Capítulo Único
Eu vou explodir.
Foi o que ela pensou ao entrar correndo no quarto e quase se jogar na cama. Mas sua roupa estava molhada e os tênis sujos. Merda. O pranto já começara desde a rua mesmo, então ela não se importou. Apenas largou os tênis no meio do caminho e foi retirando as peças rapidamente, assim que bateu a porta. O que precisava era de um banho para que não tivesse risco de ficar resfriada. Que se exploda. Não voltaria para fora nem morta – ok, morta talvez. Os gritos e as vozes dos pais do outro lado da parede eram desconcertantes pra caramba e só pioravam tudo. Ela não precisava de mais chateação.
Quando era menor, morria de medo das brigas, até chegava a chorar e ficar roxa, pedindo para que seus pais parassem. Então, naquela noite, estava tendo algum tipo de déjà vu, e dessa vez ela pedia bem mais do que uma pausa.
O coração dela doía.
Aquela dor aos bocados, mas de uma força assustadora. Doía de uma maneira que ela jamais permitira. E era insuportável. Toda a situação. Ela inspirou o ar. Encostando as palmas das mãos sobre o rosto, notou a merda em que estava, e sem saída. Nada para se apoiar. Nada para segurar ela mesma ou o tranco. Ela expirou.
Passa logo, porra.
Mas doía. Não passava. As lágrimas caiam sem que ela percebesse. Vulnerável. Sentia-se fraca, tão quebrada. Literalmente em pedaços. Por que diabos ninguém nunca inventou dispensa para coração partido? Seus olhos estariam tão inchados pela manhã, ela não queria pensar em ter de levantar no outro dia. Não queria. Só queria dar um fim pra aquilo tudo e...
Então era assim. Desse jeito medonho e patético. Essa era sensação de ter o coração despedaçado. Como se pudesse afundar com um piscar de olhos.
Ela deitou a cabeça no travesseiro e pensou no ruído chato que suas lágrimas produziam. Além da dor de cabeça, agora. fechou os olhos. O som de baquetas tinindo em contato com os pratos apertaram ainda mais todo aquele sufoco que ela guardava por dentro. Terça-feira.
E eles ensaiavam às terças-feiras. Sem falta nem atraso. Eram pontuais em especial naqueles dias e ela começara a odiar aquilo. Os acordes ritmados de uma guitarra acompanhando uma voz máscula grossa e forte a fizeram resmungar sozinha. A banda não era ruim. Eles eram bons pra cacete, na verdade. A mistura de algo como Jazz com Reggae se tornara impecável. E o baterista entrava perfeitamente no terceiro período... Ela não fazia ideia de como havia decorado o fato.
Levantando o tronco, ela respirou fundo. Nas últimas semanas, estava tão esgotada e descontente que não tinha vontade alguma em se concentrar em qualquer coisa. abriu uma parte da janela do quarto e se deitou novamente, colocando as mãos atrás da orelha e encolhendo o corpo. Ela puxou a coberta e suspirou, controlando a respiração e fechando os olhos. As lágrimas eram insistentes, mas ela colocou a atenção absolutamente na bateria. Nas repetições dos toques ligeiros e explosivos, feitos para soarem em perfeito contraste com o resto, que era detalhe.
Merda. Ela apenas precisava de concentração. Respire com calma, respire com calma...
Entregar o coração quebrado para as pontas dos dedos de um completo desconhecido. Desapareceu. Quando as batidas vieram por cima novamente, delirantes, ela piscou, “por que estava tão emocionada?”, pensou e esfregou os olhos com as mãos trêmulas. Então decidiu sorrir para a parede, imaginando como seria o rosto da criatura que podia acalmá-la com o balançar de seus braços. Ela ficou imaginando a posição de seu corpo. A cor de sua camiseta, o tecido que tinha. Se ele sorria ou ficava sério. Se os seus cabelos selvagens ou arrumadinhos num penteado escroto. Será que ele fechava os olhos enquanto fazia um solo? E se ele tivesse uma namorada? Ou um namorado? Caramba, que a pessoa a perdoasse. O tom da pele, a cor dos olhos, o formato do rosto, na verdade, não importavam tanto assim. Só que as mãos... Minha nossa! As mãos eram tão relevantes. Muito mesmo. Pra caralho.
Foi assim que adormeceu: pensando nas mãos de alguém que ela não fazia ideia de quem fosse.
– Segura aí, pra mim, por favor! – alguém gritou no momento em que entrou no elevador, quando voltava no dia seguinte.
Ela se virou e pôs a mão na frente do sensor, deixando a porta do elevador aberta.
– Valeu – um rapaz alto passou por ela com um estojo de violão nas costas. levantou o olhar e assentiu, ele meio que sorria em resposta.
A porta do elevador se fechou e aquele foi o menor barulho que existiu lá dentro. Tinha outro garoto com ele, que ria de alguma coisa. Na verdade, ambos estavam aparentemente agitados pela conversa. Ela se encostou ao canto, enquanto o vizinho estava no seu oposto, com as costas na porta de aço, e segurava o estojo em um abraço. ficou quieta, mas prestando atenção. Certo, ela pensou, era impossível não prestar atenção do jeito que eles falavam.
Ela tem um vizinho e mal se lembra do nome dele. Talvez um ou dois anos mais velhos do que ela. Ele tem uma banda. E eles tocam todas as terças, mais ou menos às oito e meia da noite. Ela é completamente louca pelo baterista. Mas não faz ideia de quem ele seja. Sabe que é um homem, porque uma vez ela segurou o elevador para o vizinho e ele meio que estava abraçando o estojo de violão que trazia consigo, enquanto comentava com outro cara que estava animado para a noite. Que finalmente eles iriam sentir o cheiro de garotas naquele lugar – que era onde eles ensaiavam, provavelmente, e ela não sabia também onde era.
Alguma coisa tinha no quinto andar. Podia ser ali que ele morava, pois foi o andar em que desceu, junto com o outro cara. Sem se despedir diretamente. Ele só assentiu e saiu. Simplesmente assentiu e se foi. E ela se permitiu olhar para as costas dele. Era tão alto. Droga, ele era alto demais e os cabelos cobriam boa parte da nuca. Tinha os ombros largos e (ela riu ao imaginar aquilo) definidos, talvez. E a camiseta de flanela dele caia tão bem...
Será que ele conhecia o baterista da banda das terças-feiras? Ele só podia fazer parte da banda das terças... Caramba. Tanto faz.
se esqueceu do cara assim que entrou em casa.
***
A voz de soaria abafada demais no telefone se ela realmente ligasse para o vizinho. Além do mais, estava tarde e ele poderia muito bem estar na cama já.
Depois daquela noite no elevador, eles haviam se encontrado outra vez. No elevador. Ela suspeitava que tivesse olhado tanto, mas tanto para o estojo de violão nas costas dele que o deixou tão sem graça a ponto de ele começar a conversar com ela. E acabar contando sobre a banda. Sobre os seus meninos, como ele dizia. Sobre o quanto a música mexia com ele. E daí perguntou se ela queria assisti-los algum dia, pra ver se gostava.
