Capítulo Único
Era 13h16 da tarde e seu marido, , havia acabado de sair porta afora, pronto para voltar ao trabalho. se sentou no sofá com seu notebook no colo e uma xícara de chá na mão. A tela do computador portátil se iluminou e a janela com o WhatsApp do marido que havia aberto mais cedo para enviar uma mensagem para a amiga pulou na tela. Seu celular havia pifado alguns dias antes e estava no conserto. Ela foi direto para o pequeno “x” a fim de fechá-la, mas antes que o fizesse, algo lhe chamou a atenção. Ela era morena, de cabelos curtos e um sorriso lindo, mas, acima de tudo, ela não estava ali da última vez que vira. Por um momento, se sentiu boba e paranoica, fuçando na vida pessoal do marido daquele jeito. Eles sempre tiveram seus limites, cada um o seu espaço e ela não queria ser a que desrespeitaria aquilo. Ainda assim, um formigamento estranho lá no fundo do seu estômago fez com que ela não fechasse a janela. Queria olhar. Queria ver se aquele sentimento ruim que vinha sentindo recentemente tinha fundamento ou não, apesar de não querer ser a esposa louca que desconfia de cada passo do marido.
Então ela respirou fundo. Eu não tenho o que esconder de você, dizia todas as noites em que chegava muito tarde e era questionado pela esposa, era só trabalho. E se era só trabalho e ele realmente não tinha o que esconder, que mal faria ela olhar, certo? Ela não tinha certeza. Mas no segundo seguinte, se pegou clicando no nome da mulher misteriosa. E no próximo, seu coração já estava em suas mãos ao ler as mensagens.
Acredito que sim. Que tal um jantar?
Eu tinha outras ideias, mas um jantar está ótimo.
Nós temos tempo o suficiente, meu amor, vou sair do trabalho mais cedo.
Vou ficar esperando.
Ela imaginou que ele ainda digitava, então finalmente fechou a janela. Sabia que ele provavelmente ainda estava parado no carro do lado de fora, escrevendo algo para a amante, e aquilo lhe fez ter vontade de vomitar. Ainda assim, não teve forças para levantar e tirar satisfações. Seu coração estava em pedaços e, de repente ela percebeu, sua vida também. Sua visão ficou embaçada pelas lágrimas e ela nem se importou. Jogou o notebook em qualquer canto, abraçou as próprias pernas e deixou que viessem. Ela não deveria estar surpresa, vinha recebendo sinais há semanas, mas a intensidade com que seu peito doía não transparecia isso. Seu mundo inteiro parecia ter desabado sobre os seus ombros e, naquele momento, ela sentia como se estivesse sendo esmagada por tudo aquilo de uma vez só.
pensou em todos os dias que o marido chegou mais tarde sem nenhum aviso, a deixou esperando com o jantar pronto, nas vezes em que ele simplesmente ignorou as refeições preparadas por ela por estar “cansado demais, eu vou dormir”. Se lembrou da quantidade de vezes em que ele entrou pela porta atrasado, lhe deu um beijo na testa, ignorando completamente sua boca, e ela sentiu o característico cheiro do Chanel N° 5. usava Dior. Não era com aquele homem que havia se casado, ela tinha certeza. O homem com que se casara era romântico, carinhoso, dedicado, lhe daria o mundo, se ela pedisse. Aquele homem nunca seria o motivo pelo qual ela se desmanchava em lágrimas em seu sofá novo. mudou e ela não conseguia entender por quê.
Eram namorados desde o colegial e tiveram exatamente 7 anos do melhor relacionamento do mundo antes que decidissem se casar. Bom... Decidissem talvez não fosse a palavra correta... Antes que concordassem em se casar. Pelo menos, era aquilo que todos continuavam dizendo para eles.
7 anos? Quando sai esse casamento?
Não passou da hora de vocês se casarem?
É melhor colocar um anel nesse dedo antes que perca a chance, em.
Eles eram consideravelmente novos, na época. havia acabado de se formar em Economia, com seus 22 anos e , com 24, estava prestes a subir de cargo na empresa em que trabalhava. Tudo ia bem, então... Por que não? Aquele era o próximo passo e eles tinham que dá-lo uma hora, certo?
