Finalizada em: 18/09/2019

Capítulo Único

O som das risadas discretas - embaladas pelos brindes e os batuques dos saltos e sapatos sociais contra o chão de madeira - já era rotineiro. As luzes amareladas davam um quê de classe ao local quando refletiam na grande parede decorada a fim de imitar vários troncos empilhados. O ambiente era fino como aqueles que o frequentavam. Afinal, não era qualquer tipo de pessoa que tinha condições de frequentar um restaurante detentor de uma estrela Michelin como era o caso do Joo Ok.
Aquele era o horário em que o local ficava mais cheio, devido ao happy hour dos engravatados - como vários funcionários carinhosamente os chamavam pelas costas. Assim, o trabalho deveria acompanhar o fluxo intenso, tornando-se frequentemente exaustivo. Todo aquele barulho e todo o movimento incomodavam diariamente. Mas não a incomodavam naquele dia.
Conforme atendia cada um de seus clientes, servindo mais bebidas do que era capaz de contabilizar, a mulher mantinha um largo - e surpreendentemente verdadeiro - sorriso no rosto. Nem os comentários machistas ou as reclamações descabidas seriam capazes de destruir a felicidade que parecia prestes a explodir dentro de seu corpo. Não quando ela finalmente tinha conseguido dar um passo importante em direção ao seu sonho.
Mais cedo, havia recebido a proposta pela qual esperara por tanto tempo: um emprego de meio período como auxiliar de fotografia. O salário estava muito longe de ser o melhor do mundo, mas ela manteria seu serviço durante as noites no restaurante a fim de manter uma reserva financeira minimamente segura para ajudar em casa. Seria impossível se dedicar apenas à fotografia enquanto sua família estava coberta por dívidas adquiridas após uma reforma emergencial na casa devido a uma enchente de dimensões assustadoramente inesperadas.
Já havia perdido as esperanças tantas vezes que, junto delas, tinha perdido também as contas. Com o desastre, enfrentara o medo de não ter onde viver, o desespero acerca do futuro incerto que aguardava sua família, a dor ao olhar no fundo dos olhos de seu pai ao perceber quanto tinha se perdido com a água e a horrível sensação de injustiça que buscava alguém como culpado mesmo que suas injúrias fossem direcionadas a Deus. Por muito tempo, manteve seu sonho delicadamente dobrado e guardado no fundo de uma gaveta imaginária em seu coração, mas, mesmo com todo o cuidado, sentia o mesmo sumindo, como se grilos irritantes decidissem destruí-los da mesma forma que faziam com papéis antigos.
Desde que recebera a proposta, não conseguia parar de pensar sobre ela por um segundo sequer. Provavelmente, era esse o motivo pelo qual ela tinha dado um pulinho ao perceber a figura um tanto peculiar que havia se sentado à sua frente no balcão sem que ela se desse conta.
— Desculpa - o rapaz pediu, com um sorriso leve nos lábios. — Não queria te assustar.
Ela percorreu toda a parte visível do corpo do rapaz com os olhos, analisando o sobretudo preto longo demais e o semblante em sua face que denunciava sua presença estranha e inédita em um lugar que definitivamente não lhe era nem um pouco familiar.
— Não se preocupa. É a minha cabeça que está no mundo da lua - ela respondeu. — Quer ver o cardápio?
O rapaz assentiu, ao que ela entregou o mesmo a ele.
— Qual você me recomenda?
puxou um cardápio para si. Não se lembrava de mais da metade dos nomes refinados e excessivamente criativos mesmo já trabalhando lá há tanto tempo. Era nesses momentos em que ela agradecia silenciosamente ao incrível designer que tivera a ideia brilhante de colocar os ingredientes abaixo de cada bebida.
— Esses dois são os que mais saem - ela apontava conforme falava. — Esse é um pouco mais doce e frutado.
— Pode ser esse - o rapaz apontou para a primeira opção e a mulher logo se virou para preparar o drink. Enquanto o fazia, podia sentir os olhos dele em suas costas.
— O senhor precisa de mais alguma coisa?
— Na verdade, foi uma curiosidade que correu pela minha cabeça. - franziu o cenho ao ouvir aquelas palavras. — No que você tanto está pensando?
A moça se virou para ele de uma forma um tanto brusca, mais agressiva do que ela gostaria de parecer.
— Perdão?!
— Disse que sua cabeça está no mundo da lua - ele se explicou. — Fiquei curioso sobre qual seria o motivo.
Ela soltou uma risada abafada e entregou a bebida recém-preparada.
— Se tem uma coisa com a qual eu me acostumei no tempo em que trabalho aqui é que os clientes frequentemente confundem a moça do bar com algum tipo de psicoterapeuta. Já perdi a conta de quantos desabafos ouvi e quantos conselhos sem nexo me imploraram para dar. Mas é assim que funciona: vocês falam. Eu escuto e limpo os copos.
— E o que há de errado em ser ouvida às vezes? É uma péssima psicóloga se pensa que só os outros precisam falar.
— Mas eu não… Quer saber, deixa para lá.
— Na verdade, é porque quero saber que não posso deixar para lá.
Quando deu por si, estava esfregando o guardanapo com tanta força contra a taça que a mesma estava começando a ameaçar chiar de forma estridente pelo atrito forçado. Bufou levemente, tentando manter a positividade em sua mente vívida o suficiente.
— Recebi uma proposta de emprego que é o primeiro passo em direção ao meu sonho. Não é muito, mas é um início.
— Então é muito - ele pontuou, observando o pequeno broche prateado costumeiro dos funcionários em sua roupa. — Parabéns, ! Tenho certeza de que se sairá muito bem. Qual a área?
— Fotografia - respondeu mais calma, passando a apreciar internamente a leve massagem em seu ego que era aquela parabenização.
— Incrível! Talvez eu possa te indicar para alguns conhecidos. Tenho certeza de que é ótima.
fitou aqueles intensos olhos castanhos com a maior seriedade possível para aquele momento.
— Agradeço, mas não será possível. Profissionalmente, começarei apenas como auxiliar e não tenho intenção de me envolver com tapetes vermelhos e eventos de dimensões globais.
O rapaz assentiu, mordiscando a parte interna da própria bochecha.
— Pensei que tinha conseguido passar sem reconhecimento - murmurou, um tanto decepcionado. Havia escolhido um restaurante de adultos ricos e ocupados com suas vidas executivas exatamente para poder fingir que era só mais um deles.
, que tipo de alienada eu seria se não reconhecesse o rosto que está estampado em todas as ruas da cidade?
Se havia uma coisa que havia aprendido - além de como parecer uma excelente ouvinte -, essa coisa era como reparar em míseros detalhes, especialmente ao se tratar de postura corporal. A forma com que o corpo do rapaz à sua frente havia se retesado instantaneamente demonstrava de forma sutil o quão incomodado e um tanto desapontado ele estava.
— Não precisa se preocupar, não é como se eu fosse anunciar aos quatro ventos a sua presença. Você merece um pouco de sossego. Deve ser difícil sair de noite sem fãs, stalkers e paparazzi atrás de você.
assentiu, com um sorriso triste.
— Você não faz ideia. Essa é provavelmente a conversa mais longa que eu tenho com alguém nos últimos meses sem que a pessoa grite, chore ou peça uma foto mesmo que seja só para esfregar na cara dos amigos em alguma rede social.
fez uma careta, sentindo um pouco de pena a contragosto. Não queria se sentir mal por alguém que tinha tudo na vida; todas as facilidades e o conforto de que alguns não tinham o benefício de usufruir. Parecia quase injusto.
Mas, ao mesmo tempo, ela já tinha visto sua própria cota de filmes clichês para saber que o que um astro, como aquele em sua frente, mais desejava era sua própria oportunidade de ter a privacidade que um ser humano comum via como algo banal e sem importância. Sem contar que a vida havia lhe ensinado uma grande lição sobre não medir os problemas e as dores dos outros com a sua régua.
— Eu sinto muito - disse simplesmente. — Para sua sorte, o Lee é ótimo de papo e vai adorar conversar com você sobre qualquer coisa.
— E quem é esse?
— Meu colega. Meu turno acabou, ele assume daqui para frente.
não seria capaz de explicar de onde veio a repentina pontada de decepção que tinha sugado o sorriso de seu rosto.
— Seria demais eu pedir para que você me acompanhasse na próxima bebida, então?
soltou um riso abafado, olhando para o chão. Da mesma forma que conhecia o trabalho do homem que aguardava sua resposta, também sabia da fama de garoto-problema-partidor-de-corações que ele carregava.
— Infelizmente, eu realmente preciso ir. Tenho compromissos cedo amanhã.
— E existe alguma chance de eu te ver novamente?
— Sabe exatamente onde me encontrar. Mas não é como se fosse fazer isso - murmurou antes de sumir do campo de visão do rapaz.
Mas tinha ouvido perfeitamente. E sabia que ela não podia estar mais enganada.