Foi aí que ele pediu seu número. Na verdade, ele só deu o dele, porque ela não lembrava o próprio celular de cor – e para ajudar, estava sem ele no dia.
Isso foi há algumas semanas. Eles trocaram mensagens quase o dia todo durante todos os dias. E ele era tão diferente e legal. O nome dele era e por acaso era o favorito de , desde pequena. E eles estavam se tornando amigos, assim, de uma forma bem estranha, até porque eles não tinham nada a ver. O que foi bom, o que definitivamente estava precisando. Algo real. Concreto. Válido.
Ele tinha resposta pra tudo. E era engraçado pra cacete, o que contava muito. Além de que se preocupava com cada detalhe bobo da vida dela. Às vezes, quando seu celular vibra e alega uma mensagem dela, já sorri. Porque ele sempre diz algo agradável ou surge do nada com uma piada sem sentido.
Não que ela quisesse algo com sentido. Tanto faz. Sério.
Apesar de toda aquela aproximação de repente, ela ainda não havia perguntado sobre o baterista... Que certamente não era .
Droga, ! eu acabei de te encontrar no ônibus, mas você tipo me ignorou com tanta força que eu pensei que ter levado uma soco no saco doeria menos :( –
O celular dela vibrou com a mensagem.
desculpa??? eu não te vi hahaha –
Ei! aliás, vocês não ensaiaram ontem... –
Agora ela se lembrava. Um cara sorrira para ela no ônibus, mas ela desviou o olhar. Não o reconhecera. Ele até sorriu de novo e ela o encarara vagamente, sem vê-lo com nitidez entre as pessoas, com os pensamentos bagunçados e distantes.
a respondeu quase imediatamente. Ela adorava isso nele.
tivemos um problema. Pode nos ver semana q vem. Sem desculpa! e não me ignore mais, bad girl. –
Ela leu e pensou por um instante. Seria bacana vê-los. Em especial, o baterista, por quem ela tinha uma queda duvidosa. não contara ao vizinho sobre essa obsessão por um desconhecido. Era tão estranho. Completamente bizarro, mas, na verdade, a coisa mais real que ela já sentira também. E ela quase riu, se perdendo na imaginação de como seria vê-lo na sua frente. Mas não deu tempo. Os gritos no quarto ao lado a despertaram e ela sentiu seu coração se apertar.
Digitou a resposta para o vizinho, enquanto andava em direção à cozinha.
Era tão complicado ignorar qualquer coisa em sua volta, quando estava em casa. Sua cabeça doeu um pouco. Estava com tanta fome e sono, que só pensou em deitar na cama e reclamar sobre o quão ruim eram os dias que não eram terças-feiras, nos quais ela não poderia ouvir os rapazes tocando.
eu tô cheia deles também. merda, . Preciso ir. A gente conversa amanhã xx – ela enviou e desligou o aparelho.
Se ele piscasse, pensou ao se deitar na cama e olhar para a foto de no seu perfil, ela se afogaria.
E ele, sem querer, não deveria piscar sem ter a certeza de que a estava segurando. A maneira como eles haviam se aproximado – do nada – estragava tudo, porque, porra, os dois estavam tão próximos. Praticamente sincronizados. conseguia deduzir o que aquela menina sentia pelo jeito como ela digitava uma mensagem.
O problema – para ele – era que ela não estava querendo bem se sincronizar com ele. E, caramba, essas coisas podem ser percebidas de longe quando não são para ser. Ela estava tão em outra. Não na dele. Merda! Qualquer um perceberia.
Que grande besteira imaginar que... olhou uma última vez para a tela antes de deixar o celular de lado e fechar os olhos. Ele só precisava se encontrar e não perder o controle. era só uma amiga. As pessoas não podem nem devem impor o seu amor para outras, ele sabia daquilo. Sabia muito bem. Eles eram amigos e continuariam sendo até que ele não fizesse qualquer merda, acabando com tudo. As coisas não podem pular etapas ou sofrer algum tipo de interferência. E ela é uma amiga, ele repetiu para si mesmo.
Uma amiga... Uma amiga...
repetiu até cair no sono.
– Foi mal não te ter contato antes. Eu só... – disse , tentando soar natural. Era a primeira vez que ela descera no quinto andar. estava na frente dela, parado, abrira a porta do apartamento há poucos segundos e não falara nada. Absolutamente nada. Apenas a olhou e esperou que ela começasse... Ou fora isso que ela entendera. Talvez ele não estivesse esperando nada, talvez estivesse com sono, ou...
encostou o ombro na porta. Os olhos dele estavam buscando se focar em alguma coisa em . E ele fez uma cara séria. Sem demonstrar o mínimo de impressão, de partido, de qualquer porra de coisa. Isso era tão estranho. Tudo ali. Em ênfase por ela ter, sem avisar, descido e tocado a campainha da casa dele.
– Sei lá. Só... – ela continuou, mas fechou a boca ao perceber que sua voz falhara.
Droga. Será que não dava pra ele parar?
Ele a encarou por um instante, com precisão. Depois desceu o olhar sobre ela e deu de ombros. Assim. deu às costas para ela e entrou na casa.
– Vem, . Tô sozinho em casa, vendo Game of Thrones. Entra – chamou. – É só encostar a porta, menina – ele se virou.
desabou no sofá da sala e olhou para os lados, avistando o controle remoto no canto esquerdo. Esticou o braço, mas não alcançava. Então, levantou o olhar para e deu um sorriso. Daqueles que ela já estava acostumada.
– Por favor – pediu com um sussurro.
A menina caminhou em direção ao controle e o pegou. Segurou-o na frente de , mas ainda fora de seu alcance.
– Não acredito que você fez isso. Caramba, . Eu pensei que você tivesse zangado – disse ela, mantendo a expressão séria. Ele começou a rir e ela jogou o controle em cima do colo dele, se segurando para não xingar o vizinho.
Ele apertou o play, ainda rindo, ao mesmo tempo em que ela se sentava no canto oposto ao dele e olhava para a tela da televisão.
– Você gosta? Tudo bem por você? – ele perguntou depois de uns quinze minutos de um episódio a que ainda não havia chegado, pausando o vídeo.
– Isso é meio que um spoiler – disse e ele se virou para ela, quase assustado. Ela não conseguiu não sorrir. – Tá tudo bem. Eu sou a favor de spoilers.
– Você é tão... – o vizinho estendeu a mão para tocar. – O mundo precisa de spoilers. Por toda a parte. – E se levantou num pulo, assim que ela separou a própria mão da dele. – Você quer beber o quê?
– Nah – ela balbuciou. – Pode ser qualquer coisa, obrigada.
– Qualquer coisa não tem – disse . – Nossa, , você não tem humor mesmo. Assim não dá, cara.
