Capítulo único
Push and shove, do you feel better now?
Knock, knock, knock
You'll come tumblin' down
Karma's got a kiss for you
Ela entrou feito um furacão no quarto e se atirou sobre o colchão da confortável cama de casal coberta com lençol roxo e diversas almofadas coloridas espalhadas. E, realmente, sentia-se como um furacão, pois, dentro de si, havia uma bagunça de emoções que estouraram o limite da sua paciência. Seu coração foi partido da forma mais cruel, e tudo porque se permitiu acreditar em uma ilusão que sentira pelo cara o qual se tornou o seu melhor amigo em menos de um ano. O pior de tudo: ele era comprometido e deu esperanças de que ficariam juntos.
Ele era um cretino, e ela, uma idiota.
Como forma de tentar extravasar e aliviar a dor que sentia, se debatia com toda a sua força e soltava gritos, com o rosto abafado por uma das almofadas coloridas, enquanto lágrimas borravam a linda maquiagem feita por ela para a animada noite de Ano Novo. Jamais imaginou que o seu ano de 2017 começaria daquela forma: chorando por um cara que esmagou e, não satisfeito, ainda cuspiu nos estilhaços do seu coração. Era cruel, muito cruel! Após alguns minutos, soltou as almofadas e deitou-se, encarando o teto branco do quarto e, enquanto chorava baixinho, ouvia o som abafado de alguma música animada. A jovem estava naquela casa enorme há cerca de 2 dias, dividindo os vários metros quadrados, em frente a uma praia no litoral de São Paulo, com mais dez pessoas. Todos eram streamers de eSports e estavam passando a virada de ano juntos, graças a um patrocinador do ramo.
era apaixonada por games, livros, séries e, no momento que decidiu transmitir ao vivo suas peripécias nos jogos, a sua vida mudou. Milhares de outros jogadores começaram a acompanhar suas streams. O número de seguidores em suas redes sociais começou a aumentar e convites de parcerias e participações em eventos surgiram. Logo se viu sem emprego, apenas cursando sua faculdade de Economia no período da manhã, e à noite, se dedicava ao que realmente amava. Novas amizades surgiram e, assim, conheceu .
— Idiota, idiota… — repetia, enquanto chorava ainda mais. Cobriu seu rosto com as mãos e continuou a chorar, enquanto se recordava de como tudo começou.
Why are you blaming me for all your insecurities?
I never did anything, but you closed the doors
Slammed shut on me
Something a little bit bitter that should've been sweet
I won't compete
You're like a king with a crown looking down
Hoping I want it
Sempre achou engraçado a forma como tudo começou: foram muitos desencontros, até que, um dia, , mais conhecido como , estava assistindo a jovem jogar League Of Legends e mandou uma mensagem no chat: “Bora x1?!”. Como o chat sempre ficava lotado de mensagens das pessoas que assistiam a stream, ela não tinha visto e só soube porque os que estavam online começaram a pirar. Ela aceitou o desafio, zoou com a cara dele e, com isso, toda vez que ficava online na stream, o chat ficava lotado de mensagens pedindo para que e jogassem uma partida juntos.
Era comum ambos se citarem durante uma stream, levando o público à loucura e a muitos pedidos. Ele era um streamer paulista que conseguia ser habilidoso e engraçado ao mesmo tempo. Tinha mil vezes mais visualizações que a menina, mas o que realmente criou e fortaleceu a amizade entre eles foram os gostos em comum e as opiniões divergentes. Começaram a se seguir nas redes sociais. Naquela época, ele já namorava, e sempre respeitou isso. Trocavam mensagens diariamente, assistiam, comentavam nas streams um do outro e, enquanto não tinham a oportunidade de se conhecerem pessoalmente, se conheciam melhor através de mensagens.
O encontro rolou dois meses depois, em uma premiação de eSports em São Paulo, e foi maravilhoso para ambos. ainda se recordava da ansiedade que não a deixou dormir na noite anterior ao encontro, do frio na barriga ao estar frente a frente com o jovem. Eles se abraçaram forte. O sorriso dele foi lindo ao vê-la. Falavam-se cada vez mais, se encontravam quando estavam em São Paulo ou no Rio de Janeiro. A amizade deles começou a dar o que falar! As pessoas comentavam sobre serem perfeitos um para o outro e, com isso, chegou aos ouvidos da namorada do jovem. Eles brigavam, e o motivo era sempre o mesmo: a amizade dele com .