*



havia entrado pelos fundos e se dirigido imediatamente para o banheiro dos funcionários a fim de se trocar e colocar o uniforme. Expirou com toda a sua força ao se ver pronta diante do espelho precisos dois minutos antes do início de seu expediente.
Seus horários estavam uma loucura, simplesmente se aproximando da impossibilidade completa de serem concretizados. A oportunidade na fotografia era um sonho que estava à beira de se tornar um pesadelo difícil de driblar. Sentia-se exatamente como um interno em Grey’s Anatomy, seguindo todos os passos dos atendentes só para ficarem responsáveis por fechar o paciente depois que todo o trabalho já havia sido feito. Tinha de respirar fundo toda vez para se lembrar de que o ca das pedras ainda era um ca e a levaria aonde ela queria.
Cumprimentou Lee rapidamente ao ocupar o lugar do mesmo na rotação de turnos.
— Tem uma pessoa querendo te ver - disse para a mulher.
fez uma careta enquanto tentava imaginar que tipo de ser humano no universo poderia ir atrás dela no horário de trabalho. Não se lembrava de ter cometido nenhum crime ou de ter irritado alguém o suficiente para ser perseguida. Mas não era por isso que seu queixo tinha tentado ir ao chão ao vislumbrar a silhueta conhecida escorada no balcão.
— Está ficando quase impossível de te encontrar. - A voz masculina soou brincalhona. — Já estava começando a achar que talvez você estivesse fugindo de mim.
— Na verdade, a questão aqui é que eu não posso fugir do meu trabalho, entende? E é um pouco assustador você ficar me perseguindo como se não tivesse milhares de coisas muito melhores para fazer.
não conseguiu conter o próprio riso, apesar de saber que o mesmo não estava isento de ao menos uma pincelada de incômodo.
— Por que você não me leva a sério?
— Porque você é o cara famoso, queridinho da mídia, com essa pegada de bad boy incontrolável. Exatamente o tipo de pessoa que gosta de brincar com os sentimentos alheios, bagunçar a vida de alguém e depois seguir com a própria como se nada tivesse acontecido. E eu simplesmente não tenho mais tempo ou saco para lidar com esse tipo de perturbação mais.
O rapaz estava verdadeiramente em choque. Sabia que as palavras que usavam para descrevê-lo costumavam seguir o mesmo campo semântico, mas ouvi-las sendo cuspidas ao vivo diretamente em sua cara era algo para o qual ele não sabia que não estava pronto. Ainda mais quando, no fundo de seu coração, ele sabia que aquele não era o verdadeiro . Quando essa era a opinião de um repórter com o qual ele não se importava, era aceitável. Mas, cada vez que alguém em sua vida passava a acreditar naquela personagem, seu peito doía um pouco.
No entanto, o que ele poderia fazer quando essa era a imagem rentável que haviam escolhido para ele? Como poderia ser diferente quando seu empresário não saía de seu pé por um segundo sequer, fornecendo todas aquelas frases prontas e respostas forçadas a cada entrevista?
— Eu não sou esse monstro egoísta e insensível que você pensa. Definitivamente, eu não sou - contestou, recebendo um olhar descrente da moça. — Eu não estou brincando. Deixa eu tentar te provar. Uma chance para provar que você está errada. Uma noite é tudo o que eu peço.
balançou a cabeça em negação.
— Eu realmente não acho que seja uma boa ideia. Sem contar que você não precisa me provar nada. É a sua vida e eu não tenho nada a ver com isso.
— Por favor?
— Como eu já disse…
— Por favor? - repetiu, interrompendo-a no meio de sua fala.
— Adicione uma coisa à minha descrição: você é um chato.
— Por favor?
bufou, segurando, ao mesmo tempo, a súbita vontade de rir da situação.
— Tudo bem. Mas eu tenho duas condições.
— Estou ouvindo.
— Primeiro, não pode atrapalhar nenhum dos meus horários de trabalho, porque eu preciso deles. Segundo, se for péssimo, você vai ter que admitir que é um chato e assumir a inegável realidade de que eu estou sempre certa.
— Combinado, mas eu também tenho uma condição.
— Não, não. Não é assim que as coisas funcionam.
— Se não for péssimo, você tem que dar o braço a torcer e aceitar o segundo encontro.
A mulher estreitou os olhos, ainda levemente relutante sobre aceitar ou não aquela proposta maluca. estendeu a mão, esperando selar o acordo.
— Eu tenho certeza de que vou me arrepender disso. - uniu suas mãos, sacudindo-as como se tivessem acabado de assinar um contrato importante.
— Veremos.


