Notas Inicias
Joesonghabnida: modo formal (respeitoso) de um pedido de desculpa.
Annyeonghaseyo: modo formal de cumprimento (olá).
Annyeong: modo informal de cumprimento (oi).
Mianhae: modo informal (casual) de um pedido de desculpa.
Jalgaseyo: modo informal (casual) de despedida (até mais).
Kajja: maneira informal de falar "vamos".
Gomawo: modo informal de agradecimento.
Johahae: significa "gosto de você”.
Oppa: forma íntima de tratamento de mulheres para homens mais velhos (melhores amigos, amigos, namorados e irmãos).
Nonna: forma íntima de tratamento de homens para mulheres pouco mais velhas (melhores amigas, amigas, namoradas e irmãs).
Hyung: forma íntima de tratamento entre homens, do mais novo para o mais velho.
Maknae: significa o mais novo em um grupo coreano.
Hangul: alfabeto coreano
Torre jenga: é um jogo de habilidade física, no qual os jogadores se revezam para remover blocos de uma torre, equilibrando-os em cima, criando uma estrutura cada vez maior e mais instável à medida que o jogo progride
Latte: é uma bebida de café expresso com uma quantidade generosa de espuma de leite no topo.
Topokki: tradicional bolinho de arroz; é uma típica comida de rua da Coréia do Sul. Consiste em um bolinho à base de arroz, temperado com a pasta de pimenta mais tradicional da Coréia.
Hotteok: panquecas doces com recheio de calda de açúcar mascavo e nozes.
Soju: é uma bebida destilada transparente de origem coreana.
Gimbap: é um prato coreano feito de arroz cozido e outros ingredientes, que são enrolados em folhas secas de algas e servidos em fatias pequenas.
Capítulo Único
That’s my Ego
— Com licença. – falei em inglês com uma senhora que estava a minha frente. Percebi que ela não tinha me entendido, então repeti a frase em coreano. – Com licença. – ela sorriu, assentindo e me dando passagem para passar.
Me aproximei da esteira de bagagens do aeroporto, esperando que minhas malas aparecessem. A primeira surgiu no meu campo de visão e logo me preparei para pegá-la. Tive grandes dificuldades ao tirá-la da esteira, quase caí para trás com o peso. E ela ainda estava mais leve do que a outra!
Percebi mais algumas pessoas preenchendo aquela sala de desembarque. Logo, minha segunda mala já aparecia no meu campo de visão. Me preparei para pegá-la e tentar ao máximo não cair para trás.
Foi uma tentativa em vão. Em questão de segundos. Em um segundo, eu estava tentando pegar minha mala e no outro eu estava estirada no chão com ela caída ao meu lado. Não havia sido tão doloroso, parecia que algo havia amortecido minha queda.
Ou alguém.
— Ai... — ouvi o resmungo vindo debaixo de mim. Arregalei os olhos, assustada ao ouvir algumas frases em coreano resmungadas, informando que aquela pessoa estava com dor.
— Ai, meu Deus! — gritei em português. Tentei me levantar rapidamente, mas minha posição não estava facilitando a situação.
Eu me sentia uma tartaruga colocada de casco para baixo. Em um momento, vi alguns homens vestidos de preto se aproximando, um deles me estendeu a mão. O ambiente se encheu com algumas risadas. Alguns homens com máscaras vieram em direção à pessoa que eu havia derrubado e só então reparei que era um homem também.
— Hyung! Você só se mete em enrascadas! — um dos rapazes que se aproximaram disse em coreano enquanto tentava ajudar o que estava no chão. Eu até havia entendido a frase por inteiro, mas era como se ela tivesse primeiro que passar por um tradutor em minha mente. De longe, eu precisava treinar meu coreano.
Assustada, me afastei um pouco.
— Joesonghabnida. — tentei me desculpar em coreano, me curvei quase que 360° graus, desesperada para que não me levassem para uma delegacia por tentativa de agressão ou seja lá o que for.
— Tudo bem! Tudo bem! – o rapaz que eu derrubei falava em coreano, fazendo sinais com a mão de que estava, sim, tudo bem.
Suspirei aliviada, porém, continuei curvada até perceber que ele havia se afastado. Eu precisava demonstrar respeito. Quando me levantei, percebi que algumas pessoas me observavam, algumas até riam discretamente.
Mas é claro, Isadora, você precisava pagar um grande mico no momento em que pisasse na Coréia do Sul, não é mesmo?! Afinal, se não fizesse isso, essa não seria você!
Praguejei mentalmente, enquanto colocava minhas malas em um carrinho e caminhava para fora da sala de desembarque.
No momento em que as portas de vidro se abriram, uma onda sonora me invadiu. Vários e vários gritos de euforia! Aquele aeroporto estava lotado de adolescentes, algumas até estavam com seus uniformes do colegial.
Deduzi que, provavelmente, algum astro passaria por aquele aeroporto, pois nada mais arrastaria uma multidão como aquela.
Segui para fora do aeroporto. Logo tratei de ir atrás de um táxi, para que pudesse ir logo ao lugar em que eu havia conseguido abrigo.
Me comuniquei com o taxista em inglês, era muito mais cômodo para mim, afinal, eu ainda tinha bastante dificuldades com o coreano.
No caminho, dentro do táxi, algumas memórias vinham a minha mente, do motivo pelo qual eu havia ido parar no outro lado do mundo. Em um lugar totalmente improvável para mim.
Lembrei o porquê que me fez tomar decisões tão drásticas na minha vida. Lembrei da antiga Isadora, aquela que eu havia decidido deixar para trás no momento em que pisasse na Coréia do Sul.
...Eu volto todo dia para o eu de ontem, para aquela vida de desistir.
Eu me deixo levar, mas, nesse mundo, sabe, há verdades que não mudam.
O tempo corre para frente, não há se, mas ou talvez…
Falando assim, pode até parecer que matei alguém, ou que fui uma Serena Van de Woodson de Gossip Girl da vida.
Mas não! Eu apenas fui inocente demais para tudo e todos, fui sincera demais. Intensa demais. Verdadeira demais. Pessoas assim não sobrevivem nesse mundo egoísta.
Por ser assim, fui quebrada, humilhada. Totalmente derrotada.
Viver em meu país nativo não era mais uma opção para mim. Se eu continuasse vivendo naquela cidade, naquele país, não sei se conseguiria me manter viva. A minha esperança estava nessa nova chance de recomeçar a vida, em um lugar totalmente diferente.
Eu poderia ter tomado uma decisão péssima. E, por isso, lutar por uma bolsa de estudos em outro país e decidir mudar totalmente foi a única opção que me deu esperança de vida.
Eu seria uma nova Isadora, e ninguém nesse país ouviria falar e nem imaginaria quem era a antiga Isadora.
No Brasil, meu país de origem, eu já havia terminado o curso de Literatura Brasileira. Entretanto, tinha interesse em aprender novos idiomas para dar início a minha carreira literária. Meu objetivo era aprender o máximo possível do universo literário em todo o mundo. Eu poderia primeiramente ter ido aos Estados Unidos ou a Londres e aprender sobre a Literatura Inglesa, mas eu queria estar o mais longe possível de tudo e todos da minha antiga vida.
Com 24 anos, eu estava disposta a arriscar uma nova vida em, praticamente, um novo mundo.
Decidi que a Coréia do Sul seria o meu destino, pois aquele país estava crescendo cada vez mais em sua economia e era muito bem-conceituado no que diz respeito à educação. E, como uma boa amante de novelas coreanas, me tornar roteirista era um sonho a ser realizado nessa nova vida.
Passei alguns meses pesquisando as possibilidades de conquistar uma bolsa de estudos na área de idiomas e literatura local. Encontrei uma escola especialista na área de linguagens e que ofertava bolsas de estudos exatamente na área que eu precisava.
Depois disso, as minhas únicas questões eram: conseguir um abrigo e um emprego que me permitisse conciliar com os estudos.
Dois anos de planejamento se passaram e eu me sentia a ponto de ter um colapso mental e emocional. Eu não suportava mais o fato de estar de baixo do mesmo céu que todas as pessoas que me humilharam e me massacraram.
Meus pais não concordavam com minha decisão. Entretanto, eles não podiam intervir, afinal, eu já era dona de mim.
Fiquei presa em meus devaneios e nem ao menos percebi quando o taxi estacionou em frente à escadaria a qual dava destino ao hostel no qual eu havia conseguido abrigo.
A estrutura do local chamou minha atenção logo na primeira vez que o vi em minhas pesquisas. Era um prédio com pequenos apartamentos, um quarto de cinco metros quadrados e um banheiro individual. Dessa forma, era privativo, como se tivesse meu próprio apartamento, e o melhor: era todo mobiliado.
Ofereci um cachê ao taxista para que me ajudasse a levar a bagagem até a portaria do hostel e assim ele fez.
Entrei no prédio e logo avistei um rapaz, que aparentava estar nos seus vinte e cinco anos de idade, cuidando da recepção.
—- Annyeonghaseyo! – o cumprimentei em coreano. O rapaz me olhou com um sorriso receptivo. Informei a ele sobre a minha reserva.
O recepcionista me pediu um documento que comprovasse o meu visto de estudante. Afinal, para aceitarem um estrangeiro hospedado por mais de um ano, era preciso que se comprovasse ao estabelecimento e ao governo que não era o caso de uma imigrante clandestina. Apresentei a ele toda a documentação necessária e, logo depois de finalizar meu check-in, o rapaz me ajudou a levar minha bagagem para meu pequeno apartamentinho.
Era domingo. Eu havia antecipado a minha viagem para duas semanas antes ao início das aulas, para que eu pudesse me acostumar com Seul, minha nova cidade.
Minha bolsa de estudos era apenas de um ano e meio. Entretanto, eu tinha o objetivo de conseguir qualquer outro meio de estabelecer cidadania naquele país; talvez buscasse por mais bolsas de estudos ou conseguisse um emprego fixo em uma empresa grande e renomada. Quem sabe até mesmo não conseguisse realizar o meu sonho de ser roteirista de novelas coreanas, não é mesmo?! Meu objetivo era fixar morada naquele país. Viver para sempre longe de todo o mal que vivi no Brasil nos últimos oito anos da minha vida.
Seul era a capital da Coréia do Sul, as maiores e melhores empresas estavam localizadas nela. Infelizmente eu não havia conseguido um emprego grande, nem mesmo que estivesse envolvido na minha área de conhecimento. Porém, era em uma grande corporação. Tudo bem que eu trabalharia na cafeteria daquela grande empresa, ainda assim, o salário era ótimo e me dava garantia de pagar o aluguel e me alimentar decentemente em um país tão diferente do meu.
Como eu havia conseguido todas essas oportunidades facilmente?! Com um grande impulso dos coordenadores da escola que me ofertara a bolsa. Eles disponibilizavam para todos os bolsistas uma lista de possíveis locações e possíveis locais de trabalho.
E foi dessa forma em que eu, Isadora, uma garota brasileira de vinte e quatro anos, vim parar na Coréia do Sul.
Tomei um banho rápido para me livrar do cansaço da viagem de quase quarenta horas. Logo me preparei para caminhar pela cidade, eu precisava conhecer os caminhos pelos quais eu passaria a partir de agora.
Decidi que seria interessante conhecer o caminho que me levaria para o lugar no qual eu iria trabalhar. Antes de ir ao ponto de ônibus passei por uma loja de conveniências para comprar um cartão de passe.
Eu precisava me adaptar àquela cidade e aparentemente não seria tão complicado.
O clima estava quente, afinal, estávamos chegando ao final do verão, o ar estava seco e os noticiários já haviam anunciado que o nível de poeira fina estava alto naquele dia e, por isso, era recomendável que usássemos máscaras. Confesso que nos primeiros minutos me senti totalmente desconfortável com aquele pedaço de pano no rosto.
Enquanto o ônibus andava pela cidade, eu observava o caminho pela janela. As ruas estavam cheias e era possível observar que algumas famílias estavam caminhando, curtindo o dia de folga juntos.
...Memórias quase esquecidas retornam.
Um toque demoníaco, recordação do destino…
Observar essas famílias me fez lembrar da minha. Eles não eram de todo ruim, e minha mãe havia chorado muito quando me viu entrando pelo portão de embarque. Eu sabia que eles fariam falta, principalmente a minha irmã mais nova, que ainda era uma criança de cinco anos.
Mas eu precisava dessa mudança. Era algo pelo qual a minha alma estava clamando há muito tempo.
Antes de tomar minha decisão, eu havia sido diagnosticada com princípio de depressão e isso ocorreu quando me peguei tentando tirar minha própria vida, por não aguentar mais respirar o mesmo oxigênio ao que as pessoas que me magoaram respiravam.
A minha história é um tanto quanto tóxica e não vale a pena ser contada aos detalhes. Entretanto, o que me levou a querer tirar minha própria vida foram as consequências que vieram junto com as ações das pessoas as quais eu mais confiava. Me traíram.
Por fim, foi assim que vim parar aqui.
O GPS do meu celular anunciou que a próxima parada seria a minha e logo me levantei, preparando-me para descer do ônibus.
Cheguei em frente à empresa na qual eu começaria a trabalhar daqui duas semanas. “Big Hit” era o que estava escrito na imensa estrutura de metal posicionada logo em frente ao prédio. Olhei atentamente para a sua estrutura de vidros espelhados. Aquele prédio tinha, no mínimo, uns vinte e cinco andares, era imenso.
Um calor subiu pelas minhas mãos com a ansiedade de começar minha nova vida naquele lugar.
Resolvi entrar no local, a cafeteria onde eu trabalharia era de livre acesso a qualquer um e por isso foi fácil ir até lá.
— Um americano gelado, por favor. – pedi um café para a atendente e observei todos os passos dela no atendimento, para que eu pudesse realizá-los com decência daqui alguns dias.
