Última atualização: 03/03/2018

Capítulo Único

não fazia ideia do que estava acontecendo com ela. As palmas estavam suadas e escorregadias sobre as teclas revestidas de seu piano vertical. Quando as notas pareciam querer se agrupar de uma forma inédita e incrível, de alguma maneira desconhecida elas passavam a tocar uma melodia já conhecida: aquela maldita sinfonia nº 9 de Beethoven. Era ridículo como não conseguia sair daquilo. Estava tão ansiosa com o resultado que sairia naquele dia que seu cérebro parecia simplesmente ter decidido se desligar por completo.
O reality show Rising Star era um dos maiores sucessos norte-americanos no momento, tendo sido comprado por diferentes emissoras ao redor do mundo que lucravam incrivelmente com a transmissão do programa musical. Cinco jurados de renome internacional compunham o programa: dois astros da música, dois produtores de lançamentos internacionais massivos e um crítico vocal especializado em técnicas de canto. Basicamente, era a maior porta de entrada para o mundo da música que não dependia exclusivamente da sorte de ser magicamente descoberto em um site de vídeos por aí. O sonho americano tinha adquirido uma nova face entre os aspirantes.
havia feito a sua inscrição assim que as mesmas abriram. Quem visse o horário em que seu e-mail chegou, tão próximo ao instante de abertura, perceberia que ela transpirava desespero pelas pontas dos dedos nervosos. Sua ansiedade martelava em sua cabeça “E se a sua mensagem não chegou?”, “E se você for enviada para a caixa de spam?”, “E se você tiver sido lenta demais e as inscrições tiverem sido todas preenchidas nos dois minutos que você passou fazendo a anexação do seu arquivo de vídeo?”, “E se eles virem e rirem da sua cara de tão ridícula que você é?”, “E se eles acharem a sua voz horrível?”, “E se eles detestarem o seu rosto e te desclassificarem por não ter a aparência ideal para a tevê?”. Eram muitos “e se” e ela queria poder atear fogos a todos eles como se fossem uma grande pira. Por que raios o ser humano tinha que remoer tantas inseguranças? Que droga.
A previsão era que, naquele exato dia, três meses após o encerramento das inscrições, os participantes recebessem pelo correio – quem usava essa droga hoje em dia? – a resposta de sua classificação ou eliminação. queria desviar seu pensamento, tentando compor qualquer coisa, mas aquele inútil do Beethoven não saía de sua cabeça e de seus dedos. Por que era tão difícil desligar os pensamentos ruins? Nada sairia enquanto a maldita correspondência não chegasse.
Continuou dedilhando as teclas brancas e pretas, tirando sons desafinados e desconexos que a fizeram socar o instrumento em um sinal de completa frustração.
- O que houve? O que quebrou? – Sua mãe adentrou a sala correndo, com a voz alarmada.
- A minha paciência quebrou. Onde está aquela porcaria de carta? – reclamava em um tom alterado, escondendo o rosto entre as mãos, com os cotovelos apoiados nas teclas centrais.
A mãe deu um sorriso presunçoso para a menina, mostrando o envelope que trazia atrás das costas.
- Quer dizer essa carta aqui? Acabaram de colocar na nossa caixa de correio. Diz que é para . Remetente: produção do programa Rising Star.
A mulher mal tinha acabado de ler o invólucro e lá estava a filha tomando a carta de sua mão. A jovem segurou-a com as duas mãos, observando o papel claro que envolvia a maior possibilidade de mudança de futuro que teria até agora, fosse de uma forma boa ou ruim. Rasgou o papel de qualquer jeito, respirando fundo ao perceber o peso que era tomar a decisão de abrir aquela carta. Não tinha mais tanta certeza se queria mesmo ver o que havia ali dentro.
- Abre logo – a mulher mais velha reclamou. – Eu também estou ansiosa, sabia?
A jovem fechou os olhos, contando até treze – seu número da sorte – antes de retirar a carta do envelope rasgado. Soltou pela boca todo o ar que havia aprisionado em seus pulmões com tanto esforço. Sentia o compasso de seu coração atingir sua própria cabeça, que latejava no mesmo ritmo. Desdobrou o papel em impressões vermelhas e douradas, tentando ler seu conteúdo enquanto as mãos tremiam nervosamente.
“O programa Rising Star tem o prazer de convidar a participante para as audições oficiais em frente aos jurados e ao público presente na Arena Star. Ao comparecer, você estará concordando com a possibilidade de transmissão de sua apresentação em todas as emissoras sócias do programa e liberando por completo o uso de sua imagem no reality show. Agradecemos a sua participação e esperamos vê-la em nossos estúdios em breve.
A carta caiu de sua mão, enquanto, com os olhos arregalados, levava as mãos à boca.
- O que foi? Você passou? – Sua mãe abaixou para pegar a carta. – AI, MINHA FILHA! Parabéns! Que orgulho! Eu sabia que você conseguiria com essa sua voz maravilhosa. Eles seriam uns estúpidos se deixassem um talento como o seu passar em vez de ser aproveitado.
- Você só diz isso porque é minha mãe – a menina revirou os olhos, sorrindo e se deixando chorar de alegria sobre os ombros da única pessoa que havia ficado ao seu lado durante todo esse tempo em busca de seu sonho.
Não sabia o que seria de si e do seu futuro se aquela mulher não tivesse batalhado tanto pelas duas após a morte do pai. O homem deixara alguns bens e uma quantidade razoável de dinheiro que permitira que elas se estabelecessem por um tempo até que a mãe conseguisse um aumento razoável no emprego e ajudasse com o trabalho em uma loja de discos ali por perto. Não pagava muito, mas era o suficiente para que ela bancasse os próprios estudos de música. Enquanto a mãe estava fora, ela preparava as refeições da semana, mantendo-as em pequenas vasilhas separadas por dia para que fossem esquentadas até a próxima oportunidade de se cozinhar algo fresco. Por sorte, a geladeira era boa e o aparelho micro-ondas também.
perdeu vários amigos quando teve que abdicar de boa parte de seu tempo ao trabalho e aos estudos. Após tantos “Não posso, tenho que acordar cedo amanhã” e “Não posso, estou estudando”, os convites para sair foram diminuindo gradativamente até que só se lembrassem dela quando a pediam para tocar em algum evento da comunidade. Ela ia porque era o que amava fazer, mas sabia bem que eram todos interesseiros. Quando ela não podia mais lhes oferecer nada, eles a abandonavam mais uma vez até que precisassem de seu serviço novamente.
“O que será que eles vão pensar quando me virem na televisão?” – refletia, esperando que, como mágica, descobrisse amigos assim que sua imagem fosse a público. Afinal, sabia bem que esse era o mundo em que vivia e o mundo em que viveria.

