Capítulo Único
Os anos não eram mais contados desde que tudo aconteceu. As horas, muito menos. Tudo o que o povo do planeta sabia sobre tempo voltara a se resumir em dia e noite. A Terceira Guerra Mundial que estourou há tempos trouxe consequências irreversíveis à população terrestre. Todos os pilares construídos em milhares de anos desapareceram, e tudo o que havia se descoberto em estudos sobre os seres humanos foi em vão após as diversas mutações decorrentes da última bomba, que é como chamamos o dia em que ambos países mais poderosos da época explodiram bombas nucleares, transformando a Terra em um verdadeiro inferno.
O mundo como se era conhecido desapareceu. Virou-se em um estado arenoso, onde a humanidade teve de se reerguer. A bomba trouxe, além de destruições, alterações no genoma humano, e estranhos tipos de poderes. A visão de sociedade hoje trás uma separação entre quem vive dentro e fora das divisões, regiões onde o novo governo tenta controlar a população restante utilizando-se de diversos métodos.
As gestações, por exemplo, eram realizadas in vitro, para melhor controle das mutações e da população que vivia nas divisões. Entretanto, a gravidez convencional ainda existia, e era plenamente enojada pelos poderosos pela impossibilidade de previsão do ser. A “loteria genética” incomodava-os demais dentro de sua política central de controle e “higienização” de mutações “fora de controle”.
Nós éramos divididos em níveis de importância, num critério considerado pelos que comandavam cada divisão. Os critérios entre cada divisão eram muito parecidos. Eram cinco níveis, em ordem decrescente, que nos selecionava de acordo com a mutação. Os de nível cinco eram os que lidavam com batalhas corpo a corpo, os que continham força descomunal e técnicas imprescindíveis para a luta em curta distância. Também eram considerados os que tinham alto poder de regeneração. Os de nível quatro eram os que poderiam lidar com técnicas à média distância. Eram considerados os que tinham pleno conhecimento em armas e poderes capazes de ferir um pouco mais gravemente o seu inimigo do que apenas uma luta corporal. Os de nível três eram os que conseguiam lidar com os elementos da natureza, podendo manipulá-los contra o inimigo. Raramente foram utilizados em massa, afinal, as guerras civis quase nunca atingiam tal ponto desde a Terceira Guerra Mundial. Os de nível dois eram os que tinham poderes medicinais. Uma guerra não é nada sem seus médicos para manutenção da equipe, e disso os superiores sabiam muito bem. Eles geralmente ficavam trancados na base, juntamente com os de nível um, mas também recebiam treinamento de defesa e ataque, como todos que compunham a divisão. Os de nível um eram os que possuíam poderes psíquicos e inteligência, capazes de manipular massas, invadir corpos para espionagem, criar estratégias para a guerra. Além desses níveis, havia os renegados. Eram as mutações que, segundo os superiores, não serviam de muita coisa. Geralmente eram estes que estouravam as guerras civis.
A maioria das pessoas abaixo do nível um nunca teve contato com os superiores. Nós os apelidávamos de “nível zero”. Eles quase nunca visitavam a base, apenas se houvessem rebeliões incontroláveis pelos de nível um ou se fosse por motivos de politicagem entre as divisões. Os boatos corriam pelos corredores sobre os integrantes do nível zero. Eles eram considerados as mais poderosas e inteligentes mutações habitantes do planeta, como se fossem deuses do inferno que a Terra se tornara. Eles eram temidos, adorados e odiados por diversas pessoas espalhadas pelo mundo. No total, sete pessoas compunham o nível zero. Os de nível um eram os únicos que sabiam seus verdadeiros nomes e, se alguma informação vazasse do nível um sobre o nível zero, o responsável era prontamente descoberto e morto, assim como todos os que não deveriam saber, mas acabaram sabendo.
Esse era o mundo do qual eu fazia parte. Apesar de todo o desastre me envolvia, eu conseguia me divertir. Os de nível um me odiavam por completo, pois eu sempre os desobedecia em campo de batalha. Mas sempre desconfiei que esse ódio fosse por razões além dessa.
Nasci fora dos laboratórios, era filha de uma renegada, e isso é a única coisa que sei até meu treinamento na divisão. Minha vida sempre fora uma confusão, eu sempre acabava sendo punida por alguém. A única pessoa que tinha paciência comigo era meu treinador. Ele era extremamente rígido comigo, mas tínhamos uma ligação inexplicável. Era algo espiritual, fenomenal, um mistério que nunca desvendei. Eu tinha uma paixão secreta por ele e, provavelmente, ele sabia... Ele sabia de muita coisa. Mas eu não o via há muito tempo.
E lá estávamos eu, Christ e Hunter em outra missão solicitada pelo nível um de invasão à base renegada. Éramos como piões em tabuleiros para eles, movidos para se conseguir território e vantagem dentro de um jogo onde já sabíamos o vencedor.
- Quantas pessoas, X? – perguntou Christ. Apurei meu olfato e pude sentir o cheiro podre daquele lugar e das pessoas que o compunham.
- Trinta por enquanto – respondi. Ele enviou o relatório à base, que respondeu prontamente.
“Não se movam”
Ri, debochando da resposta. Até parece.
- Christ, você vai pelo canto esquerdo. Hunter vai pela direita. Eu chego por cima.
- Mas X, eles disseram que... – Hunter iniciou, mas o interrompi.
- Foda-se o que eles disseram. Quando foi que um ataque nosso deu errado?
- Nunca, mas...
- Vamos gente, preparem-se.
- A gente vai se ferrar de novo... – disse Christ com um tom pessimista.
- Parem de reclamar – bufei – A culpa sempre acaba caindo pra mim de qualquer forma, fiquem de boa – eles apenas acenaram com a cabeça e cumpriram minha ordem, indo para a direção solicitada.
Aproveitei-me das árvores secas ao redor da base, utilizando-me seus galhos para me levar até o teto da base renegada. Tentei ao máximo não produzir nenhum tipo de barulho. Finalmente pude vê-los reunidos ao centro de sua base. Pareciam planejar mais algum ataque. Entre eles estava Ivy.
Ivy foi escolhido juntamente comigo para compor o nível cinco da divisão, mas acabou por traí-la enquanto eu ainda estava em treinamento. Ele sempre implicava comigo por ter uma ligação tão forte com meu treinador, por quem eu descobri, mais tarde, que ele era apaixonado.
Estava tão concentrada em apurar minha visão para a roda reunida que não percebi a armadilha formada. Apenas senti meu corpo cair ao meio dos renegados e, após isso, ouvi mais dois baques. Pelo cheiro, sabia que eram Christ e Hunter. Prontamente nos levantamos e nos colocamos em posição de ataque.
- Vejam se não é a queridinha do Syn aparecendo por aqui – Ivy disse, me olhando de cima a baixo – Seus poderes não são bons o bastante para não ser só mais um pião?
- Não superou o fato de eu ser melhor que você, Ivy?
- Cale a boca, sua criança!
Ivy me atacou, jogando-me contra a parede e fazendo com que meu corpo a atravessasse. A dor que senti foi imensa, mas a raiva fez com que se anestesiasse no mesmo instante.
Fui com fúria para cima dele, distribuindo golpes ao máximo que pude. E, além de nós dois, todos os que estavam ali começaram a se enfrentar. Os renegados nos atacavam com mais força e precisão do que da última vez em que estivemos ali.
Ivy havia melhorado muito desde a última vez em que nos enfrentamos. Ele tinha uma força bruta, mas a velocidade dos meus golpes sempre me deixava em vantagem. Entretanto, parecia que ele havia descoberto mais sobre sua fraqueza e tentado melhorar. Eu estava em desvantagem, mas Christ e Hunter estavam em pior momento, tendo que lutar contra o resto dos renegados. Talvez a ideia inicial do ataque não tenha sido tão boa mesmo.
Corri para ajuda-los, mas Ivy conseguiu puxar meu corpo e jogá-lo novamente contra a parede. Senti uma das barras de ferro que compunham a parede atravessar minha pele de maneira agonizante. Antes que pudesse me recuperar do baque, senti mãos envolvendo meu pescoço e me sufocando, deixando-me sem saída.
- Acabou, pequena – ele sorriu maldoso, com suas mãos em meu pescoço, prestes a quebra-lo.
Ivy parou de repente e começou a gritar, assim como todos os renegados, jogando-se no chão e colocando as mãos em sua cabeça, como se algo estivesse machucando insuportavelmente dentro de sua mente. Era um típico ataque do nível um. Um estrondo em uma das paredes da base renegada fez com que surgissem mais duas pessoas. Suas vestimentas de cor cinza e vermelha declaravam, respectivamente: nível um e nível três.
- Quando eu digo “não se movam”, significa não se movam – o de nível um declarou, parecendo extremamente irritado – Para a base. Agora.
--x--
Eu já me acostumara com o sermão diário de qualquer pessoa do nível um. “Adolescente impulsiva, mimada. Precisa ser reeducada. Pegaram leve demais contigo” era o discurso de sempre. Mas meu comportamento não era a única coisa que os incomodava. Incomodava não ser previsível, não ser totalmente mapeada e controlada. Ser natural doía demais no ego de todos eles.
