Finalizada em: 17/01/2021

Capítulo Único

I'm sorry, reality's boring
I cut it up, wash it all down with a forty
I probably won't snort it
My head is discarded
I try to ignore it, I try to ignore it
I'm searching for a drag, girl, you know the story.


Os gritos da multidão à frente deixavam-no alucinado. O instrumental agitado de uma das músicas mais tocadas da atualidade reverberava por toda a casa de show, completando o momento de ouro que vivia.
poderia ser descrito de inúmeras maneiras: rockstar, polêmico, autêntico e, sobretudo, apaixonado pelo que fazia. Estar em um palco, tendo um mar de pessoas cantando junto consigo as letras que escrevera durante as madrugadas em claro, era o que o movia para continuar ali. Havia sido inserido àquele universo muito cedo, aos dezenove anos, enquanto ainda era vocalista de uma banda formada por ele e mais três amigos de infância. No entanto, sua carreira não fora marcada pela banda e o sucesso repentino que os tomou, mas, sim por causa de um acidente de carro que o deixara acamado por longos meses e o fez perder os companheiros de banda. Seu sofrimento, porém, fora prolongado e parcelado: Adam e Kate, o guitarrista e a baterista da banda, morreram na hora do acidente — haviam sido jogados para fora do carro em que estavam após a colisão com um caminhão. Jordan, o baixista, fora levado para o hospital com vida, assim como o próprio . Porém, ao chegarem lá, o rapaz não aguentou as cirurgias pelas quais precisou passar. E , sozinho e inconsciente, entrou em coma por conta de uma pancada forte na cabeça.
Os meses seguintes ao acidente foram conturbados. não sabia como seguir a vida sem os três melhores amigos e a culpa parecia corroê-lo por inteiro. Estava com apenas vinte e três anos e já tinha que lidar com tudo aquilo. No início, pensara em acabar com a própria vida e não precisar lidar com a culpa, o medo e os processos que eventualmente arrumou para si após algumas falas desnecessárias e sem filtro.
O problema de ao sair do hospital, foi perceber que era o único que estava vivo de um acidente em que ele pilotava o carro. Não sabia se havia sido imprudência sua, lembrava-se de não estar tão acima da velocidade, mas, inevitavelmente, a culpa ainda estava entranhada em todo seu interior — e os familiares dos amigos, mesmo conhecendo-o tão bem, no fundo, culpavam-no também. não viu outra alternativa a não ser sumir dos holofotes por um tempo, porém, não sem antes falar o que pensava da mídia e todas as notícias — falsas ou não — que saíam sobre ele. Pronunciou-se por vídeo e nas redes sociais falando sobre o quão podre todas aquelas pessoas eram por não respeitarem o luto que ele e a família das vítimas estavam vivendo, usando palavras chulas e mentirosas. Alguns canais chegaram a dizer que ele estava bêbado enquanto dirigia, sendo que, céus, não estava. Defendeu-se como pôde e sumiu da internet por um ano inteiro. Seus fãs continuavam firmes ao seu lado, sempre demonstrando apoio e defendendo-o com unhas e dentes de comentários maldosos e boatos falsos — e ele foi grato por isso, ainda era.
Atualmente, aos vinte e sete anos, infelizmente não havia mudado tanto quanto pensou que mudaria. Também não melhorou ou esqueceu tudo o que lhe aconteceu; ainda sentia culpa, ainda sonhava com os flashes do acidente, ainda sentia dores de cabeça e tinha algumas sequelas da pancada. Entretanto, perante à mídia, ele ainda era o rockstar promissor — e agora muito mais polêmico e sem filtro de quatro anos atrás. A carreira solo foi algo inevitável, não se via longe da música e dos palcos, era onde pertencia, era o que tinha. Aquelas pessoas felizes por vê-lo cantar, ainda vivo, era o seu combustível, era o que precisava para de fato viver.
Os gritos estridentes tiraram-no de seu devaneio repentino, fazendo-o sorrir automaticamente. Sentia o energético misturado à cocaína fazerem efeito em seu corpo, deixando-o agitado e com as pupilas dilatadas. Sem pensar, arrancou a camiseta que vestia e jogou em direção à grade, adorando ver as pessoas se amontoando para tentar pegar o pequeno pedaço de tecido que outrora vestira — e estava coberto de suor.
Naquele fim de show, cantou, gritou, dançou e pulou como nunca havia feito antes. A adrenalina corria por suas veias, deixando-o corajoso e alegre, quase como se fosse outra pessoa em seu lugar. Seus produtores, sua equipe, seus amigos e familiares sabiam que aquele no palco era apenas o , rockstar, não o verdadeiro homem quebrado e viciado, o pobre que vivia sozinho em Bournemouth afundando-se em tudo o que lhe fosse nocivo, a fim de definhar até que fosse devidamente castigado pela depressão que carregava dentro de si e fingia que não.
poderia ser descrito de inúmeras formas, mas, as pessoas jamais saberiam quem ele era de verdade — e não, ele não era o polêmico, autêntico, apaixonado e talentoso; era apenas mais uma agulha no palheiro da vida conturbada e regada à drogas e dinheiro em excesso.
Quando desceu do palco ainda sob gritos excitados e declarações apaixonadas, fechou o sorriso que sustentava e suspirou. Embora estivesse sob efeitos de entorpecentes que faziam-no sentir bem e vivo, voltar para sua realidade lhe causava um desânimo indescritível. Sua cabeça voltava a doer quase instantaneamente, as vozes ao redor irritavam-no e fazia com que quisesse explodir seu camarim. Não era como se odiasse as pessoas que o cercavam, longe disso; os adorava, mas, ainda assim, sentia-se julgado o tempo inteiro.
O caminho de volta para o hotel foi feito de forma automática, assim como as fotos que tirou e os autógrafos que deu logo que chegou à portaria do local. O cansaço do dia agitado estava começando a bater, ainda assim, sob a ducha morna, não queria render-se a ele e simplesmente dormir — sabia que bastava uma ligação para que uma festinha privada se iniciasse em sua suíte. Quando saiu do banho apenas enrolado em uma toalha felpuda, pegou o celular e discou os números já conhecidos.
Estava em Londres aquela semana, iniciando uma turnê de divulgação de seu novo álbum e os ingressos foram totalmente vendidos. Em breve, voltaria para Bournemouth para um show aberto em frente à sua própria casa, na praia que tanto adorava. Depois, viajaria por toda a Europa e, se tudo desse certo, seguiria para a América do Norte também — seu empresário havia falado, desta vez, até mesmo sobre América do Sul. O rumo que as coisas estavam tomando naquela fase de sua vida fazia com que ficasse empolgado, ao mesmo tempo que muito assustado. Ainda sofria algumas ameaças e comentários maldosos, ainda sentia os olhares dos familiares dos amigos lhe assombrando durante a noite, mas, no fundo, ficava animado e feliz com o rumo que sua carreira estava tomando. Seu único problema era continuar “tirando onda” e desfrutando de coisas proibidas e que lhe renderiam bons anos em uma clínica de reabilitação, era o que Bobby, seu empresário, dizia. Ele não ligava, ou fingia não ligar — não queria deixar de usar drogas e beber; tinha dinheiro o suficiente para que fosse tudo da melhor qualidade e às escondidas; a realidade o perturbava, era uma necessidade fazer o que fazia para viajar para longe de todo o caos que era sua cabeça.

— Achei que não teríamos festinha hoje, — Cam murmurou ao seu lado, observando-o com atenção enquanto enrolava uma nota qualquer e encaixava-a no nariz. — Vai com calma, amigo, essa aí é da boa.

riu e deu de ombros, voltando a cheirar a carreira diante de seu rosto.

— É por isso que gosto de você, Cam — praticamente sussurrou, sentindo-se relaxar instantaneamente. — Sempre me traz as melhores. E, cara, estamos em Londres, por que não teríamos uma festinha?
— Achei que seu empresário estava te controlando e enchendo de trabalhos para que isso não acontecesse — Cam explicou, medindo o cantor com atenção.
— Ninguém me controla, você deveria saber disso.

Cam não respondeu, apenas sorriu e puxou a nota enrolada das mãos do artista. apenas o observou com atenção; ainda tinha o pé atrás com Cam, embora fossem amigos desde quando experimentou drogas pela primeira vez. Estavam em uma festa de algum outro cantor e o avistou repassando coisas para as pessoas ao redor. Aproximou-se como quem não queria nada, pediu algo para si e, depois, viu-se conversando com o traficante por horas, dias, meses, anos. Cam era o único que confiava para fornecê-lo o que mais gostava; quanto mais puro e mais caro, melhor. Ainda assim, jamais seria capaz de confiar sua própria vida nas mãos de Cam. Embora tivessem criado uma amizade firme, aquele cara ainda era seu traficante.

— Eu vou precisar sumir — Cam disse de repente, enquanto tragava um cigarro. Estavam sentados na varanda do quarto, obversando o céu cinzento da cidade começar a ser invadido por leves raios de sol. — Tem uns caras no meu pé e não tem jeito, vou ter que sumir.
— Tem alguma coisa que eu possa fazer? — perguntou baixo, com a voz rouca e os olhos quase fechados; o cansaço e o efeito das drogas e do álcool atingia-o em cheio.
— Não — Cam deu de ombros e fitou o homem ao seu lado.
— E como eu fico? — perguntou, por fim. Não se preocupava com os sumiços de Cam, não era a primeira vez que ele era procurado por pessoas grandes demais a fim de prendê-lo. Todos no meio artístico sabiam que ele era o maior e melhor traficante para eles, então Cam tinha condições o suficiente para esconder-se em qualquer lugar do mundo sem correr nenhum risco.
— Desta vez não vou deixar um estoque contigo — Cam sorriu de lado, ignorando o bufo irritado de . — Mas, como sou um bom amigo e preciso manter meu negócio, uma pessoa de confiança estará sempre à sua disposição.
— Eu prefiro um estoque.
— Da última vez você usou tudo em quinze dias, cara. Eu quase fui pego porque você ficava me ligando. A pessoa responsável é como eu, só que de saias. Então, relaxa, — Cam sorriu outra vez. — Basta estalar os dedos e sua encomenda chegará. Eu já deixei tudo esquematizado e, durante seu showzinho em Bournemouth, ela estará lá.

não respondeu, apenas suspirou e fechou os olhos. Queria mais que Cam fose para o inferno; estava exausto demais para discutir aquelas coisas. No entanto, ouvir que o que precisava estava garantido o fez dormir tranquilo e com um sorriso no rosto.