*



estacionou o seu carro em frente à pequena casa que correspondia ao endereço que havia lhe enviado por mensagem após alguns dias de discussão até que um dia e um horário bom para ambos fosse finalmente decidido. Era uma casa pequena e simples; os motivos exatos para que o rapaz sorrisse sozinho ao imaginar a sensação de lar e aconchego da qual sentia falta constantemente em meio à toda a loucura de sua vida.
A moça saiu rapidamente, ainda arrumando a bolsa sobre os ombros e pisando com mais força que o normal - ato que fez rir, imaginando que ela estivesse tentando calçar melhor os sapatos. Adentrou o veículo rapidamente, sorrindo para o rapaz de uma forma que parecia simultaneamente tímida e graciosa. Ele só conseguia pensar em como aquele sorriso parecia querer obrigá-lo a sorrir de volta.
— Pronta para perder uma aposta?
— Para onde vamos? - perguntou, ignorando completamente a insinuação do motorista da noite.
— Faz parte de toda a surpresa. Não posso estragar isso com uma boca grande, sinto muito. Mas, se te servir de consolo, deixo você escolher a música.
A mulher aceita a proposta imediatamente, sintonizando em uma estação de rádio com músicas mais leves e calmas; as baladas de que ela tanto gostava. Intercalava-se entre balançar a cabeça levemente ao som das canções e tamborilar os dedos de forma nervosa sobre a porta a cada vez que sentia que estavam indo longe demais e demorando mais do que seu subconsciente julgava adequado.
— Você está me sequestrando?
deu uma risada gostosa.
— Talvez eu devesse.
Após mais alguns minutos, sentiu o carro desacelerando e passou a observar com mais atenção os seus arredores. Tudo era incrível e exuberantemente verde. Em meio àquelas árvores, era quase como se ela já conseguisse inalar aquele aroma difícil de descrever que o ar tem combinado com a umidade específica das plantas.
— Esse lugar é lindo. Caramba!
desceu rapidamente do automóvel, fazendo questão de abrir a porta do passageiro antes que pudesse fazê-lo. A garota agradeceu com um aceno e seguiu o rapaz pela trilha de pedras que levava a uma posição mais central naquele bosque. Uma mesa delicada tinha sido posta ali, sob as cerejeiras, arrumada com uma delicadeza que mal parecia capaz de ter sido originada de mãos humanas. Puxou a cadeira para que a mulher se sentasse e entregou a ela uma das rosas que enfeitavam a mesa.
Um homem de idade média se aproximou, servindo vinho e água e anunciando que traria a comida logo. agradeceu gentilmente e tornou seu olhar ao seu maior objeto de admiração.
— Me fala sobre a sua família - pediu.
deu de ombros, enquanto ocupava as próprias mãos ao mexer na base da louça sem nenhuma pretensão de realmente movê-la.
— Você não quer realmente saber. Podemos pular essa parte.
— Não, . Eu realmente quero. Todo o seu esforço diário por eles… Tenho certeza de que são pessoas maravilhosas e que têm muita sorte de ter você por perto.
A mulher respirou fundo e recolheu as mãos, repousando-as sobre as pernas.
— Meus pais são pessoas muito simples. Foram alfabetizados normalmente, mas nunca tiveram sequer perspectiva de fazer uma faculdade, um curso ou de aprender qualquer coisa fora da escola. Eles sempre disseram que os verdadeiros aprendizados eram lecionados pela própria vida, mas eu sinto que, no fundo, eles sentem pelas coisas não terem sido diferentes.
O rapaz assentiu, incentivando-a a continuar.
— Minha mãe trabalha em uma floricultura no bairro e meu pai faz entregas pela cidade. Assim que tive idade suficiente para que alguém aceitasse me contratar sem se preocupar com a legislação, fiz alguns bicos como garçonete, professora particular de redação… Isso até conseguir o emprego fixo no restaurante e me estabelecer, sabe? Não é muito, mas era o suficiente.
— Era? - deixou sua cabeça pender sobre seu ombro direito, fazendo se lembrar automaticamente dos movimentos de um cachorrinho.
— A última enchente não foi muito amigável conosco. Perdemos boa parte dos móveis e tivemos que reformar as paredes depois de terem ficado mais estufadas que a barriga dos meus tios após a ceia de Natal. Comecei a cobrir os turnos de qualquer um que tivesse horários vagos e fazer horas extras até quase cair de sono. Meus pais fizeram coisas parecidas para podermos cobrir as dívidas sem ter a luz cortada ou sermos enxotados de vez. Bom, acho que é mais ou menos essa a história.
— Eu realmente sinto muito - disse o rapaz e estava sendo tão sincero como jamais havia sido em toda sua vida. — E, provavelmente, vai soar completamente indelicado da minha parte, mas esse sou eu tentando te conhecer melhor. E eu sei que o restaurante é uma necessidade, mas eu duvido que ser atormentada por caras aleatórios em um bar seja aquilo que você sonhou para a sua vida. Como vai a fotografia?
soltou uma risada leve, sabendo que aquilo poderia ter lhe trazido uma intensa sensação de melancolia algum tempo atrás. Mas não naquele momento. Na verdade, tinha sentido algo dar cambalhotas em seu estômago ao perceber que ele lembrava.
— É engraçado. Era só um hobby até parecer que eu jamais seria feliz fazendo qualquer outra coisa da minha vida, sabe? Daí veio a enchente e esse sonho foi se distanciando até que eu quase o esquecesse.
— Mas não tem como esquecer sonhos.
— E foi exatamente isso que eu aprendi. - Ela sorriu, sentindo seu corpo relaxar de leve contra a cadeira. — Não está sendo fácil conciliar tudo, mas finalmente parece que existe uma chance real de isso tudo dar certo em algum momento. Eu nem costumo me agarrar a possibilidades como essa, mas ter esperança é um sentimento estranhamente agradável.