Chegamos à base sendo observados por olhos de raiva. Christ, como sempre, colocou o braço em volta dos meus ombros, tentando me proteger. Assim que passamos pelo corredor da Inquisição, Hunter foi para o seu alojamento. Iria fazer o mesmo, mas Christ me impediu.
- Vem , vou te levar para o nível dois – ele me puxou pelo braço por um momento, mas logo me livrei.
- Não , eu estou bem – insisti.
- Para de ser cabeça-dura, porra! Você está sangrando! – ele apontou para o corte abaixo do meu seio direito que atravessava a lateral do meu corpo.
- Nossa, sangue, que coisa extraordinária – revirei os olhos. Não era como se isso nunca tivesse acontecido.
- , eu estou falando sério – ele insistiu, e pude ver a preocupação em sua expressão. Bufei.
- Tá, tá! – revirei os olhos e segui com ele até a passagem que levava ao nível dois.
Passamos pelos guardas, pelo reconhecimento ótico e digital, e mais uma série de processos utilizados para proteger o nível dois. Tanto esse nível como o nível um eram os mais protegidos dentro das divisões.
Fui diretamente para a sala de , que talvez fosse minha pessoa favorita em todo o universo. Ele era um dos principais médicos do nível dois, e o mais eficiente em minha opinião. E, claro, o único que tinha paciência comigo.
- Te espero aqui fora – disse . Ele nunca se deu bem com , portanto preferia ficar fora do mesmo ambiente.
Entrei na sala e encontrei apenas o ajudante de . Ele corou quando me viu. Ele era uma graça, mas meus pensamentos pertenciam à outra pessoa...
Sorri para ele, que me indicou a maca.
- X, preciso que você tire a sua... – interrompi-o, retirando minha regata antes que ele dissesse. Eu já sabia do procedimento, mas eles sempre insistiam em repetir. Observei que ele lutava para não olhar para meus os peitos e me segurei para não rir – Eu vou... Vou... Chamar o ...
Sentei-me na maca e esperei. chegou com sua típica vestimenta verde, característica do nível dois. Meneou negativamente com a cabeça, como se visse uma criança rebelde. era como um irmão mais velho. Assim como , esteve sempre ali por mim. Mas, diferente do , não compactuava com as minhas merdas.
- Sempre dando trabalho, pequena – chegou até mim, sorrindo. Revirei os olhos.
- Não me enche. Só faz logo essa merda.
- E sempre sendo mal educada – ele soltou um riso e colocou suas mãos sobre o corte.
Seus olhos intensificaram sua cor e suas mãos esquentaram sobre a minha pele. Logo a pele cicatrizava e o sangramento se estancava. O processo fazia minha pele arder, como se estivesse sendo queimada. A abertura e o sangue desapareciam aos poucos, e logo apenas um pequeno corte se instaurou em minha pele. se afastou de mim e pegou um rolo de faixa em seus utensílios, o envolvendo em meu tronco na região anteriormente ferida. Após isso, também curou algumas escoriações e marcas de luta.
- Vai precisar ficar enfaixada por enquanto, mas logo vai poder voltar a dar dores de cabeça pro nível um – ele piscou quando terminou, me fazendo rir. Acabei por abraça-lo.
- Eu odeio você – disse com o rosto enterrado em seu peito. Seu abraço era extremamente acolhedor e aconchegante.
- É recíproco – ele riu e beijou o topo de minha cabeça. Soltei-me de seu abraço, vesti minha regata e pulei da maca, mas ele interrompeu minha saída – , antes de você ir... É melhor você saber... – ele suspirou – Fique esperta hoje. Um nível zero virá aqui por causa do seu mau comportamento constante... Obedeça-os, tudo bem? Não quero que eles te joguem para os renegados.
Minha coluna pareceu gelar e minha barriga revirou. Eu nunca achei que tomaria consequências tão sérias, afinal, eu só estava me divertindo.
- Não deve ser tão ruim assim... Não é? – perguntei esperançosa, mas apenas deu de ombros.
- Só se cuida – ele veio até mim e beijou o topo da minha cabeça.
Saí da sala e percebi dois integrantes do nível um falando com , que não estava com uma expressão nada amigável. Os três me olharam quando atravessei a porta. fechou suas mãos em punho, olhando para ambos os vestidos de cinza.
- X, eu preciso que você nos acompanhe – sentenciou o ruivo com um sorriso perverso em seus lábios.
- Christ... – o loiro virou-se para – Nós vamos conversar mais tarde.
Segui com ambos até a passagem que levava ao nível um. Antes que pudéssemos passar, meus olhos foram vendados e meus braços foram colocados brutalmente para trás.
- Pequena anda causando problemas demais e está na hora de aprender uma lição – o loiro sentenciou enquanto algemava meus pulsos.
- Isso se o Syn finalmente aprendeu que não se perdoa filhos de renegados – o ruivo debochou. Mas não foi isso que me chamou a atenção e me fez ficar em estado de alerta.
Syn. Eram como o chamavam. Para mim, ele era . Ele era um nível zero. Foi ele quem me treinou. Foi ele quem me tirou do meio do nada em que fui posta pela minha mãe. É nele que eu penso todo o tempo. É dele o meu coração. E era ele que viria me ver e, provavelmente, para me reeducar.
- ? – sussurrei para mim mesma, mas ambos acabaram ouvindo.
- Não pense que ele virá aqui pra te dar bonequinhas, princesa – o loiro zombou, dando-me um tranco para que eu voltasse a andar.
Seguimos andando por um tempo. Ouvi uma porta sendo aberta e fui empurrada para dentro daquele ambiente, caindo ao chão. Tentei me erguer, mas algo segurou meu cabelo e me manteve de joelhos. Ouvi um deles rir perversamente.
- Deixe-a com o Syn. Ela é a queridinha dele – zombou o ruivo.
- Cala a boca – dirigi-me a ele com nojo na voz.
Foram apenas cinco segundos até um apito insuportável se instaurar em meus ouvidos. Eu berrava de dor. Sentia que meus tímpanos e cérebro iriam explodir com a pressão. Os dois apenas riam do meu sofrimento.
- Melhor medir suas palavras, adolescente mimada – senti uma mão pegando meu rosto e o apertando forte – Eu posso estourar seu cérebro e dizer a ele que você chegou morta.
- nunca perderia tempo vindo aqui por uma bobagem pequena que eu fiz – respondi com a voz mais alterada pela raiva.
- Você não o conhece mesmo – o loiro riu debochado – Aquele idiota fica de quatro por você, ele ama queridinha dele – ele largou meu rosto e senti-o se afastar.
- Melhor medir suas palavras, Jason.
A voz ecoou pela sala, fazendo um frio subir pela minha coluna. Eu reconheceria aquela tonalidade em qualquer lugar... . Ou melhor, Syn, como era chamado.
- Me-mestre – Jason gaguejou – Há quanto tempo está aí?
- O bastante para ouvir suas asneiras, mas isso não lhe interessa – ouvi passos andando até perto de onde eu estava e o barulho de um soco forte seguido por um gemido de dor – Você não cansa de testar minha paciência, já me basta ela, agora você! – ele bufou irritado – Mais uma dessas e você sabe o que te acontece, certo? – seu tom ameaçador me fez ter calafrios, mesmo que não fosse dirigido a mim.
- Sim, sim senhor – a voz de Jason respondeu com um tom de medo.
- Agora saiam os dois. A única pessoa que cuida desse problema aqui – senti suas mãos entrelaçarem meu meus cabelos e puxa-los, fazendo minha cabeça ir para trás. Foi um aperto forte, mas não que me causasse dor – Sou unicamente eu. Estamos entendidos?
Não ouvi mais nenhuma voz depois disso, apenas passos deixando a sala.
- Triple X... Disseram-me que você andou aprontando... – ”por favor, ele não, por favor”, repetia para mim mesma mentalmente – Achei que sua fase rebelde havia ficado em sua pré-adolescência.
- Vá à merda, – respondi ríspida.
- Não me lembro de te ensinar a falar dessa maneira – eu sabia que ele estava dando um de seus sorrisos de deboche – E, que eu me lembre, aqui somos Syn e X, apenas – ele retirou a venda dos meus olhos, que arderam e demoraram a se acostumar com a intensa claridade do cômodo. Quando consegui me adaptar, eu o vi.
estava totalmente de branco, como exigia o vestuário de alguém do nível zero. Seus cabelos estavam levemente bagunçados, tirando um pouco do seu ar sério. Um cavanhaque adornava seu rosto e eu só queria tocá-lo. Seus olhos me observavam. A cor de seus olhos me aquecia e seu olhar sobre mim parecia fazer minha alma desabrochar, como uma rosa do deserto. Ele era como Inferno e Paraíso ao mesmo tempo.
- Você não mudou nada, – ele me olhou de cima a baixo com aquele sorriso. Maldito sorriso.
- O tempo muda muita coisa – rebati irritada.
- Pelo jeito não mudou essa sua cabeça dura. Parece que você tem prazer em desobedecer a seus superiores – ele começou a caminhar pela sala, até se sentar em uma poltrona, a minha frente.
- Por que você está aqui? – perguntei.
- Você é de minha responsabilidade – deu de ombros.
- Não tenho nada a ver com você.
- Ah, mas você tem sim... Nós dois sabemos disso – ele sorriu de lado, fazendo-me revirar os olhos – Me pediram para vir aqui te reeducar.
