Capítulo Único
ㅤTrês semanas antes do acontecido...— Por que a gente tem que assistir isso? — Perguntei pela milésima vez.
— Porque eu gosto! — Ela respondeu pela milésima vez. — E porque você perdeu.
Olhei com desgostoso para a tela, onde o segundo filme de Senhor dos Anéis começava. Todo mês nós dois sorteávamos algum filme pra assistir e para a sorte de , hoje tinha sido sua amada trilogia de Senhor dos Anéis. Eu tinha tentado gostar disso, mas nada no mundo tinha conseguido mudar minha mente de que esses filmes eram chatos pra caralho.
— Eu te odeio! — Resmunguei, enchendo a boca de pipoca.
— Você me ama e nós dois sabemos disso. — sorriu convencida, dando-me uma piscada cheia de desdém. — Agora fica quietinho.
— Vamos sortear de novo, por favor?! — Pedi, tirando o balde de pipoca dela. — 007, que tal? Você também adora.
— Mas entre “sei lá” quantas horas de 007, eu prefiro minhas “sei lá” quantas horas de Senhor dos Anéis. — Ela decidiu, tentando pegar a pipoca. — Ei!
— Você fica com os filmes e eu com a pipoca! — Retruquei, empurrando mais para o canto o balde.
— Isso não é justo! — Reclamou, olhando-me com raiva.
— A vida não foi justa a partir do momento que você conseguiu me fazer assistir isso. — Apontei para a tela.
— A vida foi justa nisso. — Ela sentou no sofá, tentando puxar o balde. — Eu vou te fazer derrubar esse balde de pipoca, se você não me der.
— Isso começaria uma guerra, você sabe... — ameacei, lembrando da última.
Para adultos bem resolvidos de vinte e três anos, e eu podíamos muito bem nos comportarmos como crianças birrentas com algumas coisas, especialmente as frívolas como essa.
— Então que seja! — Ela ergueu o queixo, decidida. — Pipoca ou guerra.
Semicerrei os olhos, sentando-me para ficar na altura dos olhos dela.
— Guerra. — Decretei.
pulou em cima de mim na mesma hora, em busca do balde de pipoca, mas eu fui mais rápido e pulei no sofá, erguendo o braço acima da cabeça, onde ela não alcançava.
— Ah, não, isso é safadeza, ! — Brigou, ficando em pé também.
— No amor e na guerra vale tudo, não é o que dizem? — Debochei.
— Eu queria pular, mas sua gata tá julgando a gente de novo, . — sussurrou pra mim, ficando muito comportada.
Hermione realmente estava nos julgando. A gata estava sentada no outro sofá e observava a cena como se nós que fôssemos os animais do ambiente.
— Ela tá julgando você por sua escolha péssima de filme. — Sorri malicioso.
— Ela tá julgando o dono idiota que tem, isso sim.
E a guerra recomeçou.
ㅤAtualmente.
Encarando-me no espelho do banheiro, tudo que eu via era um estranho. Minha visão estava desfocada, os olhos vermelhos com olheiras roxas enormes embaixo. Tudo em mim gritava o vazio que eu estava sentindo por dentro, mas nem a quantidade absurda de álcool que eu tinha bebido nos dias depois do enterro, tinha conseguido me fazer pensar menos em . Era uma porra de uma tortura lembrar da cena que eu encontrei, quando fui até o apartamento dela depois que não tive notícia. Era uma porra de uma tortura lembrar do rosto pálido e sem vida nos meus braços, enquanto eu tentava trazê-la de volta à vida.
— Ei! — Alguém esmurrou a porta. — Tem gente querendo usar.
Passei a mão pelo rosto e afastei meu cabelo para trás, antes de sair do banheiro, ignorando o xingamento que o cara soltou quando passei.
De volta ao bar, acenei para o barman e ele prontamente veio trazendo a garrafa de whisky e um copo novo. Ele encheu, eu esvaziei, ele encheu de novo. Era o meu ritual de todas as noites na última semana e por enquanto eu não tinha pretensão de parar.