Ela me mostrou um grande sorriso de agradecimento ao me entregar o meu café e eu logo tratei de me sentar em alguma mesa vazia que estivesse ali.
...Eu ainda me pergunto, por que me chamaram novamente?
Todo dia me perguntam, adivinham, ignoram, repetem, oh
Nada que vá mudar, então eu prendo isso de novo, fecho
Quanto amor? Quanta alegria?
Me acalmo e fico tranquilo, sozinho…
Sentei próxima à imensa parede de vidro. Não havia nada de inovador, apenas alguns objetos e algumas plantas de decoração e a visão para a rua. Porém, ao imaginar que teria essa visão todos os dias durante o trabalho, eu sentia uma pequena paz tomar meu coração.
Pude ouvir o barulho de algumas pessoas chegando na cafeteria e se sentando em uma mesa grande que havia ali.
Eram alguns rapazes, todos muito bonitos por sinal. Enquanto a maioria deles se sentava, um havia ficado em pé, provavelmente encarregado de fazer os pedidos, afinal, pude ouvir o que os outros pediam para ele.
Ele era bem sério e parecia ser o mais velho de todos eles.
Algumas pessoas lançavam olhares para a mesa daqueles garotos e eles não ficavam desconfortáveis com aquilo tudo.
Olhei para o balcão da cafeteria, observando alguns pedaços de torta que me chamaram a atenção. Decidi que pediria alguns deles para comer ali e aproveitar mais o tempo observando a rua.
Me levantei, seguindo em direção ao balcão.
— Ho Seok, eu quero rosquinhas por favor! – me distraí ao ouvir um dos garotos gritar e desviei meu olhar para a mesa deles.
Senti um impacto contra o meu corpo. E, antes mesmo de virar para frente, eu já havia imaginado a bagunça que eu havia arrumado.
Aquele rapaz sério estava parado na minha frente, olhando para a bandeja em sua mão e para os copos de suco e cafés gelados todos derrubados em cima dela.
Olhei para ele e seu rosto demonstrava confusão. Foi quando parei e observei que, ao virar o rosto, eu havia esbarrado nele e derrubado todos os seus pedidos.
Parabéns, Isadora! Esse era o segundo desastre que você causava em menos de vinte e quatro horas. Talvez algumas coisas não seriam capazes de se deixar para trás, não é mesmo?! Como minha personalidade desastrada.
— Eu não acredito! – ouvi uma voz irritada gritando e foi o que me fez sair dos meus devaneios.
Assustada com a expressão de raiva no rosto do rapaz a minha frente, me afastei um pouco, observando o estrago que eu havia feito nas nossas roupas também.
— Joesonghabnida! Joesonghabnida! – supliquei por desculpas enquanto me curvava, mais uma vez temendo que me deportassem do país.
Os outros rapazes vieram em nossa direção e um deles tomou a bandeja da mão do outro.
— Hyung! Você está bem?! – um deles perguntou ao amigo, ao ouvir sua voz tive um pequeno vislumbre do ocorrido no aeroporto. – Moça, você está bem?! – ele perguntou, me olhando curioso, eu estava estática e sem saber como reagir.
Talvez a única coisa que eu poderia fazer naquele momento era oferecer de pagar pelo prejuízo.
— Ah sim, estou bem! Nossa! Eu sou uma estabanada, me desculpem. – eu me embolava entre o inglês e o coreano, ainda desnorteada com a situação. – Eu irei arcar com o prejuízo, me perdoem, de verdade.
Caminhei apressadamente para o balcão e pedi para que a atendente refizesse o pedido de todos eles.
Senti uma mão tocar meu ombro. Me virei, assustada, eu ainda estava com medo de ser denunciada e deportada por qualquer respiração mal realizada naquele país. O rapaz no qual eu havia esbarrado, com a roupa toda suja de suco, me olhava atentamente.
— Não se preocupe, foi um acidente. Não precisamos que você pague. – ele estava sério e, enquanto eu o olhava sem saber o que dizer, ele estendia um cartão para a moça da cafeteria.
— Não! – falei um pouco mais alto segurando o braço dele, percebi o espanto no seu olhar. – Eu preciso pagar, eles foram derrubados por minha culpa!
Ele negou com a cabeça e entregou o cartão à atendente.
— Não, senhorita, foi um acidente. – ele disse mais uma vez, sério, logo depois alcançou o porta guardanapos no balcão e estendeu para mim. – Você precisará disso.
Eu já não sabia o que dizer, por isso, aceitei o objeto, indo para a minha mesa e me limpando.
Terminei de me ajeitar e de tomar o meu café. Os meninos ainda estavam sentados à mesa, agora comendo seus lanches e rindo de algo que conversavam.
Eu ainda estava com vergonha sobre o ocorrido. Me levantei, indo em direção a mesa deles.
— Joesonghabnida! – me curvei desculpando-me novamente. – Eu realmente sinto muito mesmo, sou muito desastrada, me desculpem.
Os meninos assentiram, alguns soltaram algumas frases como “tudo bem” “isso acontece” “o Hyung também não é santo”.
Ainda um pouco envergonhada, saí dali desejando nunca mais encontrá-los, a fim de não passar mais nenhuma vergonha.
Tratei logo de sair daquele prédio e caminhar pela região. Peguei um ônibus para o rio Han, pois queria observá-lo e caminhar p orla.
Caminhei por ali até anoitecer. Mais precisamente, até ouvir meu estômago chamar por atenção. Eu estava com fome, afinal, eu não havia comido o pedaço de torta que eu queria!
Decidi ir em uma das barraquinhas que estavam ali. Eu estava ansiosa para provar as comidas verdadeiramente coreanas. Hotteok foi a primeira coisa que eu comprei, aquela panqueca doce recheada com creme de nozes, maravilhosa!
Caminhei um pouco mais e fui em direção à barraquinha de toppoki. Solicitei à senhora que preparava a comida que colocasse pouca pimenta no meu molho. Afinal, eu não aguentava o nível picante que os coreanos aguentavam. Fiz um pedido para viagem e segui para o ponto de ônibus, com a intenção de voltar para o hostel e descansar um pouco daquele dia totalmente agitado.
Já se passavam das dez horas da noite quando cheguei ao hostel.
Os dias se passaram e tudo que fiz foi: andar pelo meu novo bairro e estudar minha pronúncia do coreano.
...É, eu não ligo, é tudo meu.
Escolhas pelo meu destino, então estamos aqui
Olhe para frente, o caminho está brilhando.
Continue agora
(Pronto, prepare e comece) …
Quando percebi, eu já estava me preparando para dormir cedo pois no dia seguinte minha nova rotina começaria.
Acordei com o barulho do despertador. Me arrumei e preparei um lanche rápido como café da manhã. Corri para o ponto de ônibus a fim de chegar mais cedo no trabalho para poder aprender minhas funções.
Logo, eu já estava no ônibus a caminho do meu novo emprego. Pude observar alguns adolescentes no ônibus com seus uniformes escolares, afinal, hoje também se iniciava o primeiro semestre do ano letivo. Inclusive, minhas aulas também começavam hoje. Eu teria que correr, logo após do meu expediente para chegar a tempo na aula. A sorte era que o prédio da escola era próximo ao prédio da empresa a qual eu estaria trabalhando. Sendo assim, eu nem precisaria pegar outro ônibus, o que me fazia economizar o dinheiro da tarifa. Até porque, por mais que eu estivesse trabalhando não era o melhor emprego de todos. Eu precisava economizar.
O prédio ainda estava fechado para o público, por isso era necessário que eu passasse pela entrada de funcionários.
Enquanto passava pelo hall de entrada, pude observar melhor o local. Era uma empresa de agenciamento ao entretenimento. Vi um cartaz imenso com um grupo de garotos, parei para observá-lo e então percebi. Aqueles eram os garotos daquele dia! E lá estava ele, o rapaz sério que eu havia derramado café. No cartaz, ele estava diferente, não estava tão sério e sua expressão era um tanto quanto divertida. Foi então que percebi que eles faziam parte de um grupo agenciado por aquela empresa.
Foi só então que percebi que nem ao menos havia pesquisado sobre quais serviços a empresa a qual eu iria trabalhar prestavam. Eu apenas sabia que era uma grande corporação do ramo de entretenimento.
Enquanto caminhava em direção a cafeteria, organizei meus pensamentos decidida a pesquisar mais sobre a empresa a qual eu trabalharia. Até porque, isso era o mais sensato a se fazer não é mesmo?!
Eu estava tão empolgada com o fato que realizaria meu sonho estudando em um outro país, vivendo uma nova vida, que nem ao menos me dei conta de que deveria saber onde estava me metendo.
Ao me aproximar da cafeteria, pude observar uma moça limpando as mesas. Me apressei para falar com ela.
— Annyeonghaseyo! – a cumprimentei, sorridente, ela me retribuiu o sorriso gentilmente. – Meu nome é Isadora! Muito prazer, começo a trabalhar meio período hoje na cafeteria!
— Ah, é você a estrangeira sortuda! – ela brincou. – Eu sou a Park Ji Ah, vou te orientar hoje, meu turno será sempre depois do seu!
— Kamsahabnida. – agradeci formalmente.
— Você pode falar casualmente comigo, seremos colegas de trabalho!
Sorri aliviada, era muito complicado manter um diálogo formal.
— Inclusive, Isadora?! – ela me olhou um pouco pensativa. – Precisamos colocar um nome coreano no seu crachá, você não tem?!
Neguei, envergonhada. Eu queria receber o nome coreano de algum nativo e não criar um nome qualquer. Eu até havia pensado em pegar algum nome com o mesmo significado que o meu, mas não teria a mesma graça do que ser “batizada” por um coreano.
— Eu esperava conhecer alguém para me dar um nome coreano.
Ela sorriu, assentindo, enquanto colocava um dedo no queixo e me encarava pensativa. Provavelmente ela estava pensando em algum nome que combinasse comigo.
— Vou pelo método mais prático, tudo bem?! – sorri concordando. – Lee Bo Ra! Tem o som parecido com o seu nome, além de combinar com você.
Lee Bo Ra.
Repeti mentalmente, gostando da sonoridade daquele nome.
Assenti, empolgada, concordando com o nome que ela havia me dado. Então, logo ela gravou a escrita em um crachá.
Ji Ah me entregou um conjunto de roupas para usar como uniforme e me mostrou onde estavam localizados os vestiários.
Ela me explicou que eu havia tido sorte por estar trabalhando ali. Eles só contratavam nativos, porém, aceitaram o pedido da escola an qual eu estava realizando o intercâmbio. E era por isso que ela havia dito que eu era sortuda.
Ela também contou um pouco sobre a fama de empresa e como o grupo de K-pop principal deles fazia sucesso. Ela também explicou que todos os artistas agenciados àquela empresa passavam por ali todos os dias e na maioria das vezes lanchavam juntos na cafeteria ou pediam comida e nós éramos responsáveis por recebê-las e entregá-las. Os entregadores não tinham acesso ao interior da empresa, apenas funcionários da própria Big Hit.
Ela contou que na cafeteria trabalhavam três moças acima dos vinte e dois anos, pois a probabilidade de serem fãs dos grupos era bem pouca, afinal, os grupos faziam sucesso entre adolescentes.
Ao sairmos do vestiário, fomos para a cafeteria e ela me explicou como funcionava todo o atendimento e como deveríamos agir quando precisávamos levar as entregas de comidas para os outros. Havia uma plaquinha em que estava escrito “volto em breve”, era necessário usá-la. Além de que não poderíamos demorar mais de dez minutos nessa corrida.
Tive a sorte em ter todos os produtos servidos pela cafeteria escritos tanto em inglês quanto em coreano no cardápio, e por esse fato era mais fácil compreender. Ji Ah disse também que na maioria das vezes as pessoas pedem por número do produto, pois o público maior da cafeteria são os próprios funcionários da empresa que já estão acostumados ao cardápio.
— Nesse mês, farei hora extra para te ajudar e te ensinar todo o serviço! – ela falou enquanto ligava o computador para dar início ao atendimento. – Todos os dias, às oito horas em ponto, você precisa iniciar a máquina.
Eu observava tudo atentamente, torcendo que não deixasse nenhuma de suas explicações passarem desapercebido.
— A propósito... Nós já nos vimos antes?! Seu rosto não me é estranho! — tremi ao imaginar que ela me reconheceria do dia em que causei um fuzuê em frente aquele balcão.
— Não! É a minha primeira vez aqui, acho que nunca nos vimos! — menti, eu realmente queria apagar aquele ocorrido do meu dia.
Ela apenas assentiu dando de ombros.
A manhã foi tranquila, exceto pelo fato de ter várias adolescentes do lado de fora do prédio. O BTS estava ensaiando na empresa e por isso elas queriam vê-los e ficaram ali o dia todo.
Em dias assim, o cuidado com a segurança era muito maior e a permissão para acesso a cafeteria era somente para funcionários e pessoas autorizadas.
E eu?! Depois da vergonha de derrubar café em um dos integrantes da maior banda de K-pop da atualidade, tudo o que eu queria era não precisar esbarrar com ele novamente.
Já era quase duas da tarde e meu turno estava chegando ao fim. Ji Ah estava no seu horário de almoço e eu estava sozinha, torcendo para que nenhum cliente viesse até mim. Foi quando uma entrega chegou. Eu precisava levá-la para uma das salas de reuniões.
Me identifiquei na recepção e os seguranças revistaram os embrulhos. Realmente a segurança era rigorosa naquele lugar. E não era pra menos, não é mesmo?!
Entrei no elevador, logo apertando o botão de número dez. As portas se abriram e logo eu estava indo em direção à sala de reuniões principal.
Eu observava atentamente as placas que orientavam e indicavam as direções. Por sorte, eu não havia me perdido. Bati na porta e a mesma logo se abriu.