- Lobotomia? – soltei um riso nasalado – Achei que você não fosse dessa época.
- Você e essa sua língua esperta – ele veio em minha direção – Estou falando sério, , você está causando problemas demais.
deu a volta pelo meu corpo e agachou-se para soltar meus pulsos. A energia imponente que emanava de seu corpo me fazia estremecer. . Ele jogou as algemas de lado e me ajudou a levantar, fazendo-me ficar de frente para ele.
- Vamos , feche seus olhos e relaxe.
- Difícil relaxar quando vai se levar uma bronca do grande e temeroso Syn, não é mesmo? – provoquei, fazendo-o rir.
- Você ainda será um exemplo de disciplina.
Fechei os olhos, como pediu. começou a falar consigo mesmo e abri os olhos para entender o porquê. Quando abri os olhos, dei de cara com um campo de flores vermelhas que levava a uma caverna. O céu parecia estar em um eterno pôr-do-sol, com tonalidades róseas e alaranjadas.
- Nada está fora do lugar por aqui – ele disse conversando consigo, analisando a paisagem que eu sequer sabia o que significava – Está exatamente como eu deixei...
- , do que você está falando?
- Aqui é a sua mente – ele respondeu – E está tudo como eu deixei da última vez. Não há como reeducar algo que já está educado.
- Tá vendo como eles implicam comigo? – cruzei os braços.
- Mas, por um lado, a reeducação que usei com você é a que eu uso naqueles que nasceram in vitro. Talvez seja esse o caso...
Deixei-o falando sozinho enquanto seguia pela trilha de flores até a caverna. Vê-la por fora me dava plenos arrepios. Algo que parecia tão assustador no meio de uma paisagem tão tranquila. Antes que pudesse ver o que tinha lá dentro, puxou meu braço.
- Não é assim que se entra na caverna. Preciso ter certa intimidade com você. Isso se perdeu, precisamos recuperar.
- Claro que se perdeu, você desapareceu do nada e me deixou com aqueles horríveis do nível um.
- O nível um não é tão ruim assim – ele riu, colocando um braço por volta dos meus ombros e começando a andar.
- Eu odeio todos do nível um – revirei os olhos, lembrando-me de cada ser desprezível que compunha aquela divisão.
- Eu já fui do nível um – ele cutucou minhas costelas, me fazendo cócegas – Você não me odeia.
- Hey! – comecei a rir, tentando sair de suas mãos – Não sabia que era possível subir de nível.
- E não é... A questão é a evolução dos meus poderes e o tempo em que estou trabalhando para o governo.
- O que você faz além daqueles vodus que fazia em mim?
- Eu tenho poderes psíquicos que me permitem muitas coisas – frisou, sendo claramente provocado pela minha pergunta anterior – Atingir o mais profundo da sua mente e, se quiser danificá-la, vou fazer. Posso te fazer de marionete, influenciar seus sentimentos e sua coordenação motora. Consigo nos transportar para as mais diversas dimensões espirituais e te prender ali, te deixando em coma... Enfim, todas as funções ligadas ao seu cérebro e à sua alma pertencem a mim a partir do momento que eu decido isso.
- Você deve ser o mais poderoso.
- Não. Por mais que eu possa fazer muitas coisas, todo poder tem sua fraqueza. Eu consigo influenciar, no máximo, três pessoas. É claro que tudo é uma questão de estratégia e pegar as pessoas certas, mas os níveis zero tem bloqueio psíquico. Eu não posso fazer muita coisa além de argumentar os meus pontos e convence-los com uma boa conversa – ele sorriu de lado.
- Então, quem é o mais poderoso dali?
- Acredite se quiser, ele tem poderes menos destrutivos do que todos nós aqui juntos – arregalei os olhos, incrédula – Apenas um Q.I elevado, coisa que você acha em qualquer lugar do nível um... A vantagem de Burns é sua mutação, que nos faz perder todos os poderes perto dele, e aquela maldita lábia que compra a confiança de qualquer um. Hitler parece um bebezinho de colo perto daquele demônio.
parecia ter muito ressentimento sobre Burns, então não continuei a perguntar. Acabei por mudar de assunto.
- O que você era antes da Terceira Guerra?
- Pastor.
- Que?! – eu elevei meu tom de voz, sem acreditar no que ele acabara de dizer.
- É brincadeira – ele riu brevemente e eu revirei os olhos – Eu estudava direito em Yale. Mas parecia mais um adolescente com hormônios que só pensava em foder.
- E como você...
- Me tornei isso? – ele me interrompeu – Eu estava no laboratório no momento da explosão. Aí você me pergunta a razão de eu estar lá, já que direito nada tem a ver com química... Minha ex estagiava por lá. Ela sobreviveu, mas virou uma renegada.
- Eu achei que as mutações só aconteceram de verdade para os sucessores dos que sobreviveram à bomba atômica.
- Também... Mas tudo começou pela explosão dos laboratórios. Os gases se espalharam pelo mundo. Foi como em Chernobyl, as autoridades mantiveram tudo em segredo até perceber que as coisas estavam saindo de controle.
- E como você sobreviveu à bomba?
- Eu já era um nível um na época em que a bomba estourou. Foram mais de dez anos de guerra antes da última bomba, como você sabe. Muito acontece em dez anos... – ele parou um pouco, parecendo se perder em pensamentos, mas logo meneou com a cabeça e voltou a falar – Eu estava na base subterrânea, ajudando nos planejamentos ao próximo ataque, quando tudo aconteceu.
- E eu, ? – perguntei, entrelaçando nossas mãos.
Uma aura se instaurou ao nosso redor de repente. Era algo que transmitia diversas cores, como um amontoado de sentimentos que talvez explicasse as borboletas no estômago que me deram apenas por entrelaçar nossos dedos.
- Fale de mim, ... Eu não me lembro de nada antes do treinamento.
- Eu não posso. Apaguei suas memórias justamente porque você deve servir com uma arma. Sem apegos ao passado, apenas pensando em seu presente e em melhorar suas habilidades para o futuro – ele respondeu sem me encarar.
- Por favor – implorei, pegando em sua outra mão.
A aura ao nosso redor mudou. As diversas cores passavam a ser apenas alguns tons de amarelo e rosa. pareceu paralisar, olhando para a minha mão pousada na sua. Eu sentia uma espécie de energia fluindo entre nós dois. Era algo estranho, fazia meu coração acelerar e meu estômago esfriar em ansiedade. A razão disso eu não conseguia entender. , depois de um tempo parecendo em transe, retirou minha mão de cima da sua, delicadamente. As cores adicionadas à aura clarearam até quase desaparecer.
- Eu estou aqui para voltar com seu treinamento cerebral, não para contar a minha história ou a sua, X – ele disse em um tom rude, sem olhar em meus olhos – Já me amoleci demais com você por hoje.
A energia ao nosso redor desapareceu, mostrando-me outro cenário, diferente da paisagem anterior. Era noite, as flores estavam encolhidas e a única luz era vinda daquela estranha caverna.
- Está na hora – ele disse simplesmente, indo em direção à luz.
A cada passo que eu me aproximava da luz, mais meu estômago revirava e uma tontura se apossava de mim. Era como se eu não devesse entrar naquele lugar e forças me desconfortassem para que eu desistisse. , pelo contrário, parecia conhecer bem o terreno e andar confiante. Tive que fechar os olhos em um momento, pois a luz estava cada vez mais forte. Senti agarrar meu braço e me puxar de uma vez, quase me fazendo cair. No entanto, o desconforto passou assim que ele o fez.
Abri os olhos e dei de cara com o que tinha dentro da caverna: um altar. Nada que emitisse a luz anterior, apenas aquele altar.
- Por que você tem um altar que brilha por fora da caverna? Depois me diz que isso que você faz não é vodu – cutuquei-o, tentando quebrar a tensão instaurada anteriormente, mas me ignorou, observando o ambiente.
- Não há nada errado... , você não tem nada de errado... – ele disse com a voz baixa, como se tentasse convencer a si mesmo – Eles estão errados, não ...
- , o que você... – eu iniciei, mas ele me cortou.
- Você nasceu fora dos laboratórios, , por isso ninguém pôde te controlar cem por centro. Você só não foi colocada como uma renegada porque eu te quis. Eu te quis desde vi esses seus olhos tão grandes e assustados – ele se aproximou, tocando minha bochecha – Quis porque você não era a perfeição laboratorial que o nível zero tentava impor como padrão social. Você era minha criança perfeita.
- , mas o que...
- Você sempre foi perfeita – ele continuou. Quando percebi, eu estava entre o altar e o corpo de – Feita para mim...
Seu corpo foi se inclinando e seu rosto se aproximando do meu. Nossas respirações batiam entre si.
- Por que não Ivy? Por que você está me dizendo isso agora? Isso não faz sentido – perguntei com a respiração alterada. Nossa aproximação não fazia bem para minha sanidade.
- Eu quero você, – ele sussurrou. Seus lábios já se encostavam aos meus.
- Você está influenciando minhas emoções, – sussurrei de volta, com sua boca colada a minha.
- Não, – respondeu no mesmo tom que eu e respirou fundo – Você é quem está me enfeitiçando aqui. Desde o começo sempre foi você.
- Para com isso – coloquei a mão em sua nuca, de início com a intensão de puxá-lo para longe, mas apenas a mantive em sua pele.
