I
Os dias sem tinham sido os piores de toda a sua vida. Voltar para uma casa silenciosa e encontrar a cama vazia eram os maiores gatilhos para toda a sua solidão e sofrimento. sofria porque sabia que poderia ter feito tudo diferente e as coisas simplesmente não seriam assim. Não era como uma fatalidade inevitável e, sim, uma catástrofe que ele falhara em controlar por não saber a hora de dizer ‘Chega!’. Tinha deixado que a loucura de sua nova vida o afogasse como um tsunami até que sua saúde mental não fosse mais capaz de nadar. Ainda por cima, havia deixado o amor de sua vida à deriva, sem perspectivas certas de que, algum dia, as coisas pudessem melhorar.
Havia dado início a sessões de terapia, isso era verdade. Também era verdade que estava mesmo melhor. Mais tranquilo. Menos sobrecarregado. Menos crítico e duro consigo mesmo. E aquilo estava mudando seu bem estar e comportamento de forma brutal. Mas nada jamais seria bom de verdade enquanto estivesse sozinho. Depois de tantos anos juntos, era como se os dois tivessem entrado em algum tipo de estado de simbiose, onde a distância prejudicava ambos. precisava dela tanto quanto precisava se alongar antes dos treinos ou se manter hidratado ao longo do dia.
E, mesmo assim, tentou seguir a sua vida. Não chegou a abordar ou sequer tentar algo com qualquer pessoa, mas passou alguns dias tentando deixar sua mente aberta para essa possibilidade. Afinal, talvez realmente não quisesse mais absolutamente nada com ele. Ele precisava tomar consciência de que, independentemente de sua vontade, as coisas entre eles poderiam ter simplesmente acabado e ele não poderia fazer nada além de carregar a culpa sobre os ombros e, vez ou outra, tentar aliviar a dor na fisioterapia.
Mas não funcionava. Ele poderia passar quantas noites fosse preso a um banco de bar, com uma bebida forte nas mãos e, mesmo assim, jamais seria capaz de olhar para outra pessoa com segundas intenções. Não quando tinha o sorriso dela tão claro no fundo de sua mente e só conseguia pensar nele. Era impossível. Ninguém jamais seria como .
Maybe I had too many drinks
(Talvez eu tenha bebido demais)
But that's just what I needed
(Mas era exatamente disso que eu precisava)
(...)
Don't know why I try 'cause there ain't nobody like you
(Não sei porque eu tento, não há ninguém como você)
Familiar disappointment every single time I do
(Uma decepção familiar toda vez que eu o faço)
Every single night my arms are not around you
(Toda noite que meus braços não estão ao seu redor)
My mind's still wrapped around you
(Minha mente ainda está amarrada a você)
Era estranho limpar a casa sem tê-la ali para reclamar que algum cantinho ainda estava sujo ou pedir que ele tirasse o pó que se acumulava em cima da geladeira. Uma pontada dolorida acometia seu peito sempre que cozinhava para um. Seu coração estava tão despedaçado quanto um vidro fino que cai e se estilhaça nos menores fragmentos possíveis. Mas ele seguia. Por si. Por ela. Por ainda querer ter alguma esperança.
Talvez tivesse sido esse sentimento que a trouxera à porta da casa que ainda era deles naquela manhã. se lembrava de como sua mãe sempre dissera que pensamentos positivos atraíam coisas boas. Quem sabe sua esperança não havia sido a responsável por trazê-la até ali?
— Você veio - comentou, quase em um sussurro, ainda desacreditado. Tinha sonhado com aquele momento por noites a fio, mas, agora que ele estava realmente acontecendo, parecia bom demais para ser verdade. Seu coração provavelmente sairia pela boca antes mesmo que ele conseguisse dizer qualquer outra coisa.
— Acho que você, melhor do que ninguém, sabe muito bem que eu sempre apoiei que todos tivessem uma segunda chance. Nem que seja, como você mesmo disse, para pedir perdão.
Então ela havia visto a entrevista. sorriu, concordando e abrindo espaço para que ela entrasse.
— Entre - pediu. — Fique à vontade. Afinal, essa casa ainda é sua.
deu dois passos para a frente, colocando-se para dentro e tentando fingir que ver a sala exatamente do mesmo jeito não bagunçava seu peito em um carnaval de emoções e sentimentos. Acima de tudo, precisava ser forte.
— Espero que esteja claro que eu só estou aqui para conversarmos. E que seja de uma forma madura e educada, sem ataques ou palavras duras. Eu estou fazendo isso em respeito à nossa história e em respeito à minha própria saúde que não consegue conviver com assuntos inacabados.
— Eu jamais desejaria que fosse diferente - ele respondeu. E não havia verdade alguma, em todo o universo, maior do que aquela.
O som da porta se fechando atrás dos dois quase fez com que ela desse um pulinho de susto. Era tudo real e não havia volta. Precisavam enfrentar aquela situação, por mais dolorosa que fosse, como os dois adultos que seus documentos diziam que eles eram.
— Incrível - ela começou, tentando quebrar o gelo. — Fiquei com medo de que talvez você já tivesse tido tempo o suficiente para destruir a nossa casa inteira, mas parece que está tudo certo.
tentou evitar a vontade absurda que tinha de sorrir de um canto ao outro ao ouvir o pronome possessivo escolhido: nossa . Nossa casa.
— Uma mulher maravilhosa me ensinou que a gente tem que cuidar do nosso lar como se pudesse receber visitas a qualquer momento. E que a nossa casa reflete um pouco de nós e nós um pouco dela. Acho que eu pensei que, se tivesse uma casa arrumada, talvez a bagunça na minha cabeça pudesse se inspirar e seguir o mesmo caminho por vontade própria.
soltou uma leve risada.
— É. Não sei se é bem assim que as coisas funcionam. Mas pode ajudar.
O jogador assentiu, com um sorriso que se dividia entre a possibilidade de se animar e o pesar que havia decidido não ir embora.
— Bom, não custava tentar, não é?
concordou, enquanto se sentava no sofá. Teve que lutar intimamente contra o costume familiar de retirar os sapatos e colocar as pernas para cima, sentando-se de uma forma que lhe traria problemas de coluna em breve.
— Eu não sei como começar isso - admitiu, sentindo as próprias mãos suadas e geladas ao mesmo tempo. Seu coração parecia prestes a sair pela boca e disputar uma maratona na sequência.
— Pode começar falando sobre a ajuda que você disse ter buscado - ela pontuou.
— Eu voltei a conversar com meu técnico. No dia em que nós dois acabamos brigando pela sua conversa com ele, acabei sendo grosseiro e fui pedir desculpas a ele. Acabei desabafando, sabe? Não só sobre nós mas sobre o quanto eu sentia que tudo em mim estava prestes a explodir e eu não tinha mais controle algum sobre essa bomba. Disse que até o futebol, que sempre havia sido minha paixão, tinha se tornado mais uma obrigação e eu não conseguia mais ter prazer algum em campo.
— E ele?
— Disse que eu parecia deprimido e, com certeza, estava muito ansioso. Mas que tinha feito educação física, não medicina ou psicologia e me pediu para procurar alguém que pudesse realmente me diagnosticar e me orientar. Que eu era um jogador muito talentoso e uma pessoa muito boa para permitir que esses abalos psicológicos destruíssem minha vida profissional e pessoal.
“E eu não aceitei muito bem essa fala, sabe? Quando ele falou sobre permitir, eu senti que existia alguma acusação, como se eu estivesse buscando ficar mal ou procurando algum jeito de me vitimizar. Demorei mais uns dois dias remoendo tudo isso para entender que não era por mal e que ele só queria mesmo me incentivar a procurar a ajuda de um especialista em vez de esperar que as coisas chegassem a um ponto do qual eu talvez não conseguisse retornar nem com todo o auxílio do mundo.”
— - começou e o apelido pareceu dançar em sua boca — , você sabe que eu me recusei a tratar meu transtorno de ansiedade por anos. Eu sei o que é querer negar que você tenha um problema. É muito difícil assumir que tem algo errado e que a gente não consegue controlar. Ainda mais quando é uma coisa psicológica, entende? As doenças da mente ainda são um grande tabu, são vistas como frescura, falta de Deus e mais uma lista enorme de besteiras. A gente não fala disso e esse é um dos maiores obstáculos. “Se você estourar o ligamento cruzado anterior do joelho em uma partida, vai para a cirurgia. Se eu tiver enxaqueca, sei exatamente qual o remédio que me tira da crise. São coisas muito bem delimitadas e a mente é um campo amplo demais. A gente conhece super pouco exatamente por causa do rótulo de “louco” que ouvimos.”
— Parece muito incerto, não é? Lembro que eu dei risada pensando ‘Ah, claro, conversar com alguém vai resolver todos os meus problemas. Se fosse simples assim, eu poderia conversar com qualquer um’.
— A psicoterapia é vista de uma forma muito errada ainda - concordou. — Mas você começou?
ainda brincava com os próprios dedos, coçando o dorso da mão como se precisasse se manter ocupado para exalar parte de seu nervosismo no momento.
— Sim. Tem mais de um mês já.
— E como está sendo para você?
— No começo, eu achava tudo aquilo muito estranho, sabe? E ficava me perguntando o que eu deveria falar, o que ela deveria saber, se aquilo não era invasão de privacidade. - Ele riu sozinho. — Mas com o tempo eu fui conseguindo me abrir e me senti muito mais leve. Eu defini para mim mesmo que a psicoterapeuta é basicamente alguém que pegou o nó bizarro que eu tinha na cabeça e, conversando comigo, consegue fazer com que eu mesmo entenda onde essas voltas e amarras estão para que eu possa tirá-las. Ela me guia para que eu desfaça meus próprios nós.
sorriu carinhosamente.
— É uma imagem bonita. E faz sentido.
concordou, ainda se sentindo um tanto aflito por não saber exatamente como proceder.
— Caramba, como eu sou mal educado. Você quer uma água, um suco?
— Você andou comprando suco? Logo você que sempre detestou?
— É maracujá. Minha mãe mandou eu tomar para me acalmar. Eu achei bizarro, mas não quis confrontá-la. No fim, acho que acabei gostando.
— Não acredito que a Dona Esmeralda conseguiu de longe te convencer do que eu passei anos falando: suco de maracujá é uma das sete maravilhas do mundo moderno. E o de uva vem na sequência.
deu risada da reação da mulher.
— Tomo o suco de uva que for. Se tem uma coisa que as últimas semanas me provaram foi que eu realmente preciso te escutar mais.