Os dias passaram rapidamente e, quando notou, já estava de volta à Bournemouth. A brisa salgada fazia com que seu corpo relaxasse automaticamente; era gostoso demais estar ao ar livre, ouvindo os pássaros cantando e as ondas se quebrando ao longe. Queria poder viver ali para sempre, apenas vendo e sentindo aquela paisagem.
Ao longe, podia enxergar a movimentação agitada das pessoas responsáveis pelo show que faria aquela noite. O palco era grande e estava sendo montado na areia da praia, a iluminação era bem colorida e o telão, ao fundo, era o maior que ele já havia visto. Parecia uma comemoração de fim de ano brasileira, como a que ele teve a oportunidade de experimentar no ano anterior quando saiu de férias rumo ao país das maravilhas — amava o Brasil, embora nunca tivesse feito um show lá.
Algumas horas depois, seguiu até à praia para a passagem de som e pôde ver que alguns fãs já estavam pelos arredores. Longas e grossas grades cercavam todo o local, evitando que as pessoas invadissem o espaço em que o show aconteceria. Embora fosse um evento gratuito, precisavam manter o controle para que não houvessem problemas.
A ideia de um show beneficente na cidade em que tanto admirava e morava desde criança viera de sua mãe, alguns meses antes dela falecer por conta de um câncer. A perda da mãe fora um baque quase insuportável para , sendo assim, ele decidiu transformar a dor em um evento enorme para arrecadar doações para pessoas que sofriam da doença e não conseguiam custear o tratamento. Quando a noite caiu e finalmente pôde subir ao palco para iniciar o show, ele não conseguiu acreditar no que seus olhos viam. Tinha tanta gente ali que ele sequer conseguia chutar um número; seu olhar se perdia pela imensidão de pessoas. A praia estava lotada, de um extremo ao outro. Ao redor, nas casas e prédios, algumas pessoas assistiam das janelas e gritavam junto com a multidão. Ao redor do palco, fora das demarcações feitas pela organização, haviam mais pessoas alucinadas e que esgoelavam seu nome. sentiu-se amado e realizado; aquelas pessoas não estavam ali apenas para seu show, mas, também, para prestigiar sua mãe e todas as outras pessoas que perderam a batalha árdua e dolorosa contra o câncer.
estava completamente banhado de suor quando o show chegou ao fim. O público estava tão empolgado que ele acabou cantando algumas músicas extras, relembrando seus poucos anos como vocalista de uma banda. Quando tocou a música que trouxe a banda para as paradas musicais, pôde ver uma grande quantidade de fãs chorando nas primeiras fileiras em frente ao palco. Aquela cena o tocou profundamente e, por mais que tenha tentado se conter, não conseguiu e cedeu às lágrimas também. No fim, homenageou rapidamente os companheiros de banda que partiram precocemente e, para fechar com chave de ouro, fez um discurso para sua mãe e todas as outras pessoas que tiveram o mesmo problema.
Tudo havia saído como o planejado e as doações foram bem mais altas do que esperavam, o que fez com que se animasse e cogitasse outros shows beneficentes ao longo daquele ano. No entanto, as ideias boas sumiram de sua mente assim que chegou em sua mansão e já a viu lotada. Alguns amigos e também artistas transitavam livremente pelo local, cumprimentando-o com uma falsa simpatia. Sua equipe também estava lá, assim como seu pai — este, porém, afastado de todos e um tanto quanto solitário no canto da sala; não achava nada daquilo necessário, e, sinceramente, nem , mas já havia se tornado tradição rolar festas após seus shows.
cogitou em ir falar com o pai, mas ao sentir o olhar triste e vazio em sua direção, achou que não fosse a melhor opção. Dirigiu-se para a cozinha em busca de uma cerveja e suspirou aliviado ao encontrar sua geladeira cheia, e a cozinha relativamente vazia — se comparada aos outros cômodos. estava pronto para seguir seu caminho de volta à sala para cumprimentar pessoas importantes antes de esgueirar-se para o andar superior a fim de ficar em paz, mas, uma pessoa desconhecida no canto de sua cozinha lhe chamou a atenção. Virou-se completamente em direção à mulher e fitou-a dos pés à cabeça. Ela era alta, quase do seu tamanho, e tinha cabelos bem curtinhos, quase raspados. Seu rosto estava pintado com maquiagem escura que marcava bem suas sobrancelhas, na boca grossa um batom vermelho brilhava com sensualidade e contrastava com um piercing acima do lábio superior — o famoso medusa, reconheceu por já ter tido um igual há alguns anos.

— Nós nos conhecemos? — perguntou logo que se aproximou da mulher.

Ela sorriu levemente e o encarou com atenção, e por fim, respondeu:

— Ainda não. Estou aqui a pedido do Cam.
— Ah, você é a pessoa da confiança dele?
— Eu não diria que sou da confiança dele, mas, bem, fui designada para fornecer o que você quiser.
— E eu posso ao menos saber o seu nome?
— Isso não é muito recomendável, mas, como Cam disse que você é muito especial e, confesso, sou sua fã, irei dizer — a mulher sorriu novamente e se aproximou de . — , prazer.
— Prazer, sorriu e apertou a mão que lhe era estendida, gostando da aura que ela exalava. — Eu sou , mas você já sabe disso. Gostaria de dar uma volta pela casa?

apenas sorriu ao ouvir a pergunta retórica. Sabia que aquilo era apenas uma desculpa para que fosse levada até um local mais privado e pudesse dar o que quer que pedisse desde que o resultado fosse deixá-lo entorpecido. Ela estava acostumada a lidar com pessoas como ele — artistas famosos. Sendo assim, apenas seguiu o astro que tanto admirava, sentindo o coração pesar ao saber que ele também fazia parte daquele mundo obscuro.




Desde pequena se perguntava quando as coisas começariam a dar certo em sua vida e nunca recebia uma resposta — não tinha como saber, e provavelmente nada daria certo. Ela percebeu que estava em um caminho perigoso e sem volta quando recebeu o pai em casa totalmente machucado e à beira da morte pela terceira vez no período de dois meses. Do lado de fora, observando-a, estava Cam e seus capangas. Um calafrio lhe subiu a espinha e ela cogitou ligar para a polícia, mas, no fundo, sabia que não teria tempo para aquilo e, se por sorte conseguisse ligar, não daria em nada. A polícia não conseguia medir forças com Cam e as pessoas que o cercava. Deputados, senadores, artistas, empresários… Todos estavam sempre ao lado ou nas mãos de Cam — o homem poderoso em meio ao tráfico e sem sobrenome; diziam que ele sequer possuía documentos para que jamais fosse pego ou descobrissem sobre sua vida. Logo, não restava nada além de aceitar seu pai em frangalhos e cuidar para que ele não acabasse daquele jeito novamente no mês seguinte.
costumava ter uma vida boa quando criança. Seu pai era um empresário importante no cenário britânico, administrava todo o negócio que herdara da família materna e moravam em uma mansão magnífica em Bournemouth, lugar que ele e sua mãe jamais quiseram deixar, embora precisassem ficar em Londres mais do que ali. Ainda assim, nunca fora deixada de lado e teve a melhor educação que podiam dá-la até seus dezesseis anos, quando tudo desandou. Um dia, a caminho de Bournemouth, seu pai dormiu no volante e desviou da estrada causando um acidente que acabou por matar sua mãe. Isso manchou a imagem do empresário e fez com que suas empresas sofressem uma queda absurda e irreversível. Logo, o homem de meia idade entrou em uma depressão profunda e toda a fortuna que tinha guardada foi usada para suprir seus vícios em álcool e drogas. Assim, fora deixada de lado e teve de sofrer seu luto sozinha enquanto via o pai caindo aos pedaços, deixando de ser o grande empresário que era para tornar-se um homem fracassado e imundo que era agora.
Após uns meses naquela situação, não demorou para que o grande senhor ficasse devendo uma quantia exorbitante de dinheiro para Cam, o traficante dos famosos. Na última vez que recebera o pai machucado, também recebeu um recado: se a dívida não fosse paga até a semana seguinte, ela se tornaria o pagamento. De acordo com Cam, o rostinho bonito e jovial que ela possuía seria de grande ajuda na expansão de seus negócios. Ela poderia transportar drogas, servir os clientes que a desejassem e aumentar o índice de vendas por ser uma mulher inteligente e estudada. não queria servir de moeda de troca e, de brinde, tornar-se prostituta daquele maldito traficante, mas, o que poderia fazer a não ser acatar tudo o que ele lhe dizia? Seu pai estava falido e seu trabalho na clínica jamais lhe daria renda o suficiente para cobrir as despesas de casa e as dívidas do pai. Havia recém se formado em Psicologia, tinha um futuro promissor pela frente e queria sair da Inglaterra o mais rápido possível, para que pudesse exercer sua profissão em paz e sem sofrer por possuir o sobrenome . Na Inglaterra estava sendo difícil fazer o que mais amava, algumas pessoas grandes demais e que foram prejudicadas por seu pai faziam questão de manchar seu nome por onde quer que passassem para que ela jamais conseguisse se inserir no mercado. Só que, ainda assim, conseguiu um bom emprego em uma clínica particular onde conseguia atender com maestria e dedicação — mas o dinheiro não era o suficiente.
Quando viu-se em uma situação delicada onde seu pai não queria tentar melhorar, não conseguia ajudá-lo e o dinheiro simplesmente não rendia, precisou acatar o que quer que Cam ordenasse. Recusou-se a fazer os programas que ele havia sugerido no início do “trabalho” e implorou para que fizesse apenas o transporte das drogas e conseguisse novos clientes “grandes”, o que acabou por dar certo. era boa em tudo o que fazia; era uma jovem realmente promissora. Aos poucos, conforme os meses corriam, acabou tornando-se uma das pessoas que Cam mais confiava. E isso a fez ter uma dívida eterna com o traficante, sem chance de fuga ou desistência. Precisava continuar ao lado de Cam para salvar sua própria vida e continuar custeando o tratamento do pai, que fora internado após ser coagido por ela a dizer que queria melhorar e manter-se sóbrio.
Porém, não conseguia sentir-se digna do dinheiro imundo que recebia. Era o que tinha, mas não se sentia mais como um ser humano. Sabia que sua carreira já havia ido pelos ares, embora Cam houvesse limpado seu nome em algumas regiões — principalmente nos lugares que ela precisava levar quilos e quilos de drogas. Tinha alguns pacientes fixos e ajudava-os da melhor forma possível, sempre sendo elogiada e tendo resultados bons. Ajudava as pessoas como sempre quisera fazer, e acabava por se afundar cada vez mais. Sua cabeça, seu emocional e sua vida estava cada dia mais bagunçados, mas, conseguia fazer seu trabalho com carinho e dedicação, não importava qual trabalho fosse.
Por isso, estava ali há horas, com um de os olhos arregalados, agitado e gritando como se não houvesse amanhã ao seu lado.
Já era madrugada quando decidiu que seria interessante ficar se pendurando na sacada do próprio quarto após cheirar mais duas carreiras de cocaína. , no entanto, já estava acostumada com aquelas coisas. Não se assustava mais, apenas sentia muito por ter de passar por aquilo pela milésima vez — principalmente com mais um artista que tanto admirava. Ver de perto alguém se autodestruindo fazia com que algo revirasse em suas entranhas. sempre sentia ânsia de vômito quando via alguém no auge do efeito das drogas, a fazia lembrar de seu pai e, àquela altura da vida, tudo que ela queria era esquecer o pai e tudo que a cercava. Mas, por algum motivo, queria continuar ao lado de e ver até onde ele iria. Nas horas que passaram conversando, entre uma cerveja e outra — embora já estivesse usando algumas drogas mais “leves” durante a conversa —, pôde perceber que não era um idiota. Ele era um cara esperto, sabia cuidar de seu dinheiro e sua carreira, mas estava afundado em uma depressão que só o engolia mais a cada segundo que passava. sentiu por ele, e quis tornar-se sua amiga ao vê-lo tão solitário — ele a contou que seu pai raramente falava consigo e seus amigos eram aqueles que estavam naquela mansão, ansiando por suas festas e seu dinheiro; e a pessoa que ele mais confiava era Cam. sentiu-se quebrar e uma empatia incomum lhe tomou o peito, queria poder fazer algo por também — mas não conseguia ajudar o próprio pai naquela situação, quem dirá um desconhecido, pensou.
Em seu trabalho na clínica, seu público alvo eram adolescentes que sofriam de ansiedade e depressão. Era diferente cuidar deles e cuidar de uma pessoa já adulta que não conseguia aceitar seus próprios defeitos e sentia que a vida já havia passado. Adultos costumavam sofrer muito por frustração e isso sempre fazia com que o trabalho demorasse três vezes mais para ser feito; era difícil quebrar essas barreiras que criavam, sempre botando mais obstáculos a cada sessão. Já adolescentes estavam começando a vida, sendo moldados, aprendendo sobre o corpo, as vontades, as ideias e pensamentos conturbados, ela só precisava entrar em suas mentes e guiar seus caminhos de forma sutil, fazendo-os se sentir mais aliviados e capazes de seguir suas vidas. Não que fosse mais fácil, claro que não; o problema era que os adultos só faziam com que ela se lembrasse de seu pai e tudo o que ele lhe causou emocional e psicologicamente, e isso atrapalhava seu desempenho profissional. Seu pai não chegou a causá-la violência direta, mas foi um trauma tão terrível que ela simplesmente não se sentia bem tendo de lidar com outros adultos. Não queria analisá-los, lidar com seus problemas e traumas que só aumentavam; não queria ver-se em cada um daqueles adultos frustrados.
Entretanto, acendeu algo em seu coração que era diferente. Ela queria entender mais de seus pensamentos, quais frustrações ele guardava no fundo daquela alma manchada, seus medos e seus anseios. Queria entender seus motivos para viver sempre entorpecido por coisas tão destrutivas como drogas. Ela não queria salvá-lo — até porque era impossível —, mas, sim entendê-lo para que pudesse mostrá-lo boas opções para seguir, como tentou com seu próprio pai. Talvez estivesse em busca de uma redenção que não era completamente sua, mas, caso conseguisse chegar até ela, talvez ficasse em paz.




fechou os olhos com força e largou o celular ao seu lado na cama. Era um domingo chuvoso e ele já havia terminado os shows daquela semana, ficando livre para descansar em Bournemouth. No entanto, havia feito tudo naquele fim de semana, menos descansar. Sentia-se tenso, nervoso e uma ansiedade crescia em seu peito, sufocando-o cada vez mais. Há alguns dias, quando sentiu aquilo pela primeira vez, pensou que era falta do que mais gostava: a cocaína. Sendo assim, ligou para e pediu para que ela fosse até sua casa naquela tarde. A mulher, sabendo que jamais poderia recusar um pedido daqueles de quem quer que fosse, apareceu em sua porta dentro de alguns minutos. Ao vê-la atravessando sua porta outra vez, sentiu-se acalmar repentinamente. Conversar e ver tornara-se um hábito que ele não queria se acostumar, mas não conseguia parar de pedir para que ela fosse até lá — ou que apenas conversasse com ele por mensagens.
Naquela tarde, pegou a encomenda que havia feito e pediu para que o esperasse ali, na sala mesmo, e ficasse à vontade. Por algum motivo que ele não entendia, não conseguiu drogar-se na frente da mulher. Ela era sua traficante, ele sabia, mas, no fundo, sentiu vergonha de fazer o que mais gostava diante dela. Sabia que não seria julgado, porém sua cabeça fazia questão de deixá-lo cada vez mais confuso acerca de tudo o que sentia e pensava. Sendo assim, trancou-se no banheiro de seu quarto e fez o que precisou fazer, o que causou um alívio imediato. Seu corpo se transformou, seu interior parecia mais leve e suas pupilas dilataram como de praxe. Saiu do quarto já agitado, alegre e falante. Sentia-se o novo dono do mundo, imbatível, forte.
E ainda estava ali, em seu sofá, mexendo no celular.