- Eu não posso parar o que não posso controlar – ele colocou suas mãos em minha cintura, me trazendo para mais perto de si.
- ... – sussurrei novamente, roçando nossos lábios.
Ele prensou seus lábios aos meus e fechei os olhos. Meus dedos correram para seus cabelos e os agarraram enquanto sua língua acariciava a minha. As coisas estavam saindo do nosso controle, como se toda qualquer racionalidade se esvaísse cada vez que tínhamos aquele tipo de conexão e apenas os instintos controlassem tudo.
Ele me sentou sobre o altar, sem parar o beijo, fazendo minhas pernas se entrelaçarem em sua cintura e nossos troncos se colarem. . Eu não conseguia entender essa aproximação repentina, mas isso não me impedia de aproveitá-la.
Ele me sentou sobre o altar, sem parar o beijo, fazendo minhas pernas se entrelaçarem em sua cintura e nossos troncos se colarem. Eu não conseguia entender essa aproximação repentina, mas isso não me impedia de aproveitá-la. deslizou seus lábios para o meu pescoço, subindo para minha orelha.
- Eu esperei muito tempo por isso – ele disse contra minha orelha, descendo seus lábios pelo meu pescoço – Muito... Muito... Tempo – suas palavras eram intercaladas com beijos sobre a pele sensível e arrepiada. Ele mordeu a curva entre meu pescoço e ombro, fazendo com que um gemido baixo escapasse por meus lábios e meus quadris se mexessem involuntariamente.
terminou de abrir o rasgo em minha regata, destruindo-a e deixando meu tronco exposto. Sua língua desenhou-se por minha clavícula, descendo em direção aos meus seios. Suas mãos alternavam entre pressionar minha cintura e minhas coxas. As sensações que ele me trazia eram mágicas, um mistério. Todos os encantos que ele tinha funcionavam em mim. E eu só conseguia me render a eles.
Sua língua circundou meu mamilo, fazendo-me suspirar e fincar minhas unhas em seus ombros. Suas mãos subiram por minhas coxas até minha barriga, descendo novamente até o cós da minha calça. Seus dedos adentraram, indo de encontro ao ponto em chamas entre minhas pernas. Quando senti o toque gélido e preciso sobre meu clitóris, não resisti a suspirar. soltou um riso contra meu seio, mordendo o bico e, finalmente, arrancando um gemido baixo dos meus lábios.
- Você conhece o paraíso, ? – ele sussurrou enquanto seus dedos persistiam em massagear meu clitóris. Só consegui suspirar e menear negativamente com a cabeça. Ele mordeu meu lábio inferior e o puxou – Pois irei te apresentar. E você nunca mais irá querer sair.
Ele retirou os dedos de mim e os levou até a boca, sugando os resquícios da minha excitação. Senti minha intimidade pulsar.
- Era assim que você imaginava quando estava se masturbando, não era?
- Eu não me... – ele colocou dois dedos sobre meus lábios, me calando, e começou a acenar positivamente com a cabeça, devagar, me incitando a fazer o mesmo. Merda, como ele sabia?
- Você me deixou duro em uma reunião do nível zero por causa disso, sabia? – ele pressionou sua ereção contra minha intimidade encharcada, bem no ponto necessitado. Ambos suspiramos – , ... Você me dá muito mais trabalho do que apenas esse seu gênio difícil.
Ele voltou seus dedos ao meu ponto de prazer, agora por cima do pano, mas ainda sim não deixando a desejar. Sua outra mão trabalhava em meu seio esquerdo, acariciando-o e apalpando-o com força moderada. Seus lábios e língua estavam em meu pescoço, atingindo meu maior ponto fraco. Eu estava de olhos fechados, perdida em um doce êxtase.
Meus gemidos começaram a sair mais altos e meu corpo parecia ser atravessado por uma corrente elétrica que estava se intensificando. Eu estava cada vez mais perto.
- Olhe pra mim, .
E eu me perdi na profundidade quente daqueles olhos . Encontrei finalmente o Nirvana. Sim, eu poderia descrever aquilo como um Nirvana. Meu corpo estava entorpecido, debulhado em sensações indescritíveis, flutuando como uma pluma. Eu esperava há tempos por alguém com um poder como o dele, de ver o mais profundo da minha alma. Ele não fazia isso só porque sua mutação lhe permitia, a ligação que nós tínhamos era intensa demais para se explicar. Nós víamos um ao outro em seu mais obscuro, áreas inacessíveis para qualquer um, mas que para nós era simplesmente natural.
Senti um baque contra minhas costas que, infelizmente, me trouxe de volta à realidade e percebi que estávamos de volta à base. Abri meus olhos e me vi novamente naquele cômodo branco de paredes acolchoadas. O meio de minhas pernas estava desconfortavelmente molhado e excitado, parecendo intocado. Ouvi uma movimentação e me sentei, encarando que andava de um lado para o outro. Sua calça estava com aquele volume, também intocado.
- Isso... – comecei a pergunta, falando baixo e me encarou – Aconteceu?
- Aconteceu... Mas não de verdade... Merda! – ele socou uma das paredes, assustando-me com o baque alto – Eu não vim aqui para isso, .
Antes que pudéssemos continuar, o alarme ensurdecedor de emergência ecoou. Isso só poderia significar uma coisa: invasão dos renegados. Eu e nos encaramos, refletindo expressões de preocupação em nossos rostos.
Os gritos e barulhos de luta acompanharam o som do medo emitido pelas caixas de som espalhadas pela divisão. Apenas os sons faziam aquilo parecer algo de proporções incontroláveis, e eu esperava que minha audição estivesse claramente errada.
- Syn, código vermelho! – gritou uma voz por trás da porta, acima do alarme e dos barulhos de luta.
- Vamos ! – ele abriu uma espécie de saída de emergência do cômodo e puxou-me pela mão.
Seguimos correndo por um corredor escuro, úmido e gélido. O barulho que ecoava ali era o de nossas respirações ofegantes e nossos passos firmes e apressados até um lugar que eu desconhecia. empurrou uma porta de ferro que dava diretamente ao centro da base, onde pude ver renegados e integrantes da divisão se enfrentando.
- Parem! – gritou uma voz que parecia impor respeito à todos – Os convidados chegaram.
Todos pareceram olhar em nossa direção. Pude perceber outro homem de vestimenta branca no outro extremo da sala. pareceu percebê-lo no mesmo momento, pressionando minha mão.
- Burns? – disse com o tom de voz surpreso.
- Syn – Burns balançou a cabeça em um cumprimento, com um sorriso perverso e nojento em seu rosto redondo – Essa divisão tem me dado trabalho e gastos demais. Principalmente por causa dessa sua coisinha – ele apontou para mim e me empurrou para trás de si, como se quisesse me proteger – E, bom não sou só eu que tenho problemas com ela – Burns apontou para a região posterior a si, onde diversos renegados e até alguns integrantes da divisão me olhavam com ódio – Lhes dou o aval para cortar o mal pela raiz.
- !
...
...
- Caralho , acorda! Você está atrasada pra aula do Burns!
A realidade me socou enquanto Christ me balançava pelos ombros para acordar. Eu era apenas . Sem poderes, sem Terceira Guerra Mundial, sem ataques nucleares, sem divisões... Apenas uma garota comum em um internato. E atrasada para a aula do professor que mais me odeia de todo o corpo docente.
- Porra Christ, você nunca limpa a barra pra mim – levantei em velocidade recorde, chutando os edredons e retirando cada peça de roupa que voava para algum canto desconhecido do quarto que não era o cômodo em minha mente no momento, e sim o banheiro.
- Quer que eu perca meu emprego? Já facilito as coisas demais pra você, garota.
Tomei o banho mais rápido da minha vida e me vesti de uma maneira que merecia recorde no Guinness Book. Levar outra bronca do Burns não era uma opção válida.
Saí do meu quarto correndo pelas escadas e corredores, esbarrando e levando diversos xingamentos de pessoas que eu sequer lembrava o rosto. Tentei ser o mais discreta possível ao entrar na sala enquanto Burns explicava, e pareceu ter dado certo.
- (...) A depressão como mal do século. Mas creio que o mal do século sejam os atrasos, não é mesmo, senhorita ? – o careca olhou em minha direção com uma cara de poucos amigos.
- Mas foi...
- “Só dessa vez?” – interrompeu-me. Ele afinou a voz tentando me imitar, fazendo alguns da sala segurarem um riso – O diretor , por obsequio, quer a senhorita na sala dele para conversarem mais sobre isso.
Todos da sala soltaram exclamações de deboche ao término da frase de Burns. Saí da sala batendo a porta e bufando. Era sempre a mesma coisa, broncas e mais broncas. Me dirigi até a sala do diretor e bati à porta, logo recebendo o aval para entrar
- Sempre dando trabalho, menina – , diretor do internato, me olhava com uma expressão de decepção.
- Qual é ? Eu tiro notas boas, não preciso de sermão por chegar atrasada – revirei os olhos, sentando-me na cadeira à frente de sua mesa.
- Chegar atrasada, depredar patrimônio, contrabandear bebidas, cigarros, objetos sexuais – segurei um riso quanto aos “objetos sexuais” – ... Você é uma das minhas melhores alunas, mas não posso salvar seu pescoço toda a vez. Infelizmente tive que ir por outros caminhos...