Ela fez uma careta, gesticulando com as mãos, como se não tivesse culpa de ser daquela maneira.
apertava os olhos enquanto ria sem jeito, no momento em que ele voltava da cozinha. Ele nunca ria sem jeito para ela e fora tão agradável que ela simplesmente ficou o olhando com atenção, percebendo alguns detalhes que nunca imaginaria se ele não estivesse rindo daquele jeito. Foi quando ele se derramou no sofá de novo, as pernas esticadas e tocando levemente as coxas de .
– Foi mal – ele se desculpou, entregando para ela um copo de plástico colorido. – Leite com achocolatado. Tá meio gelado.
pegou o copo.
– Meio? – disse ela, rindo. Ela bebericou enquanto ele a olhava, quieto.
Ele levantou de novo e pegou o celular em cima da mesa no canto da sala. Voltou ao sofá, se sentou meio desajeitado e digitou alguma coisa rapidamente.
O celular de vibrou em seu bolso. Ela apenas deu de ombros.
se ajeitou no sofá e pegou o outro copo para si. Levou-o à boca enquanto olhava para .
– Vê a mensagem – ele disse, colocando uma das mãos atrás da nuca. – Para de graça, . Lê essa merda logo.
– Não – disse baixinho, determinada a irritá-lo.
Ele desviou o olhar para a TV. Deu play no vídeo, mas pouco prestou atenção. Depois de uns minutos, olhou para ela e deu um sorrisinho.
– Grande bosta – declarou. – A mensagem não é de meu interesse mesmo.
– Oh – ela entreabriu a boca, fingindo se espantar. – Minha nossa! Minha nossa, , agora eu fiquei surpreendida!
colocou as duas mãos sobre o rosto e apoiou os cotovelos nas coxas. Logo, percebeu que ele estava segurando o riso, que estava saindo tímido e baixo. Ela o empurrou de brincadeira, também rindo, e tirou o celular do bolso em seguida.
– Pra que esse número? – ela perguntou ao abrir a mensagem.
Ambos já haviam encerrado a crise de risos.
– É dele.
– Dele? – ela repetiu.
assentiu com um pequeno sorriso. Aquele meio sorriso da primeira vez que se viram no elevador, ele conversando animadamente com – como ele havia explicado para depois – o baixista da banda e irmão de uma ex-namorada, da primeira namorada de . Não havia motivo, mas aquele meio sorriso deixava tão vulnerável de novo. Como se ele pudesse – e fosse – a abandonar a qualquer momento, e na partida daria um daquele para se despedir.
Não seja boba. Ela só estava sendo uma boba.
É claro que ele não faria aquilo. Eles eram amigos agora. De alguma forma, eles haviam se aproximado e estavam tão próximos que tocara a campainha da casa dele tarde da noite, porque não aguentava mais ficar com todos os próprios problemas só para ela e queria... Droga... Ela queria vê-lo.
E também, ela pensou com rapidez, ele não poderia abandoná-la. Eles moravam no mesmo prédio. Ela só estava há três andares acima da casa dele. Não precisava de muitos passos para ter a certeza de que ele estaria ali. Para ela. Quando ela precisasse.
Ele mesmo havia dito aquilo, ela lembrou e deslizou os dedos pela tela do celular, procurando a conversa deles. Sim. Sempre que precisar. Ele dissera. Não fora ela que inventara ou lera errado. Ela soltou um riso ao perceber que ele era a pessoa com quem ela mais conversara nas últimas semanas. Então, riu um pouco mais alto e chamando sem querer a atenção dele, não havia por que se preocupar. estaria ali. Nem que para apenas esboçar aquele meio sorriso que a deixava com receio por nada.
– Certo, eu só mandei o número dele, porque, tipo... Você já sabe, né? – ele retomou a conversa.
Ela bloqueou a tela do celular e o deixou de canto.
– Não sei. O que quer que você esteja pensando, tenha certeza de que eu não vou fazer. – Ela encontrou o joelho dele sobre o sofá, ao colocar as pernas para cima e se arrumar numa posição mais agradável.
De repente, ela estava tão tensa que esquecera totalmente do baterista.
– O nome dele é – ele pareceu ignorá-la e continuou falando. – Ele é mais ou menos da minha altura, tem uma voz bonita pra caralho que eu nem sei por que ele não tenta cantar. Você pergunta para ele qualquer coisa sobre rock que ele vai te responder. Ele já teve praticamente o dobro de namoradas que eu e os outros caras, mas isso é porque ele realmente presta e sabe como tratar uma mulher.
riu, se sentindo nervosa.
– , para com isso, tá bem? – ela o interrompeu. Ele estava falando tão rápido e animado que ela não conseguia se concentrar no que ele dizia, porque estava prestando atenção no jeito como a boca dele se mexia adoravelmente.
A boca de , talvez, não chegaria aos pés do que a de tinha de beleza.
– Mas eu estou tentando ajudar. Por que eu devo parar? – se defendeu. A carinha dele era tão fofa. Ele nem parecia ser aquele rapaz de antes. Todo sério e engraçadinho. era o paradoxo mais louco que já conhecera.
– Eu não quero a sua ajuda – disse ela, fria. – Não é por mal. Eu só não vou ligar pra esse cara, porque eu nem o conheço.
– Para com isso, – ele a ignorou novamente. – Para de ser boba. É só mandar uma mensagem pra ele. Pode falar que eu que passei o número, cara. Você deveria ligar para ele. Mas acho que uma mensagem já tá ótimo.
– O quê? – ela revirou os olhos. – Não. Não, – disse , abaixando a voz. – E, aliás – ela se ajeitou no sofá, ficando de frente para ele –, pensei que você tivesse ficado bravo. Eu sei lá, . Você é tão estranho.
– E você é um mar, – ele murmurou. Depois se virou para ela também, arrumando seu corpo. – Um oceano inteirinho! E uma boba. Uma boba, porque eu estou aqui, tentando ajudar e você simplesmente não quer.
Ela o empurrou de novo. Dando tapinhas no ombro dele.
– Sou o quê?
– Oceanos... – ele riu, segurando a mão dela gentilmente, quando ela recuou e parou de bater nele. – Ei, não seja pessimista.
– Talvez – ela pensou. – Ou, então, talvez seja eu quem os faz, não? – sorriu para a mão dele sobre a dela. Naquele momento, ela quase entendeu o quanto eles estavam próximos. Quase entendeu o que ele estava sentindo. – Não precisa se preocupar com essa merda, tá bem? Não é nada demais.
– Em qual universo alternativo? – A voz de soou falha, mas ele a recuperou. – A questão é outra. Que tipo de cara eu seria se deixasse você na mão com o ? Você tem um crush nervoso em alguém que nunca viu. Você pode se ferrar completamente. Eu não posso deixar isso escapar.
riu alto. Muito mais alto do que queria.