— Você já pode ir se quiser, murmurou enquanto andava rápido de um lado para o outro, pensando o que poderia fazer já que sua bateria havia sido recarregada. — Acho que vou dar uma festa…
— Por que não para um pouco com essas festas, ? — ela perguntou como quem não queria nada, ainda olhando para o celular. — Aproveite seu barato sozinho, cara. Na semana passada você arranjou a maior briga na sua própria festa e isso foi parar em todos os canais de mídia. Dá um tempo para esquecerem o escândalo.
— Mas eu quero muito uma festa, .
— Festeje sozinho, bro — ela riu. — Liga seu som, bota uma música que você gosta e dance, cante, faça o que quiser. Mas, se dê um tempo de interações sociais forçadas e por interesse.
— Fica aqui comigo, então — mudou de ideia rapidamente, vendo-a rir outra vez. — Estou falando sério! Fica aqui, a gente faz uma festa a dois!
— Eu tenho outras entregas para fazer, , não vai rolar.
— Por favor, se aproximou e abriu um sorriso grande e bonito, mas sabia que aquilo não era ele. — Eu posso cobrir o que você ganharia. Ou posso pedir para outra pessoa levar. Ou posso levá-la até onde precisa e trazê-la de volta. Mas, por favor, fica comigo.

suspirou e balançou a cabeça negativamente. Queria esquecer de tudo o que havia acontecido naquela tarde, queria esquecer que havia implorado para que ficasse ao seu lado, queria esquecer que deixara explícito que era um maldito viciado solitário e que gostava de ver a casa cheia para enganar a si mesmo de que não era solitário. Mas, no fundo, existia uma única coisa ele sabia que não queria esquecer: o sorriso que lhe dera ao dizer que, sim, ficaria.




Alguns dias depois, estava jogada no chão da sacada do quarto de , com ele ao seu lado. Dessa vez, ela fumava um cigarro calmamente enquanto encarava o céu. , apesar de parecer inquieto, estava gostando de estar naquele silêncio confortável apenas desfrutando a companhia e o efeito que sentia tomar seu corpo por inteiro.

— Está acatando meu conselho, então? — começou de repente, jogando a fumaça para o alto. — Sobre as festas — explicou ao notar o cantor confuso. — Você não saiu em nenhum site essa semana, já é um avanço.

riu e deu de ombros. Não havia parado com as festas, apenas escolheu a companhia de aquela vez por mais que algo lhe gritasse o quão errado era.

— Eu gosto da sua companhia, respondeu sem pensar. — Quero dizer, é bom dar um tempo de festas e relaxar sozinho ou com alguém de confiança.
— Já experimentou relaxar assim sem entorpecentes? — seguiu o assunto com calma, querendo saber o que exatamente estava acontecendo ali.

Apesar de ter se afeiçoado bastante a no último mês que se encontraram constantemente — até mesmo fora convidada para viajar para o Canadá com o cantor, sob a justificativa que confiava apenas nela para se divertir após cada concerto —, ela não queria que o que quer que fosse aquilo avançasse. Era bom ver quase todos os dias, ganhava uma grana boa e conseguia se manter sem precisar de muito contato com os outros clientes, já que Cam conhecia o suficiente para saber que o cantor sempre acabava precisando de uma atenção extra. Ainda assim, ela não queria dar continuidade àquilo, já o havia ajudado fazendo com que as festas e polêmicas diminuíssem, mas era aquilo, bastava. O próximo passo era fazer com que percebesse que era bom ficar sozinho de vez em quando e sem estar sob efeito de drogas; e isso ele deveria tentar, bem, sozinho.

— Não consigo relaxar totalmente estando sóbrio — confessou. — Mas, por que está sugerindo isso? Você não deveria me dizer justamente o contrário?
— Eu não sou traficante porque quero ser — murmurou, dando de ombros. — Não estou aqui para te prejudicar por livre e espontânea vontade, . É o meu “trabalho”, mas, já que você me deu abertura para falar sobre outras coisas, não vejo problemas em dizer que isso está te matando. Você deveria tentar ao menos uma vez, sua própria companhia não deveria ser tão ruim assim.
— Mas é — respondeu com um tom de voz carregado de tristeza, o que fez encará-lo. — O que te trouxe aqui, ? Essa situação toda, o Cam, o repasse das coisas… O que te aconteceu para que chegasse a esse ponto? Você é uma mulher inteligente, tem um diploma em uma universidade boa, não usa nada, não concorda com esse mundo nojento… Como chegou nessa situação?

suspirou e voltou a tragar o cigarro com calma. Não queria narrar sua história para , pois sabia que aquilo faria com que cruzassem o limite que ela havia imposto. Contudo, no fundo, sentia uma necessidade quase absurda de falar e se abrir para ele; passava uma confiança surreal para ela, embora ela sentir isso fosse o surreal do momento.

— Acho melhor não entrarmos nesse assunto — respondeu, por fim.

a fitou curioso e aproximou-se mais, encarando-a de perto.

— Você pode confiar em mim, seu segredo estará a salvo comigo.
— Eu conto com uma condição — sorriu de leve, jogando a bituca de cigarro no cinzeiro ao seu lado.
— O que preciso fazer para desvendar seus segredos, doce ? — perguntou com a voz aveludada e um sorriso bonito no rosto.
— Passe um dia sozinho e sóbrio, veja como se sente. Se você conseguir, eu te conto algo sobre mim. Dois dias, eu te conto dois segredos. Três, te conto parte da minha história. Uma semana, e eu me abro completamente. O que tenho pra dizer não pode ser em só mais uma conversa sob efeitos de bebidas ou drogas.
— Não sei se consigo uma semana, mas, bem, ao menos dois dias por seus segredos obscuros, eu aceito.
— Temos um acordo, então?
— Temos um acordo, .




Assim que chegou em casa naquela noite, se arrependeu do acordo que havia feito com . Ela não podia, nem queria, se intrometer tanto na vida do artista. No entanto, seu lado empático e a necessidade de ajudar todos ao redor praticamente gritava quando estava com ele, sentia uma vontade incontrolável de ajudá-lo, de guiá-lo para um caminho melhor, mesmo que não pudesse fazer isso se ele não quisesse ajuda. E no fundo, ela sabia que aquilo não era só empatia ou admiração de fã. Conviver com a estava mostrando muito mais sobre si mesma do que dele, embora estivesse sendo bom conhecê-lo cada vez mais. O sorriso do músico parecia diferente nos últimos dias, suas pupilas estavam menos dilatadas e ele parecia quase totalmente limpo, e isso tudo sem que ninguém fizesse nada. Nos últimos encontros, havia sido chamada apenas para que o fizesse companhia, e ela estava gostando. estava lutando por si mesmo, mudando por si mesmo e começando a dar os passinhos necessários para o momento em que poderia pensar sobre um tratamento profissional. E , ao enxergar tais mudanças, não pôde deixar de incentivá-lo e mostrá-lo que aquele caminho o faria mais feliz e o ajudaria em todos os pontos de sua vida, mesmo que fosse uma luta difícil e conturbada, regada de altos e baixos.
Ainda assim, o arrependimento se fez presente. Principalmente quando uma semana inteira se passou e ela não recebeu ligação nenhuma de , porém, fora bombardeada de notícias acerca do cantor e seus lapsos agressivos. fora visto agredindo paparazzis naquela semana, e sua equipe alegou que o cantor havia perdido a cabeça por conta da enorme invasão de privacidade que sofrera, já que, aparentemente, o fotógrafo havia invadido sua casa. não sabia o que era verdade ou mentira naquela história, mas algo a dizia que estava sofrendo de abstinência e não fora apenas o fotógrafo invasor que sofrera dos ataques violentos.
Há algum tempo, havia visto o próprio pai naquela situação. O homem tentou manter-se limpo e sóbrio, mas não conseguia controlar a ira por estar sem sua maior fonte de prazer e que sempre o tirava daquela realidade horrorosa. precisou lidar com gritos, choros, tentativas de agressão e palavrões a plenos pulmões, mas, o resultado fora satisfatório. Em um momento de calmaria, conseguiu conversar com o pai e convenceu-o a ir para a reabilitação pela primeira vez. Talvez aquele fosse o momento de fazer a mesma coisa.
não teve muito tempo para ler sobre o assunto e se questionar sobre as possibilidades. Sua campainha ecoou alta pelo espaço pequeno que era seu apartamento, e ela seguiu até a porta sem muita vontade. Ao abri-la, deu de cara com Cam e mais dois homens que ela conhecia muito bem — seus fiéis escudeiros e que recebiam o dinheiro semanal.

— Entra aí — pediu, já sem relutância alguma. — Vou buscar os lucros da semana.

Cam não disse nada, apenas se sentou no sofá com o semblante sério e esperou que voltasse com o que o interessava no momento. A mulher não demorou a voltar, trazendo consigo um saco de papel inchado e quase rasgando cheio de notas. Com uma calma que não possuía, já que estava ali para tratar de outro assunto, Cam puxou o dinheiro e começou a contar monte por monte. Constatou que era um valor significativo, mas que poderia ter sido melhor se um de seus melhores clientes não estivesse há uma semana sem comprar nada.

— Hum — Cam murmurou. — Eu esperava um pouquinho mais. Ouvi dizer que alguns clientes pararam de comprar, é verdade?
— Essa semana foi menos agitada, mas acho que a próxima vai ser de ouro. Tem alguns festivais chegando no país, então vamos ter bastante pedidos — explicou calmamente e manteve-se de pé, encarando Cam com cautela. — Ninguém parou de comprar com a gente. Pelo menos, comigo, não.
— Tem certeza? — Cam se levantou. — Ao que parece, andou tendo ataques de abstinência porque não estava usando nada. Essa época do ano ele faz muitos shows e sempre é o responsável por nos dar semanas bem fartas. Você não tem nada a ver com isso, tem?
— E por que eu teria? — ergueu uma das sobrancelhas. — O cara tem me chamado quase todos os dias para a casa dele, dando festas e pedindo encomendas cada vez maiores. Eu achei que não fui contatada essa semana por conta dos eventos que ele tinha. Alguém pode ter começado a controlá-lo agora, sabe como empresários e familiares são.
— Aí é que tá, , ninguém controla . E eu sei que você tentou.

tentou ser rápida e responder, mas, em questão de segundos, Cam se aproximou e segurou-a pelo rosto com força.