De cabeça baixa, os cumprimentei formalmente e tratei de abrir e organizar nas mesas os pacotes.
—- Oh! É a moça do café! – ouvi uma voz masculina e logo meu coração se agitou, eu não queria ser reconhecida pelo meu desastre.
— É claro, idiota, ela trabalha na cafeteria da empresa. – outro rapaz retrucou sarcasticamente.
— Não! É a moça que derrubou café no hyung, Ho Seok! – o que havia se pronunciado primeiro exclamou.
Automaticamente, levantei meu olhar para o lado, para onde vinham as vozes, e me deparei com sete pares de olhos me analisando. Naquele momento, só os meninos estavam na sala e eu me senti completamente envergonhada por ter sido reconhecida.
Eles ainda me olhavam curiosos, talvez esperando que eu me pronunciasse com algumas palavras. Quando eu estava prestes a me desculpar novamente pelo ocorrido, algumas pessoas entraram na sala.
— A comida chegou! Graças a Deus! – eles foram em direção à mesa, atacando-a, e eu aproveitei para sair silenciosamente dali.
Respirei aliviada quando meu turno acabou e corri para o vestiário, a fim de me arrumar para ir ao curso. Era meu primeiro dia e eu estava totalmente empolgada.
... Aquele caminho, caminho, caminho.
Onde quer que seja o meu caminho.
Apenas Ego, Ego, Ego.
Apenas confio em mim…
Mais uma semana havia se passado e lá estava eu, pela terceira vez naquele dia, indo a caminho da sala de ensaios para deixar uma entrega. Aqueles garotos realmente comiam bastante!
— Com licença. — falei após bater e abrir a porta. Eles já estavam à espera daquela entrega, então todos se empolgaram com a minha chegada.
— Muito obrigado, moça do café. — Jung Kook brincou ao pegar as sacolas das minhas mãos.
Eu havia estudado bastante sobre eles e sobre todos os agenciados da empresa. Afinal, se eu iria servi-los, precisava saber ao menos o nome de cada um, não é mesmo?!
— Mas ela é a moça do café que o Ho Seok hyung vive falando, ué! — o mais novo retrucou, emburrado por ter sido repreendido.
Um pequeno silêncio pairou na sala e todos os meninos olharam para Jung Kook, que naquele momento olhou para mim como uma criança culpada.
— Ah… Quer dizer... Ela é a moça que trabalha na cafeteria, não é?! Posso te chamar de nonna?! — ele parecia querer mudar de assunto e eu, ainda um pouco confusa, apenas sorri concordando com a cabeça.
— Não ligue para o que o Kook fala, senhorita Lee Bo Ra. – Tae Hyung falou, lançando um olhar irritado para o amigo mais novo, logo me acompanhando até a porta.
— Eu não entendi nada mesmo. — Soltei uma risada sem graça, porém, minha frase era totalmente sincera, eu realmente não havia compreendido o que tinha ocorrido.
Voltei para o meu posto na cafeteria. Sendo recebida com um sorriso por Ji Ah.
— Tudo certo? — ela me olhou curiosa. Apenas retribui o sorriso enquanto tentava compreender o que tinha acabado de acontecer.
Pensei que talvez, quando esse mês acabasse, eu me sentiria mal acostumada. O trabalho era muito mais fácil com Ji Ah ao meu lado me ajudando. Fazer as entregas era algo mais tranquilo, pois eu não precisava me preocupar em correr para reabrir o balcão.
Além do mais, ela estava sendo uma grande amiga. Me indicava os lugares mais baratos para compras e a rotas mais rápidas de ônibus. Por mais que eu estivesse traumatizada com qualquer tipo de amizade, ela era muito simpática e acolhedora. E eu era a estrangeira, ela poderia muito bem me tratar com indiferença, porém, ela fazia ao contrário.
Ela havia me chamado para beber na sua casa naquele final de semana, e eu estava contando os dias para experimentar o verdadeiro churrasco caseiro coreano. Se a minha curiosidade maior era se tudo se assemelhava as novelas? Claro! Mas eu nunca pagaria o mico de perguntar, apenas iria e tiraria minhas próprias conclusões.
Se eu estava criando expectativas com aquela nova vida? Mas é claro! Por mais que eu quisesse deixar para trás todo o meu eu, muitos traços da minha personalidade eram verdadeiramente meus e não havia como mudar.
Eu era emocional demais e calculista de menos.
E por mais que eu quisesse ser diferente, eu havia percebido que aquele era o meu verdadeiro eu e que eu não deveria esconder quem era, ainda mais por conta das atitudes de outras pessoas.
Eu viveria uma vida nova, em um lugar novo e diferente. Mas isso seria inteiramente por mim mesmo e não pelos outros.
Já estava quase no final do meu turno quando outro entregador apareceu em frente ao nosso balcão, informando que mais um pedido de comida havia sido feito por um agenciado da empresa. E lá estava eu mais uma vez indo a caminho da sala de ensaios. O que aqueles meninos tanto faziam que tanto comiam? Não havia se passado nem ao menos duas horas desde a última entrega.
Desta vez, ao bater na porta, eu não precisei abri-la. Em questões de segundos, a porta se abriu e me deparei com a pessoa que mais temia. Sim, eu ainda tinha vergonha de encará-lo e todas as vezes que levava as entregas, eu evitava olhá-lo nos olhos.
Mas ele estava agora parado em pé na minha frente, me olhando com uma expressão serena e não tão séria como eu costumava vê-lo.
Dei um pequeno pulo, assustada, para trás, quando ele saiu da sala de ensaios, fechando a porta e pegando o pacote em minhas mãos. Antes que ele fechasse a porta por completo, pude ouvir a voz de Jung Kook gritando.
— Hwaiting hyung!
Por que ele estaria desejando boa sorte ao Ho Seok?
Ho Seok me olhou sem graça. Provavelmente pelo o que Jung Kook havia gritado de dentro da sala de ensaios.
— Essa é só minha. — ele riu brevemente enquanto levantava o pacote.
— Ah! Tudo bem, então! — Abaixei um pouco a cabeça em sinal de agradecimento e me virei para voltar ao elevador.
Quando as portas do elevador se fecharam, o sorriso tímido que ele havia me lançado antes que eu me virasse surgiu em minha mente. Estranhei meu pensamento. Tudo bem, era um sorriso lindo, não posso negar. Mas porque havia ficado penetrado em minha mente?
Voltei para o balcão. E, sim, essa era a minha chata rotina trabalhando naquela cafeteria. Vezes ou outras, atendia algumas pessoas que faziam seus pedidos ali mesmo naquele balcão e fim. Minhas funções se resumiam a fazer café e entregar pacotes de fast food para as salas de ensaio e reuniões.
Faltavam apenas dez minutos para o fim do meu turno. Ji Ah havia ido ao banheiro e logo voltaria para que eu pudesse ir embora. Eu estava de costas, limpando o balcão em que ficava a máquina de café expresso quando senti alguém no balcão. Me virei pronta para atender a mais um cliente e lá estava ele, mais uma vez não muito sério, como eu costumava vê-lo.
Estranhamente, me senti nervosa, talvez ainda por conta da vergonha que tinha da bagunça que havia causado na primeira vez que nos vimos.
Sorri, pronta para atendê-lo.
— Com o que posso ajudá-lo? — perguntei, me posicionando em frente ao computador pronta para anotar seu pedido.
— Um café latte para viagem, por favor, e se possível, o número do seu telefone. – pediu com sua voz calma.
... Aquele caminho, caminho, caminho.
Onde quer que seja o meu caminho
Apenas Ego, Ego, Ego. Apenas confio em mim …
Eu estava de cabeça baixa, pronta para anotar o pedido no computador. E não consegui ter reação ao que tinha ouvido. Senti minhas bochechas queimarem, provavelmente eu estava corada. Eu havia entendido direito? Eu ainda tinha muita dificuldade em compreender totalmente as frases ditas em coreano, sendo assim, com toda certeza eu havia entendido errado. Era isso.
— Um latte para viagem saindo. — falei sem olhá-lo, virando imediatamente para a máquina de café.
Talvez fosse efeito da noite mal dormida e de um dia cansativo de trabalho. Eu, com toda certeza estava ouvindo coisas. Sim, ele de forma alguma havia pedido meu número de telefone. Não havia possibilidade alguma sobre isso, não é mesmo?
Respirei fundo, me concentrando no café que estava preparando.
Virei-me para Ho Seok e o garoto me olhava calmo.
— Seu latte. Muito obrigada! – entreguei o copo de café para ele.
— E o número do seu telefone? — ele mantinha um sorriso de canto nos lábios.
— Hã… Me desculpe, eu ainda estou aprendendo o seu idioma, talvez eu tenha entendido errado o que o senhor acabou de dizer. — eu falava um tanto quanto confusa – O senhor poderia repetir pausadamente, por gentileza?! – tentei me manter calma enquanto falava.
E mais uma vez, eu senti meu rosto corar ao vê-lo estender seu celular para mim.
— Eu pedi o número do seu telefone, senhorita Lee Bo Ra. – falou nova e lentamente. Ele sorriu abertamente enquanto me olhava atentamente.
Respirei profundamente, tentando pensar em algo para respondê-lo.
Sorri ternamente.
— Sinto muito, senhor, mas estou em horário de serviço. Não posso passar meu número para nossos clientes. – semicerrei os lábios em um sorriso fechado.
— Mas é para trabalho mesmo, senhorita Lee Bo Ra! – ele continua com seu sorriso de canto nos lábios.
Como assim? Para que ele precisaria do meu número?
— É para que possamos lhe informar todas as vezes que fizermos um pedido pelo serviço de entregas, para que a senhorita fique sempre ciente de quando os pedidos são nossos. — Ele explicou, ainda com o celular estendido em minha direção.
Novamente senti meu rosto corando pela vergonha que eu havia passado. Onde já se viu? Eu imaginado que ele realmente queria meu número por algum interesse pessoal? Você não está vivendo em uma novela coreana, Bo Ra!
— Ah… Bom... Tudo bem, então! — falei sem graça enquanto pegava o celular dele e salvava meu número.
— Moça do café?! — ele questionou ao ver com qual nome eu havia salvado.
Sorri travessa.
— Sim! Não é para me avisarem sobre as entregas?! — ele soltou um pequeno riso enquanto concordava com a cabeça.
— Sim, senhorita! Tenha um ótimo dia. – ele sorriu abertamente enquanto saía dali.
Por alguns minutos, me perdi ao observá-lo. Ele era alto e seus ombros eram largos.
E seu largo sorriso não saia da minha cabeça.
Mais uma vez, voltei meu olhar para minha colega, decepcionada. Por que eu estaria decepcionada?
— Você está bem? — Ji Ah questionou, e eu apenas assenti, tentando dispersar aqueles pensamentos da minha cabeça.
— Estou indo. – sorri para ela. – Está tudo confirmado para amanhã? — perguntei.
Ela assentiu com um sorriso no rosto.
— Depois do expediente, vamos para a minha casa! — confirmou, empolgada.
Ri da sua empolgação e logo já estava caminhando em direção ao vestiário.
Era sexta-feira e eu estava empolgada com a aula. Mais empolgada ainda por poder dar um passeio na orla do rio Han logo após a aula. Eu amava aquele lugar.
Um vento frio soprava contra meu rosto, mas não era tão ruim. Muito pelo contrário, eu gostava daquela sensação. Já estávamos no início do outono, por isso, eu estava vestida com um casaco fino para evitar pegar um resfriado. Observar a ponte iluminada por cima do rio me trazia uma sensação de paz. Talvez fosse por isso que eu amava aquele lugar.
Eu estava distraída, observando as famílias e os casais caminhando ou sentados no gramado, quando senti meu celular vibrando.
Era um número desconhecido. Antes de atender, me perguntei se os serviços de oferecimento de empréstimos já haviam descoberto minha linha. Afinal, quem me ligaria naquele país senão Ji Ah ou a escola de linguagens?!
Atendi, apreensiva.
— Senhorita Lee Bo Ra? – a voz do outro lado da linha não me era estranha, mesmo assim, eu não tina certeza de quem falava.
— Quem fala?! – questionei, apreensiva.
— É o Jung Ho Seok! Liguei para conferir se era realmente o seu número ou se você tinha me tapeado. – soltei um pequeno riso ao ouvir, eu estava um tanto quanto impressionada.
— De forma alguma, senhor Jung Ho Seok! Te passei meu número por conta do nosso trabalho, não poderia mentir. – ele resmungou em concordância.
— Acabei de sair da empresa.
Fiquei em silêncio, esperando que ele terminasse a frase. Tive a pequena sensação de que ele estava tentando puxar assunto.
— A cafeteria estava fechada. – ele continuou, provavelmente percebendo que eu não iria falar nada. – Eu queria um café antes de ir para casa.
— Nós encerramos as atividades às oito horas da noite. Você estava ensaiando até agora?! – fiquei curiosa, já se passavam das vinte e uma horas da noite.
— Sim, nós trabalhamos duro sempre! – ele falou com um tom convencido.
Sorri ao imaginá-lo fazendo pose de orgulhoso.
— Ham... Você pode comprar seu café em alguma cafeteria na rua.
— É verdade! – exclamou como se não tivesse pensado sobre.
O vento havia ficado um pouco mais forte e por isso era possível ouvi-lo cantando.
— Você não está em casa? Estou ouvindo o vento cantando.
— Não, na verdade, estou no Han. Inclusive estou indo comer topokki agora, preciso desligar.
Desliguei o telefone antes de ouvir sua resposta.
Fui até a quitanda de comida de rua que havia ali. Fiz o pedido de várias iguarias. Estava com fome e queria me aquecer. Aproveitei por pegar também uma garrafa de soju. Eu não beberia tudo, afinal, no próximo dia eu também trabalharia.