*****


usava uma blusa listrada de gola alta com shorts vermelho acinturado que deixava as pernas longas à mostra sobre as sapatilhas pretas. O batom vermelho queimado chamava atenção para seus lábios carnudos, um tanto destoantes do rosto fino que os emoldurava. Não sabia se seria um visual adequado, mas essa era a sua imagem: vaidosa, mas sem grandes extravagâncias. Como sua mãe dizia, se não a quisessem por quem ela era, eles que estariam perdendo afinal de contas.
A jovem estava sentada sobre um caixote que servia de assento improvisado no backstage. Seus pés pendiam lá de cima, balançando enquanto ela brincava com os próprios dedos e os anéis que tinha colocado na tentativa de carregar lembranças de seu pai para o palco. Se ele estivesse vivo, com certeza estaria em pé do lado de fora da Arena Star, aguardando-a ansiosamente. Ele fazia uma falta absurda.
Poderia assegurar que nunca havia visto um ambiente tão lotado como aquele. Mesmo sabendo que havia quase reprovado em geografia na escola, chutava que a densidade demográfica da arena era superior àquela que compreendia a cidade toda. Chegava a ser um tanto sufocante para o seu nervosismo ver tantas pessoas tão diferentes de si própria. Existiam alguns grupos mistos, girlbands, boybands, cantores solistas mais velhos ou mais novos que ela, divididos por sexo e distribuídos dentre as mais variáveis áreas da música. Alguns carregavam instrumentos, outros meditavam e vários faziam aquecimentos vocais repetitivos que mais pareciam que estourariam as cordas vocais de qualquer um deles em um instante próximo. Ela continuava balançando os pés e observando, tentando pensar em algo que pudesse desviar a sua atenção.
Tomou um pequeno susto quando foi tirada de seus devaneios pela presença de alguém que havia sentado ao seu lado.
- Desculpa, não queria te assustar – o rapaz respondeu com um sorriso maravilhoso e brilhante, quase tão chamativo quanto os olhos claros realçados pela camisa azul. – Eu me chamo e você parece nervosa.
- . – Ela estendeu a mão, sorrindo da forma mais simpática que conseguiu para aquele rapaz tão bonito que fazia com que várias pessoas em volta apontassem para ele. Era como se já fosse uma celebridade antes mesmo de ser. – Estou um pouco nervosa sim.
- Tenho certeza de que se sairá incrivelmente bem. Algumas pessoas carregam o sucesso consigo, sabe? Você consegue perceber no olhar aqueles que estão realmente prontos e destinados a grandes feitos.
sabia que ele estava flertando, falando aquelas coisas motivadoras a uma garota mais nova que ele enquanto mexia no cabelo bagunçado. Ela não era inocente ao ponto de achar que ele era apenas um carinha tentando ser gentil. E aquele sorriso não era de se jogar fora.
- E você acha que eu sou uma dessas pessoas? – Ela perguntou com a sobrancelha arqueada e um sorriso de canto. Dois poderiam jogar aquele jogo.
- Com certeza. A categoria das garotas abaixo de vinte e cinco anos já tem uma representante principal. E ela é linda – retrucou de maneira sedutora, arrancando uma risada gostosa de .
- Quem disse que tenho menos de vinte e cinco?
- Eu tenho certeza disso. E estou certo.
- Está – ela concordou, rindo novamente pela presunção. – Vinte e um.
- Vinte e sete. Estamos em categorias opostas por idade e sexo. Pelo menos, assim tenho uma chance de chegar a fase de grupos sem que você me elimine.
- Achei que você fosse mais confiante, – disse ela em um tom totalmente sarcástico.
- , palco em um minuto – uma das funcionárias gritou, chamando-a.
- Boa sorte – desejou com aquele maldito sorriso de novo. – Nos vemos na casa depois que passarmos.
- Talvez não – ela respondeu, dando de ombros enquanto arrumava os cabelos.
- Pensei que fosse mais confiante, – ele a imitou, de forma desafiadora.
- Eu sou. Mas sabe como é, não? Vai que você não passa – respondeu simplesmente e saiu rindo, tendo consciência absoluta de que ele a observava enquanto se afastava.
Pelo menos aquele papo todo e aquele flerte barato haviam conseguido tranquilizá-la.
Rose, a funcionária que tinha gritado seu nome, guiou-a até a entrada do palco, entregando um microfone preto comum em suas mãos e dando as últimas coordenadas do que fazer, de até aonde ir, onde se posicionar e do tempo de palco que lhe seria permitido. conhecia muito bem todas aquelas regras, de trás para frente, da esquerda para a direita, de cima para baixo, de cor e salteado. Assentiu para a mulher, enquanto respirava profundamente, tentando controlar seu nervosismo e sua frequência cardíaca.
Ao sinal de Rose, caminhou calmamente sobre o palco, sorrindo e acenando como se fosse um dos pinguins de Madagascar. Se deixasse transparecer o que realmente estava sentindo, seria alvo de chacota ou pena e nenhuma das duas hipóteses parecia lá muito agradável.
- Oi, gatinha! – Cheryl, uma das juradas disse com um sorriso que deixava sua maquiagem ainda mais bonita. – Conta pra gente o seu nome, sua idade e quem te influenciou na música.
- Oi, pessoal – ela respondeu, recebendo gritinhos da plateia. – Eu me chamo , tenho vinte e um anos e a minha maior influência para começar a cantar foi o meu pai, que sempre esteve tocando um ukulele pela casa e cantarolando as trilhas sonoras dos filmes de princesas da Disney. Aprendi todas as letras para saltitar com ele pelo jardim. Com certeza foi isso que me fez chegar até aqui.
- Seu pai veio hoje com você? – Michael, um dos produtores, questionou.
- Infelizmente, meu pai faleceu há dois anos. Mas eu tenho certeza de que ele veio comigo hoje – respondeu sorrindo, recebendo sorrisos encorajadores e apoiadores dos jurados, que lhe deram espaço para começar sua canção.
escolhera She Used to be Mine de Sara Bareilles, uma de suas canções favoritas. Entoava cada nota com uma emoção palpável, que logo levou Cheryl às lágrimas. A voz doce da garota fluía de forma magnífica, preenchendo o ambiente como se fosse um sopro de brisa. Era impossível não se sentir tocado. Ao finalizar a última palavra, agradeceu, permitindo que as próprias lágrimas finalmente escorregassem pelas bochechas. Foi aplaudida de pé pelos cinco jurados e por milhares de pessoas totalmente desconhecidas na plateia da Arena Star.
- Você é incrível – Cheryl disse, limpando as lágrimas do rosto. – Eu nem sei o que te dizer, de verdade. A sua voz é linda, essa música é incrível e, com certeza, foi uma das apresentações mais emocionantes que eu já vi por aqui. Eu não quero nem saber o que os outros pensam, eu voto para você entrar e eu juro que caço até os confins do inferno quem for contrário a isso.
Os demais jurados riram das ameaças fervorosas de Cheryl, dando de ombros e decidindo votarem todos rapidamente pelo ‘sim’. desabou a chorar novamente, fazendo um gesto de agradecimento para os céus enquanto toda a plateia a aplaudia apaixonadamente mais uma vez.
- Bem-vinda ao Rising Star – disse , o técnico vocal. – Será um grande prazer trabalhar com um talento como o seu.