Eu estava em um estado tão entorpecido, que tudo parecia estar em câmera lenta ao meu redor, desde a música, até as pessoas que riam, conversavam e dançavam perto de mim.
Bebi mais um gole da bebida e respirei fundo, mantendo o olhar fixo em um ponto, para que minha mente não começasse a girar novamente. Eu pretendia permanecer no piloto automático até o fim da noite, mas uma pequena discussão ao meu lado me tirou do meu estupor.
— Eu não estou afim! — A garota falou, obviamente desconfortável.
— Tá fazendo de difícil agora? — O cara riu, apertando a mão no braço dela. — Eu vi você me olhando.
— Eu sou uma míope que esqueceu os óculos, então você era um borrão que cruzava meu olhar, quando eu olhava ao redor. — Ela justificou, tentando se livrar do aperto dele. — Me solta!
— Agora eu estou perto o suficiente pra você aproveitar. — Ele se inclinou pra perto dela. — Me deixa pagar sua bebida, prometo que vai gostar.
— Não! — Ela foi incisiva.
Engoli o resto de whisky no meu copo e seguindo meus instintos, que não davam a mínima que eu mal estivesse me mantendo em pé, levantei do banco e cambaleei pra perto do casal.
— Solta ela! — Ordenei, minha voz saindo mais firme do que eu esperava.
Lentamente, o babaca virou para me olhar. O olhar dele estava injetado e uma coisinha branca perto do seu nariz me indicava que ele tinha cheirado alguma coisa recentemente.
— Como é que é? — Indagou, quase rosnando.
— Solta ela! — Repeti na mesma calma. — Foi o que ela pediu, mas parece que você tá com problema de audição.
Os olhos da garota dispararam na minha direção, mas não desviei do cara na minha frente. Ele soltou o braço dela bruscamente e deu um passo para perto de mim. Meus punhos fecharam imediatamente, prevendo a briga que estava para começar.
— Quem você acha que é pra me dizer o que fazer, seu merda? — Ele semicerrou os olhos.
— Alguém que não tolera ficar sentado, vendo um fodido de merda assediando mulheres por aí. — Umedeci os lábios.
— Fodido de merda? — Ele riu. — Vou te mostrar quem é o fodido de merda.
Com um resquício do meu reflexo, consegui desviar do soco que ele tentou me acertar e como eu estava especialmente inclinado a apanhar hoje, revidei. Meu punho acertou o nariz dele em um golpe, que fez sua cabeça ir para trás com violência. O golpe foi tão satisfatório, que eu ri e me inclinei no balcão para chamar o barman, mas logo fui puxado pela camisa e dessa vez o babaca acertou meu olho esquerdo.
A dor irradiou pelo rosto inteiro e minha visão, que já não estava das mais claras, ficou ainda pior. Não consegui evitar o segundo golpe, nem o terceiro. Ainda consegui enfiar outro soco na têmpora dele, mas ele bateu minha cabeça contra o balcão e a dor ficou ainda mais intensa.
Minha vista escureceu e nem mesmo consegui ver o punho dele, enquanto me acertava mais uma e outra e outra vez. Eu podia ouvir os gritos, alguém chamando os seguranças e a movimentação ao redor, mas estava simplesmente entorpecido demais para dar a mínima.
Para ser sincero, a dor estava sendo bem-vinda. Foi bom saber que eu ainda podia sentir alguma coisa depois de me sentir um grande buraco negro na última semana. Antes eu não entendia como as pessoas preferiam sentir dor em troca de não sentir nada, mas agora, era tudo que eu mais queria sentir. Algo que pudesse competir pelo menos fisicamente com o que eu tinha enterrado no fundo do meu peito.
Minhas pernas cederam em algum momento e os gritos se tornaram zumbidos nos meus ouvidos. A dor era tão gritante, que respirar estava difícil, mas com um último soco, tudo ficou calmo e a dor passou.
Quando eu cedi e finalmente apaguei, uma calmaria tomou conta do meu corpo inteiro e eu vi.
Eu a vi.
Como a minha luz no fim do túnel, me lançou um olhar de repreensão.