– Vem ao nosso ensaio. Por favor. Só pra gente tocar em homenagem a você – disse ele, dando o sorriso mais contagiante do planeta.
Ele era tão lindo, meu Deus! Lindo de verdade, por inteiro. O baterista. Ele tocava como se fazer aquilo fosse a coisa mais simples e fácil do mundo. E ele sorria para ela, uma vez ou outra. Mas todos sorriam também. Todos os quatro integrantes. Principalmente o , que estava visivelmente feliz com a presença de no espaço.
Quando ela chegara, um pouco atrasada e tímida demais, o a abraçara tão forte e ela não soube explicar como foi aquilo. Ela não se lembrava de quão alto ele era. De como ela ficara pequenininha e, ao mesmo tempo, em um perfeito encaixe ao corpo dele. Foi uma sensação tão wow! A melhor do mundo. E ela se sentiu tão bem dentro do abraço dele que se perguntou por que não fizera isso antes.
Por que demorou tanto para estar com os braços de em volta de si?
– Ele está aqui – o vizinho sussurrou no ouvido dela, para piorar tudo. – Você está pensando nele, eu aposto.
Não estava. Nem pensar.
Não. quis poder responder. Mas... O abraço. Puta merda. Era tão bom. Ele era tão alto e parecia ainda mais agora. Ela queria dizer que não estava nem pensando na possibilidade de estar ali, no momento, quem quer que fosse. Ela quase disse alguma coisa para , só que preferiu não se desconcentrar. O abraço dele era tão calmo e de repente forte e preciso. Compacto.
Quando ele a soltou, ela lamentou com a voz baixa e ele não entendeu. pensava que ela estava era louca para ver o baterista. Que pensando agora, fora o motivo que começou tudo aquilo.
***
O provavelmente conversava tão bem que fazia se sentir uma idiota antes mesmo de trocarem algumas palavras. Mas realmente prestava. estava certo sobre ele saber como tratar uma mulher. E não era só isso. Ele sabia tratar qualquer ser humano de um jeito que ainda não conseguia descrever. Além do mais, era inteiramente apaixonado pela sua bateria. Pela sua música. Pela sua banda. não teve coragem de elogiá-lo tanto quanto pensava. Ela sabia que ele já deveria ter reparado na maneira como ela sorria em resposta.
Quase como apaixonada.
Que idiotice. Ela estava sendo tão infantil e...
Ela esperara tanto por isso. Por aquele momento. Ela queria numa intensidade tudo que estava bem na sua frente agora. Sério. Muito sério. Vê-lo tocando era uma das melhores coisas do mundo, não precisava nem se esforçar para ganhá-la. Aquele cara era meio que a fusão de todas as coisas boas da vida. Era exatamente o que conseguia perceber quando estava perto dele.
Os olhos dele eram mais claros do que ela imaginou. E brilhavam quando ele se aproximou dela para um cumprimento. Com certeza ele era assim com todo mundo. No entanto... Minha nossa. Ele era incrível. Foi quando os apresentou que ela teve certeza de que era mesmo real, de verdade, e não uma ilusão.
não comentara. Mas era um pouco tímido também, o que funcionou mais ou menos bem. No começo, ele não soube exatamente quem ela era – e como sabia? havia proibido de dizer qualquer mínima coisa sobre ela para –, então ficou ligeiramente envergonhado com a situação.
A primeira coisa que ele dissera diretamente para ela foi: me chame de . E estendeu a mão. O fez uma careta e disse alguma coisa engraçada para , algo como “se ele não for fazer, faça você mesma” e deu-lhe um empurrãozinho. Ela olhou para – ok, para – e sorriu com nervosismo. Estava tão nervosa e queria tanto poder medir as mãos dele. Ela queria olhar para cada e qualquer coisa dele.
– Você devia ter dito antes que uma garota viria – foi o que disse, brincando, depois que ela o cumprimentou com um beijo na bochecha esquerda. Será que as bochechas dele eram macias assim mesmo ou ela já estava imaginando coisa? – E me desculpe mesmo, , por não me preparar antes.
O modo como os lábios de se mexeram ao pronunciar seu nome, deixaram mexida. Merda. Ela era uma bagunça tão grande e desproporcional. Tão atrapalhada e medrosa. não conseguia nem conversar direito com um rapaz normal sem parecer insegura e esquisita. Cada vez que ela o olhava e pensava que aquele era o baterista, ela já caia em sorrisos.
E em seguida, tudo caia junto.
***
– Onde o foi? – perguntou , olhando para os lados e procurando o vizinho.
Os outros dois meninos já haviam ido embora. Só os três estavam ainda ali. E, do nada, sumira. Sem avisar nem nada.
Se ele estava pensando em deixá-la sozinha com o . Puta merda. Ela iria brigar muito com ele, pra caramba. Pensando melhor, não conseguia brigar com ele nem se fosse preciso. Mas, merda – merda de novo! Ele não podia deixá-la sozinha com o baterista. Aquele ali na sua frente, sentado tão próximo e com o rostinho feito de anjo a desconcertava.
Ela se levantou antes que pudesse ficar desesperada.
– Vou procurar ele. Eu... – ela se virou e olhou para sentado. O rosto dele, o cabelo... Tudo era tão... Minha nossa. Por que ela tinha de ser tão boba mesmo?
– Certo – disse e se levantou também. – Eu vou com você.
E foram.
encarava o teto.
Acabara de receber uma mensagem de e ela realmente não gostaria de pensar sobre aquilo na hora.
Na verdade, ela deveria estar procurando um emprego melhor do que o que tinha. Mas ela também não estava com cabeça para tanto. Ela só queria, sei lá, não se sentir mais mal por conta dos gritos na casa e das notas da faculdade. Facilmente, era quase certeza, ela iria bombar no primeiro semestre do curso de Fotografia, porque em todas as aulas práticas suas notas estavam em vermelho. A sua câmera fora vendida no meio do segundo mês de aula e ela realmente não sabia o que fazer.
Tanto faz, ela pensou. Provavelmente abandonaria o curso no final do ano, porque não estava aguentando mais tanta pressão. Não passava um dia sem ouvir dos pais o quanto a situação financeira da família estava ruim.
Estava péssima. E ela também se sentia assim. Sobretudo quando os pais brigavam até tarde da noite e ela não conseguia dormir por estar pensando neles.
yey. marquei um showzinho particular do pra você. –
Ela releu a mensagem que ele enviara há dez minutos. E sorriu.
era a única pessoa que arrancara sorrisos dela ultimamente. Às vezes, também. Mas caramba, ela se sentia tão mal por sentir tanta coisa por ele e nem o conhecer direito. E às vezes, se sentia mal por querer fazer de tudo para ajudá-la, quando ela não tinha nem certeza do que estava acontecendo dentro do próprio coração.