— Cam…
— Shhh — Cam pediu, encarando-a nos olhos. — Não é a primeira vez que você tenta me ferrar, . Eu não me importo se você é bonita, esperta e consegue vender bem na minha ausência. Se eu sentir que você está tentando me passar para trás, sabe o que sou capaz de fazer com você e seu papaizinho, não sabe?
— Sei.
— Então, por favor, benzinho, não tente me fazer de babaca. Não tente fazer com que meus clientes deixem de ser viciados, eles que movem meu negócio e eu preciso de cada um semanalmente. Não se intrometa no que não é chamada, apenas venda, pegue o dinheiro e repasse para mim. Do contrário — Cam se aproximou mais, fazendo com que seus narizes se roçassem —, eu te mato. Agora pega isso — Cam se afastou e pegou um pacote no bolso interno do casaco que vestia, jogando-o contra o corpo de — e leve para o , ele deve estar precisando. Cliente meu não passa por abstinência se tiver dinheiro para pagar por droga. Lembre-se, — Cam se aproximou novamente: — seu pai só está na reabilitação porque eu permiti que estivesse e porque você me traz muitos lucros. Ele me deve muito para que eu o permita desfrutar das minhas mercadorias, mas, a hora que eu quiser, ele sai de lá e volta a ser o viciado que sempre foi. Semana que vem, já sabe: esse lucro deve dobrar.
— Cam, eu não tenho controle das pessoas — disse firme. — Eu não posso fazer com que usem ou deixem de usar.
— Ou o lucro vindo de você dobra, ou a dívida do seu pai dobra.

E isso foi tudo que ouviu antes de sua porta bater fortemente.
Acabar com Cam e tudo o que ele fazia não era mais uma questão de honra e conquista pessoal; era uma questão de sobrevivência.




O corpo de tremia e suava frio. Os cabelos longos e sempre bem tratados estavam bagunçados e embolados, misturados ao suor. A raiva que o tomava era insuportável, ele queria sair gritando e quebrando tudo à sua volta, queria agredir aquele fotógrafo outra vez, queria fazê-lo apagar as imagens perturbadoras que tirara de si, queria gritar e destruir tudo o que alcançasse — não era ele ali, era a falta da droga mostrando as caras e deixando claro, mais uma vez, que era ela quem mandava na situação.
Aquele dia havia começado de forma terrível, onde ele mesmo se colocou em outra polêmica. E seguia igualmente terrível, porque não tinha, até então, seu maior escape daquela realidade desconfortável que vivia. Mais tarde, depois de várias xícaras de chá, sua campainha tocou e foi inevitável pensar que era seu alívio chegando. Bem, de certa forma, era.
Cam jazia parado em sua porta como quem não queria nada, com um pacotinho entre os dedos longos e tortos. não o convidou para entrar e tampouco disse alguma coisa, apenas pegou o pacote da mão do “amigo” e guardou no bolso da calça de moletom que vestia. Num gesto automático, andou até um canto da sala onde ele sabia que sempre tinha dinheiro e pegou um punhado de notas altas, entregando-as nas mãos do traficante. Tudo sem falar uma palavra sequer.

não te deu o suficiente? — Cam perguntou enquanto olhava o cantor de forma curiosa. Mais uma vez, não respondeu. — Estão te colocando na coleira, bro?
— Já falei que ninguém me controla — respondeu com a voz rouca e trêmula. — Preciso que vá embora agora, Cam, obrigado pela encomenda.
— Não é o que parece, você está diferente.
— Estou diferente porque estou limpo, cara.
— Então por que me ligou desesperado?
— Porque eu estou desesperado! — respondeu com um único grito, sentindo suas entranhas revirando em ansiedade e medo do que poderia acontecer a seguir. — Você já pode ir, Cam.
— A está te colocando na coleira — Cam afirmou. — Ela já fez isso antes com outras pessoas. A maioria morreu de overdose.
— Não me importo com o que aconteceu com as outras pessoas que ela serviu de traficante — respondeu baixo, tentando manter-se calmo e não sujar a barra de . — Eu tomei a decisão de ficar limpo e, agora, tomei a decisão de me afundar de novo. Mas, quero fazer isso sozinho.

Cam apenas o olhou dos pés à cabeça, demorando um pouco mais numa troca de olhares intensa. Depois, saiu. E mais de uma hora depois, ainda estava com o pacote de droga dentro do bolso da calça de moletom, torturando-se ao máximo, resistindo, fingindo que não tinha nada.
“Eu preciso de você” digitou rápido no celular, logo enviando a mensagem para . Por mais irônico e surreal que parecesse, ela era a única pessoa capaz de ajudá-lo naquele momento tão conturbado.
podia dizer que estava naquela situação por causa de , mas isso seria uma grande mentira. Quando ouviu a proposta da mulher, sentiu algo diferente queimar em seu interior — e não era apenas o desejo que já sentia por ela e pela vontade de manter-se limpo por mais tempo que aguentasse. sentiu um bocado de esperança e, através do olhar de , pôde perceber que alguém ainda se importava com ele e tinha esperança nele como ser humano. Era o mesmo olhar que sua mãe o lançava, e isso acabou servindo como um estímulo para ele. Queria ficar limpo e sóbrio por si mesmo, para poder servir de exemplo para outras pessoas, para que pudesse tentar ter uma relação saudável com o pai, que sempre apoiou sua carreira e agora estava longe, fingindo que não tinha um filho como ele.
queria poder voltar a viver sem acessos de raiva, sem sentir vontade de morrer ou estar fora de órbita o tempo inteiro, queria poder repaginar sua carreira, queria poder criar novos conteúdos, queria poder ler sobre o caso de seu acidente de anos antes, queria conseguir ser alguém comum, queria conseguir se relacionar com pessoas decentes mais uma vez, queria poder incluir e toda sua bondade em seu círculo social, queria entender sua história e ajudá-la no quer que ela precisasse.
Ele queria mudar, melhorar e ser feliz. Estava farto de viver aquela vida medíocre e cercada de pessoas interesseiras que torciam pelo seu mal, que queriam vê-lo morto ou, no mínimo, fracassando pelo resto da vida, ansiando que perdesse todo seu dinheiro e virasse mais um na lista de famosos engolidos pelas drogas. Não queria chegar àquele ponto, e não chegaria; não podia chegar. Havia demorado a notar que queria viver e sentir-se bem consigo mesmo, mas, o momento chegara e ele precisava aproveitar e agarrá-lo com todas as forças. Não podia desistir naquele momento.
Quando chegou à sua casa, ela parecia abatida. Os olhos sempre brilhantes estavam vazios, escuros e sem vida, o sorriso sempre presente na boca bonita jazia longe e suas mãos sempre quentes e macias estavam geladas e suadas. sentiu algo borbulhar dentro de si, dizendo-o que algo não estava certo e que ele era o culpado, porque ele sempre era o culpado de tudo de ruim que acontecia com as pessoas.

— Do que você precisa? — perguntou um tanto apressada, já adentrando a mansão.
— De você, apenas de você e suas palavras esperançosas — respondeu baixo e sincero, mostrando-se completamente para aquela mulher que sequer conhecia tão bem quanto gostaria.
— Eu não posso fazer isso, falou olhando-o nos olhos. — Não posso te ajudar a sair desse mundo, eu sou este mundo. Meu trabalho é fazer com que você se afunde cada vez mais, não te puxar e te ajudar a ser salvo. Isso quem deve fazer é você mesmo.
— Eu já fiz — sussurrou outra vez. — Eu não quero que lute por mim ou comigo, . Quero que esteja ao meu lado, você foi capaz de abrir meus olhos e não quero que eles se fechem novamente. Preciso da sua ajuda para resistir, não para lutar por mim.

pensou em manter a pose e ignorá-lo, pois, ir embora era a melhor opção e Cam havia deixado aquilo bem claro. Entretanto, ao notar tão determinado e em um estado tão deplorável de abstinência, não conseguiu lhe dar as costas. Um suspiro lhe escapou e ela seguiu até ele, tateando todo seu corpo e vendo se havia algum machucado. Em seguida, esvaziou seus bolsos e encontrou o pacote de droga, reconhecendo a embalagem de Cam — o que a fez deduzir que ele havia ido ali antes e tentado fazer com que voltasse atrás da ideia de livrar-se das drogas.

— Vem comigo — pediu, soando mais paciente.

estava em um estado catatônico e, para ela, era sempre muito assustador ver alguém naquela situação. A qualquer segundo, por qualquer motivo que fosse, poderia se transformar em um monstro faminto e impiedoso, poderia tentar atacá-la, poderia começar a gritar e simplesmente puxar aquele pacotinho de volta, a fim de inalar até a última partícula de pó. Ainda assim, era um risco que se dispôs a correr no exato momento em que atravessara a sala.
levou para sua própria suíte e arrastou-o até o banheiro com cuidado. Ao chegarem no cômodo entregou o pacote para novamente, fazendo-o segurar a cocaína entre as mãos trêmulas. Naquele momento, sentiu um medo absurdo — por si mesma, por ele, pela vida como um todo. simplesmente começou a chorar, as lágrimas rolando pesadas e os soluços vindo do fundo de sua garganta.

— Você quer fazer isso? — perguntou. — Quer deixar as drogas para trás?
— Sim — respondeu em um sussurro fraco. — Eu não aguento mais, . Quero me livrar das drogas, mas também quero me livrar dos meus pensamentos e da minha vida.

engoliu a seco e se aproximou de , segurando-o pelas mãos com carinho.

— Você vai se livrar das drogas e dos pensamentos ruins, vai tomar as rédeas da sua vida e vai ser feliz.
— Como?
— Com um tratamento. Jogue essa droga fora, , esse é o seu primeiro passo para a limpeza e sobriedade. Jogue todo esse conteúdo na privada e dê descarga. Amanhã nós vemos o que é possível fazer sem te expor.
— E se eu não conseguir?
— Você vai conseguir, tenho certeza. Você é e sempre consegue o que quer. A vida é sua e você a controla, mas ninguém, repito: ninguém é capaz de te controlar. Você ainda é , e é forte.

encarou o pacote em suas mãos e respirou fundo. Sua maior vontade era consumir tudo aquilo, mas não queria decepcionar a si mesmo, nem as pessoas ao seu redor que ele sabia que ficariam orgulhosas quando deixasse aquilo. Logo, sem pensar muito e ignorando a vontade de desistir, rasgou o pacote com pressa e raiva, soltando um grito gutural. Cego de medo, adrenalina e desespero, jogou todo o pó esbranquiçado na privada e deu descarga o mais rápido que conseguiu, vendo o pó se dissolver na água e ir embora.
E foi aí que tremeu ainda mais e sentiu que não conseguiria, o arrependimento veio com força e o surto fora inevitável. gritou, chorou e implorou para que lhe conseguisse um pouco mais de cocaína, jogou-se no chão do banheiro e chorou mais, desesperado e ansiando por uma única carreira que pudesse cheirar. Sentia o corpo inteiro formigar e os pensamentos estavam confusos e violentos; queria e precisava cheirar ou iria enlouquecer.

— Está tudo bem — murmurou enquanto tentava se aproximar a passos lentos, tendo total noção da incerteza que os cercava. — Eu estou com você.
— Por favor, … — choramingou. — Faz isso parar, me dá um pouco do que você tem. Eu não nasci para ser correto, não vou conseguir seguir com tratamento nenhum, por favor, eu desisto!
— Você é forte, , e consegue tudo o que quiser — repetiu e ajoelhou-se no chão gelado, aproximando-se mais do cantor que ainda chorava e balbuciava frases desconexas. — Você é , e é forte.
— Por favor…
— Shh, está tudo bem — falou outra vez, finalmente conseguindo tocá-lo com sutileza.

