmo se não reconhecesse aquela voz muito bem.
Virou-se imediatamente e colocou a panela sobre a bancada com um baque. Todos ficaram em silêncio e puseram-se a encará-la.
- Você só pode estar de brincadeira comigo! – Ela praticamente berrou ao ver a expressão de choque de null pairando no meio da sala.
- Ah, não! Você não! – Ele respondeu, apontando para ela sem conseguir acreditar.
- Espera aí! – null fez o favor de controlar o escândalo por alguns segundos. – Vocês são os famigerados “tutor e tutelada” da faculdade?!
- O que você acha?! – null colocou uma mão na cintura, apontando para null com a outra. – Eu tenho que aturar essa mulher todo dia!
Imediatamente, null, null e null caíram nas gargalhadas. Simplesmente não conseguiam ficar sem rir. Aquilo era demais para eles.
- Ah, não! Você não vai achando que vai ter que me aturar durante a sexta-feira também! – null deu a volta pela bancada, aproximando-se dele enquanto limpava as mãos no pano de prato. – A casa é minha, o churrasco é meu e eu digo rua!
- Rua?! É assim que você fala comigo agora?! – Ele estava indignado, sem nem saber direito o que falar.
Só sabia que tinha vontade de mordê-la. De uma maneira não muito simpática.
- Reitero: a casa é minha e eu falo do jeito que eu quiser. – E a moça apontou para a porta de entrada. – Rua! Você não vai comer sequer um pedaço de kimchi nesse apartamento!
- Até onde eu sei, o lugar não é seu, é dividido com eles! – null cruzou os braços e estufou o peito, estacando na frente dela. – Um terço quer que eu saia, dois terços querem que eu fique e, da última vez que eu chequei, dois terços são mais fortes que um.
null fechou a cara. Ele era bom de argumentação, a lógica dele era perfeita. Ela se virou para os amigos, emburrada.
- Apesar de eu não fazer parte da casa... – null comentou com um sorrisinho um tanto maléfico no rosto. – Também quero que ele fique. São três quartos agora, não?
Assim, ele, null e null começaram a rir mais ainda.

- Se você chegar perto da minha carne, eu juro que te taco dessa janela. – null ameaçou, lançando um olhar de morte a null.
- Vai por mim. Pretendo ficar a pelo menos três metros de distância de você. – Ele deu um pequeno sorriso sem humor e, assim, cada um foi para um extremo oposto da sala.
Teriam conseguido ficar sem se falar pelo resto da vida. Se não fossem os amigos em comum.