Passaram-se alguns minutos e meu pedido já estava pronto. Me sentei em uma mesinha que havia ali e servi uma dose da bebida enquanto apreciava meu topokki.
Mais uma vez, me peguei distraída observando a Fonte Arco-íris do Luar, que jorrava da Ponte Banpo. Era extraordinário! Uma ponte que jorrava água com jogos de luzes.
— Você sabe quantas barracas de topokki tem na orla do Han?! – a voz de Ho Seok soou atrás de mim.
Me virei, assustada, com medo de estar ouvindo vozes dos além. Mas não era, ele realmente estava ali, vestindo um casaco longo preto, um cachecol que tampava parte do seu rosto e um boné; provavelmente pra despistar os olhares curiosos, afinal, ele era uma pessoa extremamente famosa.
— O que você está fazendo aqui?!
— Você falou de topokki e eu fiquei com vontade de comer. – ele deu de ombros enquanto se sentava a minha frente.
— Mas você poderia ter ido a um restaurante para isso, você é rico! – falei um pouco exaltada, mas logo me arrependi ao perceber que alguns olhares estavam sobre nós.
Me aproximei um pouco dele, abaixando o tom de voz.
— Você é famoso, não pode sair assim. – cochichei, colocando a mão na lateral da boca com a intenção de que ninguém ouvisse o que eu estava falando.
— Relaxa, já está tarde. Meus fãs estão dormindo. – ele repetiu os meus gestos um pouco risonho.
O olhei um tanto quanto desconcertada, o que ele estava fazendo ali? Realmente, seria apenas para comer topokki?
Ele retribuiu o meu olhar com um sorriso largo enquanto roubava um pouco da minha comida.
—- Hey! Peça o seu! – esbravejei, puxando o prato para mim.
— Mianhae. – abaixou a cabeça, se desculpando brincalhão.
Aquele era o mesmo Ho Seok sério que eu observava dentro da empresa?! Ou era uma cópia android?! Eu poderia estar participando da gravação de uma novela? Ou uma pegadinha de um programa de variedades?!
Eu o olhei um tanto quanto desconfiada enquanto ele levantava a mão, fazendo o pedido de mais uma porção de topokki e outra garrafa de soju.
— Por que você está bebendo sozinha?! – ele questionou enquanto pegava a minha garrafa e servia um pouco em meu copo.
— Faço isso todas as sextas-feiras. – respondi, me encostando na cadeira, balançando os ombros em sinal de que não me importava de ficar sozinha.
Observei ao nosso redor e pude notar que haviam alguns seguranças ali. É claro, ele nunca viria desprevenido.
— Obrigada pela companhia. – falei, terminando a última dose da minha bebida enquanto me levantava.
Tropecei nos meus próprios pés ao tentar me afastar da mesa. Senti a mão de Ho Seok segurando meu braço, evitando que eu caísse.
— Acho que você bebeu muito. – falou brincalhão.
— Não! Eu não estou bêbada! – falei, consertando minha postura e fixando o olhar no ponto no ponto de táxi mais próximo.
Talvez eu realmente estivesse um pouco bêbada, afinal, aquela havia sido a minha primeira vez bebendo uma garrafa inteira de soju. A conversa com Ho Seok estava tão interessante que só me dei conta de que tinha bebido tudo quando ele me serviu a última dose.
— Jalgaseyo. – me despedi enquanto focava meus olhos no caminho que eu deveria seguir.
Não havia nenhum táxi disponível naquele momento. Peguei o meu celular, a fim de pedir um carro pelo aplicativo de viagens. Um carro parou em minha frente, tirei meus olhos do aparelho em minhas mãos e chequei para saber se era um táxi. Mas não era. Era um Palisade preto da Hyundai.
Voltei minha atenção para o aplicativo, minha visão estava um pouco turva, o que fazia dessa ação simples algo complicado.
Ouvi o barulho de janela do carro se abrindo.
— Vamos, eu te deixo em casa. – e mais uma vez a voz de Ho Seok me surpreendeu naquela noite.
Ele estava no banco traseiro enquanto os dois seguranças que eu havia visto antes estava nos bancos da frente.
— Não precisa. – neguei, tentando ser consciente, afinal, ele com toda certeza morava no sentido contrário ao meu.
Meu bairro não era um bairro nobre.
— Vamos logo senhorita, Lee Bo Ra! Você não conseguirá um táxi tão facilmente nesse horário.
A verdade era que já se passava da meia noite e eu estava com uma extrema dificuldade em enxergar a tela do celular. E por mais que eu não quisesse dar trabalho ou ser um incômodo para ele. Eu aceitei a carona.
Levantei com dificuldades e logo Ho Seok saltou para fora do carro, me ajudando a entrar no mesmo.
Informei a ele o meu endereço e logo ele pediu que o segurança nos levasse até meu bairro.
A maior parte do caminho foi silencioso. Eu observava a paisagem que passava pela janela no carro, até o momento em que uma pergunta surgiu na minha cabeça e sem hesitar a coloquei para fora.
— Você realmente foi até aquela barraca só porque queria comer topokki? – o encarei.
Ho Seok me olhou um pouco surpreso. Talvez por eu ter quebrado o silêncio tão abruptamente.
— O quê? Como assim? Qual seria o outro motivo? É claro que foi só pra comer topokki! Eu fiquei com vontade! – falava meio confuso, parecia que nem ele mesmo acreditava em suas palavras.
Mas eu não o conhecia direito, como julgar que aquele não era o real motivo? E realmente não haveria outro motivo justo para isso. Por acaso seria por minha causa?! Claro que não!
Mais uma vez, o silêncio tomou conta e eu simplesmente assenti, confirmando ter acreditado nele.
Não demorou muito para que chegássemos em frente à escadaria que dava destino ao hostel em que eu morava.
— Eu fico por aqui. Obrigada! – abaixei um pouco a cabeça, apenas para demonstrar gratidão.
Eu já não estava mais tão bêbada. E isso era bom, pois não sei se conseguiria descer aquelas escadas sem tropeçar.
— Espere um momento, senhorita Lee Bo Ra! – ouvi a voz de Ho Seok ao pisar no primeiro degrau. – Eu te acompanho, você bebeu bastante.
— Não precisa se incomodar.
— Eu faço questão!
Ho Seok estendeu uma mão para me ajudar a descer as escadas. Eu estava bem, poderia muito bem descê-las sozinha. Mas algo me levou a aceitar a sua ajuda. E assim o fiz.
— Amanhã estaremos finalizando uma nova coreografia! Por que não vem assistir ao nosso ensaio depois do expediente? – perguntou assim que chegamos à entrada do hostel.
O olhei fixamente. Ele parecia um pouco sem graça. Já não estava mais usando aquele boné preto, nem mesmo com o cachecol tampando seu rosto. Afinal, não havia muitas pessoas na rua que pudessem reconhecê-lo naquela região. Suas orelhas estavam vermelhas, provavelmente pelo vento frio que batia em nós.
Automaticamente, apertei meus braços em minha volta com o intuito de não sentir tanto frio.
— Hm... A Ji Ah me chamou para comer churrasco coreano amanhã depois do expediente. – sorri sem graça. – Talvez numa próxima?!
— Ah! Tudo bem. Entre em segurança! Até amanhã!
Um sorriso sem graça se formou em seus lábios e pude sentir um pequeno tom de decepção em sua frase.
Balancei a cabeça mais uma vez em sinal de agradecimento e logo já estava em meu pequeno apartamento.
...Devia estar cheia de arrependimento e sem esperanças até que eu morra.
Minha dança estava perseguindo fantasmas.
Culpando meu sonho, perguntando por que eu vivo e respiro.
Oh meu Deus, Deus, Deus, Deus…
Acordei com o barulho do despertador e logo me coloquei de pé. Contragosto, confesso. Eu podia sentir o pequeno efeito de ressaca da garrafa de soju que eu havia tomado na noite anterior.
Tratei logo de me arrumar e vestir algo bonito e confortável, que me permitisse me sentir bem indo para a casa de Ji Ah depois do trabalho.
As minhas expectativas para aquela noite eram grandes. Por mais que eu tivesse chegado nesse país decepcionada com todas as pessoas nas quais eu havia confiado durante a minha vida toda, eu sentia que a amizade de Ji Ah estava me fazendo bem. E por isso eu queria me aproximar mais dela.
Estranhamente, a imagem de Ho Seok veio a minha mente.
Talvez por que ele estivesse sendo legal comigo também, assim como Ji Ah. Se possível, ele poderia se tornar um amigo naquele país. Seria diferente ter um amigo famoso, mas talvez esse fator não influenciasse em suas relações.
Hoje, eu ficaria até mais tarde na cafeteria, esperaria por Ji Ah e aproveitaria isso para fazer hora extra.
Ouvi o barulho do meu estômago avisando que eu precisava almoçar. Já se passava do meio dia e eu estava esperando minha companheira voltar do seu horário de almoço para que eu pudesse sair para comer algo.
Senti meu celular vibrando no bolso do avental que compunha o meu uniforme, olhei ao redor para checar se alguém caminhava em direção ao balcão. Não encontrei sinal algum de um novo cliente, então, tratei logo de pegar o celular e conferir a mensagem que havia chegado.
“Annyeong!
Provavelmente, sou mais velho que você, então não há problemas em te tratar informalmente, não é mesmo, Bo Ra-ah?
Pedimos comida! Deve chegar em meia hora, almoce com a gente. Jung Kook fez questão de pedir topokki para você! Até mais tarde!
Ho Seok<"/p>
Sorri involuntariamente ao terminar de ler a mensagem. Antes mesmo que eu colocasse o celular de volta no bolso, o sinal de uma nova mensagem apareceu.
“Você também pode me tratar informalmente, já temos infinidade para isso. Eu permito!
Hobi"
Intimidade?! Eu não sabia disso! E, mais uma vez naquele dia, involuntariamente eu estava sorrindo com uma mensagem dele.
— Está vendo algum romance? – Jia Ah questionou do lado de fora do balcão.
Me assustei com a chegada repentina da coreana, colocando o celular imediatamente dentro do bolso.
— Qual é?! Você estava fazendo algo errado? Por que essa cara de espanto? – ela questionou, divertida.
Senti meu rosto esquentar, eu havia ficado um pouco envergonhada. Mas não entendia o porquê, eu realmente não estava fazendo nada de errado.
E, mais uma vez naquele dia, a imagem de Ho Seok se passava em minha mente, mas agora eu me lembrava do primeiro dia em que o encontrei, ele não parecia nada com o Ho Seok que eu estava conhecendo. Dentro da empresa, ele era sério e estava sempre da mesma forma nas salas de ensaio. Em frente às câmeras, ele era bobão e animado. E na única vez em que conversamos, ele não era nem um e nem o outro. Ele era diferente. Mas um diferente no bom sentido.
— Você não vai almoçar?! – minha colega perguntou, me tirando dos meus devaneios.
Balancei brevemente a cabeça com a esperança de que aquele movimento tirasse esses pensamentos da minha cabeça. Por que eu estava pensando nele por tantas vezes?!
Ji Ah ainda me olhava, esperando a minha resposta.
— Ah! Estou esperando uma entrega dos meninos chegar, vou almoçar logo depois. – expliquei.
— E como você sabe que chegará algo para eles?!
— Ho Seok me mandou uma mensagem. – respondi, distraída – Quer dizer, o senhor Jung Ho Seok! – completei, percebendo que havia falado sobre ele de maneira informal.
Ji Ah me lançou um olhar desconfiado.
— Como é que ele tem seu número?!
Antes que eu pudesse respondê-la, um grupo de pessoas se aproximou do balcão, fazendo com que ela se dirigisse ao caixa para atendê-los.
Depois disso, o movimento na cafeteria não diminuiu e eu pude fugir do assunto Jung Ho Seok naquele momento. Ao se passarem exatamente trinta minutos, o pacote dos meninos chegou e eu tratei logo de recebê-lo.
— Vou levar a entrega e de lá irei almoçar! – avisei, saindo logo depois e não dando tempo de que ela me indagasse nada.
Estranhamente, me senti um pouco nervosa ao entrar no elevador. Eu não tinha medo de elevadores, por que minhas mãos estavam suando?! Eu apenas faria mais uma rotineira entrega de comida na sala de ensaios. Por que raios eu estava ouvindo o som do meu coração descompassado?!
Quando as portas do elevador se abriram no oitavo andar, pude me separar com um Jung Ho Seok sorridente. Mas não o Ho Seok das câmeras, e sim o que havia tomado soju comigo na orla do rio Han na noite passada.
— Annyeong! – falou, tomando as sacolas das minhas mãos.
— Como você sa…
— Recebi uma mensagem do aplicativo informando que a entrega havia sido realizada. – me interrompeu, lançando-me uma piscadela seguida por uma pequena risada.
Caminhamos em direção à sala de ensaios e todos os meninos estavam sentados em uma roda. Eles normalmente estavam assim sempre que eu aparecia com alguma entrega.
— Hey, senhorita Lee Bo Ra! – Jung Kook veio em minha direção e passou o braço em torno dos meus ombros. – Ouvi dizer que você ama topokki. – olhei pra Ho Seok um tanto quanto surpresa. Ele falou sobre mim para os garotos?! – Fiz questão de pedir uma porção gigante para você, não é sempre que um estrangeiro gosta da nossa comida!
Ele me puxou pela mão até chegar na rodinha onde todos os meninos observavam a audácia do mais novo do grupo. Afinal, ele estava sendo informal demais com uma desconhecida.
— Além disso, eu posso te chamar de nonna, né? Da outra vez, você falou que eu poderia! Eu não gosto de usar honoríficos com pessoas legais! – sorri do jeito alegre como ele falava, me fazia sentir como se já fossemos amigos.
— Respeite os mais velhos, garoto! – Seok Jin o repreendeu antes mesmo que eu desse a minha resposta.