*****


Despedir-se de sua mãe não havia sido nem um pouco fácil. Mesmo que a mulher tivesse afirmado repetidamente que ficaria bem e que ela poderia ir tranquilamente, mesmo que dissesse o quanto torcia pelo sucesso da filha, continuava receosa depois de terem precisado tanto uma da outra. Não sabia como deixar a mãe. Não sabia como seria viver sem ela. Era complicado.
A viagem de mudança até a casa em que os finalistas do Rising Star se hospedariam foi longa e cansativa, sem que ela conseguisse pregar os olhos por um minuto sequer. Na última parada, ocuparam o lugar ao seu lado no ônibus e, ao ver quem era, percebeu que não faria sentido tentar dormir mais. Ele não deixaria.
- Eu disse que nos encontraríamos, não disse? – se sentou ao seu lado, afivelando o cinto.
- Vi sua apresentação. Até que você é bom – ela mentiu. Ele era absurdamente bom. Havia levado todas as mulheres do recinto à loucura com a voz rouca e o movimento de seus quadris.
- Aposto que morreu de amores por mim assim como todas as outras. Bati o recorde de visualizações no Youtube de audições do programa, sabia? Viralizei. Talvez seja um sinal da vitória.
- Mas não foi aplaudido de pé pelos cinco jurados, foi? Talvez esse, sim, seja um sinal da vitória – ela retrucou, olhando-o desafiadoramente.
- Não, não fui – concordou com um sorriso de canto. – Você com certeza vai dar trabalho na competição.
arqueou as sobrancelhas para ele.
- Talvez não só na competição – ele sussurrou em sua orelha, respirando pesadamente no pescoço da garota por tempo o suficiente para perceber que ela se arrepiara com a ação.
- Não acha que está pegando intimidade um pouco rápido demais? – disse, rindo ao se afastar do rapaz, deslocando-se para o lado da janela e sentindo seu rosto encostar levemente na cortina azul felpuda.
- Acho que depende do ponto de vista de cada um. Eu, por exemplo, acho que é apenas uma forma de me aproximar de uma garota que me interessou desde a primeira vez em que pus meus olhos nela. – Seu sorriso era sacana e apaixonante ao mesmo tempo. Dava vontade de socar aquele rosto perfeito e depois dar um beijinho para que sarasse.
- Eu, por outro lado, acho que mal te conheço. Sendo você tão bom quanto diz, creio que algo que não nos faltará durante a competição é exatamente o tão precioso tempo. Especialmente se realmente formos os finalistas.
- Se assim desejas – respondeu galante, voltando a se sentar de forma adequada em seu banco, tentando tornar a pressão sobre as próprias pernas menos incômoda. Riu. – Farei da forma que preferir, leve o tempo que for. Mas de uma coisa eu tenho certeza: até o fim do programa você corresponderá às minhas investidas.
Dito isso, virou-se para o lado do corredor, fechando os olhos em busca de um cochilo pelo resto do caminho. ainda ficou encarando-o com uma expressão desacreditada, negando-se a aceitar o que acabara de ouvir. Sua arrogância era irritante e sua prepotência a tirava do sério. Mas era incrivelmente tentador se manter naquele jogo de provocações. Alimentava seu ego, deveria admitir. Fazia bem para sua própria autoestima ter alguém interessado naquele jogo.