Ah. Ela era uma bagunça completa. O vizinho tinha tanta paciência com ela.
desculpe se me meti demais entre os dois, mas espero que você curta muito, se você tiver de verdade curtindo o cara :) –
Que bonitinho. Uma mensagem de acabara de chegar de novo. Ele deveria estar preocupado com a demora na resposta de . Gente, ela pensou, rindo.
você é uma graça. obrigada por tudo, – .
não a respondeu naquela noite.
Nem na manhã seguinte, quando a primeira coisa que fez ao acordar foi checar o celular.
O dia inteiro, ele não deu um sinal de vida. Ou ao menos, respondera outras duas mensagens dela perguntando se: 1) ele estava bem, 2) ele estava bravo.
Durante o trabalho, ficou pensando nele. Ela pensou tanto nele que nem conseguiu ficar feliz com a mensagem que recebera do . Aliás, ela não deveria ter feito o que fez. Perguntado a sobre .
Mas, droga. queria tanto que aparecesse...
***
Mas, que porra...
jogou a mochila no chão do quarto. Como ele era idiota. Meu Deus, que grandíssimo idiota ele era!
Não conseguia acertar uma. Tinha de fazer sempre – sempre, sempre, sempre – alguma besteira e ferrar com tudo. Ele havia montado todo o esquema para e e agora o cara havia cancelado. Dado um bolo nele, e ele daria, portanto, um bolo em . Nem ferrando, ele não queria mesmo fazer aquilo. Não queria ser a pessoa responsável por quebrar o coração daquela garota. ficava com raiva só de pensar na possibilidade de, alguma vez, ter se machucado assim. E ele já estava agindo como um babaca durante toda a semana com ela, ignorando suas mensagens e tudo mais.
Ele se odiou por um momento. Odiou tudo o que planejou para ela e . Porque, merda, ele não queria fazer nada. Ele odiou ter de assumir para si mesmo o quanto estava sendo imbecil e desonesto. Odiou o quanto ela mexia com ele. O quanto ele se deixava levar. E, depois, quando seu celular apitou trazendo uma mensagem dela, ele odiou com tudo de si a maneira como ela era tão simples e bonita.
Como já fizera durante dias, ignorou a mensagem dela. Nem abriu.
Nem pensou em abrir e ver o que ela mandara. Ele se odiou por isso também. E por todas as coisas a mais. Talvez, se ele continuasse ignorando, passaria. Não era tão difícil assim se esquecer de alguém. Do mesmo jeito que se aproxima, ele pensou, é possível se afastar. Ela nem iria perceber. não se importaria.
estava... Ele se deitou na cama e colocou o travesseiro sobre o rosto. estava preocupada era com o idiota do baterista. Ele jogou o travesseiro longe. Sentia tanta raiva. Tanta, mas tanta raiva de estar vivendo aquilo que pensou que não queria vê-la nunca mais. Nem que se passassem anos e anos. Que ela conseguisse ficar com – ele desejou, de verdade.
Que conseguisse tudo o que ela queria. Que ela e dessem muito certo juntos. Podia ser que não naquele primeiro encontro cancelado, mas em qualquer outra hora. Que ela se esquecesse de , que se esquecesse do rosto, da voz, do cheiro.
lembrou a vez que ela elogiou o perfume dele. Uns dias após ela ter conhecido . E ele abrira os braços para ela, rindo e ela viera abraçá-lo e sentir seu cheiro aos sorrisos. O jeito como eles haviam se abraçado era tão... comum, simples, normal. Ele não conseguia entender porque justo ele estaria tão abalado. E por que não justo ele? fechou os olhos com raiva. Aquela merda doía com tal força e ele nem sabia o nome para o que estava sentindo. Na verdade, ele fechou os olhos mais uma vez, os piscou e os brilhou, não se sentira desse jeito nunca. Nunca mesmo. Todas as garotas de que ele gostara foram tão doces e ele nunca – suspirou – chorara por alguma delas.
Era um afogamento. Ele estava se afogando nos oceanos que ela fizera.
nunca chorara antes por uma garota. Não até aparecer no seu elevador.
Eles vão se divorciar.
correu para o quarto, bateu a porta e a trancou desesperadamente.
Deus do céu.
Ela se jogou na sua cama, se sentindo mal, se sentindo uma menininha. Indefesa, fraca, sozinha e desamparada.
eu tô mal, por favor, posso ir aí? –
não queria mais ficar longe do vizinho. Do abraço dele, principalmente. Não queria estar afastada da companhia e da proteção que transmitia a ela. não aguentava mais essa distância. Ela não tinha ideia do que estava sentindo. De como estava se sentindo em relação a qualquer coisa ao seu redor. Sério. Era tão complicado raciocinar com clareza. Tudo ficara escuro para ela mais do que nunca. E ela estava mal, de verdade.
As lágrimas vieram com pressa. Urgente. Como se não pudessem esperar nem um segundo para caírem.
nem sei porque você não tá mais falando comigo –
Por que ele não respondia?
me desculpe de todo jeito –
Ela passou a manga da camiseta sobre os olhos.
eu não entendo, sério, você não pode me deixar... e eu nem me lembro da bosta que fiz pra você agir assim –
Seus olhos arderiam na manhã seguinte. Ela se sentia tão mal. Só queria que ele lhe desse alguma resposta. Nem que fosse para um get out. nem que fosse para dizer que nunca mais queria vê-la em sua frente.
, você é o único em que eu confio. eu não consigo confiar em ninguém, exceto você –
Era tão difícil. Tudo voltara. Ela não tinha onde se segurar.
– Jesus – gemeu ela.
Ele tinha mesmo que ignorá-la?
se você ao menos tivesse noção do quanto é importante pra mim... eu tô mesmo mal... meu coração com você, aonde quer que você esteja –
suspirou e tentou respirar com calma. Parecia infinitamente difícil. Era tanta coisa junta. Eram os pais. Era o baterista, por quem ela não sabia o que sentia. E também era , que permanecia a ignorando com firmeza. Tudo parecia ter uma importância tão grande que ela pode sentir seu coração se despedaçando naquele exato momento. Ela tentou se lembrar da própria importância, mas não era capaz.
e agora você nem lê minhas mensagens lol. –
Alguém bateu na porta e desligou o celular e o jogou debaixo da cama. Não queria ver ninguém. Nem os pais, nem , muito menos . Ela se deitou e botou a cabeça sobre o travesseiro, se virando para o lado da parede e fechando os olhos. Fez contagem para conseguir controlar a respiração e até que dera certo. Mais ou menos. O seu peito doía demais por causa da força que usara e provavelmente outras coisas que não entendia. Então, ela se encolheu e abraçou de maneira desajeitada os joelhos.
Sua cabeça doía. Os olhos ardiam. E o coração estava em chamas.
Não era terça. Infelizmente não havia nenhuma bateria para acalmá-la e prendê-la.