Ele propôs. Ela aceitou. Foi dada a largada para a correria do preparo do casamento. tinha muito o que fazer e não podia contar com a ajuda do marido, que estava trabalhando o dobro de suas horas para conseguir a sua sonhada promoção, então optou por não procurar um emprego imediatamente. Precisava de muito tempo para preparar o que devia ser o melhor dia de sua vida, além da procura por uma boa casa para o casal, móveis e tudo que um marido e uma esposa precisam. Dois meses depois, o casamento foi lindo, a festa, maravilhosa, e ao ver tantas pessoas torcendo pela sua felicidade, sentiu, pela primeira vez, que estava no caminho certo, o que talvez a tenha levado a aceitar a proposta do marido de ficar em casa. Mas só por enquanto, eles combinaram. Mais do que nunca, ele precisava dela e ela estava feliz de poder estar ali por ele.
Agora, ele não estava ali por ela. E ela não sabia o que fazer, pois tudo ao seu redor era dele, fora comprado com o dinheiro dele. Até a pulseira em seu braço, a mesma que ela fez questão de arrancar e jogar em um canto qualquer. Se sentiu perdida e machucada.
Quando escutou o barulho do carro entrando na garagem, seus olhos foram imediatamente para o relógio de parede. 21h17. Naquele momento, foi como se um botão acabasse de ser pressionado dentro dela. Um botão que a fez retirar o olhar perdido, levantar e caminhar até a porta da frente. Não demorou para que ela fosse aberta e seu marido passasse por ela, adquirindo uma expressão surpresa por vê-la ali.
— ! Oi, amor. – Ela forçou um sorriso enquanto ele se aproximava para dar-lhe um beijo no rosto. Seus olhos imediatamente foram para o colarinho da sua camiseta, levemente manchado de vermelho. – O que tá fazendo aqui na porta?
— Te esperando. – Respondeu suavemente. – Eu fiz o jantar. – Anunciou, dando as costas para e caminhando até a cozinha, para onde ele a seguiu.
— Não precisava, amor. Eu comi no trabalho.
— Então por que não avisou? – Ela questionou ainda de costas para ele, sua voz assumindo um tom irritado com que ele não estava acostumado.
— Ah... Eu acabei esquecendo. – Ele disse, mas não recebeu dela nenhuma resposta. Ao entrarem na cozinha, a primeira coisa que ele viu foi a mesa farta com todas as suas comidas preferidas. – O qu... Você fez isso tudo? – Perguntou, esquecendo completamente do jantar caro que tivera mais cedo.
— É, bom... Mas você já comeu. – Se virou para ele, encolhendo os ombros.
— Esquece o que eu disse. – Disse, rindo maravilhado. se aproximou da esposa e lhe deu um beijo estalado na bochecha, que fez com que seu estômago revirasse. – Você é incrível!
Sem pensar duas vezes, ele pegou um prato no armário e começou a se servir sob o olhar atento de . Ela o observou se servir com calma, apreciando cada prato novo que descobria, até que uma montanha de comida se formou no prato antes vazio. Durante todo aquele tempo, ela imaginava, ele não parou nem um segundo para pensar que estava prestes a comer o que ela passara horas cozinhando pouco depois de se deitar com outra mulher. Era quase como se ele tivesse a certeza de que ela era facilmente enganada. Como se ela não notasse as manchas de batom, os atrasos, as roupas amassadas, a repentina mudança de corte de cabelo e perfume. Ela notou, sim, ainda que não quisesse acreditar, ainda que, por muito tempo, tivesse preferido jogar aquelas coisas para o fundo da sua memória. Ela notou. E queria matá-lo por isso.
— Então... Onde estava? – Ela perguntou com a sua usual voz passiva, calma.
— Você não vai comer? – questionou, ignorando a sua pergunta. Ela sorriu ainda paciente, e balançou a cabeça para os lados, negando.
— Onde você estava, ? – Voltou a perguntar. Ele acomodou seu prato na mesa e a encarou com um sorriso tranquilo.
— No trabalho, como sempre. Você não acreditaria na bagunça que um estagiário fez e sobrou para eu consertar. – Respondeu, revirando os olhos. assentiu, apoiando as mãos nas costas de uma cadeira, de frente para ele.
— O que ele fez? – Insistiu, querendo encurralá-lo. O marido pareceu não gostar muito da pergunta, mas não perdeu a compostura.