— Olha, , eu não vim aqui esperando que você ficasse de joelhos e me pedisse perdão pelo que fez…
— Mas eu faria isso e qualquer outra coisa se soubesse que consertaria as coisas - ele a interrompeu.
— Eu vim aqui a fim de ter a conversa que tivemos. Fico feliz de verdade que você tenha decidido procurar um tratamento e buscar melhorar. Seu técnico tem razão no fim das contas. Você é uma pessoa incrível e não merecia perder tanta coisa por se negar a admitir que não estava mais dando conta e precisava de ajuda.
— Eu sei. - esfregou o rosto, sentindo toda a frustração acumulada das últimas semanas. — Eu me machuquei por orgulho, mas eu não poderia me importar menos com isso. Meu problema com tudo isso foi ter ferido você, . Eu não tenho condição de ter uma noite sequer de sono adequado sabendo que fui eu quem praticamente enxotou você da minha vida. Logo a pessoa mais importante para mim. Nunca vou ser capaz de me perdoar por isso, mas sou egoísta e sem noção o suficiente para torcer para que ao menos você possa me perdoar.
se levantou, caminhando até a poltrona que o rapaz ocupava. Abaixou-se para ficar na mesma altura que ele, permitindo que seus olhos estivessem na mesma linha e fossem o único foco de seu próprio olhar. Precisava enxergar a sinceridade que buscava, vinda daquele em quem sempre havia confiado cegamente. era a única pessoa com quem ela faria um daqueles testes de confiança em que uma pessoa joga o corpo para trás e espera que a outra a segure. Não sabia se seria capaz de lidar com tudo aquilo se tivesse perdido aquele sentimento. Queria acreditar que ele havia cometido um erro, mas que nada mudara na pessoa que ela ainda amava, não importava o quanto tentasse refutar aquela ideia. Precisava disso.
E foi a honestidade em suas íris, acompanhada da umidade aumentada dos olhos que quase fez com que ela desabasse ali mesmo.
Inclinou-se para a frente e deixou um beijo demorado na testa do jogador.
— Eu já te perdoei, . Não sou capaz de guardar mágoas suas. Não por isso.
O peso que tinha sido retirado de suas costas quase fez com que ele expirasse o ar com toda a força dos pulmões. Mas aquele estava longe de ser o único obstáculo entre eles naquele momento.
— E o que isso significa para nós?
sentiu o próprio peito doer. Seu coração suplicava para que tudo voltasse ao normal. Mas ela não era ingênua de achar que isso aconteceria com tanta facilidade. Não tinha mágoas, era verdade; mas não podia ignorar o medo de que a decepção retornasse. E talvez de uma forma insuperável. Ainda estava machucada demais para se jogar e torcer para que ele estendesse os braços firmes a fim de impedir sua queda.
— Eu preciso de mais tempo - sua voz era um sussurro.
assentiu, sentindo a fagulha de esperança que trazia consigo esmorecer.
— Tudo bem. Eu vou te esperar. O tempo que for.
não ficou para saber se ele tinha alguma outra coisa a dizer. Não suportava mais ficar ali. Levantou-se e encontrou o próprio caminho em direção à porta, levando alguns segundos apenas para cogitar olhar para trás e afastar a ideia na sequência.
A ausência dela fez chorar. Chorar por saudades. Chorar por desespero. Chorar por se sentir a pessoa mais estúpida e fraca da face da Terra.
Ao menos, sabia que tinha sido completamente honesto em cada uma de suas palavras. Se era tempo que ela queria, ela o teria. Mas ele não desistiria assim tão fácil. Não quando não conseguia sequer cogitar viver sem a mulher da sua vida ao seu lado.
Baby, tell me when you're ready
(Amor, diga-me quando estiver pronta)
I'm waitin' (Eu estou esperando)
Baby, any time you're ready
(Amor, qualquer momento em que estiver pronta)
I'm waitin'
(Eu estou esperando)
Even ten years from now
(Mesmo daqui a dez anos)
If you haven't found somebody
(Se você não tiver encontrado alguém)
I promise, I'll be around
(Eu prometo, eu estarei por perto)
Tell me when you're ready
(Diga-me quando estiver pronta)
I'm waitin'
(Estou esperando)
✶✶✶
respirou um pouco mais fundo ao sentir o toque direto do gelo contra sua pele, sinalizando a possibilidade de uma queimadura. Xingou-se mentalmente por ter se esquecido de colocar uma toalha fina entre a compressa congelada e o tornozelo e foi rapidamente fazê-lo. Soltou o corpo de uma só vez contra o sofá, colocando o pé sobre uma almofada e virando-o de uma forma que facilitasse o posicionamento do gelo. Ligou a televisão, mas não se preocupou em ativamente escolher um canal. Não estava a fim de assistir a qualquer coisa, de toda forma. Só queria o áudio ressoando pelo ambiente para que o som quebrasse o silêncio e o fizesse se sentir menos sozinho naquela casa, grande demais para um só.
Puxou o celular que havia repousado sobre o braço do sofá, desbloqueando-o apenas na terceira tentativa, por conta do dedo úmido pelo manuseio da compressa. Tão logo o aparelho encontrou e se conectou à rede wi-fi da casa, algumas notificações repetitivas o fizeram vibrar.
sentiu o coração tropeçar. Já fazia um bom tempo que aquele contato não aparecia no topo de suas conversas mais recentes.
“Acabei de ver uma notícia de que você se lesionou no treino, mas não tinham informações suficientes. O que aconteceu? Está tudo bem?”
Ele não conseguiu impedir o sorriso que logo veio à tona. O simples fato de ela se importar já acalentava seu peito.
“Eu estou bem. Foi só uma torção. Devo descansar na próxima partida por garantia, mas não tem nenhum problema maior.”
Quando ele estava prestes a clicar no balão “Enviar”, a tela do celular foi altera, impedindo-o. A notificação da chamada recebida estava se colocando no meio da conversa que ele tanto esperara.
simplesmente recusou.
— Eu te ligo mais tarde - murmurou, antes de conseguir, finalmente, enviar a mensagem.
Sorriu aliviado ao perceber os dois sinais de confirmação se tornando azuis e o visto por último de passando a um ‘online’, seguido de um ‘digitando…’.
E o celular voltou a tocar. bufou porque sabia que não poderia recusar a chamada mais uma vez. Não adiantaria nada e só o traria mais problemas.
— Fala - respondeu.
— Você realmente recusou a minha primeira ligação? Essa não foi a educação que te demos. esfregou as têmporas, não sabendo exatamente se aquela era uma bronca raivosa ou apenas um puxão de orelha descontraído. Nunca conseguia definir isso apenas pelo tom de voz do outro lado da linha.
— Foi mal, pai.
O homem riu do outro lado, fazendo o corpo do jogador relaxar.
— Tudo bem. Só estávamos preocupados.
— Preocupados com o quê? Também leram a notícia da contusão no treino?
— Exatamente! - O mais velho concordou fervorosamente. — Mas, calma. Como assim também?
— Eu só recusei a sua primeira chamada porque estava respondendo a , pai. Ela leu a notícia e também ficou preocupada.
— Então vocês estão bem de novo? Meu Deus, a sua mãe vai chorar de felicidade. Mais do que ela chorou com o último episódio da novela das sete.
O meia não conseguiu evitar um sorriso largo em imaginar Dona Esmeralda chorando pelo fim de uma novela. Era uma cena que sua mente construía com facilidade, tamanha a familiaridade com o gigantesco coração de manteiga derretida que sua mãe trazia no peito. Ela, definitivamente, era uma das pessoas mais bondosas e amorosas de todo o universo e ele agradecia todos os dias por isso.
— É complicado, na verdade. Ela veio aqui uns dias atrás e nós conversamos. Acho que colocamos todas as cartas na mesa e realmente jogamos limpo um com o outro.
— Então qual é o problema?
— Não sei se é exatamente um problema - ele ponderou. — Ela só disse que precisava de um tempo.
— Bom, precisar de um tempo não é dizer que não pretende olhar na sua cara nunca mais. E nós dois sabemos que o que houve entre vocês não foi simples, ainda mais para uma relação de cumplicidade e confiança que vem desde que vocês eram dois pirralhos correndo em volta do meu carro para quase me fazer morrer do coração.
riu com a lembrança. Conseguia ouvir a voz do pai gritando que colocaria os dois de castigo se arranhassem as portas do carro. E eles teriam de encerá-lo até que todos os riscos sumissem.
— É, acho que sim. Eu só tenho medo, sabe? Quem me garante que nesse tempo ela não vai simplesmente perceber que está melhor sem mim e seguir a vida dela?
— Nada. Absolutamente nada te garante isso. E nada te garante também que ela não possa decidir voltar. Tudo o que você pode fazer é esperar, não importa quanto essa espera seja angustiante para você. Se ela é a mulher da sua vida, e nós dois sabemos que é, só resta a você esperar.
What if my dad is right when he says that you're the one
(E se meu pai estiver certo quando diz que você é a única?)
No, I can't even argue, I won't even fight him on it
(Não, eu não vou discordar, nem vou discutir com ele sobre isso)
— Tem razão, pai. Sempre muito sábio.
— Não sei como você é capaz de sequer ter dúvidas disso. Mas, afinal, o que é que aconteceu com esse tornozelo? Sua mãe vai ficar desesperada se você precisar de outra cirurgia.
riu saudosamente. Sentia muito a falta deles em momentos triviais como aquele. Ter o bom humor do pai e a leveza da mãe por perto com certeza faria tudo ser muito diferente e menos difícil. Mas esse era um dos ônus da vida adulta.
— Não preciso de cirurgia. Foi um entorse simples. Vou ficar fora do jogo exatamente para evitar que isso possa se agravar, mas estou bem. Não rompi nada, não luxei nada e não quebrei nada.
— Ufa. Bom saber. Assim posso acalmar sua mãe quando ela estiver prestes a comprar uma passagem para Barcelona achando que você está morrendo.
— Não que eu vá realmente reclamar se vocês decidirem vir passar uns dias aqui, sabe? Eu até ia gostar. Pago as passagens se vocês quiserem mesmo vir.
— Vamos pensar nisso logo, ok? Agora, vai descansar e colocar esse pé para o alto.
— Pode deixar.
— Se cuida, . E manda um beijo para a .
— Pode deixar, pai. Amo vocês.
— Nós também te amamos.
Com a ligação encerrada, encontrou novamente a conversa que lhe trazia palpitações.