— O que você pensa que está fazendo, ?
ㅤUma semana antes do acontecido...— Minha avó costumava dizer que a gente vira estrela quando morre.
Olhei para o lado, encarando , que estava deitada ao meu lado no gramado verde da chácara da família dela. Ela tinha me convencido a fugir para cá com ela por um fim de semana, só porque estava entediada demais em casa e precisava de um tempo da vida.
— É uma ideia bonita, né? — Ela acrescentou, virando o rosto para mim. — Que nossas almas virem uma coisa tão mágica.
— Estrelas são só poeiras e hidrogênios, . — Respondi. — Não tem nada mágico nisso.
— Você quer me dizer que coisas que flutuam e brilham há milhões de quilômetros da gente, não são mágicas? — Ela riu. — É claro que são mágicas.
— Você romantiza absolutamente tudo. — Revirei os olhos.
— Porque eu sou uma romântica. — suspirou, voltando a olhar para o céu. — E qual a graça da vida, se não pudermos sonhar um pouquinho?
— Então você sonha em virar uma estrela? — Questionei.
— Sonho! — Afirmou, perdida nos próprios pensamentos. — E eu vou ser a mais brilhante das estrelas... Você vai ver, um dia vai olhar para o céu e me ver te seguindo.
— E por que eu te veria? — Fiz uma careta.
— Porque eu posso morrer antes... — falou, indiferente. — Nós dois sabemos que com meu colesterol nas alturas, um infarto está previsto para mim em menos de dez anos.
Ela piscou para mim e eu fui obrigado a rir, pois era verdade. era a pessoa menos saudável que eu conhecia e se dependesse disso, ela realmente tinha tudo para um infarto aos trinta anos.
— Bom, então você será a estrela me seguindo, então. — Decretei.
— E te julgando... — acrescentou, sorrindo enviesada. — Pode ter certeza que eu sempre estarei julgando suas escolhas duvidosas.
— Ah, qual é?! — Sentei-me, exasperado. — Você não tem moral para me julgar por nada, .
— Nós concordamos nos cinco strikes por mês, meu bem! — Ela falou, muito satisfeita. — Você está no terceiro strike e o mês acabou de começar.
Dessa vez eu fiquei sem argumento. Uma festa louca, muita bebida e a ex-namorada aparecendo tinham me resultado em uma recaída que rendeu três strikes de uma vez na nossa cota de erros do mês. Desde os dezesseis anos, aderíamos a esse método para calcular quem fazia mais cagada no ano e eu tinha vencido por dois anos consecutivos.
— Cala a boca! — Resmunguei.
— Você sabe que eu estou certa, . — Riu, triunfante.
E eu podia ter ficado emburrado, se não fosse impossível não rir, quando soltava as gargalhadas que mais pareciam o barulho que os porcos faziam.
ㅤAtualmente.
Minha cabeça estava me pregando peças e eu sabia disso. Eu sabia que tinha desmaiado e que a pancada tinha sido forte o suficiente para me fazer ver fantasmas, pois era a única explicação para estar vendo minha melhor amiga sentada na minha frente. Estávamos de volta à chácara da avó dela e sentados próximo ao lago, contemplando o céu estrelado que não dava para se ver em Chicago.
— Você não costuma se meter em brigas, . — Ela reclamou. — E quando se mete, definitivamente não apanha.
— Eu bebi demais... — justifiquei-me. — Se eu estivesse sóbrio, o outro cara que estaria tendo alucinações com a melhor amiga morta. — Minha voz soou tão amarga, que até a ilusão de me lançou um olhar triste.
Ela estendeu a mão para o meu rosto e quando pensei que não sentiria nada, seu toque foi quente e familiar como sempre tinha sido. Seu dedão deslizou pela minha bochecha, seu olhar se perdeu em algum lugar longe de onde estávamos.
— Eu sinto muito, . — Murmurou, focando em mim de novo. — Eu realmente sinto.
Balancei a cabeça, inconformado.