— Ah, bom... – ele fez uma pausa para tomar um gole de água, ganhando tempo. – Ele acabou misturando várias pastas de clientes diferentes e depois nós não conseguíamos achar nada, acabamos tendo que separar elas folha por folha, foi uma chatice. – Ele completou, sem vacilar por um segundo sequer em sua história inventada.
abaixou a cabeça, deixando seus cabelos caírem ao lado do seu rosto. Depois de tanto tempo de prática, suas mentiras ficaram melhores. Ela sentiu pena do estagiário que o marido manchava a imagem ao lhe inventar algo do tipo, ainda que aquilo nunca fosse chegar até ele. conseguia olhar em seus olhos e mentir sem nem mesmo hesitar. A prática realmente leva a perfeição. Ou a podridão completa, pensou. Não conhecia aquele homem e, naquele momento, ela percebeu que não fazia mais questão. O seu estava morto e já dizia o mantra, karma’s a bitch.
— Tá tudo bem? – Ele perguntou. Ela levantou a cabeça e o olhou, percebendo que ele sequer a encarava. Estava mais interessado na comida a sua frente e parecia pronto para começar a comê-la quando ela falou:
— Você não tem vergonha?
O garfo parou no caminho entre o prato e sua boca, já aberta. ficou parado por alguns segundos, tentando compreender a pergunta da esposa, mas não conseguiu. Seu ego era inflado demais para a ideia de ela saber sobre o seu caso extraconjugal ser realmente considerada. Então ele riu. Ainda que carregasse no olhar a dor de descobrir que o homem que deveria ser o amor da sua vida era uma mentira, ele riu.
— O quê? – Questionou com o olhar brincalhão.
— Eu perguntei se você não tem vergonha. – Ela respondeu, enquanto cada pedacinho de seu corpo se esforçava ao máximo para manter a calma, pelo menos por enquanto.
— Vergonha de quê, ?
— Vergonha de se sentar na minha frente, comer a comida que eu preparei, inventar uma história que nós dois sabemos que não é verdade meia-hora depois de estar com outra mulher. Vergonha de mentir continuamente para a pessoa que prepara o seu café da manhã, seu almoço e seu jantar todos os dias, mantém essa casa em ordem. Vergonha de se deitar ao meu lado noite após noite depois de tudo o que fez...
Ela manteve a expressão neutra e a voz estável durante cada palavra dita. E ele pareceu congelar em seu lugar assim que percebeu do que ela falava. Ela sabia. Mas, como um bom homem, ele não podia simplesmente se entregar sem lutar.
— Do que tá falando, ? Tá louca? Eu...
— Louca? – O interrompeu finalmente deixando sua máscara vacilar. Sua voz subiu alguns oitavos e seu olhar já mostrava os primeiros sinais de que queria matá-lo. – Você ainda não me viu louca, , acredite em mim. – Disse entredentes.
— Senta aqui, , vamos conversar. – Ele falou, se levantando e vindo em sua direção. imediatamente recuou.
— Engraçado... Você quer conversar agora. Não bateu papo o bastante com a... Como é o nome dela? Suria?
No momento em que ela pronunciou o nome, ele parou em um baque. Ela realmente sabia. Não estava simplesmente jogando no ar teorias vazias, ela havia descoberto e ele não tinha ideia de como. Respirou fundo, tentando pensar no que fazer. Ele não esperava aquilo, nem em um milhão de anos, e qualquer coisa que fizesse dali pra frente definiria o seu futuro.
Não queria perdê-la, de maneira alguma. Era a sua esposa, havia feito um voto de passar o resto de sua vida com ela e não estava pronto para abrir mão daquilo. Ele tinha que fazer algo, e optou por ser sincero pela primeira vez em meses.
— Eu... Eu posso explicar. Eu realmente posso explicar, , por favor. – Ele disse, a fazendo abrir um sorriso cômico.
— Eu tenho certeza que pode, . – Ela falou com a voz tão bem controlada que lhe deu arrepios. – Mas eu nunca disse que queria a sua explicação.
— Mas eu vou falar. – Afirmou com convicção, começando a se aproximar dela novamente.
— Fica aí! Eu não quero você perto de mim.
— Eu preciso olhar nos seus olhos, eu preciso...
— FICA AÍ! – gritou dessa vez, com pânico no olhar. Mas não foi isso que fez com que ele congelasse novamente em seu lugar. Não foi o grito, não foi o temor... Foi a faca que ela alcançara no balcão ao seu lado. – Eu juro por Deus, se você chegar mais um centímetro perto de mim...