As coisas entre e começaram a avançar quando, em uma noite de julho, ambos estavam em São Paulo e haviam sido convidados para o aniversário de uma amiga em comum.
A festa rolava animada no camarote da aniversariante Maya Link, também streamer. As comidas e bebidas eram liberadas para os convidados, tocavam de música eletrônica ä funk, e o ambiente era escuro, iluminado apenas por luzes neon. estava sentindo-se irritado com a namorada por conta da briga que tiveram mais cedo, pois tornaram-se rotina as crises de ciúme por causa da sua amizade com . O jovem não entendia o motivo de tamanha perturbação, já que nunca olhou a amiga com outros olhos. Quer dizer, somente no comecinho da amizade.
Agora, estavam e bebendo todos os drinks disponíveis no bar e chorando pitangas sobre a vida de ambos.
— Eu não entendo, cara. Nunca dei motivo para a Aline ficar com ciúme de mim, e olha que já perdi as contas de quantas meninas me mandam mensagens, querendo ideia... — falou ele, meio grogue, depois de tomar cerveja, doses de tequila e outros drinks, junto com .
A menina percebia que o jovem não estava sóbrio por dois motivos: número um, ninguém estaria de pé, depois de ingerir tanto álcool; e número dois, ele estava falando, quase com a cara colada na dela e, a cada palavra, era uma cuspida que levava na bochecha.
— , não precisa falar grudado assim! Está fazendo isso de novo! — ela reclamou, não menos sóbria que ele, enquanto o afastava com um empurrão no ombro. Fez uma careta.
O jovem riu e terminou de virar o último gole do seu drink vermelho.
— Vou buscar mais um drink... Quer também? — ele erguntou ao se levantar do sofá de couro preto.
— Não! Quando voltar, irei embora! Estou cansada! — avisou, sorrindo, enquanto segurava sua bolsa de couro preta. Cruzou as pernas e observou o ambiente.
Minutos depois, retornou com duas doses de tequila.
— Não acredito, sua vacilona! — reclamou, enquanto observava a jovem em pé com sua bolsa no ombro.
— Seja menos chato e me ajude a pegar um táxi! — pediu ela, rindo, enquanto sentia-se meio zonza. Deu alguns passos para testar a firmeza de seus pés.
— SAIDEIRAAA! — gritou ele, animado, atraindo a atenção de pessoas que estavam próximas. Estendeu uma das doses a jovem. Ambos riram e viraram toda a bebida.
Eles estavam tão anestesiados pela bebida que nem sentiram arder a garganta. Pareciam ter ingerido um copo com água.
Largaram seus copinhos em qualquer lugar, saíram, trôpegos, ambos apoiando-se um no outro, enquanto passavam pelas pessoas que estavam naquela balada. Respiraram, aliviados, ao sentir a brisa fresca da madrugada, enquanto paravam na calçada em frente à entrada. Várias pessoas estavam ali fora, fumando e bebendo. Foi quando tudo aconteceu muito rápido, ou os sentidos deles estavam lentos demais.
fez sinal para que um táxi parasse e abriu a porta, ficando em pé ao lado. Com isso, foi seguindo apressadamente para entrar no táxi, mas parou de súbito para dar um abraço de despedida no seu amigo, ao mesmo tempo que ele inclinou-se na sua direção para lhe dar um beijo na bochecha, e aí ferrou tudo! A virada inesperada de e a despedida sem aviso do amigo resultaram na união de seus lábios — um simples selinho de dois amigos bêbados, mas que foi o suficiente para que as coisas mudassem.
Push and shove, do you feel better now?
Knock, knock, knock
You'll come tumblin' down
Karma's got a kiss for you
Três leves batidas na porta do quarto, e seu coração bateu mais forte com o susto.
— ?! — chamou a voz conhecida, fazendo com que a jovem secasse as lágrimas rapidamente e sentasse, rígida, na cama. Raiva borbulhava dentro de si. Observou abrir a porta e enfiar a cabeça loira dentro do quarto.
— Linda? Está tudo bem? — perguntou, com uma expressão preocupada, enquanto segurava a maçaneta.
A pergunta foi o estopim para que a raiva da jovem fugisse do controle.
— SE ESTÁ TUDO BEM? — berrou com ira, enquanto raios lasers saíam de suas íris castanhas. Jogou-se sobre a cama, pegando todas as almofadas coloridas e atirando com violência em direção ao garoto.
Ele estava com uma expressão de surpresa, enquanto desviava das almofadas.