— Eu queria entender. — Pisquei, tentando conter as lágrimas. — O que aconteceu? Como eu não percebi? Como eu te deixei escapar pelos meus dedos assim? — Engoli em seco, sentindo um bolo se formar na minha garganta.
Eu tinha pensado tanto nisso na última semana, que estava ficando louco. Como eu não vi os sinais? Como eu pude rejeitar as ligações dela, quando precisava ficar até tarde no trabalho? Se eu tivesse atendido alguma delas, será que tudo estaria diferente? Será que ela estaria aqui?
— Não é culpa sua, você sabe, não sabe? — ajoelhou na minha frente, segurando meu rosto com as duas mãos agora. — Você sempre foi minha luz, .
— Se eu fui sua luz, como te deixei no escuro quando você mais precisou, ? — Mordi o lábio inferior, lutando com as lágrimas e a dor que voltou a invadir meu peito.
Aquela dor que eu aprisionei no fundo da minha alma no dia do velório e que agora estava retornando em sua força total.
— Mas você não deixou! — Ela insistiu, os olhos brilhando com lágrimas mal contidas também. — Eu sei que poderia ter pedido sua ajuda, . Eu sei que você me ajudaria e esse era meu maior medo. Porque pedir sua ajuda, significava que eu ia ficar bem e que para isso eu teria que enfrentar tudo que estava me consumindo. Eu não queria enfrentar meus demônios.
— Eu enfrentaria todos eles com você, ! — Fechei os olhos, enquanto meu corpo sacudia com os soluços. — Eu enfrentaria todos por você.
Eu envolvi meus braços ao redor dela, puxando-a para perto de mim com toda a força que eu tinha. Isso não era real, eu sabia, mas se esse era o último abraço que eu daria nela, então eu podia muito bem fingir que era real.
O cheiro de morango do perfume favorito dela me invadiu e eu afundei o rosto na curva do seu ombro, deixando as lágrimas rolarem livres. Tudo parecia muito vivo e ela parecia muito viva. Eu não queria sair do sonho, eu não queria ter que soltá-la.
— Eu te odeio, , eu te odeio tanto.
Os braços dela apertaram ao meu redor e sua boca roçou minha têmpora, enquanto ela murmurava milhares de desculpas. Por que ela estava se desculpando, se eu que devia desculpas? Desculpas por não ter estado mais presente, por não ter notado que algo estava errado quando ela me ligou às três da manhã para falar que me amava.
Como eu pude pensar que ela só estava sentimental depois de um filme romântico?
— Você me ama, ! — Ela afirmou. — Nós dois sabemos disso.
Acalmei-me o suficiente para me afastar e encarar o rosto bonito da minha melhor amigo. O cabelo estava preso em uma trança bagunçada, as bochechas estavam coradas e usava o vestido azul esvoaçante que era seu preferido.
— Eu não consigo te explicar o porquê do que eu fiz, ... — suspirou. — Às vezes, eu conseguia fingir que tudo ia ficar bem e que eu ia ficar bem. Quando eu estava com você, eu esquecia do que era estar na minha pele e só pensava no quanto era bom estar com você. Mas os dias ruins superavam qualquer coisa e naquele dia a dor ficou simplesmente insuportável demais para aguentar... Eu não vi uma saída.
— Você me ligou... — comprimi os lábios, olhando para o gramado. — Eu poderia ter dito algo que mudaria isso?
Com um balançar de cabeça, fitou o céu estrelado.
— Eu te liguei, porque queria que você soubesse que eu te amo. — Respondeu com a mesma calma que era frequente no seu tom. — E que mesmo quando eu me tornasse poeira e hidrogênio, você ainda continuaria significando tudo para mim. Mas acho que nunca saberemos se você poderia ter mudado alguma coisa se tivesse dito algo diferente.
A dor que cortou meu peito foi lancinante com a possibilidade de o destino da minha amiga mais antiga ter sido diferente.
— Eu também te amo, .
Ela sorriu tristemente.
— Eu sei. — Assentiu lentamente. — E é por isso, por mim, que você vai superar isso.
— Não acho que tem um jeito de superar isso. — Quase ri da ideia.