“Ai, que bom. Meu estômago embrulhou só de pensar na possibilidade de que você precisasse de cirurgia.”
Ele tornou a digitar rapidamente.
“Não! Hahah, minha mãe com certeza vai pensar o mesmo assim que descobrir essa notícia. Mas meu pai ligou e eu já esclareci tudo para ele.”
“Ah, que bom! Assim não mata a Dona Esmeralda do coração.”
“Pois é! Ah, por sinal, meu pai mandou um beijo para você. E não para mim.”
“Não sei porque está surpreso. Seus pais sempre gostaram mais de mim mesmo.”
riu. E imaginou que, pelo que conhecia dela, com certeza havia outro sorriso divertido do outro lado.
“É verdade. Mas eu entendo, sabe? Também prefiro você.”
O ‘online’ mudou para ‘digitando…’ algumas vezes. Ele só conseguia sentir o nervosismo e a paranoia subindo por suas veias. Incisivo demais. Deveria ter ido com mais calma. Caramba, por que raios ele não sabia controlar os dedos?
“Bom saber”.
E respirou fundo antes de simplesmente aceitar. As coisas estavam indo bem. Ele só precisava ter paciência e esperar.
✶✶✶
— Meu Deus, eu não aguento olhar para a cara desse homem por mais um segundo que seja - admitiu, sentindo uma parte de seu ranço atingir o ponto de uma ânsia fisicamente concebida. — Eu juro que vou vomitar na próxima vez que ele abrir essa boca.
Ela quis socar o homem ao seu lado ao ouvi-lo rindo.
— Não é possível que você realmente esteja com ânsia.
— Eu estou.
— Talvez seja a gravidez e não esse homem branco hétero sendo um ser humano de merda.
o encarou com descrença e torceu o rosto em uma careta.
— Eu não estou grávida, Giam! Supera! Isso não é um filme de comédia romântica clichê em que o casal simplesmente se reconcilia porque tem um bebê a caminho.
Giampaolo riu, puxando Lorenzo do colo da amiga.
— Mas seria fofo. Principalmente considerando que ele não é um merda como esse Erik. Puta merda, até eu quero vomitar na cabeça dele.
— Que tipo de ser humano chantageia a namorada dizendo que nunca mais a desejaria sem um corte de cabelo específico e silicone nos seios? Isso é doentio. Dá vontade de entrar pela tela, dar uma surra nele e pegar a moça pela mãozinha e avisar “meu bem, isso é um relacionamento abusivo, por favor, larga esse homem que só te manipula e machuca”.
— Ele é um lixo e é bizarro como todo mundo diz isso para ela e ela continua dizendo que ele é um cara legal e nunca quis fazer isso por mal, sendo que ela tem absolutamente todos os problemas de auto-estima possíveis. Eu não entendo, de verdade.
A mulher respirou fundo, sabendo exatamente o que ele queria dizer com a descrição daquela sensação.
— É tão difícil julgar assim, sabe? Nós estamos de fora e é muito mais simples, apesar de ser incrivelmente dolorido assistir a algo desse tipo acontecendo com tanta naturalidade. Mas é esse tipo de cara que destrói tanta a auto-estima de uma mulher que acaba fazendo com que ela chegue a um ponto em que não consegue sequer cogitar a possibilidade de que alguma pessoa em algum canto desse mundo possa amá-la como ela é, sabe? Ela foi tão inferiorizada por ele que tem aquela sensação de que deixá-lo implica ficar sozinha para sempre. E, de uma forma que eu espero nunca entender de verdade, na cabeça dela existe amor, existe esperança e, o pior de tudo, existe medo. Eu não faço ideia do inferno que deve ser a cabeça de uma pessoa que está presa em uma relação dessas e reconheço que não é meu papel julgar algo que não compreendo.
— Que droga - Giam desabafou, bagunçando os pelos brancos de Lorenzo e recebendo uma mordida leve e brincalhona nos dedos. — Dói mesmo ver que existem tantas pessoas passando por esse tipo de coisa.
concordou, puxando o controle e desligando a televisão.
— Muita negatividade. Não preciso disso agora.
O cachorro latiu em resposta, abanando o rabo avidamente, quase como se a entendesse.
— O que aconteceu? Você não nega um reality show a menos que precise conversar. Eu te conheço.
A mulher soltou um muxoxo. Era tão aberta e transparente com seus amigos que fazia com que fosse muito fácil reconhecer a motivação por trás da maior parte de seus comportamentos. Até mesmo o simples ato de desligar um programa na televisão.
— Eu não consigo parar de pensar no que eu devo fazer. Nem por um segundo sequer - admitiu. — É tudo tão confuso.
— O que é confuso? - Giam perguntou. — Porque, até onde eu sei, você não tem dúvida alguma sobre o que sente pelo ou sobre a veracidade no relacionamento de vocês.
— Não essa parte. Quanto a isso, nada mudou. Eu só estou nesse dilema incansável sobre voltar ou não, retomar contato como se nada tivesse acontecido…
— , eu entendo que você se machucou muito com essa história, mas se você ainda tem a pretensão de voltar, qual o sentido em continuar lutando para manter essa distância? Eu não estou dizendo para você se mudar de volta para a casa de vocês hoje à noite, só para, sei lá, voltar a conversar com ele talvez? Como se vocês fossem aqueles dois adolescentes fofos das fotos de novo e essa bagunça toda não tivesse acontecido.
A mulher meneou a cabeça, concordando, enquanto sentia uma leve nostalgia pelos velhos tempos. Os momentos que pareciam o fim do mundo por toda a intensidade da juventude e, hoje, eram só boas lembranças. Pequenos empecilhos que mais pareciam uma prova de corrida com obstáculos do que a Muralha da China intransponivelmente colocada em seus caminhos. As dificuldades da adolescência tinham construído seu caráter e sua força, então talvez a questão fosse só de percepção no momento. Vários problemas pareciam infinitamente piores antes de serem superados. Várias resoluções pareciam muito mais óbvias após serem colocadas em prática. Mas a vida era mesmo assim no fim das contas.
— Eu o chamei esses dias, sabia? Fiquei preocupada quando li a notícia da lesão no treino.
— Ele deve ter vomitado arco-íris que nem naqueles desenhos orientais.
desferiu um tapa no braço de Giampaolo, permitindo-se gargalhar na sequência.
— Ele falou que o pai dele tinha mandado um beijo para mim. Eu não consigo mesmo me afastar da família como todo. Eu amo os pais dele, amo os primos e amo esse homem.
— E por que é para mim que você está dizendo isso?
Ela mordeu o lábio, livrando-se do ímpeto reflexo de respondê-lo de uma forma grosseiramente infantil que não cabia de forma alguma naquele momento. Não interessava o quanto ela quisesse discordar e bater o pé. Ele estava certo.
E já estava na hora de a pessoa certa começar a receber novas chances de ouvir aquilo.
✶✶✶
estava colocando as ponteiras do cadarço da chuteira para dentro quando ouviu um som característico. Puxou o celular da mochila, vendo a notificação de uma nova mensagem de .
Desbloqueou o aparelho o mais rápido que conseguiu, deparando-se com uma foto da mulher sorrindo, usando uma camisa do Barcelona na arquibancada, em meio aos outros torcedores.
— Todo mundo para o campo. Aquecimento - berrou o preparador físico, recebendo a movimentação dos jogadores em resposta.
, sem tempo, enviou a primeira figurinha de gatinho com corações coloridos que encontrou e bloqueou o celular, devolvendo-o ao seu armário com seus pertences.
— Que sorriso bobo é esse? - Piqué deu uma cotovelada de leve no amigo, abrindo aquele largo sorriso de sempre. sempre dissera que não sabia decidir exatamente quem invejava mais: ele ou Shakira.
— A veio ver o jogo - comentou e sentiu todo seu corpo pular de felicidade ao verbalizar aquelas palavras.
— Que legal, parceiro. Fico feliz que vocês estejam se ajeitando.
— É. Eu também.
— Só não conta para o Suárez ou ele vai fazer questão de te infernizar até saber se ela veio com a camisa que ele autografou e deu para ela no nosso último amigo oculto.
O meia riu, observando enquanto o colega se afastava, procurando sua dupla de costume para realizar o aquecimento coletivo.
De repente, os alongamentos pareciam mais fáceis. Seu corpo parecia ter adquirido uma flexibilidade extra nas articulações. Os passes estavam mais precisos e leves, quase como se o peito e a lateral de seu pé estivessem almofadadas. Não ria porque estava completamente concentrado, mas sentia seu rosto sério sorrindo à sua própria forma para o mundo ao seu redor. Estava radiante e focado em sua missão de canalizar toda essa luz para o jogo. Ele brilharia e a faria torcer por cada lance dele como sempre fizera. Talvez as coisas pudessem mesmo voltar a ser como eram.
A partida se daria contra o Atlético de Madrid, pelo Campeonato Espanhol. Não era um jogo fácil, mas, por ser em casa, praticamente os forçava a buscar a pontuação da vitória. Além disso, eram esses pontos que permitiriam a abertura de uma margem mais confortável em relação ao atual vice, Real Madrid, que havia apenas empatado o seu jogo da rodada.
Mas, assim que o árbitro apitou o início da partida, parecia que tinha um pouco de em cada um deles. Estavam mais entrosados e articulados do que nunca e não demoraram a conseguir realizar o primeiro lance perigoso do jogo, com chances muito reais de gol. O escanteio, por sua vez, não tinha conquistado a mesma eficiência, encontrando a cabeça de um jogador do time rival.
No entanto, isso não os fez parar. Continuavam driblando, tocando, fazendo tabelinhas e finalizando. tinha até conseguido realizar uma caneta em um adversário, arrancando uma comemoração eufórica da torcida. Melhor do que isso, apenas o momento em que um chute bem colocado do meia conseguiu colocar a bola no fundo da rede sem chance alguma de o goleiro sequer tentar alcançá-la.
A vantagem do placar não significava muita coisa. Qualquer contra-ataque oportunista poderia destruir uma diferença tão pequena e assassinar a confiança que o time havia adquirido. Era por isso que sempre tinham sido treinados sob o método ofensivo de jogo, sem diminuir a intensidade ou a garra no jogo de forma alguma. Não se contentavam com pouco e, naquele dia em especial, estavam loucos para dar um verdadeiro show.
Não foram necessários nem dez minutos para que Messi decidisse marcar presença no jogo, fazendo o que bem entendia com a bola e encontrando espaços entre a defesa que pareceriam impossíveis para qualquer um que não ele.