Ela precisava amadurecer. Saber aceitar as escolhas que não poderiam ter sua interferência. Ela já era praticamente uma adulta – pelo menos, era o que a carteira de identidade dizia. Mas, mesmo assim, era tão medrosa. Tão sem chão. Tão caótica. Ela era uma bagunça. Uma confusão sem rodeios. E seus pensamentos... Droga. Estavam perdidos entre o som da bateria de e a risada deslumbrante de . Entre a voz baixa da mãe ao dizer que o melhor seria o divórcio e nos olhos vermelhos e tristes do pai.
inspirou o ar e esfregou os olhos com a manga da camiseta.
***
A última mensagem tinha sido enviada há 25 minutos.
gritou dentro do quarto. Enfiou o rosto nas mãos e começou a chorar.
Ele ligou, mas ninguém atendeu. Ele fez de novo e só chamou.
O que adiantara fingir não se importar? esmurrou o armário, enquanto andava de um lado para o outro. Ele nunca deveria tê-la ignorado. Fora uma coisa tão sem sentido. E sem motivo, ele nem se lembrava de por que fizera aquilo. O que adiantara sequer mentir? Que patético. era um completo idiota. Mas chorar também não adiantaria em absolutamente nada. Ele se jogou na cama e fechou os olhos. Bufou e se levantou em poucos segundos. Andou de um lado para outro. Chutou o armário e a mochila. Pegou a mochila e a abraçou, depois a deixou em cima da cama. Ele caminhou até a parede e apoiou a testa sobre o plano gelado. gritou mais alto e empurrou a parede, se voltando para trás. Botou a mochila no chão e pegou o celular no bolso.
O indicador de mensagem recebida acabara de confirmar.
me deixe ir aí – .
olhou para a tela do celular e voltou a chorar.
GRAÇAS A DEUS – .
Ela é tão esforçada... E ele sentia muito por tudo.
nunca desejara com tamanha intensidade uma coisa. Ele nunca mais gostaria de ver chorando daquele jeito em sua frente. A verdade era que ele nunca mais queria que ela chorasse na vida. Enquanto ela chorava, pensou no quanto ela era linda e não tinha ideia daquilo. Do quanto ela importava e era maravilhosa para ele. Qualquer um perceberia. contara tudo o que estava acontecendo com ela há alguns meses. Em como sua casa e família estavam desequilibradas. E no quanto ela se sentia bem com por perto. . Comigo, ele pensou. E não com o . Não com qualquer outro homem. Com ninguém a não ser . Ele se sentia tão grato por estar escutando a voz dela. Por estar simplesmente perto dela. Estava grato por ser ele quem ela escolhera para desabafar, para buscar apoio e colo, para contar o que estava sentindo. Ela dizia muitas coisas, falava muito e também chorava. Tinha horas que ela conseguia se segurar e respirar fundo, mas à medida que continuava suas lágrimas a afogavam.
Ele escuta com atenção. Com toda a atenção e todo o amor que possuía dentro de si.
– Eu sou como um barco afundando – dizia ela, tentando sorrir e voltando a chorar.
Não. Ela não era nada disso. gostaria de falar algo, mas ela precisava ser ouvida. Ele quer acalmá-la. Quer abraçar e colocá-la no colo. Ele quer a ninar e mimar até o amanhecer. Fazê-la esquecer de todas as coisas ruins que existem no mundo. De tudo o que a faz mal. Era tão doloroso vê-la tão mal. não quis contar quantas vezes ela se levantou e foi enxugar o nariz. Ou se levantou e andou até o espelho.
– As lágrimas não secam. – Ela se sentou.
Quando ela ficou quieta, ele percebeu que podia tocá-la. E foi isso o que fez. puxou as pontas dos dedos de e trouxe as mãos dela sobre seu colo, ao passo que a abraçava com o braço livre. Eles se olharam. E então ela fechou os olhos e apoiou o queixo sobre o ombro dele, gentilmente. Voltou a chorar. Um choro doído e abafado, que precisava sair de dentro dela. acariciou as mãos dela e depois massageou seus cabelos. Deixou com que ela ficasse firme em seu abraço. Ele não era muito bom lá com as palavras, mas tinha de tranquilizá-la. Tinha de demonstrar o quanto estava ali para ela.
afastou a cabeça e olhou nos olhos de .
Nos olhos dele. Pela primeira vez.
– Me desculpe por isso – disse . – Eu gosto tanto de você. – Suas palavras saíram trêmulas, enquanto passando a manga de sua camiseta sob os olhos dela, enxugando as lágrimas. Ela continuava a olhar para ele. – Gosto muito mesmo de você, . – E ele sorriu.
As mãos de eram enormes. Tipo. Enorme pra valer.
O vizinho dera as mãos para ela durante um bom tempo e ela não conseguiu deixar de notá-las.
– Como você tá? – ele perguntou baixinho, tentando não incomodar.
– Bem, obrigada. Quer sentir meu coração batendo? – brincou .
deu uma risadinha, se virando para ela. Seria tão bom se ela não tivesse de passar por aquela situação... Ele estava tão satisfeito por poder tê-la ao seu lado, mais calma, menos preocupada.
– Meu coração também. Parece até que ele está cheio de alguma coisa – disse o rapaz no mesmo tom.
– O meu também. Isso é louco! – ela sussurrou de volta, olhando para a TV.
Eles estavam deitados no sofá, assistindo a um episódio de Game of Thrones. estava explicando a história e personagens, porque já não lembrava muito. E ela tentava se concentrar no que ele estava falando, mas mesmo assim, não entendia direito e dava risada, pedindo pra ele explicar outra vez. Ele sempre sorria como um bobo. adorava aquilo.
– Já sei – ele disse, quase dando um grito. Ela olhou para ele, levantando o corpo, porque pensara que ele iria levantar. – Não, baby, eu só tive uma ideia – e riu.
encostou a cabeça novamente sobre o ombro de e colocou a mão dentro do saco de Doritos, pegou um pouco do salgadinho e comeu.
– Hummm – murmurou com a boca cheia. Ela mastigou com calma. – Certo. Qual é a sua ideia?
Os olhos dela doíam um pouco, de cansaço principalmente, mas ela estava rindo tanto enquanto estava com que nem se preocupou com aquele mero detalhe. Ela olhou para com carinho e esperou que ele desviasse o olhar do celular e a respondesse.
– Ei, seu... – ela o chamou, cutucando sua bochecha.
riu e olhou para ela.
– Você está com fome? Porque eu acabei de pedir fajitas mexicanas, então é bom que esteja.
arqueou as sobrancelhas ao mesmo tempo em que levantara ambos os braços em um gesto de animação. achou aquela cena adorável. Pelo menos, ela estava se distraindo e deixou de chorar.
– YEP! Comida mexicana! – ela deu viva. – Ótima ideia, .
– Ah – ele sorriu. – Não é a ideia. A ideia é... Com licença, – o rapaz colocou os pés no chão e se moveu, levantando do sofá. Foi até o móvel onde a TV ficava e pegou o controle remoto. Tirou de Game of Thrones e voltou para a tela principal da Netflix. murmurou alguma coisa, o fazendo rir. Ele clicou no menu de séries e procurou por The Fresh Prince of Bel-Air. Deu play. – O que acha?