Ele respirou fundo e o barulho da fechadura da porta se abrindo ecoou sobre a sala. Permaneci olhando para , que agora analisava a região de onde provinha o barulho. Entretanto, foi outro som que fez minha espinha congelar.
- , , ... Disseram-me que você andou aprontando...
O mundo como se era conhecido desapareceu. Virou-se em um estado arenoso, onde a humanidade teve de se reerguer. A bomba trouxe, além de destruições, alterações no genoma humano, e estranhos tipos de poderes. A visão de sociedade hoje trás uma separação entre quem vive dentro e fora das divisões, regiões onde o novo governo tenta controlar a população restante utilizando-se de diversos métodos.
As gestações, por exemplo, eram realizadas in vitro, para melhor controle das mutações e da população que vivia nas divisões. Entretanto, a gravidez convencional ainda existia, e era plenamente enojada pelos poderosos pela impossibilidade de previsão do ser. A “loteria genética” incomodava-os demais dentro de sua política central de controle e “higienização” de mutações “fora de controle”.
Nós éramos divididos em níveis de importância, num critério considerado pelos que comandavam cada divisão. Os critérios entre cada divisão eram muito parecidos. Eram cinco níveis, em ordem decrescente, que nos selecionava de acordo com a mutação. Os de nível cinco eram os que lidavam com batalhas corpo a corpo, os que continham força descomunal e técnicas imprescindíveis para a luta em curta distância. Também eram considerados os que tinham alto poder de regeneração. Os de nível quatro eram os que poderiam lidar com técnicas à média distância. Eram considerados os que tinham pleno conhecimento em armas e poderes capazes de ferir um pouco mais gravemente o seu inimigo do que apenas uma luta corporal. Os de nível três eram os que conseguiam lidar com os elementos da natureza, podendo manipulá-los contra o inimigo. Raramente foram utilizados em massa, afinal, as guerras civis quase nunca atingiam tal ponto desde a Terceira Guerra Mundial. Os de nível dois eram os que tinham poderes medicinais. Uma guerra não é nada sem seus médicos para manutenção da equipe, e disso os superiores sabiam muito bem. Eles geralmente ficavam trancados na base, juntamente com os de nível um, mas também recebiam treinamento de defesa e ataque, como todos que compunham a divisão. Os de nível um eram os que possuíam poderes psíquicos e inteligência, capazes de manipular massas, invadir corpos para espionagem, criar estratégias para a guerra. Além desses níveis, havia os renegados. Eram as mutações que, segundo os superiores, não serviam de muita coisa. Geralmente eram estes que estouravam as guerras civis.
A maioria das pessoas abaixo do nível um nunca teve contato com os superiores. Nós os apelidávamos de “nível zero”. Eles quase nunca visitavam a base, apenas se houvessem rebeliões incontroláveis pelos de nível um ou se fosse por motivos de politicagem entre as divisões. Os boatos corriam pelos corredores sobre os integrantes do nível zero. Eles eram considerados as mais poderosas e inteligentes mutações habitantes do planeta, como se fossem deuses do inferno que a Terra se tornara. Eles eram temidos, adorados e odiados por diversas pessoas espalhadas pelo mundo. No total, sete pessoas compunham o nível zero. Os de nível um eram os únicos que sabiam seus verdadeiros nomes e, se alguma informação vazasse do nível um sobre o nível zero, o responsável era prontamente descoberto e morto, assim como todos os que não deveriam saber, mas acabaram sabendo.
Esse era o mundo do qual eu fazia parte. Apesar de todo o desastre me envolvia, eu conseguia me divertir. Os de nível um me odiavam por completo, pois eu sempre os desobedecia em campo de batalha. Mas sempre desconfiei que esse ódio fosse por razões além dessa.
Nasci fora dos laboratórios, era filha de uma renegada, e isso é a única coisa que sei até meu treinamento na divisão. Minha vida sempre fora uma confusão, eu sempre acabava sendo punida por alguém. A única pessoa que tinha paciência comigo era meu treinador. Ele era extremamente rígido comigo, mas tínhamos uma ligação inexplicável. Era algo espiritual, fenomenal, um mistério que nunca desvendei. Eu tinha uma paixão secreta por ele e, provavelmente, ele sabia... Ele sabia de muita coisa. Mas eu não o via há muito tempo.
E lá estávamos eu, Christ e Hunter em outra missão solicitada pelo nível um de invasão à base renegada. Éramos como piões em tabuleiros para eles, movidos para se conseguir território e vantagem dentro de um jogo onde já sabíamos o vencedor.
- Quantas pessoas, X? – perguntou Christ. Apurei meu olfato e pude sentir o cheiro podre daquele lugar e das pessoas que o compunham.
- Trinta por enquanto – respondi. Ele enviou o relatório à base, que respondeu prontamente.
Ri, debochando da resposta. Até parece.
- Christ, você vai pelo canto esquerdo. Hunter vai pela direita. Eu chego por cima.
- Mas X, eles disseram que... – Hunter iniciou, mas o interrompi.
- Foda-se o que eles disseram. Quando foi que um ataque nosso deu errado?
- Nunca, mas...
- Vamos gente, preparem-se.
- A gente vai se ferrar de novo... – disse Christ com um tom pessimista.
- Parem de reclamar – bufei – A culpa sempre acaba caindo pra mim de qualquer forma, fiquem de boa – eles apenas acenaram com a cabeça e cumpriram minha ordem, indo para a direção solicitada.
Aproveitei-me das árvores secas ao redor da base, utilizando-me seus galhos para me levar até o teto da base renegada. Tentei ao máximo não produzir nenhum tipo de barulho. Finalmente pude vê-los reunidos ao centro de sua base. Pareciam planejar mais algum ataque. Entre eles estava Ivy.
Ivy foi escolhido juntamente comigo para compor o nível cinco da divisão, mas acabou por traí-la enquanto eu ainda estava em treinamento. Ele sempre implicava comigo por ter uma ligação tão forte com meu treinador, por quem eu descobri, mais tarde, que ele era apaixonado.
Estava tão concentrada em apurar minha visão para a roda reunida que não percebi a armadilha formada. Apenas senti meu corpo cair ao meio dos renegados e, após isso, ouvi mais dois baques. Pelo cheiro, sabia que eram Christ e Hunter. Prontamente nos levantamos e nos colocamos em posição de ataque.
- Vejam se não é a queridinha do Syn aparecendo por aqui – Ivy disse, me olhando de cima a baixo – Seus poderes não são bons o bastante para não ser só mais um pião?
- Não superou o fato de eu ser melhor que você, Ivy?
- Cale a boca, sua criança!
Ivy me atacou, jogando-me contra a parede e fazendo com que meu corpo a atravessasse. A dor que senti foi imensa, mas a raiva fez com que se anestesiasse no mesmo instante.
Fui com fúria para cima dele, distribuindo golpes ao máximo que pude. E, além de nós dois, todos os que estavam ali começaram a se enfrentar. Os renegados nos atacavam com mais força e precisão do que da última vez em que estivemos ali.
Ivy havia melhorado muito desde a última vez em que nos enfrentamos. Ele tinha uma força bruta, mas a velocidade dos meus golpes sempre me deixava em vantagem. Entretanto, parecia que ele havia descoberto mais sobre sua fraqueza e tentado melhorar. Eu estava em desvantagem, mas Christ e Hunter estavam em pior momento, tendo que lutar contra o resto dos renegados. Talvez a ideia inicial do ataque não tenha sido tão boa mesmo.
Corri para ajuda-los, mas Ivy conseguiu puxar meu corpo e jogá-lo novamente contra a parede. Senti uma das barras de ferro que compunham a parede atravessar minha pele de maneira agonizante. Antes que pudesse me recuperar do baque, senti mãos envolvendo meu pescoço e me sufocando, deixando-me sem saída.
- Acabou, pequena – ele sorriu maldoso, com suas mãos em meu pescoço, prestes a quebra-lo.
Ivy parou de repente e começou a gritar, assim como todos os renegados, jogando-se no chão e colocando as mãos em sua cabeça, como se algo estivesse machucando insuportavelmente dentro de sua mente. Era um típico ataque do nível um. Um estrondo em uma das paredes da base renegada fez com que surgissem mais duas pessoas. Suas vestimentas de cor cinza e vermelha declaravam, respectivamente: nível um e nível três.
- Quando eu digo “não se movam”, significa não se movam – o de nível um declarou, parecendo extremamente irritado – Para a base. Agora.
Eu já me acostumara com o sermão diário de qualquer pessoa do nível um. “Adolescente impulsiva, mimada. Precisa ser reeducada. Pegaram leve demais contigo” era o discurso de sempre. Mas meu comportamento não era a única coisa que os incomodava. Incomodava não ser previsível, não ser totalmente mapeada e controlada. Ser natural doía demais no ego de todos eles.
Chegamos à base sendo observados por olhos de raiva. Christ, como sempre, colocou o braço em volta dos meus ombros, tentando me proteger. Assim que passamos pelo corredor da Inquisição, Hunter foi para o seu alojamento. Iria fazer o mesmo, mas Christ me impediu.
- Vem , vou te levar para o nível dois – ele me puxou pelo braço por um momento, mas logo me livrei.
- Não , eu estou bem – insisti.