— SAI DAQUI! EU TE ODEIO! — ela gritou, sem pudor, querendo externar para o mundo inteiro, a galáxia e, até mesmo, para quem estivesse na festa, tudo o que sentia por aquele cara.
, assustado, sem saber o que fazer e não desejando que vissem a jovem daquela forma, fechou calmamente a porta atrás de si e entrou no quarto. Aproximou-se cautelosamente da menina, que estava, agora, chorando, enquanto o encarava com puro ódio.
— Eu. Disse. Para. Sair. Daqui! — falou pausadamente, num tom de ameaça, ainda sentada sobre o colchão.
— Calma! Tem espaço suficiente para nós dois! — respondeu ele, dando de ombros, enquanto tentava se aproximar lentamente, numa tentativa de evitar receber outra explosão como resposta.
I'm just like you
Maybe you'll better with time and we'll leave it behind
There's room for 2
— , eu te amo! — declarou, sério, enquanto parava em frente a menina, que levantou-se de súbito, irada, ao ouvir as palavras proferidas pelo garoto.
— Me ama? — questionou ela, por alguns segundos, com uma expressão de descrença no rosto e que logo foi substituída por outra expressão de reconhecimento. — Você acha que sou tão boba assim? Ela te largou, né? — perguntou, sorrindo, irônica, enquanto estava em pé.
O clima era pesado naquele quarto. Qualquer um que entrasse ali poderia perceber. Ambos estavam em pé, próximos à cama, e encaravam-se, sem piscar. A menina, que era apenas alguns centímetros mais baixa que o garoto, estava com os braços ao lado do corpo, as mãos fechadas em punho, enquanto o jovem a observava com arrependimento.
— Responda-me! O gato comeu sua língua? — perguntou novamente.
— Sim — admitiu, suspirando, enquanto passava uma de suas mãos pelo cabelo, bagunçando-o.
identificou que ele estava nervoso, pois o jovem costumava ter essa mania quando estava fora de si.
You can't undo
Thought you were under the radar
But, under the chaos I see through
— E, agora, você vem correndo atrás de mim, né? Como teve essa coragem? — ela questionou com raiva, enquanto secava mais lágrimas. Respirou fundo, tentando evitar continuar chorando na frente dele.
— Porque eu te amo, porra! — respondeu ele, irritado, enquanto a encarava seriamente.
Ela riu, achando muita graça da situação.
— Deixe-me pensar... Você era meu melhor amigo, nós nos beijamos sem querer, ficamos estranhos um com o outro, nos beijamos novamente e, durante diversas vezes, você querendo curtir mais ainda com a minha cara! Mentiu, dizendo que a Aline tinha te chutado e, aí, como num passe de mágica, ela aparece aqui, na noite de Ano Novo, e você posta uma foto com ela, dizendo que a ama! Hum... Está certo isso? Isso é amor por mim? — perguntou, debochada, tentando disfarçar a dor da humilhação ao ter caído na mentira de .
Ele continuou em silêncio.
See, everyone ain't the same
We're more than machines
You saw a spark where there wasn't a flame
And you barely remember my name
Do you feel complete?
— Ok... Legal! Eu admito que menti para você em relação a isso, mas não era mentira tudo o que sinto por você. Eu não posso escolher entre vocês duas, não posso... — confessou ele, com os olhos brilhando pelas lágrimas que não escorreram por seu rosto.
bufou, irritada com a cena forçada por parte dele.
— Espero que você aprenda com seus erros, pois perdeu uma grande amiga. Eu nunca mais quero olhar na sua cara. Você brincou com os meus sentimentos, como se eu fosse um boneco sem importância! — falou seriamente, secando uma última lágrima teimosa, que rolou por sua bochecha esquerda.
— Não foi de propósito... Apenas aconteceu. Eu não pensava que fôssemos nos envolver tanto. Por favor, perdoe-me! — implorou ele, agora, aos prantos, enquanto segurava pelos ombros. Sua expressão era de desespero.
Por alguns segundos, ela quase se rendeu a encenação do garoto, mas seu coração, agora, machucado, lhe deu a resposta:
— Não — sussurrou ela, em meio às lágrimas.
Ela sabia que ele havia aprendido a lição da pior forma. Quis tanto brincar com ela e com sua namorada que acabou sem as duas. Como diz um ditado: “Melhor um pássaro na mão que dois voando’’. permitiu que todos os seus pássaros voassem.
Push and shove, do you feel better now?
Knock, knock, knock
You'll come tumblin' down
Karma's got a kiss for you
Fim
Nota da autora: (20/02/2018) Sem nota.
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