– Boa – fez um sinal de positivo para o vizinho. – Quem não ama o Will Smith? – ela sorriu.
– Tem uma coisa que eu preciso te contar... – disse ele ao voltar para o sofá e se sentar ao lado dela. Trouxera o controle junto e já dera pausa de novo. Ele ficou sério e esperou que ela ficasse também. – Certo – começou, olhando para baixo e depois para ela. – Você promete que não vai me tratar mal?
– Ok, – ela assentiu, se segurando para não rir. – Bobo. Pode falar.
– Eu sou team Carlton Banks. Não posso fazer nada em relação a isso.
3 da manhã. Já passava das três da madrugada quando entrou no elevador ao lado de . Ele a acompanharia até em casa.
Não precisava, ela dizia, mas ele era insistente. E era impossível dizer não, porque ela mesma estava com medo de ter que subir e voltar para lá.
No momento em que a porta de aço do elevador abriu e o corredor de seu andar apareceu, sentiu uma coisa estranha. Como se ela não esperasse ver aquele lugar tão cedo. saiu na frente dela e se encostou a lateral da porta para bloquear o sensor.
– Quando você quiser – disse ele, gentil. Ele jogou a cabeça para trás e ficou olhando para ela com um sorriso pequeno e radiante no rosto. estendeu sua mão para ela e esperou.
Esperou.
E esperou.
suspirou e inspirou o ar, apertando a mão do vizinho.
Segurar suas mãos era importante. Importante pra cacete, minha nossa. Significava que estava ali, mesmo, quando ela precisasse.
– Obrigada – foi a única coisa que saiu trêmula e fraca de sua boca. A voz de estava rouca como nunca. se encostou à parede e puxou devagar, não desviando nem por um minuto de seu olhar. Ela sorriu triste, e seus olhos lacrimejaram. – Que droga, .
Ele a puxou para mais perto, desesperado. Queria muito pedir para que ela aguentasse e não chorasse mais uma vez, mas sabia que não tinha esse direito. Não podia tirar aquele momento dela. Tinha de apoiá-la e só. Segurá-la o quanto pudesse. Ele não poderia piscar sem segurá-la. não disse nada – nem conseguiria. Apenas a apertou no abraço, tentando passar para ela todo o conforto que podia. Ele ouviu o choro dela bem baixinho e aquilo foi terrível.
Era importante. Aquela coisa toda. Ele estar ali, ele a abraçar, ele a suportar.
Ela tentou cessar o pranto. Nem sabia por que estava chorando daquele jeito ainda. Bom, talvez fosse por tudo. Ou por nada. Ela realmente não sabia e nem estava querendo pensar sobre o assunto. Cada vez que tentava entender o que estava acontecendo – cada situação, cada momento –, acabava se chateando. E não era o que ela queria no momento. Nunca quis, na verdade. Deus, se ela tivesse escolha, desejaria viver naquele abraço. possuía os braços e as mãos mais quentes e confortáveis do mundo. Do mundo todinho. O seu cheiro, principalmente, era como uma calmaria depois da tormenta. Aquilo era tão certo. Ele era certo demais. Se ela pudesse escolher, não havia dúvidas, se precisasse correr para algum lugar em busca de refúgio, correria para . Correria para o abraço dele. Para o seu corpo, as suas mãos e seus braços acolhedores.
Quando ela o olhou, levantando o rosto para ele, não pensou. Ele simplesmente abriu a boca e ela veio. foi para ele como uma onda. E ele aceitou ser engolido por ela. Totalmente. Que aquela onda o afogasse, ele não se importaria com isso. Não se importaria em tê-la em seus braços o tempo que ela quisesse, que precisasse. Ele sentiu seu gosto.
Seus lábios estavam molhados. Doces, mas amargos. As lágrimas de estavam entre os rostos deles. sentiu o melhor sabor que poderia existir em algum lugar. E estavam tão perto. Minha nossa, estavam ali, o tempo todo. Nenhum dos dois queria um fim para aquilo. Não parariam. Nem que quisessem. Estavam se sincronizando um com o outro repentinamente, pensou, agradecendo a toda a conspiração do Universo. E não parariam. Não precisavam parar. Ambos necessitavam daquilo. Talvez, apertou os olhos enquanto o beijava com urgência, estivessem necessitando até de mais. Ela nunca beijara ninguém àquela maneira. Com tanta dor, com tanta precisão, com tanta força.
Amargo...
Doloroso...
E intenso...
O beijo fora tudo aquilo. E amor. lembrou ao se deitar na cama, sorrindo. Ele respirou fundo e riu para o teto. Não precisava nem fechar os olhos para lembrar aquela confusão. Se ela precisasse de algum lugar, tinha o coração de .
And I hate to love you…
Ela demorara duas semanas para aparecer em um dos ensaios.
não foi quem abriu a porta para ela.
Ele estava com as amigas da ex-namorada em outro cômodo. E com a ex-namorada, inclusive. Foi o que o irmão da moça disse a . Ela reparou que ele visivelmente não gostaria de mencionar a palavra quarto para ela, porque deveria ter aberto a maldita boca e contado sobre o beijo.
– Você quer que eu chame? – o menino perguntou e negou com pressa.
Ela até pensou em se virar e sair. Ir embora e esquecer aquela merda. Até se arrependeu de ter aparecido ali. Claro... O que ela esperava? Exclusividade?
era um cara legal. Um rapaz bonito. Ele possuía a boca mais linda do mundo, um sorriso acolhedor e uma banda. estaria mentindo para si mesma, se quisesse acreditar que aquele seria diferente para ele. Aliás, ela estava mesmo esperando alguma coisa? simplesmente a beijara de volta por momento. Ninguém mandou que se precipitasse e enfiasse a língua na boca do vizinho.
Ela até pensou em ir embora. Mas então a porta se abriu com tudo e surgiu com uma mochila nas costas, entrando já sorridente no apartamento.
E daí encontrou os olhos de e seu sorriso aumentou.
Certo. ponderou suas opções:
poderia ligar para ela,
poderia quebrar a cara de ,
poderia tentar se esquecer daquela merda toda.
Certo. Ele considerou, tentando pensar em alguma coisa. Mas nada saía. Um belo monte de nada.
Para ajudar, não respondia suas mensagens. Nem uma das vinte e três mensagens que ele enviara nas últimas duas horas. Já era tarde da noite, quando avisou que a vizinha passara lá no começo do ensaio, mas resolvera ir embora.
E que antes, contou todo animado, o chamara para sair.
– Jurava que ela estava bolada comigo, porque, você sabe – deu aquele sorriso conquistador –, daquela vez não deu pra eu ir e tal. Mas fiquei feliz por ela me chamar. Vai ser divertido. Ela é uma boa garota.