Uma coisa que era óbvia para todo mundo menos para as pessoas realmente interessadas no assunto era o abismo que null tinha por null. Toda vez que estava perto dela, não conseguia parar de observar a moça e morder os lábios de maneira inconsciente.
Gostava muito dela. Mas a própria moça parecia nunca ter percebido isso. E, se percebera, resolvera provocar um pouco.
null era da opinião que null não percebera nada. Já null não acreditava nem um pouco na inocência da prima, acreditando piamente que havia uma provocação disfarçada de inocência rolando entre os dois.
Além de que ela também acreditava que o próprio null estava ciente daquilo e curtia provocar null de volta.
Obviamente, aquilo foi mais um motivo de discordância entre null e null e, quando começaram a discutir, cada um foi para um canto da sala e resolveu ignorar o outro pelo resto da noite.
Isso tudo só porque null começara a contar sobre quando encontrara um de seus ídolos favoritos no shopping, coincidentemente na Starbucks, e simplesmente surtou na frente dele, conseguindo uma foto na maior alegria. Enquanto a moça contava o causo e mostrava a foto no celular, null e null conseguiam perceber claramente o quanto null estava se mordendo de ciúmes, fazendo todo tipo de comentário sem noção sobre o cara.
Até que null deu um pequeno sorrisinho quando null comentou pela décima quinta vez que o tal do ídolo não era tudo isso. Foi aí que null soube que a prima tinha plena consciência das próprias atitudes.
A discussão teria durado, null teria ido embora e todo mundo teria ido dormir razoavelmente se não fossem dois simples elementos que haviam naquela noite: álcool e karaokê.
Uma combinação um tanto perigosa, para falar a verdade.
- Parem de se comportar que nem duas crianças e levem essas coisas pra cozinha! – null praticamente empilhou todos os utensílios usados para o churrasco em cima de null e null. – Eu tenho que cuidar desses dois inconsequentes antes que eles quebrem alguma coisa tentando ligar o karaokê. , LARGA ISSO!
Com isso, null saiu correndo atrás do próprio irmão antes que ele fizesse alguma asneira muito grande com a televisão.
Sim, a televisão.
null e null somente trocaram olhares e foram para a cozinha em silêncio após suspirarem. Ainda tiveram problemas para deixar as coisas na pia, pois cismaram de colocar ao mesmo tempo e, óbvio, nenhum dos dois queria abrir mão de colocar as coisas depois do outro.
null apoiou aquele monte de tralha em cima da bancada e rolou os olhos.
- Pelo amor do Universo, eu não sei o que fiz pra merecer isso... – A moça suspirou para si mesma, tentando permanecer calma.
- Não vai achando que é só com você. Eu não tô te aguentando por bom grado. – null deu um sorriso seco de volta e ficou carregando as coisas, aguardando. – Pode deixar antes. Eu ainda sou um cavalheiro, pelo menos.
- Ah, tá! Só se for em Nárnia! – null respondeu com uma risada de escárnio no fim da frase, porém aproveitou o momento para deixar as coisas dentro da pia. Não queria mais ter que carregar aquilo lá, porém não queria dar o braço a torcer a ele.
- É que você me irrita. – Dizendo isso, ele deu um sorrisinho sem humor, deixando as coisas ao lado da pilha de louça suja de null.
Ela abriu a boca para responder e levantou um dedo, com a outra mão fixa na cintura e já pronta para passar a noite toda discutindo. Ele se virou de frente para ela, cruzando os braços e já pensando em todos os argumentos que usaria para simplesmente acabar com ela.
Até ouvirem uma música dramática vindo da sala.
- Bem lá no céu, uma lua existe... Vivendo só, no seu mundo triste...
Os dois não conseguiram ficar sem franzir as sobrancelhas. Era a voz de null.
- O seu olhar sobre a Terra lançou! E veio procurando por amor... - E agora, foi a vez da voz de null cantar dramaticamente.
Os dois tiveram que parar de discutir para encarar os amigos no karaokê.
- Que língua é essa...? – null perguntou meio boquiaberto. Já até tinha esquecido o motivo pelo qual estava discutindo com null.
- É português, tonto. O país de origem meu e da null. – A moça respondeu, ainda embasbacada com aquela cena bizarra.
Os dois se olharam brevemente e foram até null, que estava sentada em uma poltrona, sozinha, assistindo a tudo como se fosse um show.
- null... O que diabos está acontecendo? – null teve que perguntar para a prima.
- E desde quando esses dois sabem falar português? – O próprio null estava chocado demais para procurar respostas lógicas.
- O null aprendeu comigo, assim como o null. Falamos algumas coisas de vez em quando. – E null olhou para os dois abaixados ao lado dela. – O null resolveu cantar algo dramático e o null falou que queria me fazer uma serenata pra “abrir o coração”.
Os três que conversaram praticamente ignoraram o “mostra como eu amo você” escandaloso de null e null nos pobres microfones que eram utilizados sem dó nem piedade. Porém, não puderam mais ignorar o que estava acontecendo quando null se ajoelhou na frente de null e null apontou para eles com a maior expressão de sofrimento do mundo.
- Se a lenda dessa paixão faz sorrir ou faz chorar! O coração é quem sabe!
- Gente... – null comentou baixinho enquanto os dois sofriam mais do que o recomendado para aquela música. – O que Soju não faz com duas pessoas.
null teve que dar uma risadinha do comentário. Levantou-se discretamente do chão e foi para um lugar um pouco mais distante da sala, sendo seguido por null. Assim, poderiam observar aquela cena de camarote.
- Se cada um faz a sua história, a nossa pode ser feliz também... – E agora null sofria sem ter um alvo específico para tanto.
Mas null estava parado diretamente na frente de null, segurando a mão dela antes de cantar.
- Se o coração diz que sim à paixão, como pode o outro dizer não? – Ele cantou no seu melhor português. – Luz que banha a noite e faz o sol adormecer... Mostra como eu amo você!
Nesse momento, as bochechas de null ficaram vermelhas e ela começou a sorrir como uma adolescente que se apaixonava pela primeira vez. null e null começaram a sofrer novamente com a parte da “lenda da paixão”, gritando mais que o necessário e provavelmente acordando o quarteirão todo com aquela cantoria bêbada.
Apesar de saber que ele gostava dela, nunca pensara que era algo sério. Era como se seu subconsciente tivesse noção daquilo, mas a sua mente sóbria e lógica negasse aqueles fatos. Jamais iria imaginar que alguém tão legal como null realmente fosse se apaixonar por ela e, pelo visto, era real. Era a primeira vez que null percebia aquilo em um nível consciente.
O que a fez morder os lábios enquanto observava aquela cantoria terrível.
null ficou surpreso com a reação dela. null somente começou a sorrir.
- Eu te falei que ela sabia e que provocava ele de volta? – A moça comentou cruzando os braços e com um ar completamente orgulhoso.
Ele olhou para ela, pronto para dar alguma resposta torta ou algo do tipo. Porém, após alguns segundos tentando decidir o que falar, simplesmente suspirou e sorriu.
- Ok. Você ganhou dessa vez, null.
E foi a vez dela de ficar chocada, o que o fez sorrir triunfantemente.

- Se a lenda dessa paixão faz sorrir ou faz chorar? O coração é quem sabe! Se a lua toca no mar, ela pode nos tocar! Pra dizer que o amor não se acabe!