*****


havia acabado de sair de sua primeira sessão de técnica vocal para a primeira semana de shows ao vivo no Rising Star. tentara ensiná-lo algumas formas de respiração que auxiliariam no controle de seu diafragma, mas foi totalmente ignorado pelo cantor amador, que dizia dominar qualquer tipo de teoria que ele pudesse passar e, mesmo assim, não precisava de nenhuma delas para ser incrível como era.
era a próxima a adentrar a sessão com o jurado do reality show. O homem estava sentado ao piano, esfregando as têmporas com as pontas finas dos dedos e soltando a respiração vagarosamente pela boca. A menina se deteve na porta.
- Perdão. Não quis atrapalhar – afirmou, prestes a dar um passo para trás e sair dali o mais rápido que pudesse.
- Não atrapalha – disse, rearrumando os óculos no nariz. – A última sessão só foi um pouco mais conturbada do que devia. Mas venha, entre. Estive ansioso desde ontem por trabalhar contigo.
sorriu ao ouvir aquilo mais uma vez. Significava que, de fato, ele se lembrava dela. Se havia uma coisa que a jovem conseguira passar com a sua audição fora uma boa primeira impressão. E, talvez, a inveja de outros participantes que a enxergavam como uma ameaça. Alguns haviam inclusive insinuado que ela teria comprado o apreço dos jurados por subornos principalmente de cunho sexual. Comentários esses que foram habilmente ignorados.
- Sinto muito pela turbulência da sessão anterior – gracejou. – Prometo ser uma boa aluna.
riu, fazendo sinal para que ela se sentasse na poltrona amarela em forma de uma grande estrela.
- Fique à vontade. Preciso que esteja confortável se quiser realizar os exercícios de respiração de forma adequada. Pode colocar os pés para cima se quiser. Qualquer coisa desde que a deixe confortável. Se quiser, posso contar uma piada – brincou.
O clima ficou tão leve entre os dois que mal conseguia parar de sorrir. Parecia uma idiota, mas se sentia tão livre para ser ela mesma que estava prestes a pedir para se trancar naquela sala até o fim do programa. Com certeza era bem melhor do que voltar para a matilha de lobos selvagens que a aguardava do outro lado da porta.
- Acho que depois da adaptação conturbada dos últimos dias, uma piada até que não seria uma má ideia – admitiu.
- Droga – riu. – Ninguém nunca aceita a piada. Eu não sei qual é o próximo passo. Mentira, eu tenho uma excelente.
- Conte antes que eu mude de ideia. Pela sua reação, ela parece horrível.
- Não subestime o comediante – reclamou, apontando o dedo em sua direção, fazendo uma expressão enfezada de brincadeira. – Ok, lá vai. Por que o Napoleão sempre era chamado para as festas na França?
- Não faço ideia e tenho certeza de que vou me arrepender da resposta.
- Porque ele é “bom na party”! Entendeu? Bonaparte.
tentou conter a risada, mas não conseguiu. O que conquistou foi um engasgo esquisito que a fez rir ainda mais.
- Eu entendi – admitiu. – E, infelizmente, tenho que admitir que adorei. Droga!
riu junto, aproveitando a leveza da situação para puxar algumas notas no piano, fazendo a escala básica para que o acompanhasse vocalmente. Exatamente a melodia que ele tanto esperara ouvir.
Tocou a música que eles escolheram para a apresentação da semana, observando-a cantar com os olhos fechados, como se sentisse cada nota acertar em cheio seu âmago. Era lindo de se ver e mais belo ainda de se ouvir. Os pulsos não conseguiam se conter em seu lugar, balançando conforme as notas se tornavam mais agudas. Marcava o compasso da canção sempre com alguma parte do corpo que estivesse ao menos parcialmente livre sem que fosse incrivelmente indiscreto. Mas, com anos de experiência e uma percepção aguçadíssima, notava cada movimento dela, por mais sublime que ele fosse.
Sorriram, riram, treinaram, ensaiaram e até conseguiu tirar uma pequena cantoria de . A química entre os dois era absurda para uma relação que se criara tão rápido. estava verdadeiramente feliz e confiante de seu potencial, totalmente despreocupada.
- Obrigada – disse, ao parar na saída. – De verdade. Pode parecer besteira, mas foi importante de verdade para mim.
- Só fiz meu trabalho – respondeu, mantendo um sorriso que dizia que não havia de quê. E, ao mesmo tempo, bem baixinho, demonstrava que ele estava agradecido também.

*****


- Você não podia ter feito isso, reclamava avidamente, gesticulando de forma rápida e intensa e atraindo vários dos olhares curiosos dos outros competidores para si.
- Claro que eu podia. Inclusive, eu fiz o melhor para nós dois. Você não percebe, ? Isso vai direcionar ainda mais os olhares para nós. Todos vão prestar atenção nos rivais que encontraram o amor em um programa de competição.
- Não encontramos o amor. Você está criando uma história ridícula para aumentar nossa popularidade. Todos aqui dentro sabem que é mentira. Acha que ninguém vai desmentir essa palhaçada para a mídia? Você não é o único a pensar publicitariamente aqui dentro, sabia? Vão usar seu jogo sujo contra você mesmo.
- Não, não vão. Qual é, ? Relaxa um pouco – disse , aproximando-se da garota e massageando seus ombros com firmes movimentos circulares. – Eu acho que a mentira nem é tão grande assim.
- Fale por você. Eu estou bem sozinha.
O rapaz riu, inalando o perfume da garota facilmente pela posição em que se encontrava.
- Por favor, esquentadinha. Eu já disse várias vezes que senti uma conexão instantânea entre nós assim que te vi. Foi colocar os olhos em você e eu imediatamente soube que não a queria somente como amiga. Eu só estou te pedindo uma chance. Não quero e nem vou fazer nada que você não queira. Sai comigo essa noite.
- Você sabe que não podemos sair a um perímetro maior que o quarteirão desse exílio.
- Mas tem uma lanchonetezinha por aqui. É simples, nem um pouco luxuoso, mas podemos passar um tempo juntos para nos aproximarmos um pouco. Se for um fracasso absoluto, você pode me dar as costas e não olhar mais na minha cara pelo resto do programa.
- E se não for?
- Então talvez possamos continuar nos esforçando para trabalhar nessa relação que pode aflorar e surpreender a nós dois.
- Bom, então me surpreenda, – declarou antes de se trancar em seu quarto para fazer uma ligação via Skype para sua mãe, a única com paciência o suficiente para escutar os desabafos pela insistência daquele homem que não a deixava dormir.
É sério. Ele fazia barulho no quarto ao lado desde as cinco da manhã, em um baixo mal afinado. Ele era irritantemente incapaz de ser ignorado. E injustamente bonito.