— Não, senhor Kim Seok Jin, não precisa repreendê-lo! – me adiantei com dó do mais novo. – Eu não me importo com honoríficos, no meu país nós não usamos isso, senão com juízes. – soltei um pequeno riso e olhei para Jung Kook. – Pode me chamar de nonna, Jung Kook-ah! – Sorri para o garoto, lhe lançando uma piscadela.
E ele fez uma pequena atuação de como se tivesse levado um tiro no peito. Não pude conter o riso. Aquele garoto exalava uma simpatia extraordinária!
— É melhor você tomar cuidado, hyung. – Kim Tae Hyung falou brincalhão, olhando para Ho Seok, que ainda estava em pé nos observando.
Automaticamente, voltei meu olhar para ele um pouco confusa.
— Cuidado? – questionei, voltando meu olhar para Kim Tae Hyung.
— Não dê ouvidos a esses garotos, Bo Ra-ah! – Ho Seok se adiantou enquanto tentava se sentar entre mim e o maknae.
Por alguns segundos, um silêncio se instalou na sala no momento em que Ho Seok abriu uma embalagem com topokki para mim e me entregou pauzinhos descartáveis. Além disso, ele serviu um copo de água e colocou a minha frente.
Senti meu rosto ruborizar, ter todos os olhares daquela sala focados em mim havia me deixado constrangida. Tentei ignorar a situação e foquei em comer a massa de arroz picante que estava a minha frente.
— Como vocês sabiam que eu não aguentava o nível de pimenta coreano?! – indaguei, maravilhada ao perceber que a minha porção tinha pouca pimenta, no nível certo que eu suportava.
— Vocês comeram assim ontem. – Park Ji Min falou simples.
Mais uma vez direcionei o olhar para Ho Seok, surpresa. Ele realmente havia falado sobre ontem para todos os garotos?!
Ele me devolveu um olhar sem graça e completou a fala do amigo:
— Na maioria das vezes, os estrangeiros não suportam a nossa pimenta. – explicou.
Soltei um murmúrio em concordância, sendo acompanhada pelos demais que estavam na sala.
— Falando nisso, de onde você é?! – Kim Nam Joon perguntou, demonstrando um olhar curioso.
— De onde pareço ser?! – brinquei, esperando respostas óbvias.
— México! – Kim Tae Hyung foi o primeiro a exclamar.
— Colômbia?! – Min Yoon Gi falou meio indeciso.
Neguei com a cabeça.
— Londres! – Kim Seok Jin exclamou, vitorioso. Todos o olharam estranho – Que foi?! Pode ser possível! – defendeu, dando de ombros enquanto pegava um pedaço do seu gimbap.
Ho Seok me olhava curioso, parecia que ele queria a resposta daquela pergunta mais do que quem a fez.
— Sou brasileira. – eles me olharam estranho, provavelmente não conheciam a nacionalidade, somente o país. – Brasil! – exclamei o óbvio.
— Ah! – responderam em uníssono.
Sorri com a situação. Eu estava me sentindo muito bem naquele momento.
— E o que a trouxe à Coréia do Sul?! O outro lado do mundo?! – Kim Nam Joon indagou mais uma vez.
Curioso o rapaz, não é mesmo?!
— Eu decidi mudar de vida. – respondi, lançando um sorriso simples e demonstrando que não era um assunto legal de se entrar.
Ele entendeu o meu recado e não questionou mais nada sobre.
Almoçamos em meio a risadas arrancadas por Kim Tae Hyung e Jung Kook, que faziam palhaçadas hora ou outra. Eles eram tão legais que nem pareciam ser os garotos que eu via através das câmeras. Eu não saberia explicar, mas sentia que eles tinham a personalidade um tanto quanto diferente da que eles demonstravam.
Provavelmente, era necessário demonstrar personalidades diferentes. Eu não entendia nada sobre o mundo do entretenimento e por isso não os julgaria. Apenas aproveitaria aquele momento, que, para muitos, era algo épico. Para mim, era algo necessário. Eu precisava me relacionar com pessoas diferentes e que me fizessem bem para esquecer o mal que as pessoas que deixei para trás me fizeram.
...O tempo passa.
Sete anos de angústia finalmente acabam.
Opressões todas resolvidas.
As respostas vêm de quem eu mais confio para meu coração…
Ao terminarmos de comer, agradeci aos garotos e me despedi, eu precisava voltar logo para a cafeteria e ajudar Ji Ah.
Ho Seok me acompanhou até a porta do elevador. Me senti um pouco estranha com o silêncio que havia pairado sobre nós assim que saímos da sala de ensaios.
As portas do elevador se abriram e eu estava me preparando para me despedir dele, quando ele simplesmente entrou no elevador.
O segui, um pouco surpresa. Ele provavelmente teria algo para fazer no térreo, já que fora aquele botão que ele acionou.
— Então, hoje você vai até a casa da senhorita Park Ji Ah, não é mesmo?! – Ho Seok perguntou, quebrando o silêncio entre nós, assim que o elevador começou a descer.
— Sim! Faremos o famoso churrasco coreano no terraço. – respondi, empolgada.
Ele soltou um pequeno riso.
— Hoje vamos ficar até tarde ensaiando. Estamos nos preparando para uma turnê. – por algum motivo, aquela informação não me deixou contente.
Sem demonstrar meu descontentamento, afirmei com a cabeça, demonstrando estar prestando atenção no que ele falava.
— Estamos empolgados. – continuou, parecia que ele não queria que ficássemos em silêncio. – Será uma turnê mundial em estádios!
Ele parecia realmente empolgado. E por mais que eu não estivesse, sorri, o encorajando. Afinal, por que eu não estava contente com aquela informação?! Não havia motivos para isso, não é mesmo?!
— Wow! – respondi, tentando não demonstrar meu descontentamento – Deve ser realmente fantástico.
Antes que ele continuasse a conversa, as portas do elevador se abriram e eu logo tratei de sair de dentro daquela lata gigante.
Percebi que ele ainda me seguia. Deduzi que ele faria algum pedido na cafeteria. Enquanto me aproximava do balcão, pude perceber o olhar surpreso de Ji Ah ao vê-lo me acompanhando. E provavelmente teria de dar boas explicações, por mais que nada de extraordinário tivesse acontecido.
— Boa tarde! Um café expresso pra viagem por favor! – ele pediu para ela, que estava no caixa, enquanto eu passava para o outro lado do balcão, já indo em direção à máquina de café para preparar o pedido dele.
Após entregar o café para ele, o mesmo sorriu, agradecendo, e se virou para sair dali. Em questões de segundos, Ho Seok se virou novamente, direcionando seu olhar para minha colega de trabalho.
— Você poderia me passar o seu endereço, senhorita Park Ji Ah?! – ela arregalou os olhos surpresa com o pedido e eu não estava diferente.
O que ele estava fazendo?!
— Para quê?! – ela questionou, tímida.
— Vocês farão um churrasco hoje, não é mesmo?! – imediatamente, Ji Ah me olhou espantada. – Se eu conseguir sair dos ensaios antes das onze horas da noite, gostaria de participar com vocês no “tão famoso churrasco coreano no terraço”. – finalizou, fazendo um desenho de aspas com as mãos ao referenciar a minha frase de minutos atrás.
— Ham... Tudo bem. – ela respondeu ainda um pouco perplexa com a situação.
Ho Seok estendeu o celular para ela, que digitou alguns caracteres em hangul e logo devolveu o aparelho para o dono.
— Obrigado! Até mais tarde, meninas! – ele me lançou uma piscadela e logo já estava longe dali, me deixando sozinha com uma coreana curiosa me encarando.
— Explique-se.
Ji Ah me olhava com uma mistura de expressões. Era possível ver que ela ainda estava perplexa com a situação ocorrida e ao mesmo tempo curiosa para saber como isso acontecera e o que eu teria a ver com isso.
— Não há nada para ser explicado. – respondi, dando de ombros, fingindo limpar o balcão com um pano úmido que estava ali.
— Bo Ra-ah! Jung Ho Seok, do BTS, me pediu meu endereço para ir em um churrasco. – jogou a palavras, como se não pudesse acreditar no que estava falando.
— Sério?! Que legal pra você! – respondi, cínica.
Por algum motivo, eu não queria entrar naquele assunto. Pois as teorias que se formavam em minha cabeça, naquele momento, não eram favoráveis nem viáveis a minha situação.
— Isadora! – esbravejou meu verdadeiro nome. A olhei assustada, ela estava realmente nervosa com a situação.
Bom, não seria para menos, não é mesmo?!
— Tudo bem! – me rendi. – Só não fale esse nome novamente, por favor! – supliquei.
Eu já havia me acostumado com meu novo nome. Escutar me chamarem com o antigo me trazia memórias que eu gostaria de esquecer para sempre, mas que ainda estavam muito nítidas em meu consciente.
Saí de meus devaneios. Ji Ah ainda me olhava, esperando suas explicações. Observei ao redor, torcendo para que algum cliente se aproximasse naquele momento, entretanto, não aconteceu.
Respirei fundo.
— A verdade é que não há nada de excepcional a ser explicado. – a coreana me olhava desconfiada. – Nós nos encontramos ontem por acaso, no rio Han. Bebemos juntos e comemos topokki e eu fiquei um pouco bêbada. – a expressão de surpresa tomava o semblante dela. – Então, ele me levou pra casa e depois me perguntou se eu não queria assistir aos ensaios dos meninos hoje depois do expediente. – nesse momento, Ji Ah cruzou um dos braços sobre o abdômen e apoiou o outro sobre ele, colocando o indicador na lateral do rosto, demonstrando estar pensativa. – E então eu disse que já tinha esse compromisso com você. Fim! – levantei as mãos, dramatizando a situação.
— Ele gosta de você! – concluiu após me observar analiticamente por alguns segundos.
— O quê? Você está louca? Ele é o Jung Ho Seok, do BTS! – falei a última frase num sussurro. Não queria que as pessoas ao redor percebessem sobre quem estávamos falando.
— E você é a Lee Bo Ra. – respondeu, divertida. – Qual é o problema com isso?! – indagou, dando de ombros, como se aquela situação fosse completamente normal.
Não tive tempo de contestá-la, pois, mais uma vez naquele dia, um grupo de clientes havia chegado até a cafeteria. O resto do dia foi movimentado e as horas passaram voando. Não tivemos tempo para terminarmos a nossa conversa e, àquela altura, eu já estava formulando diversas possibilidades e situações na minha cabeça.
Mas todas elas me levavam a uma conclusão: a possibilidade de que ele estaria interessado em mim. Mas isso parecia loucura; ao mesmo tempo que tinha 90% de chances de ser verdade, tinha 90% de chances de ser algo da minha imaginação fértil. Sem contar que eu não estava pronta para ter um outro alguém gostando de mim, nem muito menos para retribuir isso. Por mais que esse alguém fosse o Jung Ho Seok do BTS.
Saí do vestiário feminino com as roupas que eu havia escolhido naquela manhã. Não havia nada de especial no meu visual, era apenas uma calça preta, uma camisa larga da mesma cor e um sobretudo cinza. Notei os olhos de Ji Ah sobre mim e seu semblante demonstrava negação.
— Ainda bem que estamos indo para minha casa! – exclamou, demonstrando um pouco de indignação na voz, logo me puxando pelo braço para fora dali.
Passamos por um supermercado antes de irmos para a casa dela.
— Meu irmão estará lá! – ela pegou algumas bandejas de carne suína.
— Vocês moram juntos? – perguntei, curiosa, observando o todos os movimentos dela.
— Não, ele mora em Incheon. Ele trabalha no aeroporto, fica mais viável para ele. – explicou, pegando um ramo de alface.
Fiquei em silêncio, esperando que ela continuasse a conversa. Ji Ah caminhou apressadamente até a sessão de bebidas.
— Na verdade, eu não iria lhe contar isso... – colocou três fardos de cerveja no carrinho – Mas depois do ocorrido de hoje, não tenho escolha… — ela falava calmante, provavelmente não percebendo a crise de ansiedade que estava causando em mim com aquela enrolação toda. – Ele pediu para vir no churrasco, porque gostou da foto que postei com você no meu perfil na semana passada. Ele queria te conhecer. – finalizou, me olhando, esperando por alguma resposta.
— Como é que é?! – eu ainda não havia conseguido processar todas as informações.
Isso não poderia ser verdade.
— Ele gostou de você e queria que eu lhes apresentasse. Mas se o Jung Ho Seok aparecer lá, eu não sei o que faremos! Eu até pensei em desmarcar com o meu irmão, mas quando me toquei de toda a situação, ele já estava a caminho. – jogou as palavras exasperada.
— Bom... O Ho Seok não gosta de mim, então isso não será um problema. – concluí, dando de ombros. Eu tentava convencer mais a mim mesma do que a coreana a minha frente.
Ele não poderia gostar de mim. Era algo totalmente improvável.
Ji Ah deu de ombros, eu sabia que ela não acreditava em mim, pois ela deixava evidente a sua opinião sobre a certeza de que Ho Seok sentia algo por mim.
...A única esperança, a única alma.
O único sorriso, o único você
A resposta definida para a verdade do mundo.
Apenas o único e imutável eu, certo…
— Oppa! Chegamos! – Ji Ah gritou ao descermos do táxi. Em questão de segundos, um rapaz alto e forte apareceu a nossa frente, tomando as sacolas das nossas mãos.
— Kajja! – exclamou empolgado, com um grande sorriso no rosto. Logo, estávamos o seguindo pelas escadas.
— Annyeonghaseyo! – cumprimentei-o assim que chegamos no último andar do prédio.
O irmão da minha amiga colocou as sacolas sobre a mesa baixa que havia no centro do terraço e se virou para mim com um largo sorriso no rosto.