Devagar, foi permitindo ser abraçado. Quando menos esperou, estava com o rosto enterrado no pescoço de enquanto chorava e respirava de maneira ofegante, desesperado para que aquela dor, aquele incômodo e o medo passassem. o acalentou sem pensar duas vezes, deixando-o confortável e apertado entre seus braços firmes e cuidadosos. Ali, viu o homem frágil que ele era na verdade, mas, ainda assim, enxergou também sua força e perseverança. Ela sabia e acreditava veemente que, sim, aquele era , e era muito forte.
Durante toda aquela noite foi paciente e atenciosa. Ela sabia que não tinha obrigação alguma de fazer aquilo, sabia também que lhe trazia lembranças ruins que eram capazes de engatilhar pensamentos que queria esquecer e jamais ver em sua mente outra vez. Mas, como já esperava, a empatia e o carinho que passou a nutrir por a fez prosseguir. Enquanto ele não se acalmava, o dava colo e palavras de conforto. Quando as coisas começaram a melhorar, o levou para a banheira que ficava dentro do box enorme e encheu-a com água quente e sais de banho. ainda estava fragilizado e desesperado, sempre balbuciando palavras aleatórias a pedidos de drogas, ao mesmo tempo em que dizia querer se livrar do vício.
Ainda com toda a paciência que possuía, o ajudou a tirar as roupas e entrar na banheira. Em seguida, vestida, entrou também. Sentou-se atrás de e o acolheu em seus braços novamente, banhando-o com atenção e cuidado. massageou o couro cabeludo machucado, ensaboou o corpo esguio e fraco, e jogou água em sua cabeça devagar a fim de relaxá-lo. Dentro de alguns minutos, sob carinhos tão bons, adormeceu. Dentro da água, nu e entre os braços de , a pessoa que deveria destruir sua vida em troca de dinheiro, mas que o estava acalentando por livre e espontânea vontade — o que mais se mostrava beirar a um modelo de amor que, até então, ambos desconheciam.




acordou e o dia já estava clareando — não devia passar das seis da manhã. Ele não lembrava de muitas coisas da noite anterior, e muito menos de como havia ido parar em sua própria cama com ao seu lado. Por um segundo pensou que havia feito alguma burrada e dado uma festa, mas, de acordo com os poucos flashes que começaram a surgir em sua mente, percebeu que não foi nada daquilo. não lembrava de um terço das coisas que havia falado e feito durante todo o dia anterior, mas lembrava claramente das sensações que sentira desde o momento que abrira os olhos. Parte daquelas sensações ele ainda sentia. O corpo estava fraco e trêmulo, a boca seca e amargando, as palmas das mãos jaziam arranhadas e com cortes pequenos e fundos, fazendo-o perceber o quão destrutivo era para si mesmo.
fitou ao seu lado outra vez. Ela possuía feições tranquilas e respirava devagar, como se estivesse em um sonho bom. O sorriso que surgiu nos lábios de foi inevitável — ele não conseguia mais se segurar quando se tratava de e sua bondade, queria ser capaz de agradecê-la mas sequer conseguia formular uma frase corretamente naquele momento; e, no fundo, sabia que seria incapaz e jamais encontraria palavras boas o suficiente para formular o que sentia por aquela mulher.
Era estranho pensar que os últimos meses haviam virado sua vida do avesso. Ele havia estourado novamente, saiu em turnê, lotou arenas e, em seguida, enfiou-se em um punhado de polêmicas de uma só vez. Não porque queria causar, ou chamar a atenção como fora há uns anos atrás; mas, sim, porque estava completamente descontrolado e, pela primeira vez, sóbrio. A sensação de sobriedade ainda era esquisita e o assombrava; ele não queria continuar daquele jeito, porém, drogar-se e encher a cara de bebida não parecia mais tão efetivo assim. E olhando para e lembrando de sua profissão, percebeu que ele precisava de ajuda profissional — e que essa ajuda, obviamente, não poderia vir de como ele gostaria.
Um suspiro lhe escapou — pesaroso, tenso. Tudo o que conseguia pensar era que desejava melhorar, mas, também, desejava uma última vez, uma despedida de tudo aquilo que o tirou de sua realidade. Queria uma última viagem, um último momento para esquecer-se de quem era. A ideia martelava em sua mente com força, lembrando-o como seria fácil conseguir com apenas uma ligação. Embora não quisesse trair a confiança de e jogar fora todo o esforço que havia feito nos últimos dias, sentia a necessidade ferver em seu interior. Seu corpo implorava por algo que o fizesse esquecer das sensações ruins e dos problemas que se metera na última semana.

— Bom dia — a voz baixa e suave de invadiu os ouvidos de . Ele a encarou por alguns segundos e, envergonhado, desviou o olhar.
— Bom dia — respondeu com a voz falha, meio a contragosto. Não queria ter de encará-la tão rápido, não estava preparado. — Eu quero me desculpar por tudo o que aconteceu.
— Não precisa se desculpar — respondeu e se espreguiçou, sorrindo em seguida. — Você está bem?
— É claro que preciso, . Eu te fiz ficar como minha babá.
— Só o que importa agora, , é se você está bem.
— Na medida do possível, estou.
— Ótimo, fico feliz por isso — se sentou na cama e esticou o braço para puxar o rosto de , trazendo-o para mais perto. — Você se lembra da noite passada?
— Pouca coisa — sussurrou em resposta. — Obrigado por estar ao meu lado, . Você não tem obrigação alguma, pelo contrário…
— Está tudo bem. O que acha de tomar um café reforçado?
— Não quero comer. Sinceramente… Tudo o que mais quero agora é…
— Não, o interrompeu. — Você precisa se alimentar e superar mais um dia. Você está indo muito bem.
— Estou desesperado, murmurou, segurando-a pela mão. — Eu quero me livrar de tudo isso, mas tudo que penso é em usar de novo, em recair. Meu corpo está implorando, eu não aguento mais.
— Isso vai passar, eu prometo. Posso te ajudar a encontrar um bom profissional e um lugar confortável para ficar.

suspirou e desviou o olhar, soltando-se da mulher e olhando para o nada. Ele queria melhorar, muito; mas a ideia de ter de deixar seu lar, sua vida e trancar-se em uma clínica de reabilitação o perturbava. Como explicaria a situação para seus fãs, sua família e a mídia? Como lidaria com tudo quando saísse de lá? Se um dia saísse. A verdade era que sentia como se fosse incurável, como se jamais fosse ter paz novamente. Sabia que havia errado muito, que era um maldito viciado, mas, no fundo, sentia que não tinha mais jeito, que internar-se seria uma perda de tempo; que sua vida não valia de nada, ele não precisava e tampouco merecia aquela chance. Ele era apenas ele; um rockstar à moda antiga, polêmico e cheio de problemas para lidar.

— Não se torture assim, murmurou. — Eu já vi isso acontecer antes, e o resultado não é bom. Uma recaída a essa altura seria… Desastroso. Vamos tomar um café enquanto pensa sobre isso, sim?
— Você acha que isso resolveria meu problema? O tratamento, a clínica… — a fitou, engolindo a seco. — Estou há sete dias nessa situação, me questionando e resistindo, mas, sinceramente… Eu não me vejo como alguém capaz de superar isso. O que te faz pensar que eu vou conseguir?
— Porque você é , e é forte — repetiu pela milésima vez. — E porque todos nós merecemos a chance de tentar melhorar, errar e falhar durante esse caminho para a melhora é inevitável. O importante é continuar e não desistir. Serão dias, meses, talvez anos muito difíceis para você, . Mas, olhe só, já se foram sete dias. Você é incrível, forte e inteligente, tenho certeza de que tomará a decisão certa. No fim das contas, você sempre terá a mim e a sua arte ao seu lado. Sei que não sou muita coisa, mas a sua arte é tudo. Então, faça isso por você. Não fique se questionando e criando barreiras acerca disso; nós dois sabemos que você é capaz.
— Por que está aqui, ? — perguntou, mostrando-se cansado e fragilizado. — Digo, neste mundo. Como chegou até Cam?
— Meu pai — sussurrou, desviando o olhar. — Ele não aguentou perder minha mãe e as empresas que gerenciava, caiu nesse universo quando conheceu Cam, suas regalias e “qualidade” de produto. Eu o vi ficar como você várias vezes e, nessa última vez, ele percebeu que não continuaria vivo se não fosse se tratar.
— E por que ainda continua com o Cam?
— Porque, infelizmente, meu pai deixou dívidas para trás — engoliu o bolo que se formava em sua garganta, segurando a vontade de chorar. — E o Cam sabe onde ele está.
— Sinto muito.
— Eu também, . Mas o foco aqui é você. O que quer fazer?
— Eu quero melhorar, mas não sei se consigo.
— Você não está sozinho, eu vou te ajudar.

Naquele momento, encarando os olhos marejados de , tentou não pensar no que Cam havia dito e todas as ameaças que recebeu durante a noite, através de mensagens. Seu foco era ajudar e fazê-lo perceber que aquele mundo era feio demais para que ele se afundasse; ele tinha jeito, todos tinham; bastava encontrar o alicerce certo. Ela estava ali para mostrá-lo, assim como fez com seu pai, que era possível. Depois de ajudá-lo, aí, sim, pensaria sobre Cam e sua corja — e uma forma de pará-lo para sempre.




Conforme os dias passavam e não conseguia juntar a coragem necessária para deixar sua casa, tentava conciliar sua vida conturbada, o trabalho na clínica e a sua recente e forte amizade com o cantor. As coisas pareciam estar melhorando, apesar de oscilarem bastante por motivos óbvios. Era uma rotina um tanto cansativa para , mas ela não parecia se importar — estava sempre com um sorriso no rosto e uma frase motivacional e engraçada na ponta da língua.
gostava de sua companhia. Estava isolado em sua própria casa e, apesar de sua cabeça estar uma bagunça e seu corpo ainda estar se adaptando a sobriedade, ele parecia estar começando a entender o que era de fato aproveitar a vida e tentar ser feliz. Nos últimos anos, tudo o que fazia era se lamentar e se render à depressão que ele sabia que tinha desde alguns meses após o acidente de sua banda. Porém, após conhecer e suas histórias que mais serviam para distraí-lo, ele percebeu que, embora tivesse em uma situação tão bagunçada e complicada, podia ser feliz. Ou, no mínimo, fazer amizades verdadeiras e sinceras. o estimulava a cada dia que passava a continuar limpo e voltar a ter uma relação amigável com seu pai, que havia sido a primeira pessoa a ser empurrada para longe de sua vida.

— Minha vida está totalmente virada de cabeça para baixo — murmurou para o pai, que estava ao seu lado naquela manhã chuvosa. — Mas, apesar de tudo, eu sinto como se estivesse colocando as coisas no lugar. Ter você aqui do meu lado e poder ver a todos os dias está me mantendo são. Obrigado por estar do meu lado, pai.

O homem, já quase na casa dos 60 anos, sorriu. Era bom ter seu filho de volta, mesmo que ainda não fosse completamente ele ali.

— Estou feliz por fazer parte da sua vida novamente, filho — o homem respondeu. — Eu prometi a sua mãe que sempre estaria ao seu lado, mesmo que você não merecesse tanto. Quero dizer, eu não gostava das pessoas que frequentavam sua casa e jamais aprovei o que você fazia, então me afastar foi o jeito mais fácil ou nós dois destruiríamos qualquer chance de melhora. Mas, devo dizer, estou mais feliz por você ter decidido sair dessa bolha destrutiva do que por qualquer outra coisa. Mesmo que você escolhesse não me trazer de volta para sua vida, eu ficaria feliz em vê-lo sair daquele buraco em que estava.

não respondeu nada, apenas secou o par de lágrimas que deixou escorrer pelas bochechas e sorriu ao mesmo tempo em que voltava a fitar o céu cinzento através da janela. Saber que tinha aquelas pessoas ao seu redor e lutando ao seu lado era algo indescritível. Seu peito enchia de esperança e alegria, era como se pudesse voltar a sentir-se invencível. Mas, desta vez, com responsabilidade, gratidão e pessoas decentes ao seu lado; pessoas que queriam fazê-lo feliz e ajudá-lo em qualquer situação que fosse, não pessoas invejosas e que ansiavam seu dinheiro e tudo o que sua fama poderia proporcioná-las.
Como se sentisse algo florescer dentro de si, virou o rosto em direção ao pai, olhando-o com admiração e determinação. O mais velho retribuiu o olhar com atenção e curiosidade, ainda um pouco chocado com a mudança do filho nas últimas semanas — e, ainda assim, a felicidade que o cercava era quase palpável.

— O que foi, ? — perguntou, por fim.

sentiu-se emocionar novamente e ergueu uma das mãos para tocar o rosto com poucas rugas do pai, puxando-o em sua direção em seguida, a fim de juntar ambas as testas. Com lágrimas nos olhos e os lábios trêmulos, ainda encarando o mais velho no fundo dos olhos, murmurou:

Eu vou para uma clínica de reabilitação amanhã.

Sob um silêncio respeitoso e aliviado, ambos choraram — baixo e com as testas coladas. Ficaram ali por mais alguns minutos conversando e arrumando as coisas que precisaria levar no dia seguinte para a clínica, mas, quando estavam prestes a preparar um lanche, a campainha tocou por diversas vezes seguidas, atrapalhando-os. O pai de foi até à porta e abriu com pressa, sem preocupar-se de olhar pelo olho mágico.