Aquilo não estava nos planos dela. Apontar uma faca para ele, ou para qualquer pessoa, nunca sequer passou pela sua cabeça, mas ela não conseguia aguentar o fato dele estar se aproximando. Olhar nos seus olhos, ainda que distantes, doía. Não queria nem pensar na ideia de tê-lo perto, sabendo tudo o que ele a fez.
ficou em silêncio, com medo de fazer ou falar qualquer coisa que ativasse qualquer tipo de gatilho dentro dela. Não sabia como lidar com aquilo, pois nunca havia visto a esposa daquela maneira. Ela sempre fora calma, alegre, positiva, receptiva... O completo oposto da pessoa que via a sua frente.
— , amor... Calma – Ele disse suavemente, dando alguns passos para trás. Quando se afastou o suficiente para se considerar seguro, ele voltou a falar. – Vamos conversar, tudo bem? Eu vou te explicar tudo, eu prometo. Não vou mentir, não mais. Eu só preciso que você abaixe essa faca e me ouça. Não quero que faça algo que vá se arrepender.
continuou encarando o marido por um tempo que lhe pareceu eterno. Apertou seus dedos contra o cabo de plástico da faca. Nunca o machucaria. Mas, ainda assim, não a largou. Ela tinha o poder ali, ela tinha passado a tarde inteira entre lágrimas, imaginando o que faria quando ele chegasse em casa e não deixaria um rápido momento de fraqueza separá-la de seu objetivo, o de fazer o se sentir tão mal quanto ela. Ou, pelo menos, algo próximo o suficiente, considerando o motivo por ela estar ali, daquele jeito, naquele momento.
Assim, ela fechou os olhos por alguns poucos segundos, só para se recompor. Colocou ainda mais força no objeto cortante em sua mão, levantou os ombros e, quando voltou a abri-los, pôde quase sentir o fogo emanando deles.
deu a o melhor de si, ela foi a garota que todo rapaz quer apresentar à mãe, mas, para ele, isso não foi o suficiente. Lhe daria mais, então... Aquele pedacinho dela que ela nunca acreditou que ele precisasse conhecer.
— Senta. – Ordenou. Ele obedeceu, sorrindo levemente, imaginando que ela estava disposta a ouvi-lo. Ela estava, mas do seu jeito.
— Tudo bem, vamos lá...
encostou as costas no balcão e usou as mãos para se sentar nele, de frente para o marido, mas longe o suficiente para que ela não ficasse tentada demais a usar o objeto que ainda segurava. Sabia que as coisas que ouviria doeriam mais nela do que nele, mas não hesitou.
— Quem é ela? – Perguntou no exato momento em que já abria a boca para se explicar. Pego de surpresa, ele engoliu em seco antes de responder.
— É só essa garota que eu conheci em um bar no aniversário do Payne.
Dito e feito.
Ela apertou suas mãos em punho, sentindo os nós de seus dedos protestarem em dor. Daquela maneira, ela poderia ignorar a dor em seu peito. Não conseguia acreditar que as coisas pudessem ficar ainda piores.
— O aniversário dele foi há mais de três meses.
E só havia começado a notar as mudanças e descuidos do marido há pouco mais de um. Sentiu como se um balde de água fria acabasse de ser despejado sobre ela. Três meses. Ele a traia há, pelo menos, 25% de seu tempo de casados.
— Eu sei, eu sei... No começo, nós mal nos víamos, só começamos a ficar sérios há uns dois meses ou menos.
— Ah, isso não é lindo? Você ficou sério com a sua amante? Não é a coisa mais romântica que você já viu? – Disse sarcasticamente com um olhar que o fez sentir medo, ainda ciente da faca que ela segurava como se sua vida dependesse daquilo.
— Não foi o que eu quis dizer, , não é assim, tá? Eu... Eu nem gosto dela, era só...
— Ah, por favor! – Exclamou, aumentando o tom de voz. — Você realmente vai olhar nos meus olhos e dizer agora que não gosta dela? Pensei que fosse ser sincero pela primeira vez em meses e você vem com essa? Vê se cresce, !
— Tá bom, tá bom! Eu gosto dela, mas... Mas... Não é como você, . Eu não a amo como você, foi só... Eu não sei, é difícil pensar agora, mas eu juro que você é muito mais importante do que uma mulher qualquer...
— É claro que eu sou mais importante! – Gritou, pulando do balcão. – Você acha que eu esperava menos? Eu sou sua esposa, caramba!
Ela começou a andar de um lado pro outro, passando os dedos freneticamente pelo cabelo. Suas mãos coçavam, seu corpo inteiro parecia desconfortável e inquieto e tudo que ela via era o borrão dos móveis passando enquanto ela continuava andando para lá e para cá sem rumo, sendo seguida pelo olhar de .