— Annyeong. Eu sou o Park Ji Soo, irmão mais velho dela. Mas pode me chamar de oppa e ser informal, se quiser. Afinal, você é amiga da minha irmã. – falou, apontando pra Ji Ah e logo depois estendendo a mão para me cumprimentar.
Sorri, tímida, e senti meu rosto se esquentar com a força que ele colocou em nosso aperto de mãos.
O que aquele país estava fazendo comigo? Eu não poderia me deixar transparecer vulnerável a ponto de me envergonhar com um aperto de mão! Esse não era o meu objetivo para a nova vida.
Os irmãos Park arrumaram o local para que fizéssemos o churrasco. Em cima da grande mesa baixa, eles colocaram uma churrasqueira a gás, de um lado algumas garrafas de soju e as cervejas geladas e do outro os ingredientes para o churrasco.
O apartamento de Ji Ah ocupava metade do espaço e a outra metade era o próprio terraço. Havia algumas luzes como pisca-piscas penduradas por todo o parapeito. O que me chamava a atenção dessas reuniões era que eles não usavam mesas ou cadeiras, todo o espaço era organizado em cima de uma grande mesa baixa e nos sentávamos sobre elas.
A coreana trouxe de dentro da casa alguns cobertores, afinal, estávamos no início do outono e poderíamos encontrar uma noite fria. Ji Soo vinha logo atrás dela com alguns jogos nas mãos. Enquanto eles faziam a maior parte do trabalho, eu havia ficado responsável por mergulhar as carnes em um tempero coreano especial para churrascos.
Depois que tudo no terraço estava organizado, Ji Ah me puxou para dentro do seu apartamento. O espaço era pequeno, mas ainda assim maior do que o que eu alugava no hostel. Era possível ver todas as partes do lugar ficando no centro dele. Era como um flat, ou seja, o modelo de cozinha aberto separando o espaço maior da casa com uma pequena bancada.
Havia um sofá médio à direita e logo ao lado uma porta, que provavelmente seria a do banheiro, e nos fundos do cômodo, uma cama encostada na parede abaixo da janela. Do lado esquerdo, uma grande mesa dividida como escrivaninha e penteadeira; na parte de penteadeira, tinha um espelho fixado na parede com algumas luzes ao redor.
A garota me colocou sentada em uma cadeira em frente a esse espelho.
— Precisamos passar algo no seu rosto, já que eu tenho certeza que você não aceitará trocar de roupas. – falou enquanto mexia em alguns produtos em cima da mesa a nossa frente.
— Mas pra que eu precisaria usar maquiagem em um churrasco, ou até mesmo trocar de roupas?! Minhas roupas estão ótimas! E limpas! – Ji Ah soltou um pequeno riso ao ouvir minha última frase.
— Nós só precisamos dar um destaque nessa sua beleza latina! – abaixou na altura no meu rosto e começou a preencher a minha sobrancelha com um lápis.
— Mas pra que isso, garota?!
— Shiu! Ho Seok pode chegar a qualquer momento!
— Ji Ah! – exclamei, mostrando minha indignação ao perceber o porquê de ela estar tão obcecada com o fato de eu não estar arrumada naquele momento.
— Vamos lá, Bo Ra, nós duas sabemos que tá rolando um clima entre vocês! – tentei me afastar das mãos da coreana, mas ela me segurou pelo braço com firmeza.
Eu não neguei a afirmação dela, talvez por que eu estivesse gostado da ideia sobre isso. Eu não deveria estar gostando dessa ideia, o meu objetivo em morar naquele país não era o de me relacionar com um cara famoso. Não mesmo! Na verdade, o meu objetivo não era nem mesmo me relacionar com alguém tão cedo.
Mas, estranhamente, eu me sentia bem na companhia de Ho Seok.
No fim das contas, deixei com que Ji Ah brincasse com maquiagens em mim. Ela ficou um tanto quanto decepcionada quando se deu conta que seu pó compacto não combinava com o meu tom de pele. Minha amiga se deu por vencida ao perceber que poderia apenas passar um hidratante para pele em meu rosto.
— Pronto! — exclamou a coreana, demonstrando satisfação com seu serviço. Ela saiu da minha frente possibilitando com que eu pudesse ver o meu reflexo no espelho.
Eu realmente havia ficado bonita. Nada que eu já não tivesse visto, na maioria das vezes em que me arrumava para algum evento importante, a maquiagem sempre me caía bem. Ji Ah havia feito uma maquiagem completamente simples, realmente fazendo o que ela tinha dito: realçando a minha beleza latina.
E, mais uma vez naquele dia, eu me senti nervosa ao imaginar que estaria perto de Ho Seok.
Isso estava acontecendo frequentemente, não é mesmo?
Balancei a cabeça tentando tirar esses pensamentos da minha mente.
Mas, cá entre nós, sabemos que não funciona assim!
Lancei um sorriso de agradecimento a Ji Ah, não por ela ter tecnicamente me forçado a me arrumar por conta de Ho Seok, mas pela consideração que ela teve em uma ideia de me ajudar. Eu valorizava os pequenos detalhes nas atitudes das pessoas. Isso era algo extremamente importante para mim.
Saímos para fora do apartamento. Ji Soo já havia finalizado toda a organização do espaço para o nosso churrasco.
— Wow! — exclamou ao me ver. — Você está brilhante! — tentou elogiar, sorriu tímido, colocando uma mão atrás da cabeça.
Ri com a tentativa dele em me elogiar. Como eu disse, os pequenos detalhes eram os que me encantavam. Agradeci, chamando-o de “oppa”, fazendo com que o garoto de vinte e oito anos ficasse extremamente vermelho, provavelmente envergonhado.
Ele estava responsável por grelhar a carne, já que, segundo ele, Ji Ah sempre deixava queimar.
... Agora eu não ligo, é tudo meu.
Escolhas pelo meu destino, então estamos aqui.
Olhe para frente, o caminho está brilhando, continue agora.
(Pronto, prepare e comece)…
Eu encarava a torre jenga concentrada, qualquer movimento em falso causaria o meu fim. Aquele jogo era terrível! Tão terrível quanto UNO, com toda certeza, destruía amizades. A versão do jogo dos irmãos Park vinha com alguns desafios a serem cumpridos impressos em cada bloquinho de madeira, que juntos formavam uma torre. Estrategicamente, precisávamos retirar um bloquinho por vez, sem derrubar a torre.
Durante o jogo, percebi que uma boa jogada era sempre tirar os bloquinhos que ficavam no centro da torre, pois os que estavam nas laterais serviam como apoio uns dos outros. A questão é que todos já haviam sido retirados, restando somente os bloquinhos que ficavam nas laterais.
Ji Ah já estava com o rosto todo rabiscado e Ji Soo já havia postado uma foto cômica em suas redes sociais. Eu ainda estava de cara limpa. Infelizmente, não por muito tempo.
Droga!
Praguejei mentalmente ao fazer um movimento incerto e derrubar todos os bloquinhos na mesa baixa.
Os irmãos Park comemoraram, eufóricos, estavam torcendo contra mim desde o momento em que perceberam a minha estratégia. Eles armaram contra mim, com toda a certeza! Fechei os olhos e soltei um pequeno grito frustrada. Ji Soo tomou o bloquinho das minhas mãos e leu o que estava escrito sobre ele.
“Deixe que os outros façam desenhos em seu rosto com canetas coloridas”
Ji Ah soltou um pequeno grito empolgado e correu para dentro do apartamento, voltando com um imenso estojo escolar.
— Ji Ah! Você vai estragar todo o trabalho que teve ao me maquiar! — tentei argumentar, medrosa com o resultado. Me levantei lentamente, olhei ao meu redor, tentando bolar uma estratégia para fugir da coreana.
— Eu não me importo, Ho Seok provavelmente não conseguirá vir mesmo! —respondeu, dando de ombros, lançando-me um sorriso maquiavélico. — Oppa! — ela gritou pelo irmão ao perceber que eu estava me preparando para fugir.
O mais velho se levantou agilmente vindo em minha direção. Eu tentava não rir da situação, mas era impossível. Eles corriam atrás de mim tentando me capturar. Quando eu estava me aproximando da escada para descê-la e fugir dos irmãos Park, Ji Soo me capturou em um abraço por trás. Seus braços eram fortes e por mais que eu tentasse, me debatendo e gritando em súplica para que me poupassem, era impossível fugir dos braços do mais velho naquele momento.
— Com licença?! — uma nova voz preencheu o ambiente.
Ji Soo se virou para olhar para as escadas, ainda me prendendo em seus braços. Deparamo-nos com um Ho Seok meio confuso, provavelmente não compreendendo o que acontecia naquele momento. E não era para menos, estávamos gargalhando e gritando como loucos.
As gargalhadas se cessaram e um silêncio pairou no ar. Por algum motivo, senti-me constrangida por ser pega abraçada com Ji Soo daquela forma.
— E não é que ele veio?! — Ji Ah brincou, passando por nós e dando um tapa nos braços do irmão para que ele me soltasse, continuando seu caminho até Ho Seok. – Seja bem-vindo a minha humilde residência, Ho Seok! — falou informalmente, abrindo os braços para apresentar o espaço — Posso falar informalmente com você fora do trabalho, não é? É insuportável ter que ficar usando honoríficos com pessoas legais. — ri ao lembrar de Jung Kook que usou aquela mesma frase.
Ho Seok assentiu, hesitante. Seu olhar caiu sobre mim, que agora não estava mais nos braços do irmão da minha amiga, mas ainda assim estávamos muito próximos um do outro. Pude observar um pouco de decepção em seus olhos, ele estava sério. Como na primeira vez em que eu havia o visto.
Ele estava vestido com um casaco longo cinza e suas roupas debaixo do casaco eram pretas, assim como eu. Em suas mãos, tinham algumas sacolas e era possível ver que eram garrafas de soju e latas de cerveja.
— Estávamos jogando jenga era a vez da Bo Ra-ah de sofrer as consequências por derrubar a torre. Mas ela estava querendo fugir. — explicou, percebendo o olhar sério dele sobre mim. — Você trouxe bebidas! Não precisava! — ela tomou a sacolas das mãos dele e o arrastou até a mesa baixa.
Os segui, sentindo Ji Soo logo atrás de mim. Me sentei na mesa e comecei a empilhar os bloquinhos para uma nova rodada, com o intuito de que eles se esquecessem de que aquela era a minha vez de sofrer as consequências do jogo.
O mais velho estava pronto a se sentar ao meu lado quando Ji Ah o interrompeu.
— Oppa! Pegue uma tigela de arroz cozido lá dentro para que eu possa servir Ho Seok. – a coreana segurou o irmão pelo braço, o empurrando em direção ao apartamento.
O mais velho segui casa adentro, soltando alguns resmungos, dizendo que ainda havia arroz ali fora e que ele não precisava buscar lá dentro.
— Sente-se. – se direcionou a Ho Seok, que ainda estava em pé, calado, nos observando.
Ele sorriu sem graça, assentindo e logo se sentando ao meu lado.
Agora eu havia entendido a jogada de Ji Ah. A olhei desconfiada e ela me lançou um sorriso travesso.
— Achamos que você não viria. – me direcionei a Ho Seok pela primeira vez naquele momento.
Me olhou com um pequeno sorriso de lado.
— Os meninos não me deixaram fugir mais cedo. — soltei um murmúrio de concordância.
Não podia negar, o clima estava meio estranho. Ele parecia um pouco irritado. Ji Ah provavelmente percebeu isso e logo tratou de pegar uma lata de cerveja e oferecer para ele, que aceitou.
— Não ache que você se escapou da sua punição Bo Ra-ah! — Ji Soo falou alto enquanto saía do apartamento com uma tigela de arroz nas mãos, lançando-me um sorriso maquiavélico.
Ele entregou a tigela para Ho Seok, que agradeceu com um aceno.
— Sou Park Ji Soo, irmão mais velho da Park Ji Ah. – o mais velho estendeu uma mão para cumprimentar Ho Seok, que fingiu não perceber enquanto formava um saquinho com alface e carne.
— Sou Jung Ho Seok, trabalho com as meninas. – disse sério. — Obrigado por me receber em sua casa. — finalizou, colocando o saquinho de alface na boca o devorando.
Ji Soo se afastou um pouco sem graça, não compreendendo a seriedade do mais novo, mas logo já estava ao lado de Ji Ah, pegando uma caneta do estojo. Mais uma vez, sorriu maquiavélico e veio para o meu lado.
— Oppa! Não! — supliquei em um grito, ouvi a gargalhada de Ji Ah enquanto seu irmão me segurava com uma mão e com a outra desenhava algo em meu rosto.
Ho Seok nos observava sério enquanto colocava saquinhos de carne e alface na boca um atrás do outro e os mastigava rapidamente.
— Oppa! Palhaçada, você foi bonzinho! — Ji Ah exclamou revoltada assim que o irmão se afastou de mim, deixando que eles vissem o desenho em meu rosto.
Pude perceber uma risada saindo de Ho Seok, mas sufocada pela comida que estava em sua boca. Peguei meu celular para ver a arte que o irmão da minha amiga havia feito em meu rosto.
— Oppa! — lamentei ao ver os risquinhos em meu rosto, eram os mesmos risquinhos que fazíamos em cartoons para expressar que as bochechas estavam vermelhas.
— Que foi?! Foi a minha vez de fazer sua maquiagem! — se defendeu, soltando uma gargalhada logo depois.
Ji Ah veio em minha direção. Eu já estava conformada com a situação, não havia como fugir. Ela sorriu triunfante ao terminar o desenho em meu rosto, olhei para Ho Seok, que estava ao meu lado, e o garoto se engasgou com a comida que estava em sua boca ao me ver.
Apressei-me para ver a arte que a coreana havia feito em meu rosto!
— Ji Ah-ah! – esbravejei envergonhada, vendo o coração com um “H” dentro na minha bochecha direita.