— Oi, Ben — murmurou, tentando disfarçar o nervosismo. Antes mesmo de esperar uma resposta, adentrou a mansão e seguiu até o sofá com pressa, sentindo-se tremer dos pés à cabeça.
— O que aconteceu, querida? — Ben perguntou preocupado, e logo surgiu na sala.
! — exclamou e seguiu até à amiga, dando-lhe um beijo no rosto. No entanto, paralisou ao encará-la com atenção. Os cabelos curtos estavam levemente bagunçados, a pouca maquiagem borrada e ela tremia em aflição. — O que aconteceu?
— Desculpa, eu não deveria ter vindo para cá, mas… — tentou falar, mas sentia o choro voltar com força. — Céus, eu não sei…
— Shh, está tudo bem — murmurou e puxou-a para um abraço caloroso. — Você está segura, nós estamos aqui.
— O Cam… — começou a falar baixinho, e se afastou para fitá-la nos olhos. — Ele…
— O que ele fez com você? — perguntou um tanto quanto nervoso, sentindo a irritação já tão habitual lhe tomar o corpo. — Ele te machucou ou fez algo com seu pai?
— Não — foi rápida. — Desculpe, eu não deveria ter vindo. Você não precisa se estressar com meus problemas. Tudo isso foi um erro!
— Ei, ei — segurou-a pelos braços, mantendo-a sentada ao seu lado. — Conta para gente o que aconteceu. Eu prometo que não vou ficar com raiva nem fazer nenhuma besteira.
— Eu troquei meu pai de clínica sem que ele soubesse — começou, nervosa. — Ele sabe que estou te ajudando e dificultando a venda para outras pessoas… Eu não aguento mais essa vida — secou as lágrimas e fitou e Ben com pesar. — Ele deve ter descoberto e decidiu acabar comigo, não tem outra opção. Hoje saí bem cedo de casa para trabalhar e, quando cheguei na clínica, tudo estava um caos. A clínica foi quase completamente destruída, e as pessoas responsáveis pela violência contaram para a recepcionista que aquilo tinha sido minha culpa porque eu… — não conseguiu terminar, logo voltando a chorar. não pensou duas vezes antes de puxá-la para seus braços novamente e seu pai se levantou com pressa, indo em busca de um copo d’água para que pudesse acalmá-la.
— Eles contaram o que eu faço para o Cam — finalmente falou, deixando o copo vazio sobre a mesa de centro. — Meu chefe, apesar de entender minha situação e sempre ter tido um carinho e um cuidado absurdo comigo, precisou me demitir. Ele jurou que não falaria nada para ninguém nem envolveria a polícia, para eu não correr o risco de não poder mais atender. Em momento algum ele me questionou ou apontou o dedo, apenas tomou cuidado para que eu saísse de lá em segurança e pediu para que ninguém comentasse sobre o que aconteceu; também não me cobrou nada pelos danos que sofreu. Eu saí da clínica e fui para casa, e adivinhem? — sentiu os olhos marejando novamente. — Estava tudo revirado e o pouco de dinheiro que consegui guardar havia sumido. O Cam está disposto a destruir minha vida, eu tenho certeza.
— Ele não vai fazer nada — murmurou entredentes, tentando controlar a raiva que sentia. Ainda era difícil para ele lidar com as próprias emoções, estava tudo uma bagunça e seu corpo, às vezes, tremia em uma necessidade quase absurda de gritar e quebrar as coisas se não tivesse o que tanto ansiava. Naquele momento, não estava tão diferente e, mais do que qualquer outra vontade que sentia, queria acabar com Cam e todo o dano que ele causava às pessoas ao redor. conseguia ver agora o quão destrutiva aquela amizade havia sido, e como Cam só se importava em ganhar dinheiro e repassar todas as drogas que possuía.

Além do mais, Cam estava se mostrando uma pessoa extremamente perigosa — ele não era mais aquele traficante “simples” que fornecia aos famosos tudo o que desejavam, e que sempre alegou ser um subordinado de alguém. Com tudo o que estava acontecendo, todas as ameaças que vinha sofrendo, o medo que exalava ao redor, conseguiam enxergar o quão ingênuos foram ao pensar que Cam jamais agiria contra eles — afinal, que diferença faria um ou dois clientes a mais ou a menos? conseguia entender que, àquela altura, as coisas não eram mais por causa de clientela e drogas encalhadas; era por conta de orgulho, ego, poder e, sobretudo, o dinheiro. O maldito dinheiro.
era uma pessoa que não sentia medo de gastar quando necessário — fosse com seus vícios ou se alguém que conhecia estivesse passando por necessidades; ele simplesmente não se importava de gastar. Sendo assim, Cam enxergava nele uma fonte de riqueza; perdê-lo seria um grande prejuízo, e , sua subordinada e ameaçada, estava compactuando para que ele perdesse seu pote de ouro.

— Nós estamos com você, sussurrou outra vez, segurando-a pelas bochechas e fitando-a nos olhos. — E, juntos, vamos acabar com o Cam.



Quando a noite caiu, já havia tomado um banho quente e vestia um pijama qualquer de . Ela estava pensativa, assustada e, principalmente, perdida. Não sabia o que faria a partir dali, sem emprego, sem dinheiro e sem chance de fuga. E, como se não bastasse, ainda tinha seu pai que já apresentava sinais consideráveis de melhora e, dentro de pouco tempo, receberia alta.
jamais imaginou que sua vida teria tamanha reviravolta. Há poucos meses atrás, era apenas uma traficante “pequena”, sendo obrigada a viajar com drogas nas roupas e nas malas a fim de repassar para pessoas do alto escalão — políticos, artistas e até mesmo agentes federais. Agora, era a maior inimiga do traficante que a comandava e, após ao menos incitar o pensamento da sobriedade em alguns clientes fiéis, estava ali: vestindo roupas de , deitada em sua cama, em sua mansão que fora cenário de diversas festas regada às drogas que ela mesma levara.
Conhecer havia sido uma realização pessoal, apesar de decepcionante no começo. Quando era mais jovem e conheceu a banda que ele fizera parte, pegou-se admirando a voz e composições do rapaz, mas jamais esperou que fosse conhecê-lo naquelas circunstâncias: ela, como sua traficante, e ele, como um grande viciado. Apesar de saber que fora inocente ao pensar que poderia ser diferente das outras personas do rock, não deixou de ser triste vê-lo tão jovem e afundado na própria solidão, passando por coisas tão complicadas. Ainda assim, lembrou muito de si mesma naquela figura derrotada de . Ela, porém, não rendeu-se às drogas. Não por falta de oportunidade, curiosidade ou vontade — ela já havia provado mais coisas do que gostaria. A diferença entre eles era que tinha alguém para não se espelhar e acabar naquele estado: seu pai. Entretanto, ela e não eram tão diferentes assim, não mais do que aquilo. Tinham gostos em comum, desde a culinária ao cinema. Eram como velhos amigos que haviam acabado de se reencontrar, e isso foi o que mais mexeu com ela. Eles tinham uma conexão boa e foi fácil de conversar no início, e essa conexão fez nascer uma amizade verdadeira apesar de todo o caos que os cercava naquele começo. Não importava as festas, o que ele fazia ou deixava de fazer, o “emprego extra” que ela tinha; nada importava desde que estivessem sóbrios e dispostos a conversar quando estivessem juntos.
percebeu que os sentimentos que rondavam seu interior eram inevitáveis e, querendo ou não, uma hora se mostrariam quase impossíveis de serem escondidos. Ela lutou contra cada um deles, enfrentou noites em claro para fazê-los parar de crescer, deu seu sangue para que a amizade não se transformasse em outra coisa, ao menos dentro de si. Porém, ao vê-lo praticamente todos os dias, sempre sorrindo para ela e sendo quem ele realmente era, foi difícil. E ela não resistiu. Agora, envolta ao cheiro de , enrolada em seus cobertores e deitada em seu travesseiro, ela via que não tinha para onde correr nem nada que pudesse fazer — estava apaixonada e, mesmo assim, teria de se despedir dele logo que amanhecesse o dia.

— Dois milhões de libras por seus pensamentos — a voz rouca de ecoou pelo quarto escuro e silencioso. — Posso dormir do seu lado essa noite?
— Não estava pensando em nada — respondeu e se sentou sobre a cama, batendo no espaço ao seu lado. — O quarto é seu, , eu quem deveria perguntar se posso dormir aqui.
— Bom, na verdade… — começou a falar ao mesmo tempo em que se jogava ao lado de . — Esse quarto pode ser seu pelos próximos meses. O que me diz?
— Você quer que eu more na sua casa enquanto faz o tratamento?
— Sim, meu pai ficará aqui também. Mas, você sabe, não quero deixar o velho sozinho — brincou, mas no fundo, sabia que não queria deixar sozinha por aí.
— Não sei se é uma boa ideia, tem toda a situação com o Cam e…
— Aqui você estará segura, falou com convicção e o tom de voz mais sério. — Eu não quero deixá-la desamparada. Por um momento, confesso que pensei em desistir de ir amanhã. Não sei se conseguirei me concentrar no meu tratamento sabendo que você está como está por minha culpa.
— Não é sua culpa, eu decidi falar sobre sobriedade com todos os clientes que Cam tem. Não é culpa de ninguém além dele mesmo. Ou minha, já que me intrometi onde não fui chamada — respondeu dando de ombros. — Não sinto medo do Cam por mim, eu temo pelo meu pai e pelas outras pessoas que eu sei que estão na mão desse cara. Ele precisa parar, ou ao menos levar um prejuízo. Foi uma escolha minha estimular as pessoas para irem contra isso. A grande maioria simplesmente ligou o foda-se para mim e minha ladainha sobre os malefícios das drogas, mas, ver casos como o seu ou do meu pai me enchem de orgulho e satisfação. Bastaram algumas conversas para que vocês percebessem por si só, embora eu tenha precisado dar uma coagida de leve no meu pai — ela riu. — Fico feliz por ajudá-los a enxergar que para tudo existe uma solução, . Ninguém é culpado pelos erros e a maldade do Cam.
— Obrigado por tudo, sorriu. — Acho que se não fossem nossas conversas, eu jamais acordaria para a vida ou talvez esperasse o pior acontecer para dar o próximo passo. Não está sendo fácil, esses últimos dias foram complicados, mas, estou decidido e sei que vai valer a pena. Não fazia o menor sentido eu continuar vivendo como estava. Então, se você me permitir, eu quero ser para você o que você é para mim: uma grande amiga e a mulher por quem estou perdidamente apaixonado. Quero ser aquela pessoa que te ajuda, te incentiva e te dá segurança, quero que me aceite em sua vida e, se puder e quiser, quero que espere por mim. Sei que você não se importa com dinheiro nem com fama ou qualquer outra coisa que eu tenha por simplesmente ser , mas, por favor: me deixe usar tudo isso ao seu favor, para te proteger e para destruir esse cara. Cam não pode e, se depender de mim, não vai sair impune.

arfou em surpresa e percebeu que não sabia se de fato havia escutado mais alguma coisa após a frase em que dizia estar apaixonado por ela. Como se estivesse sonhando que estava em queda livre, sentia as pernas dormentes e o coração acelerado, além de um frio intenso na barriga. Em todo aquele tempo ao lado de , esperou que ele falasse e a oferecesse muitas coisas, mas, em nenhuma dessas situações, esperou que ele dissesse estar apaixonado por ela. Que era considerada uma grande amiga, ela já sabia — fazia questão de falar o tempo todo —, logo, não estava surpresa com o fato de ser tão sortuda e estar recebendo a oferta de viver ali pelo tempo que precisasse até que Cam fosse punido.