Unconscious

A relação de null e null até que melhorou um pouco após o churrasco.
Simplesmente porque foram pegos no meio do furacão que foi o início de namoro de null e null.
null acabou dormindo no sofá da sala, babando em qualquer canto, logo que a noite estava para se transformar em dia. Assim, null e null resolveram procurar por null e null, para ter certeza que os dois também não estavam mortos em qualquer lugar que nem null.
E encontraram os dois se pegando na varanda.
Passaram praticamente duas semanas impedindo null de comer null vivo.
Portanto, acabaram aprendendo a conviver no mesmo ambiente sem se xingar a cada cinco minutos.
Conseguiam ficar dez minutos sem um comentário ácido. O maior recorde daquela época foi de dezoito minutos.
Até os dois surtarem e saírem se xingando como se não tivessem feito aquilo durante um mês.
Mas, apesar de tudo, tiveram um momento muito importante que serviu para mudar todo aquele ódio aparente que tinham pelo outro. Parecia que o Universo estava insistindo para que os dois se gostassem – nem que fosse um pouquinho.
Saindo de uma aula e andando despreocupadamente para outra, null tinha as mãos nos bolsos da calça e assoviava uma de suas criações, tentando pensar em como desenvolver aquele pedaço da música.
Parou no meio do caminho quando viu uma pessoa com o rosto enterrado em um grosso livro de Filosofia e que, provavelmente, ia causar acidentes andando daquela maneira.
Teria falado alguma coisa, se a pessoa em questão não fosse null.
Estava para dar de ombros e simplesmente ir embora para deixá-la se ferrar sozinha, quando algo chamou sua atenção. Um grupo de valentões perturbava alguns garotos estudiosos nitidamente mais fracos – um pessoal mais novo, que provavelmente achava que a faculdade funcionava da mesma maneira que a escola.
O próprio null já considerava ir até lá para acabar com aquilo, até tomar um susto com uma manifestação.
- Ei! – Ele ouviu a voz de null gritando nitidamente, brava de uma maneira que ele nunca tinha visto. – É sério? Vocês estão se comportando que nem um bando de moleques idiotas de escola?!
- A conversa não chegou em você, cala a boca! – Um dos caras respondeu e null já ficou indignado. Nem em todas as brigas que tivera com null ele a mandara calar a boca. Simplesmente porque não tinha o direito.
- Você acha que tá falando com quem, hein? – E null fechou o livro, colocando as mãos na cintura. – Larguem de ser adolescentes idiotas e deixem os garotos em paz! É gente que nem eles que constroem o nosso futuro, não que nem vocês!
- Olha aqui, mulher! Cala a boca antes que a gente meta a mão em você!
- E você acha que eu tenho medinho de qualquer um que me ameaça? – A moça estava furiosa. Assim como null, pois aquilo era um desrespeito muito maior do que as simples discussões dos dois. – Tenta encostar em mim pra você ver! Te mando pra casa dentro de dez caixas de fósforo, moleque!
- Mas você...! – E um dos caras resolveu se aproximar, estalando os dedos.
null imediatamente observou null – e ficou impressionado. Ao invés de demonstrar medo, ela se colocou entre os garotos estudiosos e os valentões, levantou a cabeça e cruzou os braços, lançando um olhar para eles que era puro fogo.
- Quer me bater? Então bate. Mas saiba que a repercussão disso vai ser pior que o inferno na sua vida. – Ela comentou sem medo algum na voz. Não existia em seu tom nada além de coragem.
Os valentões já iam se manifestar, porém null se aproximou, parou ao lado dela e também cruzou os braços, erguendo levemente a cabeça.
- Se ela manda vocês pra casa em dez caixas de fósforo, eu mando em vinte. Isso não é jeito de se falar com ninguém. – E ele semicerrou os olhos, lançando o olhar mais irritado que pôde aos caras à sua frente. – Sumam. Antes que a gente se irrite.
Os valentões até consideraram discutir, porém estavam com um pouco de medo dos dois. Não queriam admitir, mas receber ameaças de veteranos como eles era um tanto... Assustador.
Logo que o grupo foi embora, os garotos estudiosos agradeceram e foram conversar em seu cantinho, em paz. Sendo assim, somente quando ficaram a sós é que trocaram olhares pela primeira vez naquele dia.
E havia algo de diferente nos olhos tanto de null quanto de null.
Era como se enxergassem tudo de uma maneira completamente diferente.
Mas nenhum dos dois notou aquilo em um plano consciente. Pelo menos não naquele momento.
- Fiquei impressionado com a sua coragem, null. – null finalmente comentou, sendo que ela esperava algum complemento grosso. Mas, assustou-se ao ver um pequeno sorriso no canto dos lábios dele. – Até que você não é tão ruim assim.
null descruzou os braços e colocou as mãos nos bolsos da calça, assim como ele.
- Você também não, null... – A moça comentou com uma risadinha ao fim da frase. – Até que dá pro gasto.
Os dois trocaram olhares sérios durante alguns segundos.
E, em seguida, começaram a rir juntos. Pela primeira vez.

Aquele evento marcou a primeira vez que null e null realmente tentaram ser amigos. A partir daquele dia, começaram a almoçar juntos e trocar algumas ideias. null não era tão grossa quanto ele imaginava e null não era tão arrogante – apesar de que ela sempre mantinha a opinião de que ele era um pouco nariz em pé em várias situações.
- Aposto que logo vocês começam a namorar! – null prenunciou no meio de um churrasco regado a cerveja que fizeram em uma das sextas-feiras que tinham livres.
null e null somente torceram os narizes e negaram até a morte, chegando a jogar almofadas em null.
Mas o primo de null não estava tão errado assim.
Ela estava na faculdade, ainda tarde da noite, terminando uma parte da própria pesquisa na biblioteca. Nunca ficou tão feliz ao fechar seu livro de Filosofia e encarar o teto, respirando fundo algumas vezes e fechando os olhos em seguida. Conseguia ainda ver trezentas mil letrinhas dançando a Macarena na sua frente e, sinceramente, só queria espairecer.
null ouviu o próprio celular vibrar sobre a mesa e o pegou com preguiça, antes que alguém batesse nela por conta do barulho.

null: Acabei a minha aula. Vc ainda tá por aqui, né? [10:32pm]
null: Claro que tô. Estarei aqui pra sempre. [10:32pm]
null: Na biblioteca? [10:32pm]
null: Posso passar aí e a gente vai comer alguma coisa [10:33pm]
null: null... [10:33pm]
null: Eu nunca imaginei que te diria isso um dia... [10:33pm]
null: Mas eu te amo. [10:33pm]
null: HAHAHA eu sei [10:33pm]
null: O que comida não faz, né? [10:34pm]
null: Então tô passando aí, vc tá pronta? [10:34pm]
null: Só vou pegar meus livros [10:34pm]
null: Te encontro na frente da biblioteca [10:34pm]
null: Ok [10:35pm]