— Não precisa ser agora... — explicou, puxando minha mão. — Mas você vai. Porque eu quero que você seja muito feliz e você sabe disso.
— Eu também queria que você fosse feliz. — Minha voz quebrou e eu precisei respirar fundo.
— Eu sei! — Seus olhos encheram de lágrimas de novo. — E eu fui muito feliz com você nos últimos dezoito anos, mas a vida acontece e algumas pessoas simplesmente não conseguem lidar com o que recebem.
— Acaba comigo saber que você estava sofrendo sem que eu percebesse, ! E que eu nem ao menos sei o porquê. — Mas é claro que ela não me explicaria o motivo.
A na minha frente era uma ilusão criada pela minha cabeça e eu não sabia o porquê de ela ter achado mais fácil pôr um fim na própria vida do que pedir ajuda. Nós podíamos ser melhores amigos há uma vida, mas tinha seus próprios segredos e coisas que ela não compartilhava, por mais que eu tentasse fazer ela se abrir.
— Um dia eu te conto... — ela entrelaçou nossos dedos, balançando as mãos entre nós. — Quando você for bem velhinho e se tornar poeira e hidrogênio ao meu lado.
— Eu não estou pronto pra viver sem você! — Trouxe a mão dela até os lábios e beijei, encostando minha testa ali, enquanto chorava de novo.
— Eu vou estar com você sempre, ! — levou a mão até meu peito, sentindo o meu coração acelerado embaixo. — Sempre. Você não precisa me dizer “adeus”, só um “até logo”.
— Não é suficiente, nada vai ser suficiente!
Ela não disse nada sobre isso, apenas se inclinou para beijar minha testa, como ela fazia quando me via deitado e pensava que eu estava dormindo. Quando ela estava carinhosa, na verdade. Nas outras vezes, amava simplesmente armar algo pra me zoar.
— Eu preciso ir, ... — ela soltou minha mão e levantou. — Você está acordando.
— Não! — Levantei atrás dela, desesperado. — Antes de você ir...
parou onde estava e lentamente olhou para trás. Seus cabelos ricochetearam ao vento, seu vestido longo flutuou atrás de si e ela pareceu tão viva naquele momento, que eu queria pausar o tempo.
Aproximei-me dela e a puxei para perto novamente em um último abraço. Com a testa encostada na dela, tentei gravar tudo: o perfume, o jeito que seu corpo encaixava no meu e como suas mãos sempre traçavam círculos nas minhas costas em todos os abraços.
— Eu gostaria de ter descoberto da sua tempestade antes que ela te levasse, . — Murmurei, fechando meus olhos.
— Eu gostaria de ter conseguido te contar sobre ela, .
Ficamos assim pelo que pareceram horas. Meu coração estava destroçado e eu não conseguia parar de chorar ao pensar que ela não estaria mais comigo quando eu acordasse. , a garota que tinha ido nos meus aniversários desde os três anos de idade. , a garota que fez questão de me abraçar com catapora só pra ficarmos sem ir pra aula juntos. , a garota que chutou um garoto duas vezes maior que ela só pra me defender. , a minha melhor amiga.
E quando abri os olhos, ela não estava ali.
se foi.
ㅤUma hora antes do acontecido...O zumbido da vibração do meu celular me acordou e eu bufei, odiando meu sono leve. Tateei no escuro até encontrá-lo embaixo do travesseiro e precisei piscar algumas vezes para focar no nome que aparecia na tela.
— ? — Atendi, minha voz ainda rouca de sono.
O outro lado da linha ficou em silêncio por alguns segundos, o que me fez ficar levemente assustado ao pensar que algo podia estar errado.
— ? — Chamei.
— Desculpa ter te acordado... — ela finalmente falou, não parecendo nada com alguém que estava dormindo.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não, relaxa! — Ela riu. — Imaginei que fosse te assustar.
— Bom, é completamente normal ligar para alguém às... — saí da ligação para olhar a hora. — Três e quarenta da manhã.
— É, não é? — Ela não parecia nada preocupada por atrapalhar meu sono.
— O que foi, então?