Com toda essa animação e empenho, o Barcelona acabou vencendo o jogo por quatro a zero, sendo o último gol novamente de . sentiu os olhos escorrendo pelo feito nos últimos minutos do jogo.
— Caramba. Chorando por futebol - reclamou consigo mesma, enxugando as lágrimas do rosto. — Que patética.
— É a emoção, minha filha. Nada explica uma sensação única dessas - a senhora ao seu lado se intrometeu, oferecendo a sua opinião e um abraço inesperado. acabou sorrindo após o estranhamento e retribuindo o gesto.
Tinha muito mais em jogo ali do que apenas uma vitória a mais no campeonato, mas, assim como no jogo, ela tinha a impressão de que seu time estava ganhando.
Esperou que a torcida se acalmasse - após entoar toda a discografia de hinos e gritos - e começasse a sair aos poucos. Poucas coisas na vida de acompanhar futebol a incomodavam mais do que o aperto de tantas pessoas querendo passar pelos mesmos lugares ao mesmo tempo. Poderia ficar em seu assento por quanto tempo fosse desde que a multidão se esvaísse o suficiente para que ela conseguisse respirar ao deixar o estádio.
E foi exatamente o que ela fez. Em alguns minutos, encontrou o seu carro e se sentou no banco do motorista, puxando o celular e torcendo para que estivesse online mesmo sabendo que as chances eram ínfimas. Considerando o tempo desde o fim da partida, eles provavelmente teriam conversado com o técnico e o resto da equipe e estariam tomando banho naquele momento. Por sorte, ela estava se sentindo iluminadamente paciente naquele dia.
Conectou o celular ao carro, combinando a possibilidade de carregá-lo e de abrir o seu spotify, colocando a playlist de favoritas no aleatório, despreocupada quanto à música que realmente tocava.
Ainda havia algo como uma pequena lareira familiar em uma casa próxima à natureza, quase como o acalento de um chocolate quente ao fim de um dia cansado, em seu peito. Seu coração parecia mais aquecido toda vez que se lembrava da alegria de ao fazer seus gols e, depois, batia fora da frequência convencional, ansioso para que ele finalmente respondesse seu convite.
Estava tão absorta em seus próprios pensamentos e criações de hipóteses com pouco fundamento ou justificativa racional que acabou se assustando com a notificação. O susto logo foi substituído por um sorriso de orelha a orelha ao ler a resposta que tanto queria:
“Sim! Vamos àquele restaurante que você adora, que tal?”
E se já não era de sua vontade negar antes, só a imagem de sua massa fresca favorita já fazia com que ela não se preocupasse sequer em pensar duas vezes.
“Vamos. Nos encontramos lá.”
✶
sentiu o desespero afogar seu corpo ao chegar ao restaurante e perceber que não havia ninguém esperando por ele. Era para ela ter chegado primeiro, considerando a demora na coletiva que teve de dar, mesmo que tivesse praticamente forçado-a a ser o mais rápida possível e quase atirado Lionel Messi para os leões famintos antes de dizer que não estava se sentindo muito bem e pedir licença ao responder a última pergunta realmente direcionada a ele.
— Mesa para quantos, senhor? - A atendente perguntou, com um sorriso simpático e o cardápio o qual ele já conhecia até mesmo de trás para frente em mãos.
— Para dois. Estou esperando alguém - disse e, no fundo, torceu para que a outra cadeira não ficasse dolorosamente vazia.
A mulher acenou com a cabeça, concordando enquanto o guiava até uma das mesas próximas ao jardim. agradeceu. simplesmente adorava se sentar ali, justificando a brisa gostosa que vinha da janela como motivo. De brinde, sempre havia um mini discurso sobre a importância de se preservar as plantas e as árvores e como o ambiente ficava instantânea e inegavelmente mais fresco e agradável perto delas.
Um garçom trouxe os pequenos pães de cortesia e o serviu com água enquanto esperava. O jogador não conseguia sequer pensar sobre a fome que estava sentindo, já se misturando a um embrulho no estômago tomado pelo nervosismo. Como era possível alguém se sentir tão vulnerável e exposto? Seria a cena mais vergonhosa do universo se ele precisasse esperar naquela mesa por horas até que um garçom, já cheio de dó, abordasse-o e perguntasse se ele não queria mesmo pedir, pois parecia que ninguém viria, assim como nos filmes.
Mas essa não era uma postura que representava . Ela jamais se vingaria ou faria uma coisa daquelas. E ele teve certeza disso ao ver o sorriso iluminado dela entrando no restaurante, ainda com a camisa do Barcelona e o nome “” nas costas junto ao número 14.
— Meu Deus, desculpa a demora - ela pediu, puxando a cadeira para se sentar. — Eu fiquei presa em um semáforo quebrado no caminho depois que decidi mudar a rota e te comprar um presentinho primeiro.
não precisava nem tirar a caixinha da sacola para saber exatamente o que era. Reconheceria aquele formato de longe tamanho seu vício.
— Mentira! - Ele ria enquanto puxava a caixa de bombons recheados de licor de cereja. Eram seus favoritos em todo o universo.
— Para alguém que anda sendo o homem da partida e fazendo tantos gols, imaginei que um pouco de açúcar fosse um prêmio mais do que merecido por todo o esforço e os bons resultados.
se levantou de uma vez e abraçou pelos ombros, de uma forma um tanto desajeitada considerando que um estava em pé e o outro sentado. Deu um beijo em sua bochecha e agradeceu uma dezena de vezes antes de reocupar sua cadeira.
— Você é simplesmente perfeita - ele disse, fazendo com que ela corasse levemente.
— Eu sei. Como sua mãe sempre fez questão de te lembrar: você é um cara de muita sorte por me ter ao seu lado.
— Ela nunca erra - comentou. — E sabe quem também nunca erra?
— Quem?
— Eu sabendo exatamente o que você vai pedir. O nhoque da casa, com o dobro de queijo.
— Mas errou. Dessa vez eu vou pedir o spaghetti com ragu ao molho pesto.
— Quem é você e o que você fez com a minha ?
A mulher riu alto, partindo um pedaço do pão e levando-o à boca. se aproveitou da metade restante.
— Eu não consigo pedir outra coisa. Além da comodidade de não precisar tomar decisões novas, eu simplesmente não consigo lidar com a ideia de vir até aqui e não comer esse nhoque perfeito.
O jogador ergueu a mão, esperando que o garçom responsável pela mesa deles os atendesse. Pediram os pratos e duas taças de vinho tinto que tivessem uma boa harmonização em relação à escolha dos molhos.
— Minha terapeuta está muito cansada de me ouvir falando de você.
— Espero que você só diga coisas boas - comentou. — Até porque eu não pensaria duas vezes antes de te matar se falasse mal de mim para a sua psicóloga.
Mas o papo logo mudou de rumo. contou animadamente sobre a nova campanha publicitária de uma coleção de roupas inclusiva, com tamanhos grandes de verdade sem perder nada do estilo e das tendências atuais da moda. Estava gritantemente feliz de ter uma marca local finalmente se importando em servir a todos os tipos de corpos e mais contente ainda de poder fazer parte de um projeto tão lindo, mesmo que da sua forma.
ouvia tudo com um sorriso bobo no rosto. Era impossível não se sentir abraçado pela motivação e pelo brilho nos olhos de alguém que falava com tanta propriedade e orgulho daquilo que fazia com tanto amor e competência. Era simplesmente lindo e puro.
— Eu estou falando loucamente sobre mim de novo - ela se deu uma bronca. — Fala de você, por favor. Como estão as coisas?
— Você poderia falar de si mesma para sempre e eu não me cansaria. Mas, ah, sei lá. Acho que eu estou jogando melhor, consegui consolidar um respeito no time, sabe? Inclusive, vão mudar o número da minha camisa.
— Não acredito! A minha camisa ainda é nova!
riu alto com a brincadeira.
— Vou trocar a 14 pela 7. Condiz mais com o time titular.
— Isso é incrível! Caramba, você realmente ganhou muito espaço. Parabéns, amor! Eu sempre soube que esse dia chegaria.
teve que fingir que não estava prestes a entrar em combustão e sair voando pelos ares como um rojão de Ano Novo. Precisava ter o mínimo de compostura para evitar a possibilidade de sair surtando como um adolescente em crise.
— Mas eu preciso de uma camisa nova - ela completou, enquanto levava a bebida à boca.
— Ah, você vai ter. Com um autógrafo e uma dedicatória ainda.
— Já quero me exibir no estádio.
E voltaram a almoçar calmamente, jogando conversa fora e rindo das próprias lembranças nostálgicas.
— Eu preciso confessar uma coisa - admitiu e fez gelar. Se ele dissesse que havia ficado com outra pessoa, ela provavelmente não suportaria, mesmo sem saber se deveria culpá-lo exatamente por isso.
— O que houve? - Sua voz tremia, em pânico. Não sabia se estava pronta para o que viria a seguir.
O rapaz pegou o próprio celular, levando alguns longos e angustiantes segundos até achar o que parecia estar procurando com tanto afinco.
— Giam mandou essa foto sua dormindo com o Lorenzo - disse e virou a tela para que ela visse.
Estava encolhida no sofá, com o braço por cima do pequeno cachorro, que também dormia pacificamente.
— Eu vou matar esse desgraçado - ela murmurou.
— Ah, para! Está super fofa!
— Não. Giampaolo com certeza é um homem morto. Acho melhor você se despedir dele assim que possível.
— Eu fiquei um pouco mais tranquilo quando descobri que ele estava passando um tempo contigo. Pelo menos, assim sabia que você não estava sozinha e tinha alguém preparado para te escutar.
— E para me expor por fotos não autorizadas também, aparentemente.
— Quem? O Giam? Não, não. Eu estava falando do Lorenzo mesmo. O Giam é ridículo.
E eles riram como não faziam há dias. Daquele jeito que faz até o estômago doer, como se pudessem gargalhar até afastar qualquer resquício de dúvida e receio. E comprovou, mais uma vez, o que já sabia: sempre seria ela.
And if I have to, I'll wait forever
(E se for preciso, eu esperarei para sempre)
Say the word and I'll change my plans
(Diga a palavra e eu mudarei meus planos)
Yeah, you know that we fit together
(Sim, você sabe que nós dois nos encaixamos)
I know your heart like the back of my hand
(Eu conheço seu coração como a palma da minha mão)
✶✶✶
Pouco mais de uma semana havia se passado desde o almoço juntos e os dois não tinham deixado de se falar por um dia sequer nesse intervalo. estava se permitindo quebrar sua própria regra de utilizar chamadas em vídeo apenas para falar com a sua família no Brasil. muitas vezes aproveitava para falar com ela em seu tempo de descanso após os treinos. Fora a ausência física, tudo tinha basicamente voltado ao normal.