— Você está apaixonado por mim? — murmurou ainda chocada e encarando-o nos olhos.
— De tudo o que eu disse, isso foi o que você ouviu? — rebateu em um tom brincalhão, tentando esconder a vergonha que sentia por ter se declarado de uma forma tão repentina e automática.
— Eu ouvi tudo, mas quero que repita isso.
— Estou apaixonado por você, repetiu com mais coragem, embora seu coração batesse forte contra o peito, trazendo-o uma insegurança que não queria sentir. — Mas vou entender caso me veja apenas como um amigo ou não queira se envolver com alguém tão complicado quanto eu. De qualquer forma, eu ainda quero que fique aqui, quero que se cuide e se sinta protegida. Não quero que nada…

não conseguiu concluir sua frase, tampouco seus pensamentos atordoados. Os lábios grossos e bonitos de estavam sobre os seus, calando-o com um beijo lento e intenso. Por mais clichê que fosse, naquele momento, ambos sentiram que haviam nascido para aquele beijo, como se encaixassem perfeitamente. Derretiam-se a cada segundo que passava, ao mesmo tempo em que arrepios subiam pelos corpos a cada toque e a cada descoberta. Era uma situação inédita e que os enchia de sensações gostosas e excitantes. Nada ao redor parecia ser tão importante quanto aquele momento; os corpos colados, os suspiros, as línguas se esbarrando e o sentimento de familiaridade eram coisas que os deixava fora de órbita e satisfeitos, ao mesmo tempo em que queriam e necessitavam de mais.
Em algum momento, após uma quentura sobrenatural tomar conta do ambiente, as roupas começaram a atrapalhar. Sem desgrudar as bocas e desfrutando de uma conexão só deles, notaram que a noite teria um fim muito diferente do que imaginaram — e muito mais satisfatório, também.




Na manhã seguinte, foi a primeira a acordar. ainda estava completamente nu ao seu lado e dormia feito um anjo, com os cabelos bagunçados e espalhados pelo travesseiro. Ela sorriu com a inocência que a imagem passava, embora soubesse que de inocente aquele homem não tinha nada. Enquanto o beijava na noite anterior, não sabia dizer em que momento fora parar sobre o colo de , tampouco quando foi que a parte de cima de seu pijama foi de encontro ao chão. Porém, sabia exatamente quando foi a primeira vez que gemeu o nome de enquanto se derretia por inteira entre os lábios alheios. Ainda podia sentir o toque fervente sobre sua pele, os apertões em suas zonas sensíveis, as mordidas e o encaixe perfeito entre os corpos, como se já se conhecessem tão intimamente há anos. descobriu que com tudo era intenso demais, e isso a deixava zonza e querendo mais.
Contudo, sabia que naquela manhã tudo mudaria. Embora estivesse feliz, era inevitável sentir preocupação e medo. Teria de se afastar de por um longo período e sabia que as visitas na clínica não seriam o suficiente — além de rápidas, pois haveriam horários e ela ainda precisaria dividi-los com Ben. E ainda tinha toda a situação com Cam, que lhe deixava de cabelos em pé. Ainda assim, decidiu que não pensaria naquilo por algum tempo, ao menos aquelas primeiras horas do dia — e que eram as últimas ao lado de .

— Para de ficar me olhando assim — a voz de ecoou pelo quarto, fazendo dar uma risada sem graça. — Bom dia.
— Bom dia — respondeu baixinho. — Dormiu bem?
— Sonhei com você — respondeu como se aquilo fosse o suficiente para ela saber que havia dormido feito um anjo. — Eu não sei mais se quero ir, . Não depois de ontem.
— Vou fingir que não estou ouvindo isso — murmurou, já se erguendo e mostrando o corpo tão nu quanto do homem ao seu lado.

Automaticamente, mordeu o lábio inferior e suspirou. Em um movimento rápido, sentou-se sobre o colchão e se esticou o suficiente para segurar o pulso de , puxando-a em direção à cama e fazendo-a cair sentada sobre o estofado.

— Deixa eu te sentir de novo antes de voltarmos para a vida real — pediu baixo contra a orelha de , arrepiando-a por inteira. — Acabei de te ter em meus braços e já vou ter que me acostumar a ficar sem você de novo…
— É só por um tempo, você vai aguentar — se virou para devagar, sentando-se sobre seu colo e deixando os troncos grudados. — E eu não vou a lugar nenhum.

sorriu e juntou suas bocas com vontade. Naquela manhã gelada, permitiram que seus corpos se tornassem apenas um mais uma vez em uma despedida repleta de carinho, confiança e intimidade. Não haviam mais dúvidas acerca de seus sentimentos e do que aconteceria quando tudo ficasse bem; estavam juntos, e continuariam juntos.



Era início de tarde quando acabaram de colocar as poucas malas de no porta-malas do carro de Ben. Estavam prontos para ir, mas permanecia parado na garagem da mansão, observando-a com atenção. Sentiria falta de seu lar. Sabia que voltaria em breve, curado e mais feliz, mas, ainda assim, a despedida estava sendo difícil. Gostava daquela mansão e de todas as lembranças que ela lhe trazia, porém, era hora de focar em si mesmo e renovar as energias, voltar a ser um homem sóbrio e responsável.

— Vamos? — Ben perguntou ao filho.
— Vamos — respondeu baixo, sentindo vontade de desistir e com inúmeras inseguranças rondando sua mente.

queria ser alguém melhor, mas o caminho era muito difícil, pelo que podia perceber. Sequer havia começado sua jornada e já estava apavorado e pensando nas dificuldades; precisaria de mais sessões de terapia do que imaginava. Sentia no fundo de suas entranhas que sua depressão o engolia em proporções inimagináveis, mesmo que tivesse tido momentos felizes nos últimos meses. Entre altos e baixos, havia sido feliz. Tinha pessoas incríveis ao seu lado e que lidaram com todos os seus momentos de fraqueza, suas crises de irritação e toda a questão física que a abstinência causava. Apesar de tudo, foi feliz e, agora, estava a caminho de algo que o traria muito mais do que felicidade; teria liberdade, alegria e autoconhecimento. Estava tendo a chance de se transformar como ser humano.

— Vai ficar tudo bem — sussurrou quando se aproximou. Ben já estava no carro, dando privacidade para os dois. — Eu vou te visitar assim que puder.
— Não quero que fique indo muito, você precisa tomar as rédeas da sua vida também — sussurrou de volta, segurando-a pelas bochechas. — Obrigado por tudo, . Prometa que vai se cuidar.
— Vai ficar tudo bem, nós vamos nos cuidar — respondeu sorrindo e aproximando suas bocas. — Sinto muito por não poder ir com você.
— Shh, eu não ia conseguir entrar na clínica se estivesse vendo você do lado de fora — deu de ombros e sorriu. — Nos vemos em breve, .
— Nos vemos em breve, .

E após um beijo longo, se afastou e praticamente correu para o carro do pai. Não tinha mais forças para olhar e sentir sabendo que não tinha a menor previsão de quando voltaria para ela.
Ao fechar a porta do carona, não conseguiu conter as lágrimas. Assim como , que manteve-se parada no meio da garagem da mansão vendo o carro ir em direção à rua.




A notícia de que havia sido internado em uma clínica de reabilitação estava em todos os canais de mídia. A imprensa estava alvoroçada com o fato, principalmente porque o astro do rock havia gravado um vídeo explicando as razões pelas quais decidiu optar pelo tratamento. No vídeo, se abria sobre tudo o que havia acontecido em sua vida e, em míseros 20 minutos, explicava sobre como a depressão o havia destruído e o fez recorrer às drogas e bebidas, o que resultou em seu temperamento alterado e autodestrutivo. Ele também falou sobre como era importante que as pessoas ficassem ao lado de quem passava por tais dificuldades e como ele era privilegiado por ter condições para bancar um tratamento tão longo e caro, assim como também tinha a honra e a sorte de ter pessoas incríveis ao seu lado ajudando-o a lutar — não lutando por ele, mas ajudando de verdade, ensinando-o a cada conversa, mostrando-o prós e contras de suas ações, sem mandá-lo fazer o que quer que fosse, sempre deixando-o pensativo e reflexivo acerca das próprias ações e decisões.
A internação era o assunto do momento no mundo inteiro e , enquanto acompanhava pela televisão e internet a repercussão da situação, sabia que era questão de tempo até que Cam voltasse atrás dela. Sabia que logo ele apareceria ali pronto para acabar com sua vida da pior maneira que encontrasse, já que era oficial que jamais se envolveria com ele e sua sujeira. Sendo assim, decidiu acatar o plano e os conselhos de e Ben da noite anterior.
Aproveitando de todos os contatos e informações que Ben tinha por ser um advogado influente na região, entrou em contato com alguns amigos do pai e armou uma emboscada para Cam. Não tinham muito o que fazer enquanto ele ainda agia feito um fantasma nas sombras da noite, mas, sabia muito sobre aquele homem e toda informação havia sido valiosa. Apesar de ter cometido crimes enquanto ajudava o traficante, Ben aceitou cuidar do caso e pediu que ela recebesse proteção e uma espécie de absolvição por estar entregando tudo o que sabia, e por tudo que ela fez — uma espécie de acordo por debaixo dos panos. Não era legal e tampouco honesto, mas, naquele momento, Ben utilizou de seu conhecimento e amizades para que a mulher pudesse sair livre de todo aquele caos. Além do mais, é claro, do dinheiro que ele e o filho possuíam. As pessoas faziam coisas por eles apenas por serem eles. Normalmente não aceitavam regalias e privilégios só por serem quem eram, porém, ali era uma situação atípica e merecia que eles se metessem um pouco além do conveniente. Ela merecia ser livre, merecia viver e poder fazer as próprias escolhas — merecia uma vida de verdade.
O dia passou rápido e a noite já começava a cair, permanecia sozinha na mansão, tendo em mente que aquilo era proposital e que estava sendo vigiada. Os amigos de Ben estavam pelas redondezas desde que receberam o telefonema do advogado. No início os policiais foram um pouco resistentes, quando ouviram o nome de Cam mudaram de ideia quase imediatamente. O traficante era intensamente procurado, por isso ele desaparecia de tempos em tempos, sempre procurando se manter nas sombras do país e chantageando quem pudesse ajudá-lo a continuar escondido.
O relógio marcava pouco mais de dez da noite quando recebeu uma mensagem de um número desconhecido. Como já esperava, era uma ameaça muito específica:

“Espero que tenha valido a pena me trair. Agora, tenho homens com seu pai e eles farão o que quiserem. Não tente fugir ou se esconder, , sei que está na mansão daquele cantorzinho metido a herói. Você não vai escapar de mim.”


travou e temeu por seu pai. Queria que aquelas palavras fossem mais um punhado de coisas vazias que Cam vinha dizendo desde que fora para a casa de , queria que fosse tudo uma grande mentira com a intenção de assustá-la, mas, não sabia. Ainda existia a possibilidade de tudo aquilo ser verdade. Sendo assim, decidiu que ligaria para a clínica onde o pai estava internado, porém, um barulho alto vindo da cozinha a fez parar e gelar dos pés à cabeça. Lembrava-se claramente de Ben lhe dizer que nenhum policial entraria na mansão a não ser que ela precisasse.
No mesmo instante, discou os números recém memorizados e levou o celular até à orelha. O número era de um dos policiais, o melhor dentre eles e que se responsabilizou por ela, de acordo com Ben. No entanto, quando ouviu a voz do policial do outro lado, não teve tempo de responder, pois seu celular foi de encontro ao chão ao ser surpreendida por uma pressão forte em sua nuca, como se uma mão a segurasse com força. soltou um grito de susto e, em seguida, teve a testa batida em um dos móveis da sala, o que a deixou zonza.

— O que… — tentou falar, mas a pessoa a segurou fortemente pelo pescoço, virando-a em sua direção.
— Eu disse que você se arrependeria de se meter nos meus negócios, garota — Cam murmurou rente ao seu rosto, olhando-a nos olhos enquanto forçava mais os dígitos ao redor de seu pescoço.

se debateu e tentou gritar novamente, mas, além de nervosa, estava começando a sentir falta de ar. Em movimentos rápidos e desordenados, ergueu um dos joelhos e acertou entre as pernas de Cam, fazendo-o se contorcer e afrouxar o aperto, o que a fez ter mais vantagem e acertá-lo com o joelho novamente. Quando Cam a soltou, correu enquanto gritava e sentia a garganta arder pelo esforço, mas ela não se importava. Tudo o que queria, naquele momento, era alcançar a porta e salvar sua vida.
Com uma rapidez desconhecida e provinda do medo, alcançou a porta já destrancada e a abriu com pressa, correndo pelo quintal e passando pela garagem, a fim de chegar até o portão. Assim que conseguiu abri-lo, Cam já estava próximo novamente. Ele tinha um semblante assustador e bizarro, suas pupilas estavam dilatadas e as narinas infladas, demonstrando total descontrole e que ele não estava sóbrio. tentou não se atentar a este fato e, quando conseguiu botar os pés na calçada, sentiu-se ser puxada para trás novamente. E como num filme de ação, tudo ao seu redor ficou em câmera lenta e pareceu girar. Sua cabeça foi de encontro ao chão e quicou, o que a fez sentir uma dor lancinante. Porém, para sua sorte e como Ben havia prometido, os policiais já estavam ali e correram em sua direção.
Os gritos ao redor eram ensurdecedores, assim como as sirenes da polícia e sons distantes de tiros. já sentia que ficaria inconsciente a qualquer segundo, mesmo que um homem abaixado ao seu lado ficasse constantemente falando coisas aleatórias e lhe dando leves tapas no rosto — estava fraca, cansada e assustada.