- Para de ser cabeça-dura, porra! Você está sangrando! – ele apontou para o corte abaixo do meu seio direito que atravessava a lateral do meu corpo.
- Nossa, sangue, que coisa extraordinária – revirei os olhos. Não era como se isso nunca tivesse acontecido.
- , eu estou falando sério – ele insistiu, e pude ver a preocupação em sua expressão. Bufei.
- Tá, tá! – revirei os olhos e segui com ele até a passagem que levava ao nível dois.
Passamos pelos guardas, pelo reconhecimento ótico e digital, e mais uma série de processos utilizados para proteger o nível dois. Tanto esse nível como o nível um eram os mais protegidos dentro das divisões.
Fui diretamente para a sala de , que talvez fosse minha pessoa favorita em todo o universo. Ele era um dos principais médicos do nível dois, e o mais eficiente em minha opinião. E, claro, o único que tinha paciência comigo.
- Te espero aqui fora – disse . Ele nunca se deu bem com , portanto preferia ficar fora do mesmo ambiente.
Entrei na sala e encontrei apenas o ajudante de . Ele corou quando me viu. Ele era uma graça, mas meus pensamentos pertenciam à outra pessoa...
Sorri para ele, que me indicou a maca.
- X, preciso que você tire a sua... – interrompi-o, retirando minha regata antes que ele dissesse. Eu já sabia do procedimento, mas eles sempre insistiam em repetir. Observei que ele lutava para não olhar para meus os peitos e me segurei para não rir – Eu vou... Vou... Chamar o ...
Sentei-me na maca e esperei. chegou com sua típica vestimenta verde, característica do nível dois. Meneou negativamente com a cabeça, como se visse uma criança rebelde. era como um irmão mais velho. Assim como , esteve sempre ali por mim. Mas, diferente do , não compactuava com as minhas merdas.
- Sempre dando trabalho, pequena – chegou até mim, sorrindo. Revirei os olhos.
- Não me enche. Só faz logo essa merda.
- E sempre sendo mal educada – ele soltou um riso e colocou suas mãos sobre o corte.
Seus olhos intensificaram sua cor e suas mãos esquentaram sobre a minha pele. Logo a pele cicatrizava e o sangramento se estancava. O processo fazia minha pele arder, como se estivesse sendo queimada. A abertura e o sangue desapareciam aos poucos, e logo apenas um pequeno corte se instaurou em minha pele. se afastou de mim e pegou um rolo de faixa em seus utensílios, o envolvendo em meu tronco na região anteriormente ferida. Após isso, também curou algumas escoriações e marcas de luta.
- Vai precisar ficar enfaixada por enquanto, mas logo vai poder voltar a dar dores de cabeça pro nível um – ele piscou quando terminou, me fazendo rir. Acabei por abraça-lo.
- Eu odeio você – disse com o rosto enterrado em seu peito. Seu abraço era extremamente acolhedor e aconchegante.
- É recíproco – ele riu e beijou o topo de minha cabeça. Soltei-me de seu abraço, vesti minha regata e pulei da maca, mas ele interrompeu minha saída – , antes de você ir... É melhor você saber... – ele suspirou – Fique esperta hoje. Um nível zero virá aqui por causa do seu mau comportamento constante... Obedeça-os, tudo bem? Não quero que eles te joguem para os renegados.
Minha coluna pareceu gelar e minha barriga revirou. Eu nunca achei que tomaria consequências tão sérias, afinal, eu só estava me divertindo.
- Não deve ser tão ruim assim... Não é? – perguntei esperançosa, mas apenas deu de ombros.
- Só se cuida – ele veio até mim e beijou o topo da minha cabeça.
Saí da sala e percebi dois integrantes do nível um falando com , que não estava com uma expressão nada amigável. Os três me olharam quando atravessei a porta. fechou suas mãos em punho, olhando para ambos os vestidos de cinza.
- X, eu preciso que você nos acompanhe – sentenciou o ruivo com um sorriso perverso em seus lábios.
- Christ... – o loiro virou-se para – Nós vamos conversar mais tarde.
Segui com ambos até a passagem que levava ao nível um. Antes que pudéssemos passar, meus olhos foram vendados e meus braços foram colocados brutalmente para trás.
- Pequena anda causando problemas demais e está na hora de aprender uma lição – o loiro sentenciou enquanto algemava meus pulsos.
- Isso se o Syn finalmente aprendeu que não se perdoa filhos de renegados – o ruivo debochou. Mas não foi isso que me chamou a atenção e me fez ficar em estado de alerta.
Syn. Eram como o chamavam. Para mim, ele era . Ele era um nível zero. Foi ele quem me treinou. Foi ele quem me tirou do meio do nada em que fui posta pela minha mãe. É nele que eu penso todo o tempo. É dele o meu coração. E era ele que viria me ver e, provavelmente, para me reeducar.
- ? – sussurrei para mim mesma, mas ambos acabaram ouvindo.
- Não pense que ele virá aqui pra te dar bonequinhas, princesa – o loiro zombou, dando-me um tranco para que eu voltasse a andar.
Seguimos andando por um tempo. Ouvi uma porta sendo aberta e fui empurrada para dentro daquele ambiente, caindo ao chão. Tentei me erguer, mas algo segurou meu cabelo e me manteve de joelhos. Ouvi um deles rir perversamente.
- Deixe-a com o Syn. Ela é a queridinha dele – zombou o ruivo.
- Cala a boca – dirigi-me a ele com nojo na voz.
Foram apenas cinco segundos até um apito insuportável se instaurar em meus ouvidos. Eu berrava de dor. Sentia que meus tímpanos e cérebro iriam explodir com a pressão. Os dois apenas riam do meu sofrimento.
- Melhor medir suas palavras, adolescente mimada – senti uma mão pegando meu rosto e o apertando forte – Eu posso estourar seu cérebro e dizer a ele que você chegou morta.
- nunca perderia tempo vindo aqui por uma bobagem pequena que eu fiz – respondi com a voz mais alterada pela raiva.
- Você não o conhece mesmo – o loiro riu debochado – Aquele idiota fica de quatro por você, ele ama queridinha dele – ele largou meu rosto e senti-o se afastar.
- Melhor medir suas palavras, Jason.
A voz ecoou pela sala, fazendo um frio subir pela minha coluna. Eu reconheceria aquela tonalidade em qualquer lugar... . Ou melhor, Syn, como era chamado.
- Me-mestre – Jason gaguejou – Há quanto tempo está aí?
- O bastante para ouvir suas asneiras, mas isso não lhe interessa – ouvi passos andando até perto de onde eu estava e o barulho de um soco forte seguido por um gemido de dor – Você não cansa de testar minha paciência, já me basta ela, agora você! – ele bufou irritado – Mais uma dessas e você sabe o que te acontece, certo? – seu tom ameaçador me fez ter calafrios, mesmo que não fosse dirigido a mim.
- Sim, sim senhor – a voz de Jason respondeu com um tom de medo.
- Agora saiam os dois. A única pessoa que cuida desse problema aqui – senti suas mãos entrelaçarem meu meus cabelos e puxa-los, fazendo minha cabeça ir para trás. Foi um aperto forte, mas não que me causasse dor – Sou unicamente eu. Estamos entendidos?
Não ouvi mais nenhuma voz depois disso, apenas passos deixando a sala.
- Triple X... Disseram-me que você andou aprontando... – ”por favor, ele não, por favor”, repetia para mim mesma mentalmente – Achei que sua fase rebelde havia ficado em sua pré-adolescência.
- Vá à merda, – respondi ríspida.
- Não me lembro de te ensinar a falar dessa maneira – eu sabia que ele estava dando um de seus sorrisos de deboche – E, que eu me lembre, aqui somos Syn e X, apenas – ele retirou a venda dos meus olhos, que arderam e demoraram a se acostumar com a intensa claridade do cômodo. Quando consegui me adaptar, eu o vi.
estava totalmente de branco, como exigia o vestuário de alguém do nível zero. Seus cabelos estavam levemente bagunçados, tirando um pouco do seu ar sério. Um cavanhaque adornava seu rosto e eu só queria tocá-lo. Seus olhos me observavam. A cor de seus olhos me aquecia e seu olhar sobre mim parecia fazer minha alma desabrochar, como uma rosa do deserto. Ele era como Inferno e Paraíso ao mesmo tempo.
- Você não mudou nada, – ele me olhou de cima a baixo com aquele sorriso. Maldito sorriso.
- O tempo muda muita coisa – rebati irritada.
- Pelo jeito não mudou essa sua cabeça dura. Parece que você tem prazer em desobedecer a seus superiores – ele começou a caminhar pela sala, até se sentar em uma poltrona, a minha frente.
- Por que você está aqui? – perguntei.
- Você é de minha responsabilidade – deu de ombros.
- Não tenho nada a ver com você.
- Ah, mas você tem sim... Nós dois sabemos disso – ele sorriu de lado, fazendo-me revirar os olhos – Me pediram para vir aqui te reeducar.
- Lobotomia? – soltei um riso nasalado – Achei que você não fosse dessa época.
- Você e essa sua língua esperta – ele veio em minha direção – Estou falando sério, , você está causando problemas demais.
deu a volta pelo meu corpo e agachou-se para soltar meus pulsos. A energia imponente que emanava de seu corpo me fazia estremecer. . Ele jogou as algemas de lado e me ajudou a levantar, fazendo-me ficar de frente para ele.