No entanto, mais estranha que aquela sensação de esperança era a de estar sendo tão sincera e aberta para alguém que ela havia acabado de conhecer. Quer dizer, aquilo mal podia ser considerado como “conhecer” de verdade. Afinal, não era exatamente isso o que eles estavam tentando fazer ali?
— Mas eu detesto sentir que estou em um monólogo eterno, então talvez seja a sua vez de me contar algo - sugeriu enquanto dava um longo gole em seu doce vinho tinto.
O rapaz assentiu com a cabeça, pensando sobre o que poderia dizer. Precisava ser algo tão honesto como tudo aquilo que ele tinha acabado de ouvir.
— Bem antes de eu ser cotado como trainee, eu queria ser jogador profissional de futebol.
A mulher não era capaz de esconder o choque presente em seus olhos instantaneamente arregalados e sua boca que parecia querer cair até o chão.
— Eu tenho certeza de que você está zombando de mim.
— Nem por um segundo. - Ele era incapaz de evitar a própria risada. — Bizarro, eu sei. Meu pai também achava. Não é à toa que ele não apoiou essa ideia por um dia sequer. Nem de brincadeira. Nem só para ver se eu parava de falar sobre isso na orelha dele o dia inteiro. Ele sempre foi ruim demais em fingir que não estava brutalmente decepcionado com as minhas escolhas.
assentiu, sabendo que, apesar de todas as dificuldades que sempre enfrentara na vida, falta de apoio familiar jamais seria uma delas. Esse era um vazio que ela nunca seria capaz de entender.
— É engraçado como sempre estamos nesse constante conflito entre o que nós realmente queremos ser e aquilo que as pessoas esperam que sejamos - comentou, sentindo que precisava participar da conversa de alguma forma, enquanto caçava pedaços de massa com os dentes de seu garfo.
— As pessoas adoram criar expectativas surreais e aleatórias em cima da vida dos outros. Às vezes acho que é um mecanismo de defesa para não precisarem olhar para os próprios umbigos.
— Deve ser especialmente difícil lidar com expectativas tão altas quando você é uma personalidade na boca do público o tempo todo.
O rapaz concordou, sentindo um nó repentino - mas passageiro - tomar sua garganta. Era um assunto delicado, porém ele parecia se sentir estranhamente confortável em falar abertamente sobre qualquer coisa com ela.
— Eu já te disse uma vez que não era o monstro insensível que você pensava. Acho que estou muito longe de ser o que a maioria das pessoas pensa de mim.
— E o que você acha que as pessoas pensam de você? - estava curiosa. Percebeu que ela mesma talvez jamais tivesse se questionado acerca de quais as palavras que as pessoas usavam para defini-la.
— Um cara galinha, que só quer diversão e é completamente incapaz de ter sentimentos por qualquer pessoa que não ele mesmo.
— E é isso que você é?
sorriu, meneando a cabeça calmamente.
— Não poderia estar mais errado. Eu provavelmente nunca vou admitir isso publicamente, mas eu sou um manteiga derretida.
riu alto, fazendo com que o rapaz jogasse uma bolinha de guardanapo em sua direção.
Terminaram seus pratos e comeram a sobremesa entre conversas aleatórias, que permeavam o sério e o cômico de forma intercalada, carregando sempre as risadas sinceras que eles guardavam há tanto tempo. Estavam se divertindo verdadeiramente.
estendeu um cobertor sobre a relva, convidando a mulher para se juntar a ele. pareceu relutante a princípio - estava receosa de que pudesse ser um convite com intenções nas entrelinhas-, mas acabou aceitando-o. O rapaz ergueu a cabeça em direção ao céu, observando a infinitude escura da noite sobre si. Ela sorriu lateralmente, mordendo o canto interno da boca com delicadeza. Não sabia o que mais lhe encantava: os olhos brilhantes dele ou a forma que as estrelas se refletiam perfeitamente neles. Era uma imagem indescritível, mas ela não queria descrever nada. Apenas queria memorizar cada segundo e cada centímetro. Queria poder fotografar aquele momento em sua mente e guardá-lo com um carinho que ela não sabia de onde vinha.
Ele a observou de volta, absorvendo toda a intensidade daquela cena. não desviou o olhar por um instante sequer. Não queria quebrar aquele contato. Inclinou seu corpo para frente, fazendo menção de levar seus dedos ao rosto da mulher maravilhosa que tinha à sua frente. Ela não recuou. tomou aquela decisão como uma abertura para seguir em frente.
Seu coração batia com tanta força que parecia ser capaz de estourar suas costelas e pular de seu peito. Quando seus lábios finalmente se tocaram, era como se todas as suas preocupações tivessem se dissipado e todos os mistérios da vida fossem rapidamente resolvidos. Não havia mais nada ou ninguém no mundo além dos dois e o luar que os acompanhava.
Ficaram ali por mais um tempo, aproveitando a presença do outro e a sensação do toque que a acompanhava. sorriu de forma triste, por fim, ao olhar o horário em seu celular.
— Me leva de volta? - Pediu a contragosto. — Já está tarde e eu tenho uma sessão de fotos cedo.
concordou, antes de roubar um selinho rápido da garota.
— E quando é que eu vou ver as suas fotos?
— Quem sabe? - Deu de ombros. — Talvez logo.
— Logo? - Ele perguntou, tentando não deixar todo seu entusiasmo transparecer.
sorriu, abaixando a cabeça em um sinal de falso pesar.
— Droga, . Eu realmente odeio perder apostas.