*****


usava uma calça skinny preta de cintura alta sobre uma blusa com estampas em azul turquesa. As sapatilhas escuras a forneciam um conforto considerável, em especial por serem um pouco maiores que seus pés. Era bonita o suficiente para quem supostamente teria um encontro, mas casual o suficiente para quem o faria em uma pequena lanchonete que não recebia lá muitos fregueses abastados interessados em seus anéis de cebola gordurosos e seus grandes pratos de fritas com cheddar e bacon.
, por sua vez, parecia recém-saído de um matadouro bovino: vestido de couro dos pés à cabeça. Alegava que o material era completamente sintético, mas a garota se negava a não tratar aquele visual como um tanto exagerado. Fez até algumas piadas que o deixaram totalmente desconfortável.
Pediram os maiores lanches que o local oferecia, preparados para superar ao menos um pouco a dieta forçada que a vida em bando na casa do Rising Star os fazia enfrentar. A preguiça de cozinhar para uma matilha esfomeada de competidores também era fator crucial e decisivo para que as grandes refeições fossem cada vez mais raras.
- Eu nunca pensei que fosse dizer isso, mas eu acho que estava entrando em abstinência de bacon – foi ela, deliciada com o lanche, que deu início à conversa.
- Idem. Sempre disse à minha mãe que eu sobreviveria sem carne facilmente – comentou, dando outra mordida grande em seu hambúrguer antes de prosseguir. – Retiro o que eu disse. Admiro absurdamente quem consegue adotar uma dieta vegetariana e, principalmente, os anjos que conseguem aderir ao veganismo. Eu não consigo. Foi uma perfeita ilusão, como já dizia a grande pensadora contemporânea Lady Gaga.
riu, escondendo a boca parcialmente ocupada com um guardanapo. sorriu ao vê-la assim e se aproximou vagarosamente para limpar uma gota de molho que sujava o canto esquerdo do lábio da garota. Ela sentiu um arrepio percorrer sua espinha, como se fosse um choque elétrico que se espalhava por todo seu corpo.
- Você não faz a mínima ideia de como é linda, não é? – Perguntou, ainda tomado por aquele sorriso encantador. Por que tinha que ser tão atraente? Ela só queria aproveitar aquele cheddar derretido sobre a cebola perfeitamente caramelizada. Não era para começar a se entregar.
Mas a conversa começou a fluir. O papo passou a ficar bom e cada vez mais interessante. Uma coisa parecia puxar a outra e de hobbies, foram a interesses pessoais de cada um, até desaguarem em assuntos que diziam respeito total ao que havia de mais pessoal em um ser humano: as emoções mais íntimas. Vagaram pelo tópico familiar, pelas amizades, os antigos tempos de escola e vários dos sonhos mais bizarros ou mesmo os mais apaixonados que um dia ousaram ter. Riram muito e ofereceu um lenço e um ombro para que chorasse as saudades do pai. Ofereceria o segundo se houvesse como ela chorar em ambos.
Acabaram pedindo um milk-shake de morango médio para dividirem, apesar de terem a mais plena certeza de que seus estômagos poderiam explodir a qualquer momento, com qualquer gole. Mas o que fazer com a tentação? O que fazer com aquela lombriguinha correndo pelo sistema digestório deles e lembrando-os de que não haveria grande mordomia alimentar assim que colocassem os pés para dentro da casa Star. Já era muito terem conquistado a chance de irem ali naquela noite.
Saíram caminhando lado a lado, com o dedo mínimo de um roçando explicitamente no do outro. Mesmo que tivesse passos bem mais largos que o de , andava com tranquilidade e lentidão para se manter ao lado da moça.
Sorriam. Faziam algumas brincadeiras como se já fossem íntimos. Ela pensava como ele poderia ser tão impulsivo e sem noção em alguns momentos e tão carinhoso e afetuoso logo no instante seguinte. Eram como dois lados totalmente opostos da mesma moeda. De um lado, cara. Do outro, coroa. E os dois provavelmente sequer tinham o mesmo valor monetário. Totalmente diferentes.
As estrelas, altas, iluminavam o caminho como se piscassem para eles, jurando guardar aquela aproximação como se fosse um segredo. O céu era seu confidente silencioso e viu quando os dedos se encaixaram de vez, pouco antes de as respirações se misturarem em uma só e os lábios secos se encontrarem, compartilhando o gosto e o gelo advindo do milk-shake de morango que ainda existia ali. Calmo, profundo e bem aproveitado fora aquele beijo, como numa exploração inicial em que os novos escoteiros recebiam o mapa do tesouro. Apesar de que, essa era uma comparação completamente infantil e ridícula em relação ao que havia acabado de acontecer.
Ainda com os dedos meio enroscados, adentraram a casa. acompanhou até seu quarto, parando na porta assim que a garota entrou completamente no cômodo que lhe pertencera nos últimos tempos.
- Vou deixar você descansar e aproveitar para dormir um pouco também – ele anunciou. – Foi um longo dia, mas, para mim, valeu muito essa noite contigo. Foi, de longe, o ponto alto de toda a experiência nesse programa. Eu não trocaria esse tempo que tivemos por absolutamente nada nesse mundo.
- Eu admito que não estava muito animada com esse encontro surpresa que você inventou.
- Mas? – Perguntou, esperando que houvesse uma adversativa na sequência.
- Mas você tinha razão. Valeu a pena. Fico feliz de ter aceitado a sua proposta.
sorriu, com uma expressão que era um misto de contentamento com sua típica prepotência.
- Tenho certeza de que deveria me escutar mais vezes. Podemos fazer grandes coisas. Além de tudo, eu já posso afirmar com certeza de que a história que eu supostamente inventei para a mídia não é uma mentira. Ao menos, não para mim ou para o que eu realmente sinto.
Dito isso, foi embora sem olhar para trás. Trancou a porta do próprio quarto, deixando uma um tanto chocada para trás, tentando digerir tudo que havia acontecido e tudo o que ele havia dito. Ela parecia alta, como se estivesse sob o uso de algum entorpecente ou uma droga desconhecida. Nunca entendera bem as consequências dessas substâncias ilícitas. Mesmo assim, sabia que o que estava sentindo deveria ser minimante próximo das descrições que já vira em alguns lugares: estava leve, como se estivesse flutuando e carregava um sorriso bem tosco no rosto.
- Oh, Deus. Onde eu fui me meter?