— ...
— Me diz uma coisa. – O interrompeu, se esforçando para parar por um segundo. Se inclinou sobre a mesa, olhando no fundo dos olhos dele e esperando que aquilo fosse o suficiente para que ele fosse sincero. — Ela sabia?
— Sabia o quê?
— Não se faça de sonso, ! Ela sabia? Sobre mim, a sua esposa, ela sabia?!
Ele hesitou, o que já foi suficiente para uma onda de raiva começar a subir pelo seu corpo. Mas, ainda sim, ela esperou pela resposta. Queria ouvir da boca dele.
— Nã... Não exatamente.
No segundo seguinte ao fim de suas palavras, o prato antes cheio de comida era arremessado contra a parede atrás dele.
— Você tá brincando comigo, não tá?! Não pode estar falando sério.
— Foi parte de uma brincadeira com os caras dizer que eu era divorciado e depois eu não tive coragem de esclarecer as coisas, não foi por mal, foi só uma bola de neve que foi crescendo e crescendo até que eu perdi o controle, , por favor, calma. – Ele disse, se atropelando com as palavras por causa do nervosismo.
— Quer que eu fique calma?! Depois de tudo que me fez nos últimos meses, você acha que tem o direito de pedir que eu fique calma? Meu Deus, quem você pensa que é pra enganar duas pessoas assim?! – Ela sabia bem que seus vizinhos já podiam ouvir seus gritos, mas sua última preocupação era aquela. – Você não tem esse direito, ! E você não tem o direito de querer que eu te perdoe depois disso tudo, não tem!
— ...
— PARA DE FALAR! Não importa o que você fale, nada vai deixar isso melhor, tá legal?! Agora, pega o seu celular. – Mandou, ganhando dele um olhar confuso.
— Para que...?
— Pega a porra do celular, ! – Com pressa e atrapalhado, ele pegou o celular no bolso das calças e imediatamente o estendeu a ela. – Eu não quero. Liga para ela.
— O quê? Não, , eu não posso, ficou louca?
— Fiquei, ! – Gritou, batendo na mesa com força. – Completamente louca, não notou?! E é por isso que você vai fazer exatamente o que eu mandar, entendeu? Você perdeu o direito de fazer o que bem entender quando entrou por aquela porta e tentou pagar de bom marido depois de transar com outra. – Ele hesitou por alguns segundos, mas, no final, respirou fundo e discou o número da amante. fingiu que não se importou por ele tê-lo decorado. – Escuta aqui. – Disse, chamando sua atenção. Mais uma vez, ela se inclinou sobre a mesa, chegando tão perto dele que sentiu seu estômago embrulhar. encarou de volta a mulher que ele não conhecia, mas que não se atreveria a contrariar, ainda numa tentativa de tornar as coisas um pouco melhores. Não era como se reconhecesse o homem a frente dela também, então... Eles pareciam quites. – Você vai contar tudo para ela, tá me ouvindo? – Disse entredentes. – Desde a “brincadeira” imbecil do bar até a noite de hoje, do nosso casamento, das suas constantes mentiras, tudo.
Ele engoliu em seco, vendo de relance o brilho da lâmina da faca que ela apertava contra a mesa. Um simples movimento e ela poderia machucá-lo para sempre. No estado em que a via agora, não duvidava que ela fosse capaz de realmente fazer algo. Por isso, não levou muito tempo para que ele concordasse.
— Tá legal. – Falou, apertando o pequeno telefone verde. Aquele mesmo que havia apertado no começo disso tudo e que o havia trazido para a situação em que se encontrava agora.
— Viva-voz. – Ela disse simplesmente e ele apertou o comando.
O primeiro toque soou alto, fazendo seu coração bater a mil por hora. Ele desejou que ela não atendesse, assim poderia falar com ela quando tudo estivesse mais calmo. Lá no fundo, ele pensou que, se não conseguisse o perdão da esposa, pelo menos ainda a teria, ainda que aquilo fosse extremamente egoísta de sua parte. Suria merecia mais do que aquilo, mais do que ele, mas a ideia de ter as duas por tanto tempo e de perdê-las de uma só vez o aterrorizava.
Ela atendeu no terceiro toque.
— Oi, amor.
não respondeu. Não conseguia. Apenas ficou encarando a tela do celular de olhos arregalados. , percebendo o congelamento do marido, decidiu ir contra seus medos e instintos e deu a volta na mesa, parando atrás dele de forma ameaçadora. Faria qualquer coisa para fazê-lo falar.