- Vamos , feche seus olhos e relaxe.
- Difícil relaxar quando vai se levar uma bronca do grande e temeroso Syn, não é mesmo? – provoquei, fazendo-o rir.
- Você ainda será um exemplo de disciplina.
Fechei os olhos, como pediu. começou a falar consigo mesmo e abri os olhos para entender o porquê. Quando abri os olhos, dei de cara com um campo de flores vermelhas que levava a uma caverna. O céu parecia estar em um eterno pôr-do-sol, com tonalidades róseas e alaranjadas.
- Nada está fora do lugar por aqui – ele disse conversando consigo, analisando a paisagem que eu sequer sabia o que significava – Está exatamente como eu deixei...
- , do que você está falando?
- Aqui é a sua mente – ele respondeu – E está tudo como eu deixei da última vez. Não há como reeducar algo que já está educado.
- Tá vendo como eles implicam comigo? – cruzei os braços.
- Mas, por um lado, a reeducação que usei com você é a que eu uso naqueles que nasceram in vitro. Talvez seja esse o caso...
Deixei-o falando sozinho enquanto seguia pela trilha de flores até a caverna. Vê-la por fora me dava plenos arrepios. Algo que parecia tão assustador no meio de uma paisagem tão tranquila. Antes que pudesse ver o que tinha lá dentro, puxou meu braço.
- Não é assim que se entra na caverna. Preciso ter certa intimidade com você. Isso se perdeu, precisamos recuperar.
- Claro que se perdeu, você desapareceu do nada e me deixou com aqueles horríveis do nível um.
- O nível um não é tão ruim assim – ele riu, colocando um braço por volta dos meus ombros e começando a andar.
- Eu odeio todos do nível um – revirei os olhos, lembrando-me de cada ser desprezível que compunha aquela divisão.
- Eu já fui do nível um – ele cutucou minhas costelas, me fazendo cócegas – Você não me odeia.
- Hey! – comecei a rir, tentando sair de suas mãos – Não sabia que era possível subir de nível.
- E não é... A questão é a evolução dos meus poderes e o tempo em que estou trabalhando para o governo.
- O que você faz além daqueles vodus que fazia em mim?
- Eu tenho poderes psíquicos que me permitem muitas coisas – frisou, sendo claramente provocado pela minha pergunta anterior – Atingir o mais profundo da sua mente e, se quiser danificá-la, vou fazer. Posso te fazer de marionete, influenciar seus sentimentos e sua coordenação motora. Consigo nos transportar para as mais diversas dimensões espirituais e te prender ali, te deixando em coma... Enfim, todas as funções ligadas ao seu cérebro e à sua alma pertencem a mim a partir do momento que eu decido isso.
- Você deve ser o mais poderoso.
- Não. Por mais que eu possa fazer muitas coisas, todo poder tem sua fraqueza. Eu consigo influenciar, no máximo, três pessoas. É claro que tudo é uma questão de estratégia e pegar as pessoas certas, mas os níveis zero tem bloqueio psíquico. Eu não posso fazer muita coisa além de argumentar os meus pontos e convence-los com uma boa conversa – ele sorriu de lado.
- Então, quem é o mais poderoso dali?
- Acredite se quiser, ele tem poderes menos destrutivos do que todos nós aqui juntos – arregalei os olhos, incrédula – Apenas um Q.I elevado, coisa que você acha em qualquer lugar do nível um... A vantagem de Burns é sua mutação, que nos faz perder todos os poderes perto dele, e aquela maldita lábia que compra a confiança de qualquer um. Hitler parece um bebezinho de colo perto daquele demônio.
parecia ter muito ressentimento sobre Burns, então não continuei a perguntar. Acabei por mudar de assunto.
- O que você era antes da Terceira Guerra?
- Pastor.
- Que?! – eu elevei meu tom de voz, sem acreditar no que ele acabara de dizer.
- É brincadeira – ele riu brevemente e eu revirei os olhos – Eu estudava direito em Yale. Mas parecia mais um adolescente com hormônios que só pensava em foder.
- E como você...
- Me tornei isso? – ele me interrompeu – Eu estava no laboratório no momento da explosão. Aí você me pergunta a razão de eu estar lá, já que direito nada tem a ver com química... Minha ex estagiava por lá. Ela sobreviveu, mas virou uma renegada.
- Eu achei que as mutações só aconteceram de verdade para os sucessores dos que sobreviveram à bomba atômica.
- Também... Mas tudo começou pela explosão dos laboratórios. Os gases se espalharam pelo mundo. Foi como em Chernobyl, as autoridades mantiveram tudo em segredo até perceber que as coisas estavam saindo de controle.
- E como você sobreviveu à bomba?
- Eu já era um nível um na época em que a bomba estourou. Foram mais de dez anos de guerra antes da última bomba, como você sabe. Muito acontece em dez anos... – ele parou um pouco, parecendo se perder em pensamentos, mas logo meneou com a cabeça e voltou a falar – Eu estava na base subterrânea, ajudando nos planejamentos ao próximo ataque, quando tudo aconteceu.
- E eu, ? – perguntei, entrelaçando nossas mãos.
Uma aura se instaurou ao nosso redor de repente. Era algo que transmitia diversas cores, como um amontoado de sentimentos que talvez explicasse as borboletas no estômago que me deram apenas por entrelaçar nossos dedos.
- Fale de mim, ... Eu não me lembro de nada antes do treinamento.
- Eu não posso. Apaguei suas memórias justamente porque você deve servir com uma arma. Sem apegos ao passado, apenas pensando em seu presente e em melhorar suas habilidades para o futuro – ele respondeu sem me encarar.
- Por favor – implorei, pegando em sua outra mão.
A aura ao nosso redor mudou. As diversas cores passavam a ser apenas alguns tons de amarelo e rosa. pareceu paralisar, olhando para a minha mão pousada na sua. Eu sentia uma espécie de energia fluindo entre nós dois. Era algo estranho, fazia meu coração acelerar e meu estômago esfriar em ansiedade. A razão disso eu não conseguia entender. , depois de um tempo parecendo em transe, retirou minha mão de cima da sua, delicadamente. As cores adicionadas à aura clarearam até quase desaparecer.
- Eu estou aqui para voltar com seu treinamento cerebral, não para contar a minha história ou a sua, X – ele disse em um tom rude, sem olhar em meus olhos – Já me amoleci demais com você por hoje.
A energia ao nosso redor desapareceu, mostrando-me outro cenário, diferente da paisagem anterior. Era noite, as flores estavam encolhidas e a única luz era vinda daquela estranha caverna.
- Está na hora – ele disse simplesmente, indo em direção à luz.
A cada passo que eu me aproximava da luz, mais meu estômago revirava e uma tontura se apossava de mim. Era como se eu não devesse entrar naquele lugar e forças me desconfortassem para que eu desistisse. , pelo contrário, parecia conhecer bem o terreno e andar confiante. Tive que fechar os olhos em um momento, pois a luz estava cada vez mais forte. Senti agarrar meu braço e me puxar de uma vez, quase me fazendo cair. No entanto, o desconforto passou assim que ele o fez.
Abri os olhos e dei de cara com o que tinha dentro da caverna: um altar. Nada que emitisse a luz anterior, apenas aquele altar.
- Por que você tem um altar que brilha por fora da caverna? Depois me diz que isso que você faz não é vodu – cutuquei-o, tentando quebrar a tensão instaurada anteriormente, mas me ignorou, observando o ambiente.
- Não há nada errado... , você não tem nada de errado... – ele disse com a voz baixa, como se tentasse convencer a si mesmo – Eles estão errados, não ...
- , o que você... – eu iniciei, mas ele me cortou.
- Você nasceu fora dos laboratórios, , por isso ninguém pôde te controlar cem por centro. Você só não foi colocada como uma renegada porque eu te quis. Eu te quis desde vi esses seus olhos tão grandes e assustados – ele se aproximou, tocando minha bochecha – Quis porque você não era a perfeição laboratorial que o nível zero tentava impor como padrão social. Você era minha criança perfeita.
- , mas o que...
- Você sempre foi perfeita – ele continuou. Quando percebi, eu estava entre o altar e o corpo de – Feita para mim...
Seu corpo foi se inclinando e seu rosto se aproximando do meu. Nossas respirações batiam entre si.
- Por que não Ivy? Por que você está me dizendo isso agora? Isso não faz sentido – perguntei com a respiração alterada. Nossa aproximação não fazia bem para minha sanidade.
- Eu quero você, – ele sussurrou. Seus lábios já se encostavam aos meus.
- Você está influenciando minhas emoções, – sussurrei de volta, com sua boca colada a minha.
- Não, – respondeu no mesmo tom que eu e respirou fundo – Você é quem está me enfeitiçando aqui. Desde o começo sempre foi você.
- Para com isso – coloquei a mão em sua nuca, de início com a intensão de puxá-lo para longe, mas apenas a mantive em sua pele.
- Eu não posso parar o que não posso controlar – ele colocou suas mãos em minha cintura, me trazendo para mais perto de si.
- ... – sussurrei novamente, roçando nossos lábios.
