Capítulo Único
Adentro a sala de embarque do Aeroporto Internacional Tom Jobim e respiro fundo. A cacofonia de um milhão de vozes zumbindo ao mesmo tempo deixa-me zonza.
Sento-me na ponta de uma daquelas duras cadeiras de plástico e entorno o que restara de meu café fumegante enquanto espero meu voo ser chamado.
A ansiedade e a tristeza ameaçam corroer-me as entranhas enquanto a dúvida e o vazio assolam minha mente.
É isso o que eu quero, não é? Eu passara os últimos cinco anos fantasiando o momento em que eu finalmente deixaria o Brasil, e iniciaria uma nova e impressionante vida em Londres e, agora, aqui estou eu, ponderando se realmente deveria entrar naquele maldito avião e partir.
Puxo as mangas do blusão cinza para baixo até que estas cubram meus dedos completamente e esfrego uma mão no rosto, ameaçando borrar a maquiagem impecável.
— ! — uma voz feminina ergue-se acima das outras e viro a cabeça tão rápido que quase quebro o pescoço. Um sorriso gigantesco rasga meu rosto em dois e levanto-me rapidamente, pronta para correr para os braços dos meus melhores amigos.
— O que vocês estão fazendo aqui? — pergunto, agarrando-me a eles com todas as minhas forças.
— Viemos nos despedir da diva master. De novo. — explica com voz chorosa.
Algo estala dentro de mim e não posso impedir que algumas lágrimas rolem.
— Não vai ser a mesma coisa sem você, — prossegue, sua voz aguda evidenciando sua dor.
— E você acha que vai ter graça, beber sozinha? — solto um risinho triste e a abraço.
— Tenho a mais absoluta certeza de que não — ri também.
— Não sei vocês, mas não quero que lágrimas borrem minha última lembrança da . — afirma e e eu concordamos com um aceno de cabeça.
— Vamos começar pelo momento fatídico em que nossa querida teve a capacidade de confundir um filhote de cachorro com um rato. — diz séria, fazendo-nos rir.
— Ei! — apresso-me em me defender. — Isso não conta. Eu estava num grau desgraçado.
— Percebe-se, princesa. — responde, sarcástico.
— Pelo menos eu não fico tentando seduzir as novinhas, meu caro. — mostro a língua para ele em um claro surto de infantilidade.
— Nenhum de nós está em condições de falar do outro. — ri e eu a acompanho.
— Mas nenhum dia se compara a ontem. — conclui.
Não sei se ele diz isso por ser o nosso "rolé" derradeiro enquanto que ainda éramos O Quarteto Fantástico ou se por conta de ter realmente achado que foi nossa melhor reunião.
— E nada depois de ontem conseguirá ser tão bom... — murmuro sonhadoramente.
— Para de enrolar e vira logo, ! — resmunga, mau humorada.
— Tá bom, tá bom — ergo as mãos com as palmas voltadas para fora em sinal de rendição. Depois, pego o copo descartável transbordante de vodca pura e entorno de uma só vez — Argh, que negócio ruim!
— É o que tá tendo — ri, já levemente alterado — Principalmente porque o desgraçado do escondeu a Askov vermelha da gente.
— Viadão da porra — falo em tom conclusivo, fazendo-os rir. Irrito-me com a franja que insiste em cair sobre meus olhos e puxo-a violentamente para trás, fazendo um coque frouxo.
— É que senão você e o bebem tudo sozinhos e depois ficam morrendo por aí. — justifica.
— Vá se foder, vacilão. — mostra o dedo e começa a balançar-se no ritmo da música.
— Aaaaai — choraminga — Vou sentir tantas saudades de você!
— Eu também, — abraço-a — Você é uma das minhas melhores amigas, sabia? Mesmo tendo me arrastado para esta maldita vida boêmia.
— Principalmente por isso! — ela meio ri, meio chora.
— A bebe e vira emo, santo Deus. — sacode a cabeça negativamente.
— Pois é, companheiro — dá de ombros e beberica seu conhaque.
Estico os braços acima da cabeça até minhas juntas estalarem e depois puxo a bainha da camiseta preta para baixo. Encho o copo novamente e sento-me ao lado de , que finalmente sossegara. Ele tira o boné e bagunça os cabelos , para logo em seguida arrumá-los novamente. Não que isto fizesse sentido pra mim.
— Oi, — um risinho escapa de meus lábios.
— E aí, ? — arqueia as sobrancelhas e pisca demoradamente. Arregalo os olhos e encaro um ponto fixo na parede branca, tentando continuar equilibrada no braço do sofá.
Rio gostosamente quando minha visão embaça e sacudo a cabeça.
— Onde estão eles? — o garoto pergunta debilmente, abraçando minha cintura.
— "Eles" quem?
— A e o .