*



Algumas semanas haviam se passado desde aquele primeiro encontro. Outros tinham acontecido nesse meio tempo. e se falavam literalmente sempre que suas rotinas lhes permitiam. A caixa de mensagens da moça estava completamente abarrotada de fotos comprometedoras do rapaz - aquelas que ela tinha certeza de que não se pareciam em nada com as que as fãs estavam tão acostumadas a ver e colocar em seus planos de fundo. Mesmo com sua mania quase religiosa de limpar as conversas com frequência - na tentativa de salvar a pouca memória de seu celular -, ela simplesmente não conseguia fazer isso na conversa deles. Tinha definitivamente virado uma acumuladora compulsiva de todas as lembranças a que pudesse se agarrar ao passo em que as coisas pareciam estar ficando gradativamente sérias.
Enquanto isso, o rolo da câmera dele estava prestes a explodir de tantas imagens enviadas. Imagens essas que ele não conseguia parar de admirar. era realmente a pessoa mais talentosa que ele já tinha visto quando tinha uma câmera fotográfica em mãos. O rapaz mal sabia explicar o orgulho que tomava o seu peito a cada instante em que percebia como ela estava se aproximando da realização de seu sonho.
não mais trabalhava no restaurante. Seu desempenho brilhantemente incontestável havia conquistado mais serviços e responsabilidades, permitindo inclusive suas primeiras sessões em modo de voo solo. Mesmo seus chefes arrogantes tinham de admitir: mais do que de si próprios, gostavam de dinheiro e visibilidade. E eram essas as duas coisas que eles esperavam do desenvolvimento promissor do trabalho da moça. Num futuro próximo, eles diziam, talvez ela poderia ser ligeiramente conhecida por pessoas realmente importantes de sua área de atuação.
Enquanto relembrava todas essas palavras, relia as últimas mensagens de sua conversa com . A última coisa que ela tinha enviado era um comentário sincero, dizendo como estava feliz por ele ter permitido que ela conhecesse o verdadeiro , com seu lado doce, meigo e gentil, além de divertido nas horas vagas. Ele respondeu com um agradecimento por ela simplesmente existir em sua vida e por poder confiar e gostar tanto de alguém ao ponto de poder ser ele mesmo sem qualquer tipo de restrição ou impedimento. Estava lhe fazendo um bem enorme poder ser tão verdadeiro e sincero sobre o que sentia com outra pessoa.
A mulher estava tão entretida, permitindo que seu coração se aquecesse mais uma vez ao ler aquelas palavras, que não percebeu o “visto por último” sendo substituído por um “online”, seguido de um “digitando” abaixo do nome de contato dele. Acabou tomando um leve susto ao ver a nova mensagem, repreendendo-se mentalmente por parecer uma perseguidora desesperada agora que sabia que ela tinha visualizado sua mensagem exatamente no mesmo segundo, por ter a conversa aberta.

“Preciso que você me encontre nesse endereço em uma hora e meia. Venha tão maravilhosa como uma estrela no tapete vermelho. Não que você precise se esforçar para isso.”

A mensagem acompanhava um endereço que parecia levemente familiar, apesar de não conseguir recuperar na memória exatamente do que se tratava. Apesar de toda a estranheza do momento, decidiu acatar ao pedido. Colocou o único vestido longo que tinha, prendeu o cabelo e fez uma maquiagem simples. Ao se olhar no espelho, percebeu que estava longe demais de sequer parecer uma estrela no tapete vermelho. Mas a segunda parte da mensagem lhe acalmava um pouco. Ela não precisava se esforçar. gostava da mulher que usava um uniforme de garçonete até pouco tempo atrás. gostava dela e não de quanto dinheiro ela tinha para investir em roupas das últimas coleções das grifes que ele adorava.
Ao pegar as chaves de seu carro, a mulher parou em frente à porta de casa, digitando rapidamente antes de sair a seu encontro:

“Eu estou tão cansada, . Espero que valha a pena e não seja algum tipo de pegadinha.”

Ele respondeu praticamente na mesma hora.

“Vale a pena. Confie em mim.”

E ela sabia que confiava. Cegamente. Por isso, em poucos minutos, assim que encontrou a rota no aplicativo do celular, estava dando a partida no automóvel.