— Ficou bonitinho. – Ho Seok comentou brincalhão, tomando um gole da sua cerveja.
Pude ver um sorriso bobo se formar em seus lábios, enquanto ele tentava esconder.
Depois da minha punição, montamos a torre mais uma vez, mas agora Ho Seok também jogava. Ele foi o primeiro a derrubar!
— Argh! Eu te falei pra não tirar dos cantos! — exclamei, envolvida com o espirito do jogo.
“Encare a pessoa ao seu lado por um minuto, sem desviar o olhar.”
Era o que estava escrito no bloquinho que ele havia retirado. Senti minhas bochechas queimarem ao ouvir o gritinho de comemoração de Ji Ah, alguém deveria tirar a bebida dela naquela noite.
Respirei fundo e olhei nos olhos de Ho Seok.
Não sei dizer quantos segundos se passaram quando comecei a ouvir as batidas do meu próprio coração e um formigamento na ponta dos dedos das minhas mãos. Ele sorriu travesso enquanto ainda me olhava. O som das batidas do meu coração era tão alto que não era possível ouvir mais nada ao meu redor depois daquele sorriso.
— Já se passou um minuto. – pude entender o que ele havia falado pelo movimento de seus lábios. Ele desviou o olhar, ainda mantendo o sorriso travesso no rosto.
Devo ter ficado presa em meu transe por mais alguns segundos. Pois quando conseguir me concentrar no ambiente ao nosso redor novamente, Ji Ah me encarava com aquele sorriso que dizia “ele gosta de você”.
Mas a questão naquele momento era, ele gostava de mim ou eu que estava gostando dele? Por que seu olhar havia disparado meu coração daquela maneira? Por que eu havia sentindo aquele formigamento estranho? Que efeito era esse que ele me causava?
Fiquei em silêncio, tentando entender o que havia acabado de acontecer, enquanto minha amiga remontava a torre mais uma vez.
Jogamos mais algumas rodadas até decidirmos fazer os jogos com bebidas. Eu estava ansiosa por aqueles jogos. Não porque queria ficar bêbada, mas porque sempre via nas novelas coreanas e ficava empolgada com a ideia de jogá-los com um grupo de amigos bebendo soju.
E, bom, eu era a novata ali não é mesmo? E o que isso quer dizer? Que perdi todas as rodadas! Sim, eu já não aguentava mais ver soju na minha frente depois daqueles jogos. A cerveja não descia mais.
— Essa eu vou ganhar! — exclamei, tropeçando nas palavras.
Mas eu não ganhei, os três que estavam ali começaram a rir. Bufei nervosa. Eu não aguentava mais beber.
Ji Ah serviu uma dose de soju em um copo para mim e antes que eu pudesse pegá-lo e tomar, Ji Soo o pegou e tomou por mim. A irmã o olhou indignada e Ho Seok pareceu irritado com atitude do mais velho.
— Gomawo oppa! – falei arrastado, agradecendo a Ji Soo.
Apoiei meu cotovelo em minha perna e descansei minha cabeça na mão, olhando para Ho Seok sentado ao meu lado. Deixei escapar um sorriso bobo dos meus lábios ao imaginar o homem ali na minha frente gostando de mim. Realmente, a bebida já havia tomado conta do meu consciente. Olhei para frente, me deparando com o olhar curioso de Ji Ah. Joguei-lhe um beijo no ar e soltei uma gargalhada logo depois.
— Acho que chega por hoje, não é mesmo Bo Ra-ah?! – a coreana se levantou, caminhando em minha direção.
— Me agradeça por isso. – ela sussurrou em meu ouvido enquanto me ajudava a levantar. – Ho Seok, você se importaria de deixar a Bo Ra-ah em casa?! Meu irmão não está em condições para dirigir e você provavelmente veio com seu motorista, não é mesmo?! – eu ainda ria boba da sensação de cócegas que o sussurro da minha amiga havia me causado.
— Claro! – afirmou enquanto passava um de seus braços por minha cintura e colocava o meu sobre seu ombro para que pudesse me ajudar.
— Eu não preciso de ajuda! – exclamei, tentando me afastar, tropeçando entre as palavras e em meus próprios pés.
— Imagina! – me puxou pela cintura novamente.
Ji Ah pendurou a minha bolsa em meu pescoço e me lançou uma piscadela travessa.
— Jalgaseyo! – gritei, levantando minha mão livre para acenar.
Antes mesmo que eu me desse conta, Ho Seok já havia me colocado no banco traseiro do carro e passado o cinto de segurança sobre meu corpo, logo tomando seu lugar ao meu lado. O caminho era um pouco longo, talvez o nosso trajeto durasse alguns minutos. Encostei a minha cabeça na janela do carro para observar a paisagem.
— Você não aguenta bebida, não é mesmo?! – questionou, brincalhão.
— Não como um coreano. – respondi risonha.
Provavelmente, ele tinha falado mais alguma coisa, mas não consegui ouvir, pois caí no sono.
Acordei com Ho Seok tentando me tirar do carro. Eu já estava um pouco sóbria, aquele cochilo havia me ajudado. Entretanto, eu ainda me sentia um pouco tonta.
— Venha, deixe-me te ajudar – ele falou, se abaixando em minha frente.
— O quê?! Você está louco?!
— Claro que não! Só será mais fácil para descermos as escadas! – me puxou pela mão para que eu me apoiasse em seu corpo.
Ho Seok foi ágil e eu nem tive como protestar. Quando me dei conta, ele já estava descendo as escadas comigo agarrada ao seu corpo em suas costas.
... Caminho que eu confio, caminho que eu vou
(Aquele caminho, caminho, caminho).
Virou meu destino, virou meu centro
(Onde quer que seja o meu caminho).
Foi difícil, e foi triste
(Apenas Ego, Ego, Ego).
Mas me confortou e fez com que eu me conhecesse
(Apenas confio em mim) …
— Eu não sou leve como as coreanas, isso não vai dar certo. – avisei, sentindo seus braços se apertando mais em minhas pernas.
Será que era possível que ele sentisse a velocidade em que meu coração batia naquele momento?! Temi que ele conseguisse perceber minha respiração descompassada e o meu nervosismo de estar assim tão próxima a ele.
Nós já estávamos alçando os últimos degraus para chegarmos até a entrada do hostel.
— Ho Seok-ah... – o chamei.
— Hm...
— Posso te perguntar uma coisa? – talvez eu me arrependesse da decisão que havia tomado.
Mas no dia seguinte eu poderia colocar a culpa na bebida e seguir a vida como se nada tivesse acontecido.
— Claro. – respondeu, me colocando no chão ao chegarmos na portaria do prédio.
Me coloquei de frente a ele e olhei em seus olhos. Eram tão brilhantes. O meu coração ainda não havia voltado ao ritmo normal. Eu não sabia o que era esse efeito que seu olhar tinha sobre mim, mas naquele momento eu decidi descobrir.
— Você por acaso gosta de mim? – questionei por fim, sem desfazer o contato visual.
— Johahae. — ele também não desfez o contato visual.
Por alguns segundos um silêncio pairou sobre nós, mas não havia sido um silêncio constrangedor, muito pelo contrário, estávamos ali aproveitando a presença um do outro.
Sem dizer uma só palavra, eu me aproximei dele, segurei-o pela gola do casaco e o beijei. Um beijo calmo, que fez todo o efeito de álcool em mim desaparecer. Agora, eu estava em minha plena consciência.
E, minha gente, eu estava beijando Jung Ho Seok! E, cá entre nós, que beijo!
Ele me envolveu pela cintura em um abraço, aproximando os nossos corpos o máximo possível e aprofundando nosso beijo.
— Um ano passa rápido, eu prometo. – Ho Seok afirmou, me apertando de lado em seu abraço.
— Eu sabia que estava me enfiando em uma enrascada. — lamentei, chorosa.
— Deixa de besteira, você foi a melhor coisa que me aconteceu desde que entrei no Bangtan Boys.
— Me engana que eu gosto. — era sempre assim quando eu ficava triste, entrava na defensiva.
O medo de me magoar era grande. Nós estávamos juntos desde aquele dia, fazia mais ou menos dois meses desde que tudo aconteceu. Não oficializamos relacionamento algum, mas ambos sabíamos que o que sentíamos um pelo outro crescia a cada encontro escondido nas salas de ensaios vazias da Big Hit; ou até mesmo numa caminhada na orla do rio Han durante a madrugada.
Ah! Eu amava a forma como ele entrelaçava os nossos dedos e colocava nossas mãos no bolso do seu casaco.
Eu estava realmente vivendo em uma novela coreana, era surreal se colocado em palavras, mas estava acontecendo. E eu sentia que era verdadeiro para ambos.
Estávamos em mais uma dessas caminhadas. Já se passavam da meia noite e por isso poucas pessoas eram vistas por ali. Mas ele nunca tirava o boné, todo cuidado era preciso se quiséssemos manter o que tínhamos.
Ho Seok acabara de me contar que viajariam na semana seguinte, embarcando em uma nova turnê mundial que duraria cerca de um ano. O primeiro show da turnê, tradicionalmente, seria em Seul. Dali, partiriam para os Estados Unidos, para a América Latina, a Europa e a Ásia. Teriam períodos nos quais eles voltariam para Seul rapidamente, o que queria dizer que não seria possível que nos encontrássemos.
— Você está fazendo parecer que estou indo para o exército — brincou, ficando de frente para mim. — Você irá sobreviver quando eu precisar ficar dois anos em uma base militar?
— Vamos terminar! — falei, chorosa.
Ho Seok gargalhou e me abraçou forte.
— Eu prometo te mandar mensagens sempre que possível! Você também estará focada no concurso de roteirista, nem verá o tempo passar. Vai ver só, quando piscar, já estaremos juntos!
Infelizmente, não fora assim que havia funcionado.
Nós até mantivemos contato no primeiro mês. Mandávamos mensagens um para o outro sempre que possível, praticamente todos os dias. Mas a frequência de mensagens começou a diminuir no segundo mês.
Ele estava cada vez mais ocupado, mas eu não o culpava por isso. Claro que não, eu compreendia que seu trabalho exigia muito de seu tempo, talvez a única coisa possível para ele estava sendo dormir. E se ele estivesse ao menos dormindo bem e cuidando da sua saúde, eu já estava feliz com isso.
Temos que concordar que eu já sabia da enrascada em que havia me colocado no momento em que lhe dei o primeiro beijo. Mas, naquele momento, o efeito que ele causava em mim e a forma como ele deixava o meu coração falaram mais alto. E eu não me importei em embarcar nessa. Não nego que foi tudo maravilhoso enquanto durou!
Eu estava caminhando pela ponte Jamsu. Era inverno e eu não sabia como estava aguentando o vento forte soprando contra meu rosto. Me apoiei no parapeito da ponte, observando o rio logo abaixo. Os raios de sol batendo contra a água era algo lindo.
Já se passava das oito da manhã e, naquele dia, eu estava esperando pela resposta do concurso de roteiristas da emissora JTBC. Eu ficava maravilhada com as oportunidades que o destino estava me permitindo agarrar.
Lembro-me no dia em que vi o cartaz do concurso. Ho Seok tinha acabado de me deixar na porta do prédio onde eu estava fazendo meu curso. Meu nível de conhecimento em coreano já poderia ser considerado intermediário. Eu conseguia me comunicar muito bem com as pessoas e até mesmo traduzir trabalhos do inglês para o coreano.
Acenei para o carro, que estava com os vidros escuros fechados, mas eu sabia que ele estava acenando de volta.
Entrei na recepção da escola, cumprimentando a secretária que ficava no balcão, como de costume. Eu sempre conferia o quadro de avisos com a esperança de que tivesse algum anúncio de emprego na minha área de atuação.
Foi então que me deparei com o cartaz.
“Concurso de roteirista para amadores.”
O que fez com que meus olhos brilhassem não foi exatamente o título do cartaz, mas sim a frase pequena que estava logo abaixo dele.
“É permitida a inscrição de estrangeiros com visto comprovado.”
Aquela era a minha oportunidade! Eu ainda teria pouco mais de um ano do meu visto de estudante. Vi naquele cartaz a chance de conseguir meu visto fixo e conseguir seguir carreira em algo que eu realmente amava: escrever!
Quando minha inscrição foi aceita e meu esboço foi elogiado pela equipe de avaliações, a primeira coisa que fiz ao receber a notícia foi correr para uma das salas de ensaio em que os garotos estavam ensaiando e contar para Ho Seok. Sem me preocupar em bater na porta, a abri e entrei na sala gritando:
— Eu passei! Eu passei – corri em direção a ele sem me preocupar com os outros seis pares de olhos me observando curiosos.
Os meninos já sabiam da nossa relação, mas não sabiam sobre o concurso.
Ho Seok me envolveu em um abraço apertado, me girando no ar.
— Chunghahae! — me parabenizou, se afastando brevemente, apenas para poder me olhar nos olhos.
Um sorriso se formou em meus lábios involuntariamente ao lembrar-me desse momento. Senti meu celular vibrando em meu bolso. O peguei rapidamente na esperança de que fosse algum sinal de vida de Ho Seok. Não era ele, mas o nome que aparecia no visor do aparelho me fez sorrir tanto grandemente quanto se fosse uma mensagem dele.
Atendi apressadamente. Era uma grande notícia, eu havia sido selecionada como finalista do concurso e poderia ter a chance de produzir um drama para a emissora junto a uma equipe de profissionais. Eu seria roteirista de uma novela coreana de umas das emissoras de rede de televisão a cabo mais famosas do país!
Assim que desliguei a ligação, minha única reação foi ligar para Ho Seok. Eu estava tão feliz que queria urgentemente compartilhar aquela notícia com ele.
“Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mensagens e estará sujeita a cobrança após o sinal”
Foram, uma, duas, três... Dez tentativas. E nada. Provavelmente, ele estaria dentro de um avião naquele momento.
Talvez, mais tarde ele retornasse.
Tentando deixar de lado o aperto que se formava em meio peito, liguei para Ji Ah.
— Chunghahae! — me parabenizou, sorri encorajada – Precisamos comemorar! Agora, você pode sair daquele cofrinho que você mora! — gargalhei ao lembrar das incontáveis vezes em que ela havia me oferecido de dividirmos um apartamento melhor. Mas eu tinha medo de não conseguir um visto fixo. Porém, agora poderíamos fazer isso.
— Oppa! — exclamei contente ao abrir a porta e me deparar com Ji Soo.
Ele estava com uma pilha de caixas nos braços e algumas sacolas nas mãos.
Eu e Ji Ah estávamos nos mudando naquele dia. Ela provavelmente havia alugado o irmão para lhe ajudar com a mudança. Como eu não tinha móveis e todos os que estavam naquele apartamento eram novos, não precisei de ajuda com a mudança, apenas abrir a porta para os entregadores.
Havíamos conseguido um ótimo lugar próximo à emissora, com quartos separados e por um ótimo preço. O fato de Ji Ah ser coreana facilitou para que conseguíssemos o contrato de aluguel. Afinal, a maioria dos senhorios não aceitam alugar uma propriedade para estrangeiros que não estejam residindo há vários anos no país.
Já fazia um ano desde que entrei para a equipe de roteiristas da JTBC e somente naquele momento eu tive coragem de me mudar com a coreana. Eu havia juntado dinheiro o suficiente para isso!
Ji Ah também havia conseguido um ótimo emprego de período integral em uma empresa de publicidade, que também ficava próxima ao condomínio que moraríamos.
Ji Soo jantou com a gente, grelhamos um pouco de carne e comemos com gimbap. Era pouco mais da meia noite quando ele se despediu e partiu para Incheon.
Involuntariamente, peguei o celular e abri o aplicativo de mensagens com o intuito de conferir se havia alguma nova mensagem; algum sinal de Ho Seok. Porém, nada foi encontrado. O BTS já havia voltado a Seul há algumas semanas, eles estavam promovendo um novo álbum, por isso era difícil encontrá-lo na empresa durante aquelas semanas. Mas ele poderia ao menos ter me mandado alguma mensagem, não é mesmo? Ou até mesmo apenas visualizado as que eu havia enviado.
— Você ainda confere o celular esperando uma mensagem dele? — Ji Ah se sentou ao meu lado no sofá, me entregando uma cerveja. — Eu sinto muito – lamentou, a olhei confusa. — Talvez se eu não tivesse te instigado e incentivado vocês não teriam se envolvido.
— Não! — exclamei, segurando sua mão. Ela parecia realmente decepcionada com a minha situação. — Você não tem culpa sobre isso! Eu que dei o primeiro passo.
Ela me olhou tristonha e eu lhe lancei um sorriso, tentando demonstrar que estava bem. Eu não estava, mas isso não se comparava ao que eu já havia sofrido. Na verdade, esse era o relacionamento que menos me fez mal em toda a minha vida. A única coisa que me fazia mal era essa falta de contato e talvez a possibilidade de que não estivéssemos mais em algum relacionamento. Porém, não fora nada que havia destroçado a minha saúde mental, como foi com o que me fez decidir mudar de vida.
Bebemos juntas aquela cerveja e logo cada uma foi para o seu quarto. No dia seguinte, eu teria uma reunião sobre a escolha do elenco do próximo drama em que trabalharia. Precisava chegar cedo na emissora.
Fechei a porta da sala de reuniões atrás de mim e saí cantarolando contente. Eu estava completamente realizada com a escolha do elenco! Park Hyung Sik trabalharia no meu próximo drama e ele havia feito questão em se oferecer para o papel, pois havia amado o roteiro. Como fã e profissional, eu não poderia estar mais feliz do que aquele momento.
Me encostei no beiral que havia no corredor do segundo andar, tendo a visão do andar de baixo, que estava lotado de adolescentes eufóricas. Observei a euforia das garotas e a dificuldade dos seguranças em contê-las. Aquilo era algo frequente na emissora, sempre em que um grupo de K-pop tivesse algum compromisso em algum programa organizado pela JTBC, o prédio da emissora era tomado por fãs apaixonadas.
Sorri ao lembrar do dia em que havia chegado naquele país, pronta para viver a minha nova vida. Naquele dia, o aeroporto também estava lotado de adolescentes e paparazzis, provavelmente eles estavam esperando um grande grupo de K-pop.
— Bo Ra-ah?! — estremeci ao ouvir aquela voz me chamar.
Ele me fazia tanta falta que já havia se tornado comum ouvir sua voz chamando pelo meu nome. Mas daquela vez parecia tão real que senti todo meu corpo se arrepiar. Ah! Maldito Jung Ho Seok, por que eu sentia tanto a sua falta?
Tentei ignorar meus pensamentos e focar na minha felicidade do momento. Eu trabalharia com Park Hyung Sik! Será que eu conseguiria colocar a Park Bo Young no elenco também? Isso seria irreal demais? Meu casal preferido dos K-dramas juntos em um drama que eu escrevi? Era demais para o meu coração de fã.
Falando em fã, o grupo que estava no primeiro andar agora havia se acalmado, estavam apenas cantando algumas canções do grupo e gritando o fanchant.
Meu coração disparou no momento em que ouvi o final do “hino” daquele fandom. Concentrei meus ouvidos quando elas começaram a cantar os nomes dos integrantes do grupo novamente.
“Kim Nam Joon! Kim Seok Jin! Min Yoon Gi! Jung Ho Seok! Park Ji Min! Kim Tae Hyung! Jeon Jung Kook! BTS!”
Meus olhos se arregalaram ao me certificar o que havia ouvido.
Senti alguém tocando meus ombros.
— Lee Bo Ra – ouvi sua voz novamente, mas agora bem mais próximo do que da primeira vez.
Me virei ainda incerta sobre meus pensamentos e com diversas probabilidades se formando em minha mente. Todas elas foram por água abaixo no momento em que encontrei seus olhos. Não eram os olhos castanhos que eu tanto conhecia, pois ele usava lentes de contato azuis, mas eram os mesmos olhos pelos quais me apaixonei. Jung Ho Seok estava agora na minha frente. Ele estava todo de branco. Por um instante, cheguei a pensar que fosse até mesmo uma alucinação. Mas ao sentir suas mãos tocando as minhas, tive a certeza de que era ele.
Um sorriso largo se abriu em seus lábios e ele me envolveu em um abraço apertado sem se preocupar com os olhos que estavam focados em nós e com a possibilidade de sermos vistos pelo grupo que estava no primeiro andar.
Eu não tive forças para retribuir o abraço, ainda estava imóvel, sem saber como reagir aquela situação.
— Por que você... — comecei quando ele se afastou do nosso abraço.
— Meu celular quebrou! – explicou, provavelmente já sabendo qual seria minha pergunta. — Quando comprei outro, não consegui resgatar a maior parte dos números. Eu até tentei conseguir seu contato com o RH da Big Hit, mas você não estava mais trabalhando lá e…
— Eu troquei de número quando fui contratada pela emissora. — completei em voz baixa. Eu estava tentando conectar todos os fatos em minha mente.
O puxei pelas mãos para algum lugar onde não tivesse tantas pessoas nos olhando.
Entramos no elevador e eu apertei o botão que indicava o último andar.
Me encostei na parede de aço, tentando manter o equilíbrio do meu corpo. Eu estava um tanto quanto impactada. A verdade era que eu já havia desistido de que um dia nos reencontraríamos, nem ao menos tinha a esperança de que ele ainda pensasse em mim.
Respirei fundo, o encarando novamente. Ele ainda me olhava com um sorriso bobo no rosto.
— Você tem certeza de que isso não é um sonho e eu não vou acordar chorando, sentindo sua falta incontrolavelmente? — questionei, ainda duvidando da imagem do homem a minha frente.
Ele soltou uma gargalhada, divertido com a minha confusão.
Se aproximou, colocando uma de suas mãos na parede do elevador ao meu lado. Olhando nos meus olhos, ele sorriu e eu estremeci. Ele encostou as nossas testas, eu podia sentir sua respiração soprar contra meu rosto, então, ele me beijou.
E como se ele estivesse lendo meus pensamentos, antes que minhas pernas vacilassem, ele envolveu seu braço livre em minha cintura, me segurando.
— Isso parece um sonho para você? — questionou, exibindo um sorriso travesso.
Não pude respondê-lo, pois as portas do elevador se abriram no momento em que abrir meus lábios para dizer algo. Eu poderia considerar aquilo como sorte, afinal, eu não conseguiria colocar em palavras o que eu estava pensando naquele momento. Eram tantos pensamentos que eu nem ao menos conseguia organizá-los em minha mente.
— Você esteve bem durante esse tempo todo? — quebrei o silêncio que estava sobre nós já há alguns minutos. — Digo, saudável, não passou mal ou precisou visitar o hospital? — completei.
Aquela era a minha maior preocupação. Pois, na verdade, era isso que importava, se ele estivera saudável no tempo em que não nos vimos.
Eu ainda não havia tido coragem de encará-lo depois do beijo. Eu estava segurando as minhas emoções, eu sabia que se olhasse em seus olhos naquele momento, desabaria em lágrimas. Estava tão confusa, mas no meio de todas as emoções que preenchiam meu coração naquele momento, eu estava feliz por tê-lo por perto novamente.
Ele saiu do meu lado e pude sentir sua presença atrás de mim. Seus braços envolveram meus ombros em um abraço e ele colou seu rosto na lateral do meu.
— Mianhae. — se lamentou.
— Pelo o quê?
— Por ter demorado para voltar para você.
Toquei em suas mãos, saindo de seu abraço, me afastando somente o suficiente para me virar e encará-lo. Segurei suas mãos, as olhando. Subi meu olhar para seu rosto. Seu semblante era de culpa. Sorri ao ouvir as batidas descompassadas do meu coração e ao sentir novamente o formigamento nas pontas dos dedos. A mesma sensação que havia sentido na primeira vez que nos encaramos por tanto tempo e que ficamos tão próximos um do outro.
— O importante é que você voltou e está aqui agora. — ele sorriu ao ouvir minhas palavras e me envolveu em um abraço apertado.
E, naquele momento, aconchegada ao seu abraço, com meu rosto encostado em seu peito, podendo ouvir as batidas descompassadas do coração dele encontrarem o mesmo ritmo das batidas do meu coração, eu permiti que minhas lágrimas caíssem. A felicidade de estar em seu abraço depois de tanto tempo era tanta que eu não consegui me conter. Ele estava de volta, saudável e seus sentimentos por mim não haviam mudado.
— Nonnaaaaa. — fui surpreendida por um abraço de Jung Kook, no momento em que aparecemos no campo de visão dos meninos que ainda estavam no segundo andar do prédio da emissora. — Eu estava com tanta saudade! — o mais novo passou o braço por cima dos meus ombros, me levando para onde os outros meninos estavam parados.
Olhei para trás, onde Ho Seok estava parado, um tanto quanto decepcionado por ter tidos nossas mãos separadas pelo mais novo. Gargalhei com a cena e voltei minha atenção para o maknae do grupo.
— Como você esteve, Kook-ah?! – perguntei num tom de voz fofo, arrancando um sorriso do garoto.
— A turnê foi maravilhosa! — exclamou alegre, vi o brilho nos seus olhos e sorri com isso. — A parte chata foi ter que aturar o Ho Seok hyung choramingando pelos cantos que não conseguia falar com você — revirou os olhos – Ele reclamava o tempo todo nonna! Só que ele não entendia que eu também estava com saudades e que ouvir ele reclamando me deixava triste! — fez um biquinho, como se estivesse imitando um cachorrinho que caíra da mudança.
Gargalhei alto. Aquele garoto era uma piada.
Sete anos depois.
— Você imaginaria?! — questionei nostálgica, alternando o olhar entre a paisagem a minha frente e o anel em meu dedo, sentindo Ho Seok atrás de mim me envolvendo pelos ombros em um abraço.
Estávamos na torre Namsan, já era noite e Seul brilhava lindamente. Havíamos acabado de fechar um cadeado com nossos nomes em meio aos diversos cadeados colocados em uma grade destinada especialmente para isso.
— De forma alguma! — respondeu sincero, me apertando forte em seu abraço.
— Quem diria que alguns cafés e um desastroso esbarrão fossem as ferramentas do nosso cúpido. — a sensação de nostalgia tomava o meu coração e eu não conseguia tirar o sorriso dos meus lábios.
— Não foram os cafés. — falou divertido.
Me virei brevemente para olhá-lo, curiosa. Afinal, o incidente do café havia sido a primeira vez em que nós nos encontramos. Foi quando nos conhecemos!
Ele sorriu brincalhão com a situação.
— Foi uma mala. — respondeu divertido.
Arregalei os olhos, surpresa, me lembrando do meu primeiro dia em Seul.
Antes que eu pudesse lhe dar qualquer resposta, Ho Seok me beijou.
O seu beijo me transmitia uma paz extraordinária. Fazendo com que eu tivesse a certeza de que havia tomado a decisão certa. Aquele era o meu destino, o mapa da minha alma me levou até ele. Esse era o meu ego.
... Aquele caminho, caminho, caminho.
Onde quer que seja o meu caminho
Apenas Ego, Ego, Ego. Apenas confio em mim …
Fim!
Nota da Beta: Confesso que me apavorei pensando que a Isa não ficaria com o Ho Seok, eu quis tanto esse casal desde o primeiro momento - já suspeitava que ele era o menino da mala HAHA Quando é destino, os encontros até tardam, mas não falham! Coisa boa essa história <3 Muito leve e divertida de ler!
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