— Você tem dois segundos para começar a falar ou...
— Oi, Su. – Ele disse e sorriu vitoriosa.
— Finalmente! Estava começando a pensar que tinha ligado sem querer.
— Não, eu... Eu só estava pensando.
— Não ia passar um tempo com a Nina?
Nina?
O corpo de se enrijeceu ainda mais e deu um passo para trás, assustada. Uma teoria já se formava em sua mente, mas não... Não podia ser. Ele não iria tão baixo, iria? Ela já não tinha certeza.
— Suria, eu... A gente precisa conversar. – Ele anunciou em um tom que mais parecia anunciar a morte de alguém, então decidiu deixar aquela parte para depois e se moveu, sentando em uma cadeira na ponta da mesa, de onde poderia olhar bem para .
— Tá tudo bem?
— Ahn... – ele hesitou, tentado a dizer sim, mas viu balançar a cabeça para os lados. – Não, não tá. Eu tenho que te contar uma coisa. – Disse, fazendo a esposa sorrir, satisfeita.
— Tá bom... – Suria parecia tão confusa quanto naquela tarde e naquele momento. – Pelo seu tom, é ruim, mas... Conta.
Mas ele ficou em silêncio. Abriu a boca e tentou fazer com que as palavras saíssem, mas foi incapaz de formá-las. esperou pacientemente, tendo certeza de que ele falaria as benditas palavras. Ele não seria idiota o suficiente para não falar.
— ? – Suria chamou depois de algum tempo, fazendo revirar os olhos para o apelido.
— Tô aqui, desculpa. – Ele respondeu imediatamente. – É... Su... Você se lembra do dia que nos conhecemos? – Perguntou.
— Claro.
— Então... É que... – mais uma vez, ele fez uma pausa. Mas não demorou muito para voltar a falar. – Bom, se lembra de quando eu falei que era divorciado? – Suria ficou em silêncio, provavelmente imaginando o que estava por vir. – Era mentira, eu... Eu sou casado.
Ambos ouviram uma respiração pesada do outro lado da linha, que fez se sentir mal pela moça. Sabia o quanto doía e ser “a outra” não devia ser muito mais fácil.
— Isso não tem graça, .
— Eu tenho uma esposa para voltar para casa todas as noites, não uma... – ele ergueu o olhar para antes de falar a palavra. – filha. Eu não tenho uma filha.
jogou seu corpo contra as costas da cadeira, chocada demais para sequer falar. Ela havia imaginado certo, ele realmente havia descido em um outro nível, o mais baixo deles. Sua respiração falhou e ela não sabia para onde olhar, o que fazer, o que sentir. Seu coração já estava em pedaços e ainda assim ele conseguiu pegar cada um deles e quebrar mais uma vez.
Talvez por se sentir tão perdida, ela fez a primeira coisa que se passou pela sua cabeça.
Em um movimento rápido, pegou o celular da mão do marido o celular e saiu em direção à sala com ele no ouvido.
— Oi, Suria, aqui é a esposa dele... – ela começou, mas foi interrompida pela mulher do outro lado da linha.
— Ah, meu Deus, me desculpa! Eu juro que não sabia que ele...
— Tá tudo bem, eu só queria dizer que eu sinto muito por ele ter te enganado assim. Você não foi a única a descobrir isso hoje. Sinta-se à vontade para vir aqui e matar ele, se quiser. Bom, se eu já não tiver feito isso antes. Melhor se apressar.
— Eu só quero nunca mais olhar na cara desse homem na minha vida.
— Ok. Fique bem, Suria. – Finalizou, se virando para o marido que a seguiu até ali e dando um giro de 360° em sua personalidade. – NINA? VOCÊ INVENTOU UMA FILHA!? – Berrou, arremessando o celular de última geração na parede ao lado dele, que pulou pelo susto, mas, no fundo, ficou feliz por ter sido o celular e não a faca.
— Eu tinha que dizer alguma coisa pra justificar minha volta para casa todas as noites! Ou preferiria que eu chegasse aqui de manhã?
— Eu preferiria que você não me traísse, ! Preferiria que você me respeitasse como mulher, como esposa, como a porra de um ser humano com sentimentos! É pedir demais?!
— Pelo amor de Deus, , os vizinhos vão achar que eu tô te matando com esses gritos e vir aqui. – Reclamou, ganhando dela um olhar quase que psicopata e uma risada irônica.