“Eu juro que ainda não entendi o porquê daquele cartão”
A mulher ainda não havia desistido de reclamar da punição que julgava completamente injusta. literalmente tinha recebido um cartão amarelo por estar no meio de uma briga, sendo que era visível sua participação apenas na tentativa de apartá-la, tentando separar os jogadores que não estavam dispostos a se entender após um lance um pouco mais agressivo. A situação só piorava quando esse era o terceiro amarelo, o que o deixava de fora do próximo jogo.
“Ninguém entendeu, mas sei lá. Acontece.”
também estava chateado, era claro; mas sabia bem o suficiente que não adiantava ficar sofrendo ou questionando uma decisão que não seria revertida.
“Depois ainda querem reclamar quando a gente xinga árbitro.”
O jogador riu e começou a digitar uma mensagem em resposta, sendo interrompido pela ligação de áudio.
— Eu já estava te respondendo - ele disse.
— Eu sei. Mas dá para você vir aqui fora? Eu preciso de uma mãozinha.
Ele não pensou duas vezes, correndo até a porta e destrancando-a no que deveria ser algum tipo de tempo recorde até para o Guiness.
Quase sentiu o mundo parar por completo ao vê-la ali, com as malas na mão e a carinha que eles mesmos tinham apelidado de “cara do gatinho do Shrek”.
— O motorista me ajudou a colocar esses trambolhos para fora, mas eu não tenho condição de entrar com todas ao mesmo tempo.
Com o peito tão estufado de alegria e - finalmente - paz, sentiu até a própria postura melhorando instintivamente. Com a porta trancada ressignificada, ele torceu para que aquela tranca fosse o suficiente para que, de alguma forma, ela nunca mais precisasse ir embora.
Havia dado início a sessões de terapia, isso era verdade. Também era verdade que estava mesmo melhor. Mais tranquilo. Menos sobrecarregado. Menos crítico e duro consigo mesmo. E aquilo estava mudando seu bem estar e comportamento de forma brutal. Mas nada jamais seria bom de verdade enquanto estivesse sozinho. Depois de tantos anos juntos, era como se os dois tivessem entrado em algum tipo de estado de simbiose, onde a distância prejudicava ambos. precisava dela tanto quanto precisava se alongar antes dos treinos ou se manter hidratado ao longo do dia.
E, mesmo assim, tentou seguir a sua vida. Não chegou a abordar ou sequer tentar algo com qualquer pessoa, mas passou alguns dias tentando deixar sua mente aberta para essa possibilidade. Afinal, talvez realmente não quisesse mais absolutamente nada com ele. Ele precisava tomar consciência de que, independentemente de sua vontade, as coisas entre eles poderiam ter simplesmente acabado e ele não poderia fazer nada além de carregar a culpa sobre os ombros e, vez ou outra, tentar aliviar a dor na fisioterapia.
Mas não funcionava. Ele poderia passar quantas noites fosse preso a um banco de bar, com uma bebida forte nas mãos e, mesmo assim, jamais seria capaz de olhar para outra pessoa com segundas intenções. Não quando tinha o sorriso dela tão claro no fundo de sua mente e só conseguia pensar nele. Era impossível. Ninguém jamais seria como .
Maybe I had too many drinks
(Talvez eu tenha bebido demais)
But that's just what I needed
(Mas era exatamente disso que eu precisava)
(...)
Don't know why I try 'cause there ain't nobody like you
(Não sei porque eu tento, não há ninguém como você)
Familiar disappointment every single time I do
(Uma decepção familiar toda vez que eu o faço)
Every single night my arms are not around you
(Toda noite que meus braços não estão ao seu redor)
My mind's still wrapped around you
(Minha mente ainda está amarrada a você)
Era estranho limpar a casa sem tê-la ali para reclamar que algum cantinho ainda estava sujo ou pedir que ele tirasse o pó que se acumulava em cima da geladeira. Uma pontada dolorida acometia seu peito sempre que cozinhava para um. Seu coração estava tão despedaçado quanto um vidro fino que cai e se estilhaça nos menores fragmentos possíveis. Mas ele seguia. Por si. Por ela. Por ainda querer ter alguma esperança.
Talvez tivesse sido esse sentimento que a trouxera à porta da casa que ainda era deles naquela manhã. se lembrava de como sua mãe sempre dissera que pensamentos positivos atraíam coisas boas. Quem sabe sua esperança não havia sido a responsável por trazê-la até ali?
— Você veio - comentou, quase em um sussurro, ainda desacreditado. Tinha sonhado com aquele momento por noites a fio, mas, agora que ele estava realmente acontecendo, parecia bom demais para ser verdade. Seu coração provavelmente sairia pela boca antes mesmo que ele conseguisse dizer qualquer outra coisa.
— Acho que você, melhor do que ninguém, sabe muito bem que eu sempre apoiei que todos tivessem uma segunda chance. Nem que seja, como você mesmo disse, para pedir perdão.
Então ela havia visto a entrevista. sorriu, concordando e abrindo espaço para que ela entrasse.
— Entre - pediu. — Fique à vontade. Afinal, essa casa ainda é sua.
deu dois passos para a frente, colocando-se para dentro e tentando fingir que ver a sala exatamente do mesmo jeito não bagunçava seu peito em um carnaval de emoções e sentimentos. Acima de tudo, precisava ser forte.
— Espero que esteja claro que eu só estou aqui para conversarmos. E que seja de uma forma madura e educada, sem ataques ou palavras duras. Eu estou fazendo isso em respeito à nossa história e em respeito à minha própria saúde que não consegue conviver com assuntos inacabados.
— Eu jamais desejaria que fosse diferente - ele respondeu. E não havia verdade alguma, em todo o universo, maior do que aquela.
O som da porta se fechando atrás dos dois quase fez com que ela desse um pulinho de susto. Era tudo real e não havia volta. Precisavam enfrentar aquela situação, por mais dolorosa que fosse, como os dois adultos que seus documentos diziam que eles eram.
— Incrível - ela começou, tentando quebrar o gelo. — Fiquei com medo de que talvez você já tivesse tido tempo o suficiente para destruir a nossa casa inteira, mas parece que está tudo certo.
tentou evitar a vontade absurda que tinha de sorrir de um canto ao outro ao ouvir o pronome possessivo escolhido: nossa . Nossa casa.
— Uma mulher maravilhosa me ensinou que a gente tem que cuidar do nosso lar como se pudesse receber visitas a qualquer momento. E que a nossa casa reflete um pouco de nós e nós um pouco dela. Acho que eu pensei que, se tivesse uma casa arrumada, talvez a bagunça na minha cabeça pudesse se inspirar e seguir o mesmo caminho por vontade própria.
soltou uma leve risada.
— É. Não sei se é bem assim que as coisas funcionam. Mas pode ajudar.
O jogador assentiu, com um sorriso que se dividia entre a possibilidade de se animar e o pesar que havia decidido não ir embora.
— Bom, não custava tentar, não é?
concordou, enquanto se sentava no sofá. Teve que lutar intimamente contra o costume familiar de retirar os sapatos e colocar as pernas para cima, sentando-se de uma forma que lhe traria problemas de coluna em breve.
— Eu não sei como começar isso - admitiu, sentindo as próprias mãos suadas e geladas ao mesmo tempo. Seu coração parecia prestes a sair pela boca e disputar uma maratona na sequência.
— Pode começar falando sobre a ajuda que você disse ter buscado - ela pontuou.
— Eu voltei a conversar com meu técnico. No dia em que nós dois acabamos brigando pela sua conversa com ele, acabei sendo grosseiro e fui pedir desculpas a ele. Acabei desabafando, sabe? Não só sobre nós mas sobre o quanto eu sentia que tudo em mim estava prestes a explodir e eu não tinha mais controle algum sobre essa bomba. Disse que até o futebol, que sempre havia sido minha paixão, tinha se tornado mais uma obrigação e eu não conseguia mais ter prazer algum em campo.
— E ele?
— Disse que eu parecia deprimido e, com certeza, estava muito ansioso. Mas que tinha feito educação física, não medicina ou psicologia e me pediu para procurar alguém que pudesse realmente me diagnosticar e me orientar. Que eu era um jogador muito talentoso e uma pessoa muito boa para permitir que esses abalos psicológicos destruíssem minha vida profissional e pessoal.
“E eu não aceitei muito bem essa fala, sabe? Quando ele falou sobre permitir, eu senti que existia alguma acusação, como se eu estivesse buscando ficar mal ou procurando algum jeito de me vitimizar. Demorei mais uns dois dias remoendo tudo isso para entender que não era por mal e que ele só queria mesmo me incentivar a procurar a ajuda de um especialista em vez de esperar que as coisas chegassem a um ponto do qual eu talvez não conseguisse retornar nem com todo o auxílio do mundo.”
— - começou e o apelido pareceu dançar em sua boca — , você sabe que eu me recusei a tratar meu transtorno de ansiedade por anos. Eu sei o que é querer negar que você tenha um problema. É muito difícil assumir que tem algo errado e que a gente não consegue controlar. Ainda mais quando é uma coisa psicológica, entende? As doenças da mente ainda são um grande tabu, são vistas como frescura, falta de Deus e mais uma lista enorme de besteiras. A gente não fala disso e esse é um dos maiores obstáculos. “Se você estourar o ligamento cruzado anterior do joelho em uma partida, vai para a cirurgia. Se eu tiver enxaqueca, sei exatamente qual o remédio que me tira da crise. São coisas muito bem delimitadas e a mente é um campo amplo demais. A gente conhece super pouco exatamente por causa do rótulo de “louco” que ouvimos.”
— Parece muito incerto, não é? Lembro que eu dei risada pensando ‘Ah, claro, conversar com alguém vai resolver todos os meus problemas. Se fosse simples assim, eu poderia conversar com qualquer um’.
— A psicoterapia é vista de uma forma muito errada ainda - concordou. — Mas você começou?
ainda brincava com os próprios dedos, coçando o dorso da mão como se precisasse se manter ocupado para exalar parte de seu nervosismo no momento.
— Sim. Tem mais de um mês já.
— E como está sendo para você?
— No começo, eu achava tudo aquilo muito estranho, sabe? E ficava me perguntando o que eu deveria falar, o que ela deveria saber, se aquilo não era invasão de privacidade. - Ele riu sozinho. — Mas com o tempo eu fui conseguindo me abrir e me senti muito mais leve. Eu defini para mim mesmo que a psicoterapeuta é basicamente alguém que pegou o nó bizarro que eu tinha na cabeça e, conversando comigo, consegue fazer com que eu mesmo entenda onde essas voltas e amarras estão para que eu possa tirá-las. Ela me guia para que eu desfaça meus próprios nós.
sorriu carinhosamente.
— É uma imagem bonita. E faz sentido.
concordou, ainda se sentindo um tanto aflito por não saber exatamente como proceder.
— Caramba, como eu sou mal educado. Você quer uma água, um suco?
— Você andou comprando suco? Logo você que sempre detestou?
— É maracujá. Minha mãe mandou eu tomar para me acalmar. Eu achei bizarro, mas não quis confrontá-la. No fim, acho que acabei gostando.
— Não acredito que a Dona Esmeralda conseguiu de longe te convencer do que eu passei anos falando: suco de maracujá é uma das sete maravilhas do mundo moderno. E o de uva vem na sequência.
deu risada da reação da mulher.
— Tomo o suco de uva que for. Se tem uma coisa que as últimas semanas me provaram foi que eu realmente preciso te escutar mais.
— Olha, , eu não vim aqui esperando que você ficasse de joelhos e me pedisse perdão pelo que fez…
— Mas eu faria isso e qualquer outra coisa se soubesse que consertaria as coisas - ele a interrompeu.
— Eu vim aqui a fim de ter a conversa que tivemos. Fico feliz de verdade que você tenha decidido procurar um tratamento e buscar melhorar. Seu técnico tem razão no fim das contas. Você é uma pessoa incrível e não merecia perder tanta coisa por se negar a admitir que não estava mais dando conta e precisava de ajuda.
— Eu sei. - esfregou o rosto, sentindo toda a frustração acumulada das últimas semanas. — Eu me machuquei por orgulho, mas eu não poderia me importar menos com isso. Meu problema com tudo isso foi ter ferido você, . Eu não tenho condição de ter uma noite sequer de sono adequado sabendo que fui eu quem praticamente enxotou você da minha vida. Logo a pessoa mais importante para mim. Nunca vou ser capaz de me perdoar por isso, mas sou egoísta e sem noção o suficiente para torcer para que ao menos você possa me perdoar.
se levantou, caminhando até a poltrona que o rapaz ocupava. Abaixou-se para ficar na mesma altura que ele, permitindo que seus olhos estivessem na mesma linha e fossem o único foco de seu próprio olhar. Precisava enxergar a sinceridade que buscava, vinda daquele em quem sempre havia confiado cegamente. era a única pessoa com quem ela faria um daqueles testes de confiança em que uma pessoa joga o corpo para trás e espera que a outra a segure. Não sabia se seria capaz de lidar com tudo aquilo se tivesse perdido aquele sentimento. Queria acreditar que ele havia cometido um erro, mas que nada mudara na pessoa que ela ainda amava, não importava o quanto tentasse refutar aquela ideia. Precisava disso.
E foi a honestidade em suas íris, acompanhada da umidade aumentada dos olhos que quase fez com que ela desabasse ali mesmo.
Inclinou-se para a frente e deixou um beijo demorado na testa do jogador.
— Eu já te perdoei, . Não sou capaz de guardar mágoas suas. Não por isso.
O peso que tinha sido retirado de suas costas quase fez com que ele expirasse o ar com toda a força dos pulmões. Mas aquele estava longe de ser o único obstáculo entre eles naquele momento.
— E o que isso significa para nós?
sentiu o próprio peito doer. Seu coração suplicava para que tudo voltasse ao normal. Mas ela não era ingênua de achar que isso aconteceria com tanta facilidade. Não tinha mágoas, era verdade; mas não podia ignorar o medo de que a decepção retornasse. E talvez de uma forma insuperável. Ainda estava machucada demais para se jogar e torcer para que ele estendesse os braços firmes a fim de impedir sua queda.
— Eu preciso de mais tempo - sua voz era um sussurro.
assentiu, sentindo a fagulha de esperança que trazia consigo esmorecer.
— Tudo bem. Eu vou te esperar. O tempo que for.
não ficou para saber se ele tinha alguma outra coisa a dizer. Não suportava mais ficar ali. Levantou-se e encontrou o próprio caminho em direção à porta, levando alguns segundos apenas para cogitar olhar para trás e afastar a ideia na sequência.
A ausência dela fez chorar. Chorar por saudades. Chorar por desespero. Chorar por se sentir a pessoa mais estúpida e fraca da face da Terra.
Ao menos, sabia que tinha sido completamente honesto em cada uma de suas palavras. Se era tempo que ela queria, ela o teria. Mas ele não desistiria assim tão fácil. Não quando não conseguia sequer cogitar viver sem a mulher da sua vida ao seu lado.
Baby, tell me when you're ready
(Amor, diga-me quando estiver pronta)
I'm waitin' (Eu estou esperando)
Baby, any time you're ready
(Amor, qualquer momento em que estiver pronta)
I'm waitin'
(Eu estou esperando)
Even ten years from now
(Mesmo daqui a dez anos)
If you haven't found somebody
(Se você não tiver encontrado alguém)
I promise, I'll be around
(Eu prometo, eu estarei por perto)
Tell me when you're ready
(Diga-me quando estiver pronta)
I'm waitin'
(Estou esperando)
respirou um pouco mais fundo ao sentir o toque direto do gelo contra sua pele, sinalizando a possibilidade de uma queimadura. Xingou-se mentalmente por ter se esquecido de colocar uma toalha fina entre a compressa congelada e o tornozelo e foi rapidamente fazê-lo. Soltou o corpo de uma só vez contra o sofá, colocando o pé sobre uma almofada e virando-o de uma forma que facilitasse o posicionamento do gelo. Ligou a televisão, mas não se preocupou em ativamente escolher um canal. Não estava a fim de assistir a qualquer coisa, de toda forma. Só queria o áudio ressoando pelo ambiente para que o som quebrasse o silêncio e o fizesse se sentir menos sozinho naquela casa, grande demais para um só.
Puxou o celular que havia repousado sobre o braço do sofá, desbloqueando-o apenas na terceira tentativa, por conta do dedo úmido pelo manuseio da compressa. Tão logo o aparelho encontrou e se conectou à rede wi-fi da casa, algumas notificações repetitivas o fizeram vibrar.
sentiu o coração tropeçar. Já fazia um bom tempo que aquele contato não aparecia no topo de suas conversas mais recentes.
“Acabei de ver uma notícia de que você se lesionou no treino, mas não tinham informações suficientes. O que aconteceu? Está tudo bem?”
Ele não conseguiu impedir o sorriso que logo veio à tona. O simples fato de ela se importar já acalentava seu peito.
“Eu estou bem. Foi só uma torção. Devo descansar na próxima partida por garantia, mas não tem nenhum problema maior.”
Quando ele estava prestes a clicar no balão “Enviar”, a tela do celular foi altera, impedindo-o. A notificação da chamada recebida estava se colocando no meio da conversa que ele tanto esperara.
simplesmente recusou.
— Eu te ligo mais tarde - murmurou, antes de conseguir, finalmente, enviar a mensagem.
Sorriu aliviado ao perceber os dois sinais de confirmação se tornando azuis e o visto por último de passando a um ‘online’, seguido de um ‘digitando…’.
E o celular voltou a tocar. bufou porque sabia que não poderia recusar a chamada mais uma vez. Não adiantaria nada e só o traria mais problemas.
— Fala - respondeu.
— Você realmente recusou a minha primeira ligação? Essa não foi a educação que te demos. esfregou as têmporas, não sabendo exatamente se aquela era uma bronca raivosa ou apenas um puxão de orelha descontraído. Nunca conseguia definir isso apenas pelo tom de voz do outro lado da linha.
— Foi mal, pai.
O homem riu do outro lado, fazendo o corpo do jogador relaxar.
— Tudo bem. Só estávamos preocupados.
— Preocupados com o quê? Também leram a notícia da contusão no treino?
— Exatamente! - O mais velho concordou fervorosamente. — Mas, calma. Como assim também?
— Eu só recusei a sua primeira chamada porque estava respondendo a , pai. Ela leu a notícia e também ficou preocupada.
— Então vocês estão bem de novo? Meu Deus, a sua mãe vai chorar de felicidade. Mais do que ela chorou com o último episódio da novela das sete.
O meia não conseguiu evitar um sorriso largo em imaginar Dona Esmeralda chorando pelo fim de uma novela. Era uma cena que sua mente construía com facilidade, tamanha a familiaridade com o gigantesco coração de manteiga derretida que sua mãe trazia no peito. Ela, definitivamente, era uma das pessoas mais bondosas e amorosas de todo o universo e ele agradecia todos os dias por isso.
— É complicado, na verdade. Ela veio aqui uns dias atrás e nós conversamos. Acho que colocamos todas as cartas na mesa e realmente jogamos limpo um com o outro.
— Então qual é o problema?
— Não sei se é exatamente um problema - ele ponderou. — Ela só disse que precisava de um tempo.
— Bom, precisar de um tempo não é dizer que não pretende olhar na sua cara nunca mais. E nós dois sabemos que o que houve entre vocês não foi simples, ainda mais para uma relação de cumplicidade e confiança que vem desde que vocês eram dois pirralhos correndo em volta do meu carro para quase me fazer morrer do coração.
riu com a lembrança. Conseguia ouvir a voz do pai gritando que colocaria os dois de castigo se arranhassem as portas do carro. E eles teriam de encerá-lo até que todos os riscos sumissem.
— É, acho que sim. Eu só tenho medo, sabe? Quem me garante que nesse tempo ela não vai simplesmente perceber que está melhor sem mim e seguir a vida dela?
— Nada. Absolutamente nada te garante isso. E nada te garante também que ela não possa decidir voltar. Tudo o que você pode fazer é esperar, não importa quanto essa espera seja angustiante para você. Se ela é a mulher da sua vida, e nós dois sabemos que é, só resta a você esperar.
What if my dad is right when he says that you're the one
(E se meu pai estiver certo quando diz que você é a única?)
No, I can't even argue, I won't even fight him on it
(Não, eu não vou discordar, nem vou discutir com ele sobre isso)
— Tem razão, pai. Sempre muito sábio.
— Não sei como você é capaz de sequer ter dúvidas disso. Mas, afinal, o que é que aconteceu com esse tornozelo? Sua mãe vai ficar desesperada se você precisar de outra cirurgia.
riu saudosamente. Sentia muito a falta deles em momentos triviais como aquele. Ter o bom humor do pai e a leveza da mãe por perto com certeza faria tudo ser muito diferente e menos difícil. Mas esse era um dos ônus da vida adulta.
— Não preciso de cirurgia. Foi um entorse simples. Vou ficar fora do jogo exatamente para evitar que isso possa se agravar, mas estou bem. Não rompi nada, não luxei nada e não quebrei nada.
— Ufa. Bom saber. Assim posso acalmar sua mãe quando ela estiver prestes a comprar uma passagem para Barcelona achando que você está morrendo.
— Não que eu vá realmente reclamar se vocês decidirem vir passar uns dias aqui, sabe? Eu até ia gostar. Pago as passagens se vocês quiserem mesmo vir.
— Vamos pensar nisso logo, ok? Agora, vai descansar e colocar esse pé para o alto.
— Pode deixar.
— Se cuida, . E manda um beijo para a .
— Pode deixar, pai. Amo vocês.
— Nós também te amamos.
Com a ligação encerrada, encontrou novamente a conversa que lhe trazia palpitações.
“Ai, que bom. Meu estômago embrulhou só de pensar na possibilidade de que você precisasse de cirurgia.”
Ele tornou a digitar rapidamente.
“Não! Hahah, minha mãe com certeza vai pensar o mesmo assim que descobrir essa notícia. Mas meu pai ligou e eu já esclareci tudo para ele.”
“Ah, que bom! Assim não mata a Dona Esmeralda do coração.”
“Pois é! Ah, por sinal, meu pai mandou um beijo para você. E não para mim.”
“Não sei porque está surpreso. Seus pais sempre gostaram mais de mim mesmo.”
riu. E imaginou que, pelo que conhecia dela, com certeza havia outro sorriso divertido do outro lado.
“É verdade. Mas eu entendo, sabe? Também prefiro você.”
O ‘online’ mudou para ‘digitando…’ algumas vezes. Ele só conseguia sentir o nervosismo e a paranoia subindo por suas veias. Incisivo demais. Deveria ter ido com mais calma. Caramba, por que raios ele não sabia controlar os dedos?
“Bom saber”.
E respirou fundo antes de simplesmente aceitar. As coisas estavam indo bem. Ele só precisava ter paciência e esperar.
— Meu Deus, eu não aguento olhar para a cara desse homem por mais um segundo que seja - admitiu, sentindo uma parte de seu ranço atingir o ponto de uma ânsia fisicamente concebida. — Eu juro que vou vomitar na próxima vez que ele abrir essa boca.
Ela quis socar o homem ao seu lado ao ouvi-lo rindo.
— Não é possível que você realmente esteja com ânsia.
— Eu estou.
— Talvez seja a gravidez e não esse homem branco hétero sendo um ser humano de merda.
o encarou com descrença e torceu o rosto em uma careta.
— Eu não estou grávida, Giam! Supera! Isso não é um filme de comédia romântica clichê em que o casal simplesmente se reconcilia porque tem um bebê a caminho.
Giampaolo riu, puxando Lorenzo do colo da amiga.
— Mas seria fofo. Principalmente considerando que ele não é um merda como esse Erik. Puta merda, até eu quero vomitar na cabeça dele.
— Que tipo de ser humano chantageia a namorada dizendo que nunca mais a desejaria sem um corte de cabelo específico e silicone nos seios? Isso é doentio. Dá vontade de entrar pela tela, dar uma surra nele e pegar a moça pela mãozinha e avisar “meu bem, isso é um relacionamento abusivo, por favor, larga esse homem que só te manipula e machuca”.
— Ele é um lixo e é bizarro como todo mundo diz isso para ela e ela continua dizendo que ele é um cara legal e nunca quis fazer isso por mal, sendo que ela tem absolutamente todos os problemas de auto-estima possíveis. Eu não entendo, de verdade.
A mulher respirou fundo, sabendo exatamente o que ele queria dizer com a descrição daquela sensação.
— É tão difícil julgar assim, sabe? Nós estamos de fora e é muito mais simples, apesar de ser incrivelmente dolorido assistir a algo desse tipo acontecendo com tanta naturalidade. Mas é esse tipo de cara que destrói tanta a auto-estima de uma mulher que acaba fazendo com que ela chegue a um ponto em que não consegue sequer cogitar a possibilidade de que alguma pessoa em algum canto desse mundo possa amá-la como ela é, sabe? Ela foi tão inferiorizada por ele que tem aquela sensação de que deixá-lo implica ficar sozinha para sempre. E, de uma forma que eu espero nunca entender de verdade, na cabeça dela existe amor, existe esperança e, o pior de tudo, existe medo. Eu não faço ideia do inferno que deve ser a cabeça de uma pessoa que está presa em uma relação dessas e reconheço que não é meu papel julgar algo que não compreendo.
— Que droga - Giam desabafou, bagunçando os pelos brancos de Lorenzo e recebendo uma mordida leve e brincalhona nos dedos. — Dói mesmo ver que existem tantas pessoas passando por esse tipo de coisa.
concordou, puxando o controle e desligando a televisão.
— Muita negatividade. Não preciso disso agora.
O cachorro latiu em resposta, abanando o rabo avidamente, quase como se a entendesse.
— O que aconteceu? Você não nega um reality show a menos que precise conversar. Eu te conheço.
A mulher soltou um muxoxo. Era tão aberta e transparente com seus amigos que fazia com que fosse muito fácil reconhecer a motivação por trás da maior parte de seus comportamentos. Até mesmo o simples ato de desligar um programa na televisão.
— Eu não consigo parar de pensar no que eu devo fazer. Nem por um segundo sequer - admitiu. — É tudo tão confuso.
— O que é confuso? - Giam perguntou. — Porque, até onde eu sei, você não tem dúvida alguma sobre o que sente pelo ou sobre a veracidade no relacionamento de vocês.
— Não essa parte. Quanto a isso, nada mudou. Eu só estou nesse dilema incansável sobre voltar ou não, retomar contato como se nada tivesse acontecido…
— , eu entendo que você se machucou muito com essa história, mas se você ainda tem a pretensão de voltar, qual o sentido em continuar lutando para manter essa distância? Eu não estou dizendo para você se mudar de volta para a casa de vocês hoje à noite, só para, sei lá, voltar a conversar com ele talvez? Como se vocês fossem aqueles dois adolescentes fofos das fotos de novo e essa bagunça toda não tivesse acontecido.
A mulher meneou a cabeça, concordando, enquanto sentia uma leve nostalgia pelos velhos tempos. Os momentos que pareciam o fim do mundo por toda a intensidade da juventude e, hoje, eram só boas lembranças. Pequenos empecilhos que mais pareciam uma prova de corrida com obstáculos do que a Muralha da China intransponivelmente colocada em seus caminhos. As dificuldades da adolescência tinham construído seu caráter e sua força, então talvez a questão fosse só de percepção no momento. Vários problemas pareciam infinitamente piores antes de serem superados. Várias resoluções pareciam muito mais óbvias após serem colocadas em prática. Mas a vida era mesmo assim no fim das contas.
— Eu o chamei esses dias, sabia? Fiquei preocupada quando li a notícia da lesão no treino.
— Ele deve ter vomitado arco-íris que nem naqueles desenhos orientais.
desferiu um tapa no braço de Giampaolo, permitindo-se gargalhar na sequência.
— Ele falou que o pai dele tinha mandado um beijo para mim. Eu não consigo mesmo me afastar da família como todo. Eu amo os pais dele, amo os primos e amo esse homem.
— E por que é para mim que você está dizendo isso?
Ela mordeu o lábio, livrando-se do ímpeto reflexo de respondê-lo de uma forma grosseiramente infantil que não cabia de forma alguma naquele momento. Não interessava o quanto ela quisesse discordar e bater o pé. Ele estava certo.
E já estava na hora de a pessoa certa começar a receber novas chances de ouvir aquilo.
estava colocando as ponteiras do cadarço da chuteira para dentro quando ouviu um som característico. Puxou o celular da mochila, vendo a notificação de uma nova mensagem de .
Desbloqueou o aparelho o mais rápido que conseguiu, deparando-se com uma foto da mulher sorrindo, usando uma camisa do Barcelona na arquibancada, em meio aos outros torcedores.
— Todo mundo para o campo. Aquecimento - berrou o preparador físico, recebendo a movimentação dos jogadores em resposta.
, sem tempo, enviou a primeira figurinha de gatinho com corações coloridos que encontrou e bloqueou o celular, devolvendo-o ao seu armário com seus pertences.
— Que sorriso bobo é esse? - Piqué deu uma cotovelada de leve no amigo, abrindo aquele largo sorriso de sempre. sempre dissera que não sabia decidir exatamente quem invejava mais: ele ou Shakira.
— A veio ver o jogo - comentou e sentiu todo seu corpo pular de felicidade ao verbalizar aquelas palavras.
— Que legal, parceiro. Fico feliz que vocês estejam se ajeitando.
— É. Eu também.
— Só não conta para o Suárez ou ele vai fazer questão de te infernizar até saber se ela veio com a camisa que ele autografou e deu para ela no nosso último amigo oculto.
O meia riu, observando enquanto o colega se afastava, procurando sua dupla de costume para realizar o aquecimento coletivo.
De repente, os alongamentos pareciam mais fáceis. Seu corpo parecia ter adquirido uma flexibilidade extra nas articulações. Os passes estavam mais precisos e leves, quase como se o peito e a lateral de seu pé estivessem almofadadas. Não ria porque estava completamente concentrado, mas sentia seu rosto sério sorrindo à sua própria forma para o mundo ao seu redor. Estava radiante e focado em sua missão de canalizar toda essa luz para o jogo. Ele brilharia e a faria torcer por cada lance dele como sempre fizera. Talvez as coisas pudessem mesmo voltar a ser como eram.
A partida se daria contra o Atlético de Madrid, pelo Campeonato Espanhol. Não era um jogo fácil, mas, por ser em casa, praticamente os forçava a buscar a pontuação da vitória. Além disso, eram esses pontos que permitiriam a abertura de uma margem mais confortável em relação ao atual vice, Real Madrid, que havia apenas empatado o seu jogo da rodada.
Mas, assim que o árbitro apitou o início da partida, parecia que tinha um pouco de em cada um deles. Estavam mais entrosados e articulados do que nunca e não demoraram a conseguir realizar o primeiro lance perigoso do jogo, com chances muito reais de gol. O escanteio, por sua vez, não tinha conquistado a mesma eficiência, encontrando a cabeça de um jogador do time rival.
No entanto, isso não os fez parar. Continuavam driblando, tocando, fazendo tabelinhas e finalizando. tinha até conseguido realizar uma caneta em um adversário, arrancando uma comemoração eufórica da torcida. Melhor do que isso, apenas o momento em que um chute bem colocado do meia conseguiu colocar a bola no fundo da rede sem chance alguma de o goleiro sequer tentar alcançá-la.
A vantagem do placar não significava muita coisa. Qualquer contra-ataque oportunista poderia destruir uma diferença tão pequena e assassinar a confiança que o time havia adquirido. Era por isso que sempre tinham sido treinados sob o método ofensivo de jogo, sem diminuir a intensidade ou a garra no jogo de forma alguma. Não se contentavam com pouco e, naquele dia em especial, estavam loucos para dar um verdadeiro show.
Não foram necessários nem dez minutos para que Messi decidisse marcar presença no jogo, fazendo o que bem entendia com a bola e encontrando espaços entre a defesa que pareceriam impossíveis para qualquer um que não ele.
Com toda essa animação e empenho, o Barcelona acabou vencendo o jogo por quatro a zero, sendo o último gol novamente de . sentiu os olhos escorrendo pelo feito nos últimos minutos do jogo.
— Caramba. Chorando por futebol - reclamou consigo mesma, enxugando as lágrimas do rosto. — Que patética.
— É a emoção, minha filha. Nada explica uma sensação única dessas - a senhora ao seu lado se intrometeu, oferecendo a sua opinião e um abraço inesperado. acabou sorrindo após o estranhamento e retribuindo o gesto.
Tinha muito mais em jogo ali do que apenas uma vitória a mais no campeonato, mas, assim como no jogo, ela tinha a impressão de que seu time estava ganhando.
Esperou que a torcida se acalmasse - após entoar toda a discografia de hinos e gritos - e começasse a sair aos poucos. Poucas coisas na vida de acompanhar futebol a incomodavam mais do que o aperto de tantas pessoas querendo passar pelos mesmos lugares ao mesmo tempo. Poderia ficar em seu assento por quanto tempo fosse desde que a multidão se esvaísse o suficiente para que ela conseguisse respirar ao deixar o estádio.
E foi exatamente o que ela fez. Em alguns minutos, encontrou o seu carro e se sentou no banco do motorista, puxando o celular e torcendo para que estivesse online mesmo sabendo que as chances eram ínfimas. Considerando o tempo desde o fim da partida, eles provavelmente teriam conversado com o técnico e o resto da equipe e estariam tomando banho naquele momento. Por sorte, ela estava se sentindo iluminadamente paciente naquele dia.
Conectou o celular ao carro, combinando a possibilidade de carregá-lo e de abrir o seu spotify, colocando a playlist de favoritas no aleatório, despreocupada quanto à música que realmente tocava.
Ainda havia algo como uma pequena lareira familiar em uma casa próxima à natureza, quase como o acalento de um chocolate quente ao fim de um dia cansado, em seu peito. Seu coração parecia mais aquecido toda vez que se lembrava da alegria de ao fazer seus gols e, depois, batia fora da frequência convencional, ansioso para que ele finalmente respondesse seu convite.
Estava tão absorta em seus próprios pensamentos e criações de hipóteses com pouco fundamento ou justificativa racional que acabou se assustando com a notificação. O susto logo foi substituído por um sorriso de orelha a orelha ao ler a resposta que tanto queria:
“Sim! Vamos àquele restaurante que você adora, que tal?”
E se já não era de sua vontade negar antes, só a imagem de sua massa fresca favorita já fazia com que ela não se preocupasse sequer em pensar duas vezes.
“Vamos. Nos encontramos lá.”
sentiu o desespero afogar seu corpo ao chegar ao restaurante e perceber que não havia ninguém esperando por ele. Era para ela ter chegado primeiro, considerando a demora na coletiva que teve de dar, mesmo que tivesse praticamente forçado-a a ser o mais rápida possível e quase atirado Lionel Messi para os leões famintos antes de dizer que não estava se sentindo muito bem e pedir licença ao responder a última pergunta realmente direcionada a ele.
— Mesa para quantos, senhor? - A atendente perguntou, com um sorriso simpático e o cardápio o qual ele já conhecia até mesmo de trás para frente em mãos.
— Para dois. Estou esperando alguém - disse e, no fundo, torceu para que a outra cadeira não ficasse dolorosamente vazia.
A mulher acenou com a cabeça, concordando enquanto o guiava até uma das mesas próximas ao jardim. agradeceu. simplesmente adorava se sentar ali, justificando a brisa gostosa que vinha da janela como motivo. De brinde, sempre havia um mini discurso sobre a importância de se preservar as plantas e as árvores e como o ambiente ficava instantânea e inegavelmente mais fresco e agradável perto delas.
Um garçom trouxe os pequenos pães de cortesia e o serviu com água enquanto esperava. O jogador não conseguia sequer pensar sobre a fome que estava sentindo, já se misturando a um embrulho no estômago tomado pelo nervosismo. Como era possível alguém se sentir tão vulnerável e exposto? Seria a cena mais vergonhosa do universo se ele precisasse esperar naquela mesa por horas até que um garçom, já cheio de dó, abordasse-o e perguntasse se ele não queria mesmo pedir, pois parecia que ninguém viria, assim como nos filmes.
Mas essa não era uma postura que representava . Ela jamais se vingaria ou faria uma coisa daquelas. E ele teve certeza disso ao ver o sorriso iluminado dela entrando no restaurante, ainda com a camisa do Barcelona e o nome “” nas costas junto ao número 14.
— Meu Deus, desculpa a demora - ela pediu, puxando a cadeira para se sentar. — Eu fiquei presa em um semáforo quebrado no caminho depois que decidi mudar a rota e te comprar um presentinho primeiro.
não precisava nem tirar a caixinha da sacola para saber exatamente o que era. Reconheceria aquele formato de longe tamanho seu vício.
— Mentira! - Ele ria enquanto puxava a caixa de bombons recheados de licor de cereja. Eram seus favoritos em todo o universo.
— Para alguém que anda sendo o homem da partida e fazendo tantos gols, imaginei que um pouco de açúcar fosse um prêmio mais do que merecido por todo o esforço e os bons resultados.
se levantou de uma vez e abraçou pelos ombros, de uma forma um tanto desajeitada considerando que um estava em pé e o outro sentado. Deu um beijo em sua bochecha e agradeceu uma dezena de vezes antes de reocupar sua cadeira.
— Você é simplesmente perfeita - ele disse, fazendo com que ela corasse levemente.
— Eu sei. Como sua mãe sempre fez questão de te lembrar: você é um cara de muita sorte por me ter ao seu lado.
— Ela nunca erra - comentou. — E sabe quem também nunca erra?
— Quem?
— Eu sabendo exatamente o que você vai pedir. O nhoque da casa, com o dobro de queijo.
— Mas errou. Dessa vez eu vou pedir o spaghetti com ragu ao molho pesto.
— Quem é você e o que você fez com a minha ?
A mulher riu alto, partindo um pedaço do pão e levando-o à boca. se aproveitou da metade restante.
— Eu não consigo pedir outra coisa. Além da comodidade de não precisar tomar decisões novas, eu simplesmente não consigo lidar com a ideia de vir até aqui e não comer esse nhoque perfeito.
O jogador ergueu a mão, esperando que o garçom responsável pela mesa deles os atendesse. Pediram os pratos e duas taças de vinho tinto que tivessem uma boa harmonização em relação à escolha dos molhos.
— Minha terapeuta está muito cansada de me ouvir falando de você.
— Espero que você só diga coisas boas - comentou. — Até porque eu não pensaria duas vezes antes de te matar se falasse mal de mim para a sua psicóloga.
Mas o papo logo mudou de rumo. contou animadamente sobre a nova campanha publicitária de uma coleção de roupas inclusiva, com tamanhos grandes de verdade sem perder nada do estilo e das tendências atuais da moda. Estava gritantemente feliz de ter uma marca local finalmente se importando em servir a todos os tipos de corpos e mais contente ainda de poder fazer parte de um projeto tão lindo, mesmo que da sua forma.
ouvia tudo com um sorriso bobo no rosto. Era impossível não se sentir abraçado pela motivação e pelo brilho nos olhos de alguém que falava com tanta propriedade e orgulho daquilo que fazia com tanto amor e competência. Era simplesmente lindo e puro.
— Eu estou falando loucamente sobre mim de novo - ela se deu uma bronca. — Fala de você, por favor. Como estão as coisas?
— Você poderia falar de si mesma para sempre e eu não me cansaria. Mas, ah, sei lá. Acho que eu estou jogando melhor, consegui consolidar um respeito no time, sabe? Inclusive, vão mudar o número da minha camisa.
— Não acredito! A minha camisa ainda é nova!
riu alto com a brincadeira.
— Vou trocar a 14 pela 7. Condiz mais com o time titular.
— Isso é incrível! Caramba, você realmente ganhou muito espaço. Parabéns, amor! Eu sempre soube que esse dia chegaria.
teve que fingir que não estava prestes a entrar em combustão e sair voando pelos ares como um rojão de Ano Novo. Precisava ter o mínimo de compostura para evitar a possibilidade de sair surtando como um adolescente em crise.
— Mas eu preciso de uma camisa nova - ela completou, enquanto levava a bebida à boca.
— Ah, você vai ter. Com um autógrafo e uma dedicatória ainda.
— Já quero me exibir no estádio.
E voltaram a almoçar calmamente, jogando conversa fora e rindo das próprias lembranças nostálgicas.
— Eu preciso confessar uma coisa - admitiu e fez gelar. Se ele dissesse que havia ficado com outra pessoa, ela provavelmente não suportaria, mesmo sem saber se deveria culpá-lo exatamente por isso.
— O que houve? - Sua voz tremia, em pânico. Não sabia se estava pronta para o que viria a seguir.
O rapaz pegou o próprio celular, levando alguns longos e angustiantes segundos até achar o que parecia estar procurando com tanto afinco.
— Giam mandou essa foto sua dormindo com o Lorenzo - disse e virou a tela para que ela visse.
Estava encolhida no sofá, com o braço por cima do pequeno cachorro, que também dormia pacificamente.
— Eu vou matar esse desgraçado - ela murmurou.
— Ah, para! Está super fofa!
— Não