Ela nem esperou para ver o “ok” de null: juntou todas as coisas o mais rápido possível e já foi para a porta da biblioteca a fim de aguardá-lo. Esperou durante alguns minutos até ouvir os passos dele se aproximando pela Universidade quase deserta. E, ao encontrá-lo, já sorriu e deu um aceno.
- Como foi sua aula? – null perguntou quando a distância entre eles já era curta.
- Foi ótima, mas sou suspeito para falar. – Ele deu de ombros enquanto ela ria. – E a sua pesquisa, como anda?
- Andando. – null suspirou. – Até o fim do ano fica pronta, então não estou preocupada.
- Que bom. – E null sorriu sinceramente. – Agora, em relação à comida, estava pensando em buscar em algum lugar e comermos na sua casa, daí podemos levar pro null, pra null e pro null também. O que você acha?
- Ótima idéia! Só não sei onde vamos comprar comida a essa hora da noite.
- Pode deixar que eu sei. – null piscou para ela e começou a andar. – Vamos?
null somente sorriu de volta e começou a caminhar ao lado dele, ambos conversando sobre seus novos achados em música e Filosofia.
Tudo corria bem. Após comprarem a comida, estavam na metade do caminho para a casa de null quando ela recebeu uma ligação. E, ao desligar o celular, estava com a expressão mais vazia possível.
- O que foi? Tá tudo bem? – E claro, null já achou que algo de ruim tinha acontecido.
- Depende do que você define como “bem”. – Ela respondeu erguendo uma sobrancelha enquanto guardava o celular no bolso. – O null foi dormir na casa de uns amigos, então a null acabou de me ligar para me pedir pra não voltar pra casa e dar uma noite a sós entre ela e o null.
Imediatamente, null ficou com a mesma expressão de vazio que ela.
- Exatamente. – null comentou sorrindo, feliz que ele tinha captado o sentimento.
- Bom... Podemos ir pro meu apartamento então. Eu te empresto uma blusa e você dorme lá. – Ele suspirou, coçando a cabeça. Não sabia como null iria reagir com aquilo e nem ele mesmo sabia como se sentir, já que se odiavam nos meses anteriores e agora eram amigos.
- Ok, pode ser... – E ela mesma suspirou. Não era uma situação ideal, mas era a melhor que tinha no momento. – Faremos sorteio pela cama?
- Eu sou um cavalheiro, você pode dormir na cama. – null comentou rindo e ela imediatamente abriu a boca para falar algo, porém ele a cortou no mesmo segundo. – E nem me venha com papo feminista, você vai dormir na cama, eu no sofá e ponto final!
null olhou para ele séria durante alguns momentos e começou a rir.
- Na verdade, eu ia falar que não sou feita de açúcar, mas não me importo de ficar com a cama. – Ela respondeu despreocupadamente, dando de ombros em seguida. – Mas tudo bem.
null olhou para ela durante alguns segundos e começou a rir, corando levemente com a própria estupidez.

- Eu não ia falar nada, mas essa sua cobertura é muito legal. – null comentou enquanto observavam as estrelas e dividiam aquele jantar enorme para cinco pessoas.
- Ah, é uma cobertura de um prédio de cinco andares, né. Não é nada de mais... – null respondeu, porém tinha um pequeno sorriso estampado nos lábios. – Mesmo assim, gosto de observar as estrelas em noites claras como essa.
- Eu observaria todo dia. – Ela assegurou, piscando para ele. – Sei algumas coisas de Astronomia, então certeza teria um telescópio para aprender um pouco mais.
- Hmmm, aproveitando que você falou disso... – E null descansou os hashis sobre o prato, assim como ela, parando a primeira rodada de comida da noite. – Estava pra te perguntar há muito tempo... O que uma pesquisadora de Ciência da Computação estava fazendo lendo um livro sobre Fenomenologia?
- Hã? Ah, o meu livro do Husserl? – Ela perguntou de volta, começando a rir. – Você quer saber o motivo de todo o meu interesse por Filosofia?
- Exatamente. Tentei arranjar alguma explicação, mas não consigo entender como Filosofia se aplica na Ciência da Computação! – E a maneira como ele explicava só a fazia rir cada vez mais.
- Ok, vamos lá... Já faz um tempo que a gente se conhece e é uma vergonha você não saber sobre o que é a minha pesquisa. – null sorriu placidamente e começou a explicação, como se estivesse falando com uma criança curiosa. – Na Computação, estudamos as Inteligências Artificiais. Quando comecei a dar uma olhada em todas as pesquisas que tínhamos, percebi que é muito difícil saber quando que a inteligência começa e quando a programação termina. É uma linha muito tênue. Como podemos definir que uma máquina é consciente? Qual a origem da consciência de uma máquina? Depois que adquirirem consciência, serão classificadas como máquinas, meros objetos, ou passarão a ter direitos, como seres humanos? São muitas perguntas para responder. Nós pesquisamos e pesquisamos, em uma corrida pra criar a Inteligência Artificial mais avançada que pudermos, porém não pensamos no que irá acontecer depois. A partir disso, eu decidi pesquisar um pouco mais sobre consciência, início de personalidade e afins para, futuramente, ser mais fácil de definir quando uma máquina ainda é máquina e quando é uma Inteligência Artificial. Estou usando algumas pesquisas do Alan Turing como base, mas é impossível ficar completamente distanciada da Filosofia em um assunto como esse.
null simplesmente não conseguia desgrudar os olhos de null. Quando mais ela falava, mais mudava na opinião dele. Tudo que ele pensara dela desde o início estava errado. Tudo. Ela era muito mais do que ele imaginara, ela brilhava sozinha. Em qualquer lugar que fosse, null iria brilhar como o sol e se destacar. Agora entendia a inveja que alguns sentiam dela e a maneira como os outros a idolatravam. Ela por si só era a criatura mais complexa, cabeça dura e fascinante que ele conhecera. Não dependia de ninguém, era completamente independente, porém gostava de conviver com as pessoas que amava. Fingia ser uma pessoa completamente pacata e comum, porém sempre surgia um momento em que ela iria brilhar.
null era incrível.
E ele não conseguiu ficar sem beijá-la.
Quando ela terminou de falar, null se aproximou de null, segurou o rosto da moça e a beijou imediatamente. Ela não pôde negar que se assustou com a reação e até considerou empurrá-lo para longe – até fazê-lo cair do prédio, provavelmente – porém conseguiu controlar seus sentimentos. Alguns segundos com os lábios de null colados nos próprios lábios fez com que null percebesse sentimentos que nunca percebera que existiam, levando uma mão tentativamente ao rosto dele.
Ao tocar o rosto de null, null teve a impressão de que aquilo realmente era o correto a se fazer.
Quando se separaram, passaram alguns segundos com as testas encostadas, ainda pensando no que havia acabado de acontecer e como procederiam dali para frente.
- Eu vou matar o null. – null comentou repentinamente, fazendo null rir imediatamente.
- O desgraçado tinha razão. – Ele respondeu, fazendo-a rir.
Não tinha como negar: eles acabariam namorando. Foi tudo uma questão de tempo.