— Que venham, meu amor! Que venham ver o “homem” que você é, o marido exemplar, o futuro pai maravilhoso... Levou tão a sério que decidiu criar uma, não é? – Ela deu alguns passos para trás, parando ao lado de um vaso de cerâmica que havia ganhado do marido alguns meses antes. – Você tá preocupado com os vizinhos? Vamos dar um presentinho pra eles, então, ok?
Sob o olhar de , pegou o vaso de um metro nos braços e seguiu até a porta, abrindo-a. Já era tarde demais quando ele percebeu que o plano dela era jogá-lo na entrada. Seu primeiro impulso foi tentar impedi-la assim mesmo, havia pagado caro naquele presente, mas teve medo de deixá-la ainda mais descontrolada.
— Porra... – murmurou quando viu o grande vaso se chocar contra o chão e se espatifar em centenas de pedaços, fazendo um barulho que, na situação em que estavam, parecia até ecoar. Não que aquilo fosse alertar os vizinhos, pois eles já estavam mais que postos observando a briga de suas janelas, como ele conseguia ver pela porta aberta.
— Eu não acho que foi alto o suficiente, e você?
Ela não esperou uma resposta, foi logo atrás de outros objetos quebráveis, que ele tinha comprado, para arremessar na rua. Em algum ponto, ele tampou os olhos, na esperança de que aquilo fizesse com que a angústia de ver seu dinheiro ser jogado fora passasse. Não funcionou.
— , por favor, chega! – Pediu depois de um tempo, ganhando uma risada como resposta. – , vão chamar a polícia.
— E daí?! Eu não me importo, você ainda não entendeu? Espera aí. – Andou até a porta e colocou a cabeça para fora, vendo as silhuetas de seus vizinhos, que nem faziam mais questão de se esconder. – VOCÊS SABIAM QUE EU VENHO SENDO CHIFRAFA HÁ TRÊS MESES? – Perguntou aos berros, assustando até . – HÁ TRÊS MESES, PESSOAL! ENTÃO CHAMEM A POLÍCIA, CHAMEM OS BOMBEIROS, CHAMEM OS MEUS PAIS SE QUISEREM, EU NÃO ME IMPORTO! VOCÊS... – Foi interrompida pelo marido a agarrando por trás e puxando-a para dentro de casa, fazendo questão de fechar a porta. – ME LARGA!
— FICOU LOUCA? O meu chefe mora aqui perto, pelo amor de Deus! – Exclamou a soltando abruptamente.
Ela não respondeu, apenas o encarou com sangue nos olhos antes de voltar para a cozinha. Não queria parar. Queria colocar aquela casa abaixo, destruir tudo que era dele em troca do seu coração partido. Então começou pelos utensílios onde estavam os pratos que havia cozinhado em cima da mesa.
— Eu vou te mostrar o louca. – Murmurava para si mesma enquanto jogava todo tipo de comida diferente no chão e nas paredes. Soltou uma risada quando a parte divertida chegou: os pratos e copos, desde os guardados no armário até aqueles caríssimos que nunca sequer haviam usado.
Pedaços de vidro voavam para todos os lados e seus gritos de raiva soavam como facas para os ouvidos de , que assistia tudo apenas tentando se manter fora do caminho dela. nem se lembrava mais de onde estava a faca que segurou com tanto empenho, tamanho seu descontrole. Não queria pensar, ser racional, só queria perder o controle uma vez em sua vida. Queria não abaixar a cabeça, não ser passada para trás, não ser a nora preferida de sua sogra, queria destruir tudo que aparecesse em sua frente, já que o rosto do marido estava fora dos seus limites.
Quando não encontrou mais nada para quebrar, ela finalmente parou, sentindo como se tivesse acabado de acordar de um transe. Olhou para , meio escondido na porta e olhou para a bagunça que fizera, chegando a uma só conclusão: não poderia estar mais orgulhosa de si mesma. Não poderia deixar o coração dele em pedaços como ele fizera com o seu, pois ele claramente já não a amava tanto assim ou não a teria traído, então se contentaria com a louça e com o futuro. Sabia o quão dependente ele era dela para tudo, cozinhar, lavar suas roupas, limpar a casa e fazer basicamente tudo que não envolvia o seu trabalho no escritório. O que ele faria agora? Correria para a mãe? Talvez... Provavelmente. E ela adoraria saber que o adulto, o chefe de família, o filho de sucesso, havia corrido para os braços da mãe sem a esposa.
viu pela sua visão esférica sair de seu “esconderijo” lentamente, calculando cada um de seus movimentos, enquanto ela continuava parada admirando a obra de arte que fizera. Sua respiração estava pesada e suor escorria pelo seu rosto.