— Ah. Sei lá — cerro os olhos e sorrio para ele.
— Fodam-se, eles — sussurra e me puxa para seu colo. Estudo seus olhos e bagunço seus cabelos.
— Oi, — repito.
— E aí, — sorri um pouco e morde minha bochecha.
— Não me morda — resmungo, presa entre abraçá-lo e empurrá-lo.
— Fresca — rola os olhos.
Ele desliza suas mãos pelas minhas costas, fazendo-me arrepiar... Aquele vadio sabe que não deve tocar a base das minhas costas... Merda.
Ofego superficialmente e aperto-me contra o corpo magro de . Meus dedos brincam com a gola de sua camisa azul enquanto esfrego o nariz levemente por seu pescoço.
O garoto toca meu rosto levemente com a ponta dos dedos, incitando-me a olhar para ele. Quando o faço, pressiona seus lábios fortemente contra os meus. Sorvo o ar rapidamente em um arquejo e abro a boca, permitindo que sua língua choque-se contra a minha. Ele me beija lentamente a principio, permitindo-me saborear o gosto doce e agradável de sua boca e, depois, parece deixar-se levar pelo calor do momento ou pelo desespero. Eu não sei.
Abraço-o com mais força e passo as pernas em torno de sua cintura, tentando deixar-nos ainda mais próximos.
— Socorro, polícia — ele dá uma risadinha ofegante — Estou sendo abusado!
— Foi você quem começou — dou de ombros e deposito um beijinho em seu pescoço.
— Eu sei. Foi uma excelente ideia, não?
— Babaca da porra — rio e deito a cabeça em seu ombro.
— Sabe... Eu não queria que você tivesse que ir amanhã... — sussurra, repentinamente sério.
— Eu gostaria de poder concordar com você — sussurro de volta — Mas faz tempo que eu quero isso, mesmo não querendo deixar vocês.
— Eu sei — acena uma vez com a cabeça — E eu não estou tentando te impedir de ir. Eu só queria que não precisássemos nos separar.
— Aham. Acho que vou escondê-los na mala, não sei.
— Eu ia te pedir em casamento, sabia?
— Cale a boca, - empurro seus ombros, rolando os olhos. — Você é puto demais para querer se casar com quem quer que seja.
— Acho que concordo com você, moça — faz um beicinho fofo e dou-lhe um selinho.
O garoto sorri e desfaz meu coque, fazendo-me dar um tapa em sua mão. Abraço-o novamente e deixo-o brincar com meus dedos.
— Desgruda! — berra, entrando na sala acompanhada por .
— Filha da mãe! — quase grito, assustada — Vai caçar rã, sua desocupada.
— Se pá, depois eu caço. — dá de ombros e rolo os olhos dramaticamente. — Estou falando sério. Solte-a, .
— Por que eu deveria? — o louro responde em tom de deboche.
— Porque eu quero me despedir da minha amiga e você já teve muito dela, essa noite.
— Porque você e o garanhão ali desapareceram, diga-se de passagem.
— Calem a boca, os dois — suspiro exasperadamente. — Tem o bastante de mim para todos vocês.
murmura algo que soa como "mas eu mereço mais" e beija-me novamente, arrancando novos protestos por parte de .
— Deixe-os, — ouço a risada de .
— Não! — ela dá um gritinho histérico — Estou aqui pra me despedir da minha amiga e este ser tenebroso não está deixando!
Rolando os olhos, desço do colo de e abraço a garota.
— Você tem que parar de ser tão gay — murmuro, as palavras saindo lentamente.
— Verei o que posso fazer — abre um sorrisinho — Agora venha e dance comigo.
— Troca de música, então.
Ela assente e dirige-se em direção ao aparelho de som. Animals preenche o ambiente e paro em frente à menina, segurando sua mão direita com a minha esquerda. Executamos alguns passos um tanto quanto lerdos e descoordenados e um risinho estranho borbulha dentro de meu peito.
— Vai, , goooostosaaa! — grita, sua voz tornando-se mais aguda.
— Uhuuuul! — liberto um gritinho, agitando os braços acima da cabeça. e levantam-se e seguram nossas mãos e, juntos, giramos em círculos como crianças.
— Se pudessemos ter essa vida por mais um único dia... — suspira. Jogo-me em seus braços enquanto aquela voz e fria e monótona anuncia meu voo, desejando nunca sair.
— Vocês vão me visitar? — questiono, fungando. — Prometam-me que vão.
— Eu juro que vamos — me abraça — Nem que para isso tenhamos que atravessar o Atlântico a nado, querida.
— Ok, então — beijo-o na bochecha e, despedindo-me deles uma última vez, corro para o avião sem olhar para trás.
Fim.
(link da primeira música citada: http://www.youtube.com/watch?v=rDbVY3gCJgg&feature=youtube_gdata_player)
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