Dessa vez, a pausa durou mais alguns segundos.
— Eu estou sentimental e queria dizer que te amo... — ela suspirou. — Amo muito. Você é tudo pra mim, . Não importa o que aconteça, espero que você saiba disso.
— Você foi assistir A Culpa é Das Estrelas de novo? — Sorri, não conseguindo ficar bravo por ter sido acordado assim.
— Você me conhece... — soltou um riso baixinho de novo.
— Eu também te amo, ! — Respondi, fechando os olhos já. — Mesmo que você tenha me acordado para dizer algo que poderia ter me dito de manhã no nosso café.
— Eu estou sentimental agora, não teria tido graça esperar pela manhã... — resmungou. — Mas vou te deixar dormir agora.
— Agora eu te amo muito mais! — Ri, referindo-me ao fato de poder voltar a dormir.
— Idiota! — Quase pude vê-la revirar os olhos. — Eu te amo.
— Também te amo! — Repeti. — Até de manhã, .
Mas ela desligou sem se despedir.
ㅤAtualmente.
— Você precisa descansar, ! — reclamou ao me ver levantar da cama.
Minha irmã tinha ido me pegar no hospital quando soube da minha briga, que felizmente não teve danos maiores. Eu estava com uma concussão, um olho roxo e com três pontos na boca, por conta do anel do filho da puta que rasgou meu lábio. Não precisei ficar em observação e às duas da manhã eu já estava em casa, sob a supervisão da minha irmã superprotetora.
— Eu estou bem, Aly... — resmunguei, arrastando-me até a varanda.
— Nós dois sabemos que não está, . — suspirou, correndo até mim. — Todos nós sentimos falta dela, ok? E todos nós nos perguntamos o porquê de ela ter feito aquilo. Eu lamento que você tenha sido a pessoa a encontrá-la, , e lamento mais ainda por não conseguir tomar a sua dor, mas você precisa lidar com o luto de uma maneira que não acabe com você no processo.
Ela estava certa e eu sabia, mas no momento eu não queria sermão.
— Podemos conversar amanhã? — Pedi, desviando o olhar do dela. — Eu estou cansado e quero ficar sozinho.
hesitou, com certeza prestes a pedir pra ficar comigo por hoje, mas ela me conhecia bem demais.
— Eu vou vir verificar você assim que eu acordar. — Ela prometeu, inclinando-se pra beijar meu rosto. — Vai dormir, ok?!
— Boa noite, ! — Tentei sorrir. — E obrigada por ter ido me socorrer. A mamãe provavelmente teria comido meu fígado se me visse daquele jeito.
— Sim, ela teria! — sorriu. — E teria sido merecido.
Quando ela foi embora, fui em direção à varanda do meu apartamento no vigésimo quarto andar. Inclinei-me no parapeito, sentindo minhas costelas doerem como o inferno. Podiam não estar quebradas, mas tinham levado chutes o suficiente pra que eu ficasse dolorido nos próximos dias.
Meu olhar focou no céu, que estava bem mais claro que de costume, assim como as estrelas pareciam brilhar com mais intensidade.
Eu sempre me considerei um incrédulo. Nunca acreditei em vida após a morte, nem em fantasmas, anjos e demônios... muito menos que pessoas viravam estrelas quando morriam, mas depois do sonho de hoje, enquanto eu estava no hospital, eu precisava acreditar. Precisava crer que o abraço que eu recebi e que ainda parecia tão real não tinha sido só um sonho. Eu precisava acreditar que a estrela mais brilhante do céu era a minha melhor amiga.
precisava que eu acreditasse nisso e por ela, eu acreditaria. Quando, depois de procurar em todo pedaço do céu que estava disponível na minha frente, uma estrela em especial pareceu se destacar.
Não acho que a dor de perdê-la sumiria ou seria aliviada, por imaginar que ela conseguiu seu sonho de se tornar uma estrela perdida no céu, e uma parte de mim viveria sempre em agonia, com os “e se” que minha mente me questionava toda hora. Mas agora, olhar para as estrelas era tudo que me restava.
FIM!
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