Conciousness

Mas é claro que o relacionamento dos dois não foi um típico romance de comédia romântica. Tanto null quanto null tinham como maior pecado o orgulho. Juntar aquelas duas personalidades, extremamente fortes e orgulhosas, foi uma receita para o caos.
Tudo começou com “como contar aos nossos amigos que estamos juntos”.
- Ok. Tá preparada? – Ele perguntou antes de entrarem no apartamento dela.
- Nope. Nós seremos zoados até a morte. – Ela respondeu enquanto abria a porta, fazendo-o rir.
- Eu sei. – E nisso, os dois entraram.
Conviveram normalmente – afinal, não mudaram muita coisa no próprio relacionamento quando começaram a namorar – sendo que nem null, null ou null perceberam algo.
Porém, tudo mudou quando null foi pegar algo em um armário alto e null deu um sorriso carinhoso, levantando-se para ajudá-la.
Estranhando a atitude, null passou a observar tudo com atenção, cutucando null para que ela se juntasse aos expectadores assim que null parou logo atrás de null. null imediatamente cutucou null e os três ficaram assistindo àquela estranha cena com o maior interesse do mundo.
- Precisa de ajuda? – null perguntou com seu sorriso divertido nos lábios.
- Não. Consigo pegar sozinha. – null respondeu da sua maneira orgulhosa de sempre, fazendo-o segurar ainda mais o sorriso.
- Consegue nada. Eu pego. – Ele comentou, mas ela colocou as mãos na cintura, claramente incomodada enquanto tentava ficar na ponta dos pés.
- Consigo sim, você quer me dar espaço? – Ela disse, tentando empurrá-lo com o cotovelo.
Porém null somente começou a rir e colocou uma mão na cintura dela, a fim de que null parasse de empurrá-lo. Nesse momento, null, null e null ficaram boquiabertos, trocando olhares indignados. Quando voltaram a observar, null estava praticamente envolvendo null nos próprios braços para pegar o que ela tanto queria do armário alto. Assim que pegou, deixou nas mãos de null com um sorriso convencido nos lábios.
- E você tá se achando o máximo por fazer isso, né...? – null comentou com uma risada, apesar de julgar o comportamento do namorado. null somente deu de ombros, como se dissesse “fazer o quê”.
- PARA TUDO! – E null teve que se manifestar no meio de tudo aquilo, chamando a atenção de null e null. Os dois se viraram para encontrar os amigos encarando-os, como se estivessem assistindo a um filme.
- Vocês estão namorando?! – null perguntou imediatamente, já sorrindo.
- Sim. – null e null admitiram juntos, sem hesitar, achando que seria mais fácil daquela maneira. Algo como arrancar um curativo de um machucado.
- EU SABIA! – null até se levantou da própria cadeira, começando o próprio discurso de “eu sou um ser onisciente, eu sei de tudo”.
- Ah, esse é o melhor dia da minha vida! – null já dava altas risadas.
- Mas vocês dois são sensacionais mesmo! – null completou, dando gargalhadas maléficas. – E estão nas nossas mãos agora!
null e null somente suspiraram. Eles seriam zoados pelo resto da eternidade.