*


Um manobrista simpático tinha levado seu carro a algum lugar que ela, honestamente, não tinha pensado a respeito. Na verdade, praticamente nada passava em sua cabeça desde que percebera porque o endereço recebido soava tão familiar. Era apenas a maior galeria da cidade. Aquela que recebia eventos constantemente, além de exposições de artistas e fotógrafos renomados. O local era tão grande que parecia ter sugado totalmente o ar de seus pulmões. Talvez a teoria de grandes pontos de massa do universo se tornarem buracos negros servisse também para momentos como aquele. Momentos em que ela sentia tanta coisa, que parecia que não estava sentindo absolutamente nada. Ao menos, nada capaz de ser descrito com as palavras convencionais que ela conhecia.
Levou alguns instantes para perceber quão lotado o lugar estava e foi aí que o estranhamento tomou conta de sua mente. Apesar de nunca ter frequentado um evento daqueles - por mais que o tivesse desejado inúmeras vezes -, sempre acompanhava quais seriam as exposições e buscava saber virtualmente sobre aqueles que as promoviam. Poderia ser algum tipo de amnésia pela correria, mas ela simplesmente não se lembrava de nada grandioso marcado no calendário da galeria para aquele mês.
— Você vai ficar aí parada ou vai entrar? - A voz que a resgatou da maré de pensamentos que tentava lhe derrubar era conhecida e fazia seu peito reagir. A única coisa que surtia mais efeitos sobre ela do que aquela voz era o sorriso que a acompanhava.
— Eu nem sabia que teria exposição hoje - comentou simplesmente, aceitando a mão que lhe ofereceu.
— Digamos que foi algo meio de última hora. - Ele deu de ombros, sem tirar aquele maldito sorriso do rosto.
Quando passou a porta, recebeu olhares curiosos e sorrisos dos poucos que davam atenção à sua entrada. Os demais pareciam ocupados e absortos demais enquanto observavam as obras. Eram fotografias, isso ela saberia de longe. Mas foi só quando seus pés travaram após alguns passos para dentro que ela se deu conta.
Eram as fotografias dela . Todas as fotos que ela havia tirado de forma profissional nos últimos tempos e enviado para estavam ali pregadas pelos corredores, completamente à mostra de todas aquelas pessoas chiques que haviam chegado ali antes mesmo de ela ser capaz de suspeitar de qualquer coisa. Tinha quase se esquecido delas depois de sua chefe lhe dizer que eram amadoras demais e não se enquadravam em padrão algum.
Se já estava difícil de lidar com o que ela estava sentindo do lado de fora da galeria, ali dentro era como se os seus pés tivessem derretido contra o chão e fossem incapazes de sair do lugar. Ela simplesmente não acreditava no que via. Especialmente na grande placa escrito ‘A vida como ela é - por ’.
— Foi o nome que você disse que daria à sua primeira exposição, lembra?
assentiu, ainda incapaz de se lembrar de como vocalizar qualquer coisa. Se sua primeira palavra tinha sido “mamãe”, naquele momento ela provavelmente sequer saberia dizê-la.
Mas tinha razão. Suas fotos representavam capturas espontâneas dos momentos de pessoas diferentes durante o dia. Ricos, pobres. Homens, mulheres. Velhos, crianças. tinha obtido desde imagens de moradores de rua até a saída de uma boate pela manhã, após um aniversário de um jovem milionário. Ali, tinham crianças brincando e sorrindo como se não houvesse preocupação na vida, mas também havia a feição do pavor de um desempregado em meio à crise, sentado em um banco de praça, buscando uma oportunidade de trabalho nos classificados do jornal. Literalmente, a vida como ela era.
— Aproveite sua noite de estreia - sussurrou ao seu ouvido, enquanto apertava sua mão com um pouco mais de força. — É a primeira noite do resto da sua vida.
— Eu não acredito que você fez isso. - Sua voz mal saía.
— Elas eram lindas demais para ficarem guardadas em nossa caixa de mensagens. Trabalhos assim, tão cheios de qualidade e tão carregados de emoção e significado não foram feitos para serem segredos. Eles precisam ser vistos. Todas essas pessoas encantadas com as suas fotografias são a prova disso.
A mulher olhou ao seu redor, vendo todos realmente engajados em discussões ou análises e se permitiu sorrir da forma mais sincera e aliviada que já havia sorrido em toda a sua vida. Estava tão completa que só se sentiu ligeiramente vazia quando notou que sua mão estava só. tinha se distanciado, abrindo espaço no meio da multidão até chegar a um ponto em que todos pudessem vê-lo. Um funcionário do estabelecimento lhe cedeu um microfone prontamente.
— Eu sei que as fotografias são fantásticas e valem cada mísero segundo em que você olha para elas, mas eu gostaria de ter um minuto da atenção de vocês. Vai ser bem rápido, eu prometo.
Todos se viraram, dando a ele o minuto de atenção solicitado. sentiu o coração acelerar ainda mais, esmurrando suas costelas, parecendo que queria fugir dali por não aguentar mais tantas emoções ao mesmo tempo. Não ficaria nada surpresa se saísse dali em uma ambulância direto para o hospital mais próximo.
— Eu montei essa exposição por acreditar na arte, na vida e, principalmente, em sonhos. Mandei revelarem todas essas fotos com a maior qualidade possível de impressão, para que valorizasse cada nuance espetacular que foi capturado no momento da fotografia. Devo admitir que eu mesmo não sou um grande entendedor do assunto, já que sempre trabalhei apenas com sessões para divulgação e motivações comerciais. Mas, agora, eu tenho um olhar completamente diferente. Hoje, vejo a fotografia como arte, mas, em especial, vejo as imagens que essa mulher incrível captou como a mais pura e linda arte que meus olhos tiveram o prazer de apreciar em toda a minha vida.
esboçou um sorriso de canto, tentando evitar que as lágrimas que começavam a surgir borrassem a pouca maquiagem que carregava em seus olhos.
é uma fotógrafa nova, da qual vocês deveriam ouvir falar e da qual tenho certeza de que ainda verão muito. Por muito tempo, ela não pôde seguir os seus sonhos no ramo, mas, hoje, temos o prazer de admirar todo o seu talento inegável. Espero que vocês apreciem essas fotografias e adorem a mente por trás da câmera tanto quanto eu.
Todos aplaudiram, enquanto se dirigiam para conversar com a responsável por aquilo.
Os olhares de se cruzaram rapidamente com os de , permitindo que a moça esboçasse um “Obrigada!” inaudível, antes de ser parabenizada e elogiada por alguns críticos presentes, realmente interessados em seu trabalho “amador demais”.