Uma boa garota.
desejou fechar os punhos e dar uma só vez na cara dele.
Uma boa garota.
Ele não conseguia deixar de esquecer aquelas palavras. Resumidamente, era a descrição exata para . Ela não tinha nada de ruim.
As palavras que havia dito sobre , na primeira vez que contou sobre para o vizinho, estavam guardadas na mente de também. E pareciam aparecer com mais força agora. Porque, droga, ela tinha chamado o baterista para um encontro. Eles iriam sair e ela... Droga, ela era completamente louca pelo baterista. se lembrou dela dizendo que não importava a aparência dele, ela se sentia bem assim que ele surgia com a sua bateria.
– Segura pra mim – uma voz gritou.
– Oi – deu seu melhor sorriso ao se virar e ver que a voz de . Ela arregalou os olhos ao percebê-lo. E entrou no elevador. tentou cumprimentá-la, mas ela não olhou para ele. Apenas assentiu como na primeira vez. – Aconteceu alguma coisa com o seu celular? Eu te mandei um monte de mensagens.
estava maquiada. Tipo, muito bem maquiada. Se ela passava algum tipo de maquiagem antes, admitiu para si mesmo não perceber. Ela sempre fora tão natural. Continuava linda, mas estava com o rosto mais rosado e um batom mais forte, escuro.
– Sem tempo – foi o que ela respondeu.
engoliu em seco.
– Ah, sim – disse ele, baixo. – Mas tá tudo bem? – acrescentou, vendo que ela não iria de jeito maneira olhar para ele.
– Sim – assentiu ela, fria.
Que diabos...
chorou naquela noite, depois que voltou do encontro com . A mãe dela havia preparado um chá quente para ela e quando entrou em seu quarto, não perguntou o motivo do choro. Só deu-lhe um abraço apertado e se deitou na cama com ela. Acariciou os seus cabelos e ela se sentiu grata, a mãe não estivera tão próxima durante os últimos meses tanto quanto ela precisava.
chorou porque estava confusa.
Sua mãe saiu do quarto sem dizer nada. E os olhos de ambas se encontraram e aquilo significava que as coisas se consertariam. Fosse o que fosse.
Seu coração doía. Mas doía diferente. Seu coração doía, porque ela sabia que não precisava ter feito nada daquilo. Ter fingido que realmente queria estar naquela noite com , quando sua mente só a levava de volta a .
E ... Ela havia tratado tão mal seu vizinho no elevador.
podemos voltar a ser amigos? –
Ele respondeu sete minutos depois.
claro :) desculpe confundir as coisas –
Confundir as coisas? Ela quem confundira tudo.
do que você está falando? –
O celular vibrou.
você não confia mais em mim. quer ser só minha amiga. tá bem, sério, nós podemos apenas ser amigos –
O indicador da bateria ficou vermelho. Ótimo, resmungou .
ok, amanhã conversamos. precisamos conversar. Xx –
Ela visualizou a última mensagem antes do celular desligar.
como quiser, . aqui em casa amanhã. boa noite. durma bem x –
cruzou os braços e observou o quanto estava arrepiada depois de falar com ele. Era esse o efeito de , ultimamente. Ele a deixava... Ela não sabia explicar. Mas despertava algo nela. Algo que ela preferia negar. Algo que ela não queria nem pensar.
Por que, de repente, ela se perdia demasiadamente naqueles olhos?
– , você ouviu o que eu disse? – disse .
– Não. – balançou a cabeça. – É que... – E coçou a nuca. – Foi mal. Repete, por favor?
sorriu.
Aqueles olhinhos...
Os olhos dela eram tão brilhantes. Ela sorria por eles, e falava de amor por eles também. não conseguia desviar seu olhar do dela, mesmo quando a mão dela tocou seu ombro e ela se inclinou para o vizinho.
Como estavam doces os lábios dele.
se entregou ainda mais naquele beijo. Deu tudo de si. Tentou transmitir cada ponta de emoção que ele despertava nela. Eles estavam tão próximos. Pareciam um só. O rosto dele era quente e as mãos enormes agora lhe tocavam a cintura.
Ela o beijou com calma.
O sabor da boca de era o melhor que já pensara experimentar.
Não tinha como explicar. só conseguia sentir. Ser levado por ela. Tentar acompanhá-la.
Ele queria explorar cada pedacinho dela. E aquilo era mútuo. queria beijá-la até não aguentar mais.
Não dava para piscar.
Mas era real. Gente, aquilo estava acontecendo. De verdade.
se sentou no sofá com , enquanto seus lábios ainda se tocavam e eles soltavam, entre os beijos, risos e sorrisos. Ele nunca havia se sentido assim. Nem em um milhão de anos. E não tinha por que parar. Ele ajeitou as coxas dela sobre suas pernas.
O vizinho tocou as coxas dela e eles se olhavam nos olhos.
riu para ele.
Ele era tanta coisa junta. Era todas as coisas boas do mundo juntas.
se inclinou para ela, sorrindo e ela bagunçou seus cabelos. Ela ria. Tocou seus cabelos e deslizou as mãos pelas suas costas. Depois deslizou as mãos pelas suas costas por debaixo da camiseta azul florida. Segurou a manga dela e juntou as palmas de suas mãos.
– Tire os tênis – ela pediu, fazendo com que ele risse.
Ele se levantou e tirou os tênis, atrapalhado. E naquele momento, ele se lembrou que tinha tantas coisas para falar com ela. Que ele gostaria de trocar mensagens e risadas com ela durante toda a vida, todos os dias de sua vida. E ela não precisaria se preocupar com mais nada, porque ele estava ali, de verdade, para tudo. Para qualquer coisa.
arrancou a camiseta florida enquanto ela ria. Ela olhou para ele e nunca tão séria.
nunca se sentiu tão em casa.
– Você nunca mais vai precisar mentir – ele disse num sussurro, enquanto acariciava as bochechas de . Ela deu de ombros e olhou para a tela de TV. – É sério. Nunca mais. Você não vai ter que fingir nada...
tinha a voz mais bonita que ela já ouvira, ela percebeu. E os olhos. E a boca. E tudo nele era a melhor parte do mundo.
– Eu sou um oceano – disse ela, não desviando o olhar do aparelho. Sabia que a encarava com os olhos brilhantes. – Tem certeza de que pode aguentar isso? Lembra que estou afundando... Afundando...
Ele riu e puxou com gentileza o rosto dela para olhá-la nos olhos.
– . Olha pra mim.
fechara os olhos. Droga. Como ele era importante.
– Essa minha mania de chorar por tudo – ela reclamou, deixando uma lágrima escorrer. Outra em seguida.
limpou as duas lágrimas com a manga da camiseta.
– . Olha pra mim. – Ela obedeceu, sem lutar contra. – Eu estou me afogando nos oceanos que você fez. E é a coisa mais legal do mundo.
E ele sempre vai aceitar ser engolido pela onda dela.