O orgulho deles não parou por aí. De início, todos adoraram que os dois estavam juntos. Porém, com o passar do tempo, null queria esganá-los – pois não sabia como os dois ainda não tinham se matado.
Vira e mexe null e null discutiam por causa do próprio orgulho. E não eram discussões bobinhas – apesar dos motivos normalmente se apresentarem como coisas bem bobas.
- Ok! Já que você não consegue lidar com isso que nem um homem, então continue se comportando que nem uma criança! – null falava alto, sem ao menos se importar com o escândalo.
- Eu não sei me comportar que nem homem?! Aquele cara lá tava se engraçando com você na festa! – null achava que estava coberto de razão e falava no mesmo tom que ela.
- E eu disse que tenho namorado! Resolvido, não?! Ou você não consegue lidar com o fato de que tem um cara dando em cima da sua namorada e ela nega todo e qualquer ser humano que chega perto porque ela gosta você?! – Ela respondeu, já completamente vermelha de nervoso.
- Não tá resolvido não! Eu não quero nenhum outro homem dando em cima de você!
- Ah, então vai colocar uma plaquinha de que eu sou sua propriedade, é?!
- Ok. O que eu perdi? – null chegou correndo, literalmente carregando um balde de pipoca, e se sentou no chão entre null e null para que ambos pudessem pegar a pipoca também.
- Ela acabou de falar que é propriedade dele. – null respondeu, pegando uma boa quantidade de pipocas e sem desgrudar os olhos da discussão.
- Uh, então a coisa tá ficando séria. – E o sorriso no rosto de null não podia estar mais errado.
- Não começa com essa! Não acho que você é minha propriedade! – null rolou os olhos. – Você sempre vem com essas besteiras!
- E você sempre vem com as suas!
- Você devia saber lidar, se está namorando comigo!
- E você devia saber lidar com o fato de que tem uma namorada linda, inteligente e gostosa e os caras vão sim dar em cima dela! – null estava mais do que nervosa. null, null e null somente trocaram olhares pasmos, começando a rir silenciosamente em seguida.
- Se você acha que isso não vai dar certo, é melhor terminarmos então! – E null resolveu ser drástico, no ápice de seu nervosismo.
- Tá bom, então! – Ela colocou as mãos na cintura, com um ar desafiador.
- Tá bom! – E ele fez o mesmo.
- Tá! – null deu as costas, sem nem saber para onde estava indo.
- Tá! – null fez o mesmo e deixou o apartamento.
O silêncio reinou na casa.
Cinco minutos depois, null estava de volta, conversando calmamente com null e, após uma rápida conversa, os dois estavam comendo pizza e assistindo filme, com ela aninhada nos braços dele no sofá da sala.
Toda vez que brigavam, era a mesma coisa. Todo mundo sabia que eles não iam terminar, pois mais que falassem que iam.
Mas essa não era a única situação em que o orgulho dos dois entrava no caminho.
- Nossa, como ele tá lindo hoje. – null comentou repentinamente com null, enquanto as duas esperavam null e null trazer seus cafés e doces, guardando uma cobiçada mesa do lado de fora do estabelecimento.
- Oi? – null tirou a atenção do celular, já que mandava todos os pedidos para null, a fim que os dois trouxessem tudo certo.
- O null. Ele tá maravilhoso hoje. E gostoso. Olha os braços dele nessa regata, meu Deus. – E null apoiou a cabeça na mão, sem desgrudar os olhos do namorado.
- Você tá elogiando o null? – null perguntou com um sorrisinho divertido nos lábios.
- É raro, mas acontece. – null deu de ombros, suspirando.
Mas null percebeu que não havia somente admiração de desejo nos olhos da amiga. null o admirava em todos os aspectos, observando-o com carinho. Ela estava completamente apaixonada por null e null conseguia ver aquilo nos olhos da amiga. Queria que null soubesse daquilo também – pois, se conhecia bem null, ela jamais falaria aquelas coisas para o namorado.
- Fala pra ele. Acho que o null vai gostar. – E claro, null resolveu dar a idéia.
- Deus me livre. Se eu falar isso pra ele, nunca mais terei paz na vida! – Dizendo isso, null começou a olhar o cardápio pela décima vez naquele dia.
Assim que os dois chegaram à mesa, entretanto, null resolveu não deixar barato.
- ... Sabe que você tá maravilhoso hoje? – null perguntou, fazendo o namorado corar levemente enquanto dava um sorriso orgulhoso.
- Jura, null? Obrigado!
- Poxa, null... – E null olhou para a namorada. – Você nunca fala essas coisas pra mim. Aposto que só pensa sacanagem, mas não me fala nada, né?
null não sabia se fuzilava null com os olhos ou se encarava aquele sorriso safado na cara de null com um olhar pasmo.
- Tá vendo? Ele fica insuportável sem eu nem ter falado nada! – null apontou para o próprio namorado, fazendo null rir imediatamente.
- O quê?! Ela disse alguma coisa?! – null estava muito interessado naquele assunto.
- Ela comentou que você fica muito gostoso de regata! – null teve que jogar lenha na fogueira.
null queria se enfiar embaixo da mesa enquanto null tinha a expressão mais orgulhosa do planeta no rosto. Durante uma semana, tudo que ele usou foram regatas. null se arrependeu amargamente do próprio comentário.
Porém, o jogo virou no Halloween.
- Filme de terror? Por que você quer assistir um filme de terror? – null simplesmente não conseguia ver sentido naquilo.
- Porque é Halloween, seu tonto. – null rolou os olhos, voltando da cozinha dele com um balde de pipocas e garrafas de Soju. – Eu sei que vamos nas noites de terror do parque de diversões com a null, o null e o null, mas filmes de terror são clássicos!
Dizendo isso, null pulou no sofá ao lado de null, deixando a comida sobre a mesa de centro enquanto ele procurava o filme que ela tinha escolhido.
- Sexta-Feira 13? De 1985? É isso que você escolheu para hoje? – Ele perguntou meio desacreditado. null somente riu.
- Esse filme é sensacional, null. Você não pode negar! – Ela defenderia aquele filme até a morte se fosse preciso. – Pode por quando quiser!
null deu play no filme e passou um dos braços pelos ombros de null, como sempre faziam quando iam assistir a algo juntos. Já estavam na metade quando a moça sentiu o braço dele se mexendo bruscamente.
Ao olhar para null, percebeu que os olhos dele estavam arregalados.
- null... Você tá com medo? – null perguntou tentativamente, sendo que recebeu um olhar de indignação dele.
- Eu?! Claro que não! Esse filme é bobo e todo mundo sabe o final! – Ele respondeu rolando os olhos, porém, durante os próximos quinze minutos, ela sentiu o corpo todo do namorado ficando tenso, enquanto ele se mexia desconfortavelmente.
E null pausou o filme.
- Você tá com medo.
- Não estou!
- Tá sim! Dá pra ver na sua cara que...!
Porém, no mesmo momento, a luz acabou. A única fonte de luz que tinham era da lua e das estrelas entrando pela porta da varanda.
O silêncio foi absoluto.
- Será que caiu o fusível...? – A moça suspirou e se levantou, começando a procurar pelo celular para usar de lanterna.
Porém, logo sentiu a mão de null envolvendo a sua.
- O que foi? – E ela estava confusa.
- Não sai andando assim! Eu posso te perder nesse escuro!
- null, é a sua casa, a gente não vai se perder... – E null começou a rir. – Você tá com medo.
- Ok. E se um Jason maluco sair com um facão do nada e correr atrás da gente? O que vamos fazer, hein? – Ele perguntou de volta, praticamente admitindo o próprio medo.
- É a sua casa, não um acampamento mal assombrado! – null largou a mão dele e ligou a lanterna do celular, apontando para null. – Por que haveria um Jason...?
Nesse momento, ela começou a encarar algo atrás dele. null congelou no lugar, sem conseguir se mover. null apontou para o que quer que fosse que estivesse encarando e abriu a boca.
null começou a gritar e correu até ela, desembestado, quebrando tudo no caminho.
Abraçou null de uma maneira bruta, fazendo com que ambos perdessem o equilíbrio. Acabaram no chão, com null em cima de null e a moça morrendo de rir.
Quando ele percebeu que foi tudo uma brincadeira, encarou-a sem conseguir acreditar.
- Você não fez isso comigo... – null comentou de maneira ameaçadora, mas ela somente continuou a rir.
- Não sabia que você, com toda essa pose, seria medroso desse jeito! – null respondeu e, antes que null pudesse brigar com ela, a moça o abraçou e beijou o topo da cabeça do namorado. – Não se preocupe, eu estou aqui pra te proteger!
E ele suspirou, arrependendo-se de ter aceitado assistir a um filme de terror no Halloween.