Ele prensou seus lábios aos meus e fechei os olhos. Meus dedos correram para seus cabelos e os agarraram enquanto sua língua acariciava a minha. As coisas estavam saindo do nosso controle, como se toda qualquer racionalidade se esvaísse cada vez que tínhamos aquele tipo de conexão e apenas os instintos controlassem tudo.
Ele me sentou sobre o altar, sem parar o beijo, fazendo minhas pernas se entrelaçarem em sua cintura e nossos troncos se colarem. . Eu não conseguia entender essa aproximação repentina, mas isso não me impedia de aproveitá-la.
Ele me sentou sobre o altar, sem parar o beijo, fazendo minhas pernas se entrelaçarem em sua cintura e nossos troncos se colarem. Eu não conseguia entender essa aproximação repentina, mas isso não me impedia de aproveitá-la. deslizou seus lábios para o meu pescoço, subindo para minha orelha.
- Eu esperei muito tempo por isso – ele disse contra minha orelha, descendo seus lábios pelo meu pescoço – Muito... Muito... Tempo – suas palavras eram intercaladas com beijos sobre a pele sensível e arrepiada. Ele mordeu a curva entre meu pescoço e ombro, fazendo com que um gemido baixo escapasse por meus lábios e meus quadris se mexessem involuntariamente.
terminou de abrir o rasgo em minha regata, destruindo-a e deixando meu tronco exposto. Sua língua desenhou-se por minha clavícula, descendo em direção aos meus seios. Suas mãos alternavam entre pressionar minha cintura e minhas coxas. As sensações que ele me trazia eram mágicas, um mistério. Todos os encantos que ele tinha funcionavam em mim. E eu só conseguia me render a eles.
Sua língua circundou meu mamilo, fazendo-me suspirar e fincar minhas unhas em seus ombros. Suas mãos subiram por minhas coxas até minha barriga, descendo novamente até o cós da minha calça. Seus dedos adentraram, indo de encontro ao ponto em chamas entre minhas pernas. Quando senti o toque gélido e preciso sobre meu clitóris, não resisti a suspirar. soltou um riso contra meu seio, mordendo o bico e, finalmente, arrancando um gemido baixo dos meus lábios.
- Você conhece o paraíso, ? – ele sussurrou enquanto seus dedos persistiam em massagear meu clitóris. Só consegui suspirar e menear negativamente com a cabeça. Ele mordeu meu lábio inferior e o puxou – Pois irei te apresentar. E você nunca mais irá querer sair.
Ele retirou os dedos de mim e os levou até a boca, sugando os resquícios da minha excitação. Senti minha intimidade pulsar.
- Era assim que você imaginava quando estava se masturbando, não era?
- Eu não me... – ele colocou dois dedos sobre meus lábios, me calando, e começou a acenar positivamente com a cabeça, devagar, me incitando a fazer o mesmo. Merda, como ele sabia?
- Você me deixou duro em uma reunião do nível zero por causa disso, sabia? – ele pressionou sua ereção contra minha intimidade encharcada, bem no ponto necessitado. Ambos suspiramos – , ... Você me dá muito mais trabalho do que apenas esse seu gênio difícil.
Ele voltou seus dedos ao meu ponto de prazer, agora por cima do pano, mas ainda sim não deixando a desejar. Sua outra mão trabalhava em meu seio esquerdo, acariciando-o e apalpando-o com força moderada. Seus lábios e língua estavam em meu pescoço, atingindo meu maior ponto fraco. Eu estava de olhos fechados, perdida em um doce êxtase.
Meus gemidos começaram a sair mais altos e meu corpo parecia ser atravessado por uma corrente elétrica que estava se intensificando. Eu estava cada vez mais perto.
- Olhe pra mim, .
E eu me perdi na profundidade quente daqueles olhos . Encontrei finalmente o Nirvana. Sim, eu poderia descrever aquilo como um Nirvana. Meu corpo estava entorpecido, debulhado em sensações indescritíveis, flutuando como uma pluma. Eu esperava há tempos por alguém com um poder como o dele, de ver o mais profundo da minha alma. Ele não fazia isso só porque sua mutação lhe permitia, a ligação que nós tínhamos era intensa demais para se explicar. Nós víamos um ao outro em seu mais obscuro, áreas inacessíveis para qualquer um, mas que para nós era simplesmente natural.
Senti um baque contra minhas costas que, infelizmente, me trouxe de volta à realidade e percebi que estávamos de volta à base. Abri meus olhos e me vi novamente naquele cômodo branco de paredes acolchoadas. O meio de minhas pernas estava desconfortavelmente molhado e excitado, parecendo intocado. Ouvi uma movimentação e me sentei, encarando que andava de um lado para o outro. Sua calça estava com aquele volume, também intocado.
- Isso... – comecei a pergunta, falando baixo e me encarou – Aconteceu?
- Aconteceu... Mas não de verdade... Merda! – ele socou uma das paredes, assustando-me com o baque alto – Eu não vim aqui para isso, .
Antes que pudéssemos continuar, o alarme ensurdecedor de emergência ecoou. Isso só poderia significar uma coisa: invasão dos renegados. Eu e nos encaramos, refletindo expressões de preocupação em nossos rostos.
Os gritos e barulhos de luta acompanharam o som do medo emitido pelas caixas de som espalhadas pela divisão. Apenas os sons faziam aquilo parecer algo de proporções incontroláveis, e eu esperava que minha audição estivesse claramente errada.
- Syn, código vermelho! – gritou uma voz por trás da porta, acima do alarme e dos barulhos de luta.
- Vamos ! – ele abriu uma espécie de saída de emergência do cômodo e puxou-me pela mão.
Seguimos correndo por um corredor escuro, úmido e gélido. O barulho que ecoava ali era o de nossas respirações ofegantes e nossos passos firmes e apressados até um lugar que eu desconhecia. empurrou uma porta de ferro que dava diretamente ao centro da base, onde pude ver renegados e integrantes da divisão se enfrentando.
- Parem! – gritou uma voz que parecia impor respeito à todos – Os convidados chegaram.
Todos pareceram olhar em nossa direção. Pude perceber outro homem de vestimenta branca no outro extremo da sala. pareceu percebê-lo no mesmo momento, pressionando minha mão.
- Burns? – disse com o tom de voz surpreso.
- Syn – Burns balançou a cabeça em um cumprimento, com um sorriso perverso e nojento em seu rosto redondo – Essa divisão tem me dado trabalho e gastos demais. Principalmente por causa dessa sua coisinha – ele apontou para mim e me empurrou para trás de si, como se quisesse me proteger – E, bom não sou só eu que tenho problemas com ela – Burns apontou para a região posterior a si, onde diversos renegados e até alguns integrantes da divisão me olhavam com ódio – Lhes dou o aval para cortar o mal pela raiz.
- !
...
...
- Caralho , acorda! Você está atrasada pra aula do Burns!
A realidade me socou enquanto Christ me balançava pelos ombros para acordar. Eu era apenas . Sem poderes, sem Terceira Guerra Mundial, sem ataques nucleares, sem divisões... Apenas uma garota comum em um internato. E atrasada para a aula do professor que mais me odeia de todo o corpo docente.
- Porra Christ, você nunca limpa a barra pra mim – levantei em velocidade recorde, chutando os edredons e retirando cada peça de roupa que voava para algum canto desconhecido do quarto que não era o cômodo em minha mente no momento, e sim o banheiro.
- Quer que eu perca meu emprego? Já facilito as coisas demais pra você, garota.
Tomei o banho mais rápido da minha vida e me vesti de uma maneira que merecia recorde no Guinness Book. Levar outra bronca do Burns não era uma opção válida.
Saí do meu quarto correndo pelas escadas e corredores, esbarrando e levando diversos xingamentos de pessoas que eu sequer lembrava o rosto. Tentei ser o mais discreta possível ao entrar na sala enquanto Burns explicava, e pareceu ter dado certo.
- (...) A depressão como mal do século. Mas creio que o mal do século sejam os atrasos, não é mesmo, senhorita ? – o careca olhou em minha direção com uma cara de poucos amigos.
- Mas foi...
- “Só dessa vez?” – interrompeu-me. Ele afinou a voz tentando me imitar, fazendo alguns da sala segurarem um riso – O diretor , por obsequio, quer a senhorita na sala dele para conversarem mais sobre isso.
Todos da sala soltaram exclamações de deboche ao término da frase de Burns. Saí da sala batendo a porta e bufando. Era sempre a mesma coisa, broncas e mais broncas. Me dirigi até a sala do diretor e bati à porta, logo recebendo o aval para entrar
- Sempre dando trabalho, menina – , diretor do internato, me olhava com uma expressão de decepção.
- Qual é ? Eu tiro notas boas, não preciso de sermão por chegar atrasada – revirei os olhos, sentando-me na cadeira à frente de sua mesa.
- Chegar atrasada, depredar patrimônio, contrabandear bebidas, cigarros, objetos sexuais – segurei um riso quanto aos “objetos sexuais” – ... Você é uma das minhas melhores alunas, mas não posso salvar seu pescoço toda a vez. Infelizmente tive que ir por outros caminhos...
Ele respirou fundo e o barulho da fechadura da porta se abrindo ecoou sobre a sala. Permaneci olhando para , que agora analisava a região de onde provinha o barulho. Entretanto, foi outro som que fez minha espinha congelar.
- , , ... Disseram-me que você andou aprontando...
Fim
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