*****


e estavam cada vez mais próximos, mas sempre fora do campo de visão dos outros. Conversavam nas arquibancadas vazias da Arena Star depois dos ensaios gerais, infiltravam-se no quarto um do outro quando a noite caía e todos já estavam no décimo sono e usavam as mensagens por celular para se comunicar no meio de todo mundo – com alguns sorrisos bem bobos para a tela.
Não estavam namorando porque em momento algum um pedido oficial aconteceu. Para ela, era uma coisa importante. Sabia que várias das suas antigas amigas simplesmente diriam que era uma frescura sem fim e que um relacionamento não precisava dessas formalidades impostas pela sociedade. No caso, ela pensava diferente. Questão de opinião e de preferências pessoais, agradecemos a consideração e o respeito.
Já estavam nas semifinais, tendo se despedido de vários competidores durante esse tempo. O processo ia se afunilando cada vez mais e a responsabilidade ia se endurecendo. cobrava cada semana mais de , dizendo que ela sempre poderia se esforçar mais e ser ainda melhor. O instrutor se divertia ao explorar todo o potencial daquela voz fantástica. Era exatamente talentos como aquele que o fizeram escolher aquela profissão que muitos consideravam tão insignificante.
- Não. Recomece – instruiu, reiniciando a melodia inicial.
- Eu fiz o que você disse! – reclamava, já revirando os olhos.
- Não está bom o suficiente. Você pode fazer melhor, já fez outras vezes. Eu não forçaria tanto se não tivesse certeza de que você pode fazer mais do que isso. Ande, . Recomece. respirou fundo, engolindo um pouco de saliva para tentar reidratar sua garganta que já começava a arranhar após tanto tempo sem um gole de água. Nem sabia porque não tinha tomado o maldito líquido mágico ainda.
Reiniciou o processo mais quatro vezes até que se satisfizesse o suficiente para liberá-la.
- Finalmente terminamos por hoje? – perguntou, tentando confirmar se poderia finalmente ter alguns minutos de liberdade para ficar em completo silêncio e tomar uns dois litros de água.
- Vocalmente, está liberada. Mas eu gostaria de trocar umas palavrinhas contigo, . Sabe, como amigo.
- Como amigo? – gracejou. – Não sabia que éramos amigos.
- Ótimo, então falo como alguém que se importa com você.
- Era só uma brincadeira. Diga o que queria, amigo .
soltou uma risada levemente anasalada.
- Os outros competidores podem se fazer de cegos o quanto quiserem. Podem até mesmo não terem percebido de verdade. Mas eu percebi. Desde o começo, eu percebi você e o se aproximando gradativamente. Eu sei que existe algo além de uma simples conveniência de colegas de trabalho. Qualquer pessoa com um par de olhos e outro de neurônios poderia perceber isso facilmente. Não tenho direito algum de te dizer o que você deve ou não fazer, mas eu posso te dar um conselho. Não acredite nele. Ele não é quem parece ser. Não é um bom homem.
- E você sabe disso por que mesmo? Viraram arqui-inimigos magicamente? Você tem algum trauma de infância que envolve algum tipo de bullying infantil?
- Sei porque já trabalhei com ele antes. E o trabalho com ele aqui dentro vem sendo absurdamente incômodo e complicado. Ele não consegue passar um minuto completo sem sair distribuindo reclamações infundadas.
- Tenho certeza de que você não o conhece, então. Não sabe do que está falando – assegurou. – Agradeço a sua preocupação, mas estou bem assim. Tenha um bom dia, .
E, assim, ela saiu pela porta da sala de forma brusca, deixando o jurado meneando a cabeça, tendo a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, ela acabaria se arrependendo de não ter ouvido aquilo de verdade. só torcia para que realmente estivesse errado. Não queria vê-la sofrer. Não conseguia imaginar o que faria com se ele machucasse . Não queria pensar nisso. Decidiu tocar qualquer coisa de Mozart. Pelo menos, ajudava a passar o tempo e parte da frustração.

*****


- Não acredito que você realmente trouxe pasta de amendoim com geleia – disse, rindo. – Que clichê. E meio infantil também, não acha?
levou a mão ao peito, fingindo-se de ofendido.
- Como ousas desprezar tamanho clássico da culinária nacional? Que ultraje!
- Bom, um piquenique não seria um piquenique se não tivesse algumas guloseimas da nossa infância, não é?
- Que infância, mulher? Eu janto isso até hoje. É a refeição de um povo.
riu alto, tentando esconder a boca no processo.
- Adoro ver você rindo – comentou, antes de roubar um selinho da garota. – Fica ainda mais linda do que já é. Cada dia que passa eu fico mais chocado com como você consegue ficar cada vez mais maravilhosa. É quase inacreditável. Mas aí eu toco seu rosto e percebo que você é real e está logo aqui na minha frente.
o beijou de maneira carinhosa, sentindo-se minimamente completa após tanto tempo. Podia ser qualquer coisa. Aquela relação poderia significar literalmente qualquer coisa, mas o fato é que parecia certo. Ela estava feliz. Estava satisfeita, mesmo que estivesse se corroendo de ansiedade pelo reality show. se tornou sua fortaleza naquele período tão novo e diferente em sua vida. Era um abraço escondido, uma mensagem de texto com um coração; atitudes pequenas que acabavam significando algo muito maior.
O rapaz despejou um pouco de suco de laranja com gomos em dois copos de plástico colorido. Parecia um néctar dos deuses após um dia cheio de ensaios.
- Eu estou tão cansada. Você não faz ideia de como as minhas pernas doem pela coreografia que o Timothy inventou para a semifinal. Ele sabe que eu detesto dançar! Mas não. Ficou insistindo para que eu arriscasse pelo menos uns passinhos e uma movimentação mais ampla de palco para compor a melodia mais agitada da música. Inclusive, essas são as palavras dele, não as minhas. Afinal, se eu quisesse dançar, tinha feito balé e não vindo cantar no Rising Star.
- Balé? Sério? – riu, abraçando os próprios joelhos após enfiar um morango na boca. – É tão clichê. Acho que eu escolheria algo mais especial. Não sei. Talvez algo com uma pegada mais latina.
- Eu faria samba. Acho o ritmo bem bonito e as cores dos eventos brasileiros também. Mas só de ver a velocidade com que aqueles saltos finos batem no chão, já me dá uma canseira que me faz querer dormir pelo resto da semana todinha. Nasci para o sedentarismo. É inevitável.
- Também gosto. Mas me dou melhor com o hip-hop, por mais que não seja meu gênero musical cantado. Infelizmente, como os dois não coincidem muito, estou sofrendo na coreografia também. E passando por um perrengue absurdo para começar a escrever a música para a grande final.
Ainda havia aquilo. Os quatro semifinalistas foram instruídos a iniciarem um processo criativo de escrita de uma música inédita que deveria ser apresentada na final por cada um dos futuros dois finalistas. Mesmo que dois deles fossem jogar o árduo trabalho no lixo após a eliminação, sabiam bem que o ditado estava certo: era melhor prevenir do que remediar. E não seria nada fácil dar conta de toda a construção da canção de última hora.
- Eu meio que já tinha uma música – confessou. – Estive trabalhando nela praticamente desde que chegamos aqui. Demorou. Precisou de umas três reescritas completas e mais um zilhão de ajustes depois. Eu tinha o sentimento, tinha o que eu queria abordar, mas não fazia ideia de como me expressar. Era como se as palavras simplesmente tivessem fugido da minha mente. Nunca me senti tão incompetente, de verdade.
- Eu não tenho nada. Mas as letras costumam fluir facilmente quando eu realmente me foco e me comprometo com isso. Do contrário, estaria começando a me preocupar com a música brilhante que você preparou para me envergonhar publicamente depois de uma vitória de lavada.
- Pare com isso. Nem é tão boa assim. – enrubesceu, sentindo as bochechas queimarem.
- Duvido que algo que tenha sido feito por você não seja perfeito. Posso ouvir?
- Quer mesmo? Não precisa, sabe? É uma baladinha tosca sobre amar alguém novo e inesperado.
- Agora que sei que sou sua fonte de inspiração, não abro mão de ouvir isso de forma alguma – disse, virando seu corpo integralmente na direção da garota.
- Quem disse que é sobre você? Não fique se achando, não. Meu eu-lírico musical não sente absolutamente nada por você.
- Sei, sim. Agora trate de cantar. riu, arremessando um morango no rosto dele. Mas cantou. Fechou os olhos e desenhou as notas de forma delicada e perfeita, como se a música fosse um fator natural daquele ambiente. A letra era linda e profunda, cheia de sentimentos e emoções que haviam sido reprimidas por tanto tempo. seria um gigantesco idiota se discordasse de alguma forma da incrível qualidade da canção.
- É maravilhosa – disse, de forma completamente verdadeira. – Você é uma cantora maravilhosa e uma compositora tão boa quanto. Incrível, simplesmente incrível. E eu sei que agora é insignificante porque não parece mais tão incrível depois dessa música linda, mas eu tenho um presente para você.
remexeu o bolso da mochila que carregava.
- Presente? Para mim? O que é?
- Abra – disse, entregando-lhe uma caixa preta, amarrada com uma fita dourada.
desfez o laço, levantando a tampa preta e encontrando um delicado anel de diamantes. Seu queixo caiu instantaneamente.
- Não é um pedido de casamento, se é o que você está pensando. Eu sei que não se faz esse tipo de coisa assim tão bruscamente. Podemos deixar essa parte mais para frente. É só um presente mesmo, para marcar o futuro brilhante que você terá. E também para lembrar um pouco do quanto eu gostaria de fazer parte dele ao seu lado.
colocou o anel no dedo, enxugando uma lágrima. segurou seu rosto, beijando-a de forma apaixonada. O ato foi prontamente correspondido, enquanto trocavam carícias e todo o desejo que mantinham um pelo outro.