21st Century Girl

- Sério. Às vezes eu não aguento vocês dois... – null suspirou, enquanto preparava o café da manhã. - Nunca vi casal mais cabeça dura que vocês.
- Acontece. – null sorriu enquanto esperava seu café esfriar um pouco. – Acho que é por isso que eu gosto tanto da null. Ela me desafia e não fica acatando com tudo que eu falo, tem opinião própria e luta pelos próprios ideais... Claro, às vezes irrita, mas ela não se diminui perto de mim, sabe? Não fica que nem uma ovelhinha me seguindo, ela anda junto comigo, ao meu lado. É diferente de todas as relações que eu já tive.
- Sim, vocês estão no mesmo patamar... E olha que você é um cara com opiniões bem fortes. – null comentou de volta, sentando-se à mesa para comer o próprio lanche. – Agora que estamos a sós, esclareça-me uma coisa, null... Quem de vocês é o dominante?
- Quê? – E ele foi pego de surpresa.
- Dominante. Vocês dois tem personalidades bem dominantes, então só fico imaginando como funciona o relacionamento. Queria saber quem é o dominante em tudo, não só no sexo. – Ela deu de ombros, mas os olhos brilhavam de curiosidade.
- Ah, entendi... – null deu uma pequena risadinha em seguida. – Acho que nós dois fazemos concessões aqui e ali, dependendo da situação. Tentamos nos equilibrar e não mandar muito um no outro. É um exercício.
- Caramba... Então vocês são mais ajustados do que eu pensei! – Ela comentou rindo, fazendo-o rir também.
Em seguida, null checou o próprio relógio e se levantou.
- Agora preciso ir, null. A defesa da tese da null começa em meia hora e quero estar lá.
null somente sorriu. Os dois, apesar de tudo, eram perfeitos um para o outro.
- Ela vai ficar muito feliz de tê-lo lá para apoiá-la.
- Assim espero. Tchau!