— Eu quero o divórcio. – Disse de repente, pegando desprevenido pelo que parecia ser a milésima vez naquela noite.
— Não, não, não, , nós temos que conversar. – Ele falou em pânico, se aproximando. não mexeu um músculo.
— Eu já tomei minha decisão.
Quando ela terminou de pronunciar as palavras, percebeu que ele se ajoelhava a sua frente, em cima de pedaços de vidro. Ela pretendia dar um passo para trás, mas não agiu rápido o suficiente e, quando viu, ele já abraçava as suas pernas.
— Eu sinto muito, , eu sinto tanto. Eu não sei como ficar sem você, por favor, por favor.
olhou para baixo, para os olhos marejados dele. Talvez ainda tivesse um resquício de amor ali, mas não o suficiente para chegar até ela. Sentia pena de si mesma, que havia deixado por tempo demais sua vida girar ao redor dele. Sentia pena de Suria, que havia confiado cegamente no pai de família que não existia na vida real. Dele, não sentia nada além da sensação de um buraco gigante em seu peito que ela ainda não sabia dizer o que era. Ele poderia se ajoelhar nos cacos de vidro, poderia deitar, poderia se arrastar, se quisesse, ela não se importava. Não se dava o direito de se importar com o homem que pegou tudo o que ela fez por ele, amassou e jogou no lixo. Ela merecia muito mais, poderia fazer muito mais. Que levasse tempo, ela colocaria sua vida nos trilhos novamente e sem a presença de .
Pensou por um momento que devia ter dado ouvidos a si mesma um ano antes. Aquela versão dela que estava completamente feliz com seu namoro, que não se importava com quando ou onde aconteceria o casamento. Não precisavam daquilo naquele momento. Mas se foi o casamento que havia revelado a ela a verdadeira pessoa que ele era, então tudo bem. Ela faria tudo dar certo no final.
A campainha tocou, fazendo com que ele largasse suas pernas. Ao abrir a porta, deu de cara com um policial e seu radinho na mão.
— Boa noite, senhorita. Nós recebemos denúncias de... – ele pausou sua fala ao olhar dentro da casa, notando a cena digna de um furacão ainda pior do que do lado de fora. – Posso entrar? – Perguntou, já entrando. – O que aconteceu aqui?
— Eu tenho certeza que os vizinhos já te deixaram a par dos acontecimentos, policial. – Ela respondeu, o seguindo pela casa.
— É... Mas eu prefiro ouvir da boca dos moradores da casa.
— Então você vai ter que perguntar para o meu ex-marido. Ele está na cozinha se quiser. Não moro mais aqui, sabe?
O policial a olhou confuso, mas seguiu seu caminho para a cozinha. Não era difícil de achar, bastava seguir a bagunça. Enquanto isso, subiu as escadas. Encontrou na parte de cima as duas malas cheias que havia deixado ali mais cedo e as puxou para baixo. Estava pronta para ir agora.
Quando chegou embaixo, o marido vinha cabisbaixo acompanhado do policial.
— Você tem certeza que tá tudo bem, então?
— Sim, não se preocupe, foi só... – viu a esposa com as malas atrás de si. – Não, ...
— Ei, pode me dar uma carona? – Perguntou para o policial, ignorando . – Meus pais moram perto da delegacia.
— Ahn... Claro. – Ele respondeu, já seguindo em direção à porta. Ela fez o mesmo.
— Sorria, ! Você tem a cama só pra você agora. – Disse antes de sair com um sorriso no rosto. Era falso, mas ela esperava que se o mantivesse ali tempo o suficiente, a situação se reverteria. – Conhece os McDoughals? – Voltou a conversar com o policial enquanto ele guardava suas malas no carro. observava tudo do vão da porta.
— Você é filha deles? Caramba, eu jogo pôquer com o seu pai há anos!
— Sério? Legal, que mundo pequeno.
Ela entrou no carro sob o olhar do marido e de toda vizinhança e, por um momento, se sentiu bem. Iria reconstruir sua vida, iria se reconstruir e estava animada para isso. Acreditava fielmente que corações partidos poderiam ser inteira e perfeitamente consertados. Era uma pena, para , que a regra não era a mesma para louças.
Little boy, you better run along, don’t wanna make me sorry.
FIM
Da mesma autora de VERSUS.
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