*****


Como esperado, e se tornaram os grandes finalistas sob a insígnia de um relacionamento deixado no ar que enlouquecia a internet e a audiência televisiva do Rising Star. O casal havia construído uma sólida base dos chamados shippers mesmo negando que estavam juntos. Na verdade, o rapaz tinha certeza de que se contassem ao público o fervor diminuiria. A graça do relacionamento estava na eterna expectativa.
- Seguinte, se você avacalhar a minha música, eu nunca mais olho na sua cara – anunciou antes de entregar as folhas com a letra e a partitura de sua música para a final a .
O técnico analisou a letra inicialmente com as sobrancelhas franzidas. Ao reler, sorriu de forma irônica, devolvendo os papéis à garota.
- Acho que não. Essa é a música do . Ele a registrou como a música da final pela manhã. Assinou todos os papéis de registro e direitos autorais. A música é dele. Só a partitura que foi adaptada para algo como um rock mais clássico.
sentiu como se o chão tivesse sido puxado rapidamente e ela tivesse despencado em um buraco sem fundo. A queda a sugava para baixo sem nunca encontrar um fim.
- Só pode ser um engano. Eu passei as últimas semanas escrevendo isso. É a minha letra. Você está fazendo uma brincadeira comigo e saiba que é uma de muito mau gosto.
meneou a cabeça.
- Também gostaria que fosse uma brincadeira. Você mostrou a música para ele?
poderia jurar que havia acabado de sentir uma faca apunhalando seu coração sem piedade alguma.
- Mostrei. Ele pediu para ouvir – admitiu com a voz embargada pelo ódio e pela decepção. Estava decepcionada com ele por enganá-la e ainda mais decepcionada consigo própria por se deixar levar por aquela lábia dele.
- Eu sinto muito por não ter te avisado sobre isso. Ele já havia roubado as ideias de palco e os dançarinos de outra competidora. Queria acreditar que ele não teria coragem de fazer o mesmo a você.
- Bom, agora você pode dizer que me avisou – riu, de maneira totalmente magoada.
- O que eu ganho com isso? Deixar você pior do que já está? Não preciso disso. Nem você precisa. Eu realmente sinto muito que você tenha caído no jogo sujo do .
- É, eu também estou sentindo muito. Só de pensar em tudo que eu compartilhei com ele. Todos os meus sentimentos e segredos mais íntimos foram totalmente expostos a ele. E para quê? Para que ele me apunhalasse pelas costas e roubasse a maior chance que eu tive e terei na minha vida toda. Ele até me deu essa porcaria de anel – gritou, arremessando o maldito objeto sobre o piano de . – Droga. Como eu pude ser tão ingênua? Tão idiota?
- Nosso coração se engana às vezes – o homem disse, apiedando-se de fato pela posição que agora ela teria que enfrentar. – Infelizmente, em algumas delas, esse engano acaba da pior forma possível. Mas podemos tentar entrar com algum recurso contra a entrada dessa música.
- Não – respondeu. – Se é esse o jogo que ele quer jogar, eu posso fazer o mesmo. Deixe que ele fique com a música. Eu vou escrever outra. O público se acostumou com a romântica. Agora, eles vão ver o outro lado dessa porcaria toda.
- Então, vamos começar – concordou, com um sorriso que logo foi correspondido pela moça.
não perdia por esperar.