null praticamente correu até a Universidade, chegando rapidamente ao auditório na qual null faria a defesa.
Não conseguiram conversar antes da apresentação. Ele se sentou em um lugar discreto, para não distraí-la, porém viu quando null sorriu ao olhar na direção dele. Ela tinha uma postura séria e profissional, apresentando toda a tese de maneira clara enquanto passava os slides. Havia várias coisas técnicas de Ciências da Computação que ele não conseguia entender, porém muitas coisas de Filosofia que eles até chegaram a comentar entre si.
null comprovou o que ele pensara no dia que a beijara a primeira vez: ela brilhava como o sol. Toda a sua inteligência, capacidade, esforço e trabalho pesado estava refletido naquele dia. Tudo que ela fez e pensara era explicado da melhor maneira para a banca e os outros espectadores.
O professor deles estava certo quando disse que ela era um bom aditivo para a Universidade. Aquela pesquisa poderia se tornar referência no campo dela e teria o nome da Universidade como suporte.
Às vezes, null pensava se eles realmente eram tão iguais assim, conforme conversara com null anteriormente. Simplesmente porque null era excepcional, uma mulher forte e independente – muito diferente das mulheres dos séculos passados. Ela trazia inovações, pois era uma moça diferente de todo o resto do mundo.
Ele queria encontrá-la enquanto a banca dava a nota, porém somente null ficou na sala para o veredicto. null andava de um lado para o outro, mal conseguindo conter a inquietação.
Até, repentinamente, encontrar o rosto de null parado à porta da sala.
- E aí, null? Como foi? – Ele perguntou cheio de expectativas enquanto se aproximava.
- Terminei minha tese com nota 10, proposta de publicação de artigos, oferta para ficar aqui na Universidade e uma proposta para começar minha pesquisa de doutorado nessa área! – Ela respondeu abrindo o maior sorriso do mundo e dando pulos de alegria.
- Não acredito! – E null a agarrou imediatamente, girando-a no ar. – Estou tão orgulhoso de você! Parabéns, null! Você merece tudo!
- Nem eu acredito, null! – Pelo tom de voz dela, ele sabia que null estava a ponto de chorar.
Mas null não podia julgá-la... Também estava quase chorando.

- Então quer dizer que agora você vai morar definitivamente aqui na Coréia? – Ele perguntou enquanto brincava com os cabelos de null.
Já era de noite, ambos tinham jantado em comemoração e agora estavam de pijama na cobertura do apartamento de null, observando as estrelas. Ele estava sentado no chão enquanto null estava deitada, descansando a cabeça sobre as pernas dele.
- Exato. Não tem mais como se livrar de mim agora. – Ela comentou casualmente, fazendo-o rir. – Estou tão feliz. Tudo deu certo.
- Claro que deu certo. Você é uma mulher excepcional, não tinha como não dar certo. – Ele respondeu como se fosse óbvio, agora a fazendo dar uma breve risada.
null ficou observando o rosto do namorado durante um tempo, enquanto ele ainda brincava distraidamente com os cabelos dela e observava os corpos celestes.
Até aquele ponto, nenhum dos dois tinha dito a fatídica frase “eu te amo” e ambos sabiam o motivo. Acreditavam que admitir o amor por outra pessoa, de maneira tão direta e sem rodeios, era desistir de todo o orgulho que tinham. Quem falasse primeiro era o que se importava menos com o próprio orgulho, o que faria qualquer coisa pelo outro. Entendiam aquela frase como uma fraqueza.
Porém, naquele momento, null via tudo de uma maneira diferente. Ela amava null e queria que ele soubesse. Queria dizer isso a ele e queria ver a reação dele. Começou a compreender que dizer “eu te amo” não era uma fraqueza, mas sim uma maneira de mostrar seu coração ao outro – sim, deixava a pessoa vulnerável, porém não de uma maneira ruim. Se o outro também a amasse, não teria perigo em estar vulnerável. Não estaria desistindo de seu orgulho... Estaria simplesmente caminhando ao lado dele – não à frente e nem atrás. Seriam companheiros, amigos e amantes.
- null... – null o chamou repentinamente, fazendo-o olhar para ela. – Eu te amo.
Ele ficou alguns segundos em choque, processando o que ela tinha acabado de falar. Em seguida, começou a sorrir.
- Não acredito que você me venceu nessa também. – Ele comentou rindo, fazendo-a franzir as sobrancelhas. – Eu queria ter dito antes. Estava me preparando desde hoje de manhã. Não é justo.
Com isso, ela começou a rir, tendo que se sentar e respirar fundo para parar. Quando finalmente conseguiu, olhou para null com um pequeno sorriso nos lábios. Assim, ele pousou uma das mãos no rosto de null, olhando-a diretamente nos olhos.
- Eu também te amo, null.
Agora tinham certeza que estavam no mesmo patamar.


Fim.



Nota da autora: E aí, gente? Gostaram desse casal pouco orgulhoso querendo se matar a cada segundo?
Eu curti. Dei muita risada escrevendo isso daqui.
Principalmente a parte que eles cantam “A Lenda” no karaokê e sinto a necessidade de explicar o motivo desse momento! Enquanto eu escrevia, os seres do karaokê são o Jin e o Jimin. Eu e minha prima temos apelidos próprios para cada um do BTS e os dois são os que mais sofrem e fazem drama pra cantar. Então, o apelido deles é “Jinvidências” (porque imagino MUITO esse homem cantando Evidências com todo o coração) e “A Lenda” (porque a música é até no tom do Jimin, ficaria perfeito).
Mas vamos lá. O objetivo da fic (minhas fics sempre tem objetivo, é incrível) era mostrar uma mulher maravilhosa e durona, junto com um cara igual! Pra mim, a 21st Century Girl é aquela garota desse século que sabe lidar com tudo, ser independente, amar os amigos e ter suas próprias asas para voar e ir longe. Orgulhosa, sim, mas não estúpida.
Então, moral da história: sejam assim e sejam garotas apaixonantes. Abram suas asas e não tenham medo de voar!
Até a próxima!
XX
PS: Segue meu grupo no facebook pra que vocês fiquem de olho nos meus próximos projetos! Tem espaço pra todo mundo e espero vê-las lá.
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Não gosto de falar essas coisas, mas como já tive problemas antes, acho bom deixar avisado. Nem tudo que tá na internet é do mundo, minha gente. Quer postar em outro site? Fala comigo! Eu não mordo! Hahaha a gente vê de me dar o crédito e linkar para o original aqui no FFObs! Só me mandar um e-mail ou pedir aí nos comentários!




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