*



já tinha perdido a conta de quantas perguntas havia respondido aos múltiplos entrevistadores naquela manhã - e de quantas tinham sido completamente ignoradas por seu empresário, sem nenhuma justificativa. Mas o rapaz sabia bem o motivo. Seu empresário achava desnecessário responder sobre coisas banais que não renderiam nada. Era sempre esse seu pensamento: quão rentável era falar sobre aquilo? Quanto lucro teria se aparecesse naquele lugar? Quanto ganharia dos patrocinadores se o convencesse a desfilar pelos tapetes vermelhos usando sua nova linha de sapatos? estava definitivamente farto.
— Quais são as suas expectativas para o BBMA? - Uma mulher perguntou.
— Só ser indicado já foi uma emoção enorme - o rapaz respondeu. — É óbvio que eu adoraria trazer aquele prêmio para casa, mas sei que estou concorrendo com os melhores. De qualquer forma, sou muito grato pela oportunidade.
— Qual o conceito por trás do seu novo MV? - Outro entrevistador questionou e tinha um longo monólogo decorado para responder àquela pergunta.
Era assim que tudo ficava sob controle. Perguntavam sobre seus novos projetos e ele respondia tudo o que sua equipe lhe fizera decorar. Era simples. Até que alguém decidia expressar curiosidade sobre sua vida pessoal. Era esse o grande mal da vida pública, afinal.
, quem é a garota que estava com você na exposição? Vocês dois estão juntos?
Era assim que tudo saía do controle. Era assim que qualquer possibilidade de uma entrevista acabar bem simplesmente sumia e explodia como caquinhos de um vaso se quebrando. Não estava preparado para aquilo. Não tinha decorado uma resposta que desviasse de tudo e não o comprometesse - como sempre fazia.
Quando voltou a si e decidiu responder que sim, estavam juntos, percebeu que já era tarde. Seu empresário tinha se colocado à sua frente e tomado o microfone da mesa para si.
— Não vamos falar sobre isso. Tudo o que vocês e as fãs precisam saber é que ele continua solteiro e só está se divertindo por aí como sempre fez. A entrevista está encerrada.
Como um decreto, em meio ao burburinho daqueles que ainda tinham perguntas a fazer, foi puxado para fora do alcance das câmeras, ainda atônito demais para compreender a dimensão do que acabara de acontecer.

*


A imagem no computador ainda não tinha terminado de ser editada. estava empenhada trabalhando nela, quando todo seu ânimo se esvaiu de uma só vez, como uma bexiga estourando. Odiou a si mesma por deixar a porcaria da televisão ligada ao fundo enquanto deveria estar trabalhando. Agora, por ouvir o que não devia - ou não queria -, não conseguiria render adequadamente pelo resto do dia. Não conseguia dar o melhor de si de coração partido.
Seu celular vibrou ao lado do corpo e pôde ler o nome de aparecendo em sua tela de bloqueio. Com um simples toque, bloqueou novamente o aparelho, desligando a tela e o levou até uma tomada distante, decidindo deixá-lo carregar, mesmo que estivesse com a carga quase completa.


*



Dez dias se arrastaram com dificuldade. tinha tentado entender o lado de e ter maturidade o suficiente para dar a ela o espaço que ela parecia precisar ao decidir se afastar. Mas não conseguia mais. Não podia mais ver suas mensagens se acumulando sem serem lidas, sabendo que ela provavelmente estava magoada de uma forma que ele não seria capaz de entender. Ver sua foto de perfil doía ainda mais. Aquele sorriso maravilhoso, que ele tanto amava e destruíra por ser fraco demais para enfrentar a possibilidade de não ser o que as pessoas esperavam dele. Por medo, tinha perdido a melhor parte de seus dias e todos os momentos que sucederam aquela maldita entrevista pareciam simplesmente vazios.
Quando tinha se tornado tão dependente da presença de ? Será que o mesmo tinha acontecido com ela? Será que ela pensava nele ou já o tinha arrancado da mente como se fosse uma erva daninha prejudicando seu lindo jardim? Será que o detestava tanto que sequer seria capaz de dar uma chance para que ele tentasse se explicar? Era exatamente isso o que ele queria saber enquanto selava o envelope e dava as instruções para um membro de sua equipe, entregando o endereço dela com todo o cuidado que se esqueceu de ter com seu coração.
A carta não era longa. tinha a impressão de que ela logo desistiria e a rasgaria se, por algum motivo, ele tentasse falar demais. Suas palavras foram poucas, mas eram precisas. Só pedia para que, se ela tivesse qualquer disposição de escutá-lo, encontrasse-o no sábado à noite no lugar em que eles tinham se conhecido. Ele a esperaria. Guardaria seu lugar à mesa naquela noite e em todas as outras se ela assim o desejasse.
Quando seu estagiário saiu, o empresário entrou de supetão na sala, empurrando a porta com raiva. O cantor não moveu um músculo sequer em sua cadeira. Não estava disposto a entrar novamente naquele jogo.
— Como você tem a coragem de convocar uma coletiva de imprensa sem me consultar?! Você é louco?!
— Minha carreira, meus planos - respondeu simplesmente e se levantou, batendo as mãos pela calça para desamassar possíveis vincos. — Inclusive, com licença. Está na minha hora.
Ao passar pela porta, fez questão de promover um encontro abrupto de seu ombro contra o corpo do homem. Queria seu espaço e o conseguiria da forma mais escancarada possível.
Assim que se sentou, as pessoas rapidamente buscaram erguer as mãos para dar início às suas perguntas. O artista, com um gesto de mão, dispensou-as.
— Hoje não estou aqui para responder. Vou falar sozinho dessa vez, se me permitirem. Só peço do fundo do coração para que vocês e todo mundo em casa me escutem.
Respirou fundo, tentando encontrar a ordem lógica das palavras que estava morrendo para dizer.
— Da última vez em que estive aqui, vocês me perguntaram sobre uma garota. Sim, ela existia. Sim, o que nós tínhamos era real e lindo e tudo o que me fazia mais feliz nesse mundo. Nunca foi só uma diversão passageira, mas eu a magoei por ficar paralisado feito um bobo e permitir que outras pessoas tomassem por mim as decisões da minha vida. Eu estou aqui hoje para dizer que chega. Isso não vai se repetir.
Ajeitou as costas contra o encosto da cadeira, sentindo a adrenalina que pulsava em suas veias por finalmente assumir o volante daquele carro sem freio o qual a situação havia se tornado.
— Eu estou cansado de fingir ser alguém que eu não sou. Nunca fui o garanhão. Eu só queria encontrar a garota certa, que merecesse todo o amor e o carinho que eu sempre guardei para dar a ela. Nunca fui o partidor de corações, mas destruí o dela por covardia, por medo do que vocês fossem pensar. No entanto, ficar sem ela me fez perceber que sua ausência é meu único e mais terrível medo. Não quero viver meu mundo se não for com ela. Não quero viver meu mundo se não for comigo . Espero que entendam.
E tão rápido como chegou, levantou-se e deixou o ambiente. Sentindo os flashes e ouvindo a falação exasperada às suas costas. Se seu empresário já estava estressado antes, agora tinha virado o próprio dragão dos contos de fadas.
— Você é retardado?! — Não, por quê? Você é? Posso te indicar tratamento.
O outro bufou diante da resposta.
— Como você é capaz de destruir toda a imagem que demoramos tanto para construir em dois minutos?
— Mentiras são facilmente destrutíveis. Minha mãe me ensinou isso antes mesmo de eu saber limpar minha própria bunda.
— Não acredito, . Como você pode ser tão idiota?! Jogar toda a sua carreira fora por uma garota? Ela sequer vai te querer quando você tiver se tornado um Zé Ninguém!
deu de ombros, com toda a calma do universo, antes de adentrar seu camarim para buscar sua jaqueta.
— Não importa. Sou eu que não me quero mais assim. E você está demitido, por sinal.
Ignorando todos os protestos e xingamento, foi embora. Sabendo que, se subisse em qualquer balança, provavelmente estaria vários quilos psicológicos mais leve.