— Meu pai — sussurrou enquanto lutava para manter os olhos abertos. — Papai

E de repente, tudo escureceu. Não havia mais sons, não havia mais paisagem e tampouco havia consciência. mergulhou em uma escuridão profunda e permitiu-se ser engolida por ela, e talvez, lá, encontrasse a paz que tanto ansiava.




despertou sob o som de um bipe insuportável. O cheiro forte de produtos que ela não conhecia incomodou seu olfato, fazendo-a contorcer as feições em uma careta desconfortável. Uma pressão desconfortável se fazia presente em seu braço e ainda se sentia zonza, porém, entre seus dedos sentia um aperto suave e gostoso.
O som de uma fungada a despertou totalmente, e, assim, finalmente abriu os olhos. Inicialmente a claridade e a branquitude do ambiente a incomodou, mas, conseguiu forçar-se a manter os olhos abertos. Para sua surpresa, com a mão entrelaçada à sua e os olhos fortemente fechados enquanto as lágrimas caíam em cascata, estava seu pai.
tentou falar, mas sua garganta ardia e arranhava, o que fez com que soltasse apenas um murmúrio incompreensivo. Ainda assim, o homem a ouviu e ergueu o olhar rapidamente, encontrando-a de olhos arregalados e boca aberta.

— Minha filha… — ele murmurou aliviado, levando a mão livre e trêmula até o rosto que, em sua concepção, seria para sempre angelical. — Meu Deus, que alívio ver você bem…
— Pai… — sussurrou, sentindo o coração acelerar e os olhos encherem de lágrimas. Ela queria fazer perguntas, saber como ele estava e quando diabos havia saído da reabilitação, mas seu corpo parecia não querer colaborar.
— Não diga nada — o mais velho pediu enquanto sorria entre as lágrimas. — Está tudo bem agora.
— Você…
— Eu tive alta — sanou a dúvida da filha, por fim.

Ao ouvir e compreender aquelas palavras, não conseguiu controlar a emoção. Sabia que estava perto da alta do pai, mas não sabia que era tanto — tampouco esperava que o reencontro deles aconteceria daquela forma conflituosa e no meio de um hospital.

— Meu Deus, finalmente! — murmurou enquanto sorria e secava as lágrimas. Igualmente emocionado, seu pai apenas a abraçou com cuidado e carinho como não fazia há tanto tempo.
— Eu espero que um dia você me perdoe, minha filha.
— Está tudo bem, pai.
— Não, claro que não está… Olha o seu estado — afastou-se um pouco para olhá-la. — Eu não queria que nada disso acontecesse, sei que fui um péssimo pai nos últimos anos e te fiz passar por maus bocados nas mãos de Cam…
— Está tudo bem agora, não está? — o encarou nos olhos. — Eu lembro de ver a polícia chegando, então ele deve ter sido pego… Não foi?
— Desculpe, meu amor, eu não sei de muitos detalhes. Aquele moço, o Ben, ficou de te explicar tudo quando acordasse. Mas, sinceramente, não acho que seja o momento para se preocupar com isso. O médico disse que você entrou em choque e não acordava nos últimos dias, não quero te causar uma piora. A batida em sua cabeça foi muito forte também.
— Eu estou aqui por muito tempo?
— Há uns três dias, eu acho… Eu recebi alta hoje pela manhã, então só pude te ver agora.

assentiu e se preparou para falar algo, mas fora interrompida por batidas leves na porta e logo o rosto de Ben surgiu. Ele sorria levemente e seu olhar era de um pesar leve, sem jeito por estar interrompendo aquele momento de pai e filha.

— Perdão pela interrupção — ele murmurou e fechou a porta atrás de si. — É que eu preciso ir, mas não queria sair sem antes te contar algumas coisas, .
— Tudo bem — sorriu e esticou uma das mãos para Ben, que a segurou com firmeza. — Obrigada por tudo, Ben.
— Não há de que, meu bem — Ben sorriu. — Mas, indo direto ao ponto: o Cam foi pego e está, finalmente, preso. Vocês estão salvos agora.
— Mas… Como ficou minha situação?
— Que situação? — Ben ergueu uma das sobrancelhas, ainda sorrindo. — Eu disse que entregar o Cam nos traria umas regalias, não disse? Está tudo sob controle.
— E isso é o certo? — insistiu.
— Minha filha, claro que é. Se alguém tivesse de sofrer qualquer dano, esse alguém seria eu — seu pai respondeu, sorrindo e acenando positivamente para Ben em um agradecimento mudo, porém, sincero. — Fico feliz por você não precisar sofrer mais com tudo isso.

suspirou e tentou sorrir, mas não se sentia completamente feliz. Era como se algo ainda faltasse — ou alguém.

— O não pôde vir — Ben explicou, como se a entendesse com o olhar. — Mas ele já está sabendo de tudo, fiz questão e ir explicá-lo pessoalmente para que não tivesse nenhum problema. Ele ficou bem nervoso e ansioso, teve uma crise, mas, conseguimos contornar a situação. Está tudo sob controle agora, . E ele mandou isso para você — Ben tirou uma carta do bolso interno da jaqueta que vestia, entregando-a para em seguida. — Aproveite que hoje você ainda ficará em observação e leia com atenção e calma. Tenho certeza que meu filho escreveu com todo o coração.

sorriu e agradeceu baixinho, aceitando feliz a carta e o beijo na testa que Ben lhe deu com carinho. Quando o homem saiu do quarto, seu pai a fitou com curiosidade.

— Longa história, pai, deixa para depois — foi o que ela disse com um sorriso meigo nos lábios e o rosto quente de timidez. O pai apenas riu e assentiu, deixando a filha à vontade.



Quando a noite caiu, estava sozinha no quarto. Seu pai dormiria ali aquela noite, porém precisou ir até a antiga casa em que moravam para buscar uma muda de roupas limpas — tanto para ele quanto para ela. Sendo assim, ela aproveitou para observar melhor a carta que a havia enviado. No envelope não tinha nada além de seu nome escrito com a letra bonita de . Ela o abriu com calma e observou a página inteira com carinho e, em seguida, levou o pedaço de papel em direção ao nariz, como se pudesse sentir o cheiro aconchegante e marcante dele.
Com o coração acelerado, por fim, começou a ler e foi como se pudesse ouvi-lo proferir cada uma daquelas palavras, com uma sinceridade e profundidade invejáveis.

“Querida ,

Eu poderia começar essa carta de mil formas diferentes. Porém, acho mais prudente começar dizendo o quanto estou aliviado por saber que você está bem e segura agora. Sinto muito por não ter podido estar do seu lado nesse momento, sei que precisou — e ainda precisa — de mim, tal qual precisei e preciso de você desde o primeiro dia em que pus meus olhos sobre você.
Sei que a essa altura meu pai já lhe contou o que passei nesses últimos dois dias estando trancado aqui sabendo tudo o que vocês passaram, mas, não quero que fique preocupada ou pensando muito em mim. Apesar de tudo, estou melhorando. Ainda tenho um longo caminho pela frente, sei disso, mas, no fundo, sinto que já estou melhorando. Às vezes, durante o dia, me pego pensando sobre tudo o que aconteceu comigo nos últimos anos e como eu não merecia que alguém como você ficasse ao meu lado e, ainda assim, você chegou de mansinho, com um sorriso bonito e um forte cheiro de jasmim. Quando me dei conta, eu já estava perdidamente apaixonado e pronto para fazer qualquer coisa que me deixasse no mínimo digno de te merecer. Depois, percebi que eu não precisava pensar desse jeito. Quero dizer, eu ainda quero você e sinto que esse sentimento jamais vai passar, mas, acima de qualquer coisa, eu preciso desejar a mim mesmo para que eu seja digno do desejo alheio. Na verdade, “digno” não é a palavra certa; eu não preciso ser digno de nada para ninguém, você vivia me dizendo isso. Mas, é aquele negócio do amor próprio: se eu não me amo, como posso achar que um dia alguém vai amar? Enfim, isso não tem nada a ver com o que eu queria te falar inicialmente, acho que é a ansiedade gritando e querendo que eu acelere todo o processo da coisa. E por coisa quero dizer isso que nós dois firmamos na última vez que nos vimos. Preciso saber, , o que sou para você? Porque, para mim, você é muito mais do que eu imaginei que se tornaria. Você ultrapassou todas as minhas barreiras de forma sutil e respeitosa, isso me fez ficar ainda mais encantado por você. Jamais vou conseguir explicar tudo o que sinto por você, e acredito que isso nem mesmo seja necessário — são sentimentos, e sentimentos não precisam ser explicados de uma forma geral; eles precisam ser sentidos e demonstrados.
Sei que tudo o que eu disse não fez muito sentido, mas, é meu jeito de dizer que estou com saudades e sinto muito por tudo o que precisamos passar nos últimos tempos. Digo “precisamos” porque foram meses, talvez anos difíceis para nós dois. Por sorte, nossos caminhos se cruzaram e pudemos ver que a vida não é tão ruim assim.
Eu espero ficar bem logo para poder te ver, te abraçar e olhar em seus olhos novamente. Não vou pedir para que você espere por mim (sei que já fiz isso antes, mas, por favor, desconsidere o pedido; foi muito egoísta da minha parte), mas peço para que aceite minha eterna amizade e gratidão por todas as conversas reflexivas e profundas. Foi ótimo te ter ao meu lado e fazer parte da sua jornada, mesmo que não tão intensamente quanto eu gostaria.
No mais, espero que minhas palavras tenham lhe dado um bocado de conforto nesse momento difícil. As coisas não serão fáceis a partir de agora, mas pelo menos serão mais tranquilas e amorosas. Espero que tenhamos um ao outro pelos próximos meses. Estou ansioso para te ver novamente, . Preciso lhe mostrar meus novos rascunhos, estou pensando em lançar um álbum novo logo que receber alta. Preciso dizer que você tem sido inspiração para um terço das músicas? Acredito que não. Enfim, eu não tenho mais o que dizer, estou apenas enrolando porque escrever para você me traz a sensação de que a tenho aqui ao meu lado e estamos conversando como fazíamos durante as madrugadas.
Não se esqueça que você é incrível e tem um futuro lindo pela frente, .

Com carinho e gratidão,

(seu) .”


riu baixinho ao terminar de ler, sentindo as lágrimas molharem suas bochechas geladas. era uma pessoa muito especial e doce; ela o admirava tanto que jamais conseguiria pôr em palavras. Tudo o que mais ansiava, naquele momento, era reencontrá-lo e dizer outra vez o quanto estava apaixonada por ele e o quanto torcia para que ele retornasse aos palcos renovado, feliz e seguro de si.
Com um suspiro fraco, levou a carta até o peito e a abraçou com carinho e cuidado. De olhos fechados, murmurou:

Você é para mim o que eu sou para você, .




Fim.



Nota da autora: Ufa, foi isso! hahah eu espero de verdade que tenham gostado! Bom, algumas considerações importantes sobre essa short: ela foi escrita com o intuito de mostrar a trajetória dos personagens e como algumas tragédias acabaram por aproximá-los, criando um laço forte de amizade acima de qualquer coisa. Por isso, não tivemos tantas cenas românticas e afins; até porque a temática não pedia muito por isso. Tentei ser o mais cuidadosa possível na hora de tratar de um assunto tão importante e não tive a intenção de romantizar nada, nem por um segundo. Também não narrei com tantos detalhes e como realmente é uma crise de abstinência, pois eu teria de entrar em crises de recaídas e acabaria ultrapassando o limite de 40 páginas. Ainda assim, espero que tenham em mente que essas situações não são tão “apaziguadas” quanto retratei aqui. Tenham cuidado, não usem drogas e busquem por terapia quando passarem por uma situação difícil. Eu sei o quão complicado é ter de aceitar que precisamos de ajuda, mas, é sempre bom ter um profissional nos ouvindo, entendo e ajudando. Digam não às drogas sempre!
No mais: não esqueçam de comentar, o feedback é muito importante! Beijos, até a próxima!





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