*****


Os dois finalistas já haviam se apresentado com dois covers, deixando as músicas originais para o grande final do programa, um encerramento com chave de ouro.
e se encontraram nas coxias. O rapaz mantinha um semblante de superioridade no rosto, contando a competição como ganha.
- Boa sorte, lindinha – sibilou antes de entrar para cantar a música dela. – Só é meio triste que você se apresente para eles como uma copiadora de araque.
- Não sou eu quem vai precisar de sorte. Mas agradeço seus votos – respondeu, com o sorriso mais puro do universo.
foi ovacionado assim que entrou no palco. As adolescentes já se encontravam em prantos, gritando pelo nome dele enquanto recebiam acenos e beijos jogados pelo competidor.
- Se elas soubessem o grande filho da puta que você é, estariam te vaiando agora – sussurrou, observando sua música ser roubada sem nenhum pudor. Era a coisa mais ridícula que já vira na vida. – A música nem faz o seu estilo, por que precisava ser tão baixo? Poderia ter feito melhor.
Ao fim da apresentação, os jurados concordavam com a moça. Todos disseram que a música era maravilhosa e de uma beleza incrível, mas não combinava totalmente com o que todos adoravam.
Contrariado, o rapaz saiu do palco, esbarrando com força em , que ria abertamente.
- Não comece a se vangloriar – avisou. – Você não tem nada inédito para mostrar a eles. Qualquer porcaria que eu fizesse ainda seria infinitamente melhor do que o que você faz. Você nem deveria estar aqui. É ridícula. Você está aqui por pena de todo mundo pelo falecimento do seu pai, não por talento.
- Eu caguei para o que você pensa – cuspiu as palavras. – Dane-se a sua petulância. Você se acha tão incrível, mas precisa que os outros façam o trabalho para você roubar já que é totalmente incapaz de criar qualquer coisa decente. Você é um lixo, . Eu sou muito melhor do que você. Qualquer um é.
- Você vai quebrar a sua cara naquele palco – respondeu ríspido.
- Não, meu anjo. Eu vou quebrar a sua cara naquele palco – retrucou, sorrindo e recebeu os aplausos da plateia ao se posicionar em frente ao microfone da Arena Star.
- Conte um pouco sobre a sua música – pediu, sorrindo confidente para ela.
- Minha música é em homenagem a uma pessoa muito especial que ficou ao meu lado durante todo esse programa. Ela diz tudo o que eu senti após os acontecimentos dessa última semana. Significa muito para mim e diz muito sobre nós dois. Espero que gostem.
A plateia foi à loucura, gritando o nome do shipp deles. “Eles não fazem ideia do que vem agora” - pensava a cantora. E era verdade. Com os primeiros acordes, ela começou a cantar.

Days like this I want to drive away
(Em dias como esse, eu quero fugir)
Pack my bags and watch your shadow fade
(Fazer minhas malas e assistir à sua sombra sumir)
You chewed me up and spit me out
(Você me usou e me descartou)
Like I was poison in your mouth
(Como se eu fosse veneno na sua boca)
You took my light, you drained me down
(Você tomou a minha luz e me deixou vazia)
But that was then and this is now
(Mas aquilo é passado e isso é agora)
Now look at me
(Agora olhe para mim)

Nesse momento, cantou diretamente para ele, como se jogasse em sua cara tudo que estava entalado há tanto tempo.

This is the part of me
(Essa é a parte de mim)
That you're never gonna ever take away from me, no (Que você nunca arrancará de mim)
This is the part of me
(Essa é a parte de mim)
That you're never gonna ever take away from me, no
(Que você nunca arrancará de mim)
Throw your sticks and your stones
(Jogue seus paus e suas pedras)
Throw your bombs and your blows
(Jogue suas bombas e seus golpes)
But you're not gonna break my soul
(Mas você nunca vai destruir minha alma)
This is the part of me
(Essa é a parte de mim)
That you're never gonna ever take away from me, no
(Que você nunca arrancará de mim)

A plateia e os jurados estavam totalmente boquiabertos conforme entendiam o que havia acontecido. sorria, encorajando-a a continuar.

I just wanna throw my phone away
(Eu só quero jogar o meu telephone fora)
Find out who is really there for me
(Descobrir quem realmente está lá para me apoiar)
You ripped me off, your love was cheap
(Você me roubou, seu amor era barato)
Was always tearing at the seams
(Estava sempre rasgando)
I fell deep and you let me down
(Caí profundamente e você me decepcionou)
But that was then and this is now
(Mas aquilo foi antes e isso é agora)
Now look at me
(Agora olhe para mim)

reiniciou o refrão, sendo acompanhada agora pelas palmas ritmadas da plateia em êxtase.

Now look at me, I'm sparkling
(Agora olhe para mim, eu estou brilhando)
A firework, a dancing flame
(Um fogo de artifício, uma chama dançante)
You won't ever put me out again
(Você nunca me apagará novamente)
I'm glowing, oh whoa
(Eu estou brilhando)
So you can keep the diamond ring
(Então você pode ficar com o anel de diamantes)
It don't mean nothing anyway
(Não significa nada de qualquer forma)
In fact you can keep everything (Na verdade, você pode ficar com qualquer coisa)
Yeah, yeah
Except for me
(Exceto por mim)

estava espumando de ódio pela coxia quando ela reiniciou o refrão com alguns membros da plateia já cantarolando junto a ela. Odiou mais ainda o fato de ela ter sido aplaudida de pé por todos os presentes na Arena Star. Detestava, principalmente, saber que acabara de ser alvo de deboche por espectadores do mundo todo. Aquele sucesso era à custa de sua própria tentativa de obter sucesso pisando sobre as cabeças dos outros. Ela, de fato, conseguira quebrar a cara dele naquele palco.
caminhou com um sorriso enorme no rosto até a coxia.
- Eu falei sério. Pode ficar com esse seu anel idiota – jogou o objeto no peito dele e saiu andando para se preparar para o anúncio da final que viria no dia seguinte após a votação de todo o público norte-americano. E era óbvio que eles já tinham uma favorita.

*****


Os jornais e tabloides não haviam poupado xingamentos e suposições em relação à burrada que tinha feito para partir o coração da mais nova queridinha da América.
Por isso, não foi surpresa alguma quando o anúncio da vitória de como Rising Star fosse por uma votação em que mais de 80% dos votos foram direcionados a ela.
escapou do palco de mansinho, antes de lançar de vez “Part of Me” como single original, tendo uma base sólida de fãs que a lançaram no Top 10 dos Charts Globais em sua semana de debut.
se candidatou para ser seu produtor e técnico vocal, se oferecendo para a possibilidade também de um cargo a mais. Mas essa já é outra história...




FIM



Nota da autora: Por que meu vício por ficstapes? Não sei. LOOK WHAT YOU MADE ME DO FFOBS
Espero que tenham gostado da história e, por favor, digam o que acharam aqui nos comentários.
Para mais informações sobre minhas histórias, entrem no grupo.






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06. If I Could Fly
08. No Goodbyes
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13. See Me Now
4th of the July
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