*



Era a segunda garrafa de água com gás que ele finalizava e provavelmente a vigésima quarta vez que dizia que não ia pedir mais nada, pois estava esperando alguém. Estava sentado na mesa mais próxima do bar e recebia olhares tristes constantes de quem passava por ali.
Estava começando a sentir sua bexiga se enchendo, mas se recusava a levantar dali para ir ao banheiro. Não deixaria aquela mesa por nenhum segundo, não enquanto restasse ao menos um pingo de esperança em seu coração de que pudesse aparecer ali para lhe trazer de volta a paz que lhe faltara nos últimos tempos.
Seus pés não paravam de bater contra o chão, acompanhando o toque ansioso de seus dedos sobre a mesa. Não sabia se tinha sido eficiente em esconder seu nervosismo em algum momento de sua espera, mas definitivamente estava fazendo um péssimo trabalho naquele instante.
Cada vez que olhava o relógio e percebia que mais quinze minutos tinham se passado, seu coração parecia afundar mais no peito e o nó em sua garganta apertava. O pânico já havia tomado conta de si. Não queria encarar a possibilidade de ter perdido a pessoa que ele amava. Droga, ele a amava e sequer tinha conseguido dizer isso a ela.
Em um determinado momento, deu-se por vencido e decidiu ir ao banheiro - não antes de pedir para o ex-colega de serviço de avisá-la caso ela chegasse no meio tempo. Mas a verdade é que ele não esperava mais que o rapaz precisasse dar essa notícia.
Meia hora depois, percebeu com um suspiro profundo que já estava ali há tempo demais. A cadeira à sua frente continuava tão vazia quanto ele. Tinha evitado aquele pensamento até o momento, mas era claro: ela não viria. Era hora de arcar com as consequências de seus erros.
Empurrou sua cadeira para trás e colocou o blazer sobre os ombros, buscando a carteira para pagar a água no caixa em seu ca para a saída.
A cabeça baixa foi a desculpa que ele se deu mentalmente para a facilidade com que as lágrimas se formaram em seus olhos. Deveria mesmo ter algo a ver com a gravidade. Era melhor levantar a cabeça e agir como se nada tivesse acontecido.
Foi quando o fez, que ele a viu. Ali, a poucos metros dele. Estava linda como sempre, apesar dos ombros encolhidos e do quase sorriso ainda incerto. Bem como ele, ela também não sabia exatamente como deveria se sentir.
— Eu pensei que você não viria - admitiu, sentindo a voz falhar.
— Eu não vinha - ela assumiu. — Até ver o que eu conheço e adoro naquela entrevista.
Trocaram um sorriso sincero e o rapaz a guiou de volta para a mesa que tinha ocupado.
— Isso significa que eu tenho uma chance?
— Significa que precisamos de uma nova aposta. E essa vai incluir torturas físicas caso você me magoe de novo.
— Ficar de longe de você já foi tortura o suficiente. Eu nunca mais quero passar um dia sequer assim.
assentiu, tentando conter a vontade de pular em seus braços naquele momento como se não estivessem em um ambiente público no qual as pessoas, infelizmente, conheciam-na bem o suficiente para lembrá-la disso.
— Então acho que já podemos pedir - disse simplesmente. — Pelo que eu conheço do restaurante, eles nunca mais vão nos deixar entrar se não consumirmos logo.
acenou para o garçom, que veio rapidamente e anotou os pedidos.
Assim que ele se foi, os olhos do casal se cruzaram e ali ficaram. Sem vergonha. Sem pressa. Queriam guardar aquele sentimento como uma fotografia. Talvez ainda tivessem um futuro longo o suficiente para que a próxima exposição fosse sobre a vida deles como ela era . Real. Sem filtros. Sem edição. Sem ninguém além deles para decidir o que era certo ou não. Ao menos, naquele momento, era exatamente isso que ambos desejavam do fundo de seus corações.




FIM



Nota da autora: Primeiramente, eu queria dedicar essa fanfic à pessoa que foi a inspiração e a protagonista dela. Clarinha, você é uma das pessoas mais incríveis desse mundo todo e merece todo o amor que esse universo possa carregar.
"Segundamente", agradeço a você que chegou até aqui e espero que tenha gostado da história desses dois.
Para mais informações sobre minhas histórias e atualizações, entrem no grupo







Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
02. Blow Me (One Last Kiss)
02. Stitches
03. I Did Something Bad
03. Take A Chance On Me
03. Without You
04. Someone New
04. Warning
05. You In Me
06. Consequences
06. If I Could Fly
06. Love Maze
07. If Walls Could Talk
08. No Goodbyes
10. Is it Me
10. Simple Song
10. Trust
11. Robot
11. Nós
11. Under Pressure
12. Be Alright
12. Wild Hearts Can't Be Broken
13. Kiss The Girl
13. Part of Me
13. See Me Now
15. Overboard
A Million Dreams
Daydream
Fly With Me
MV: Miracle
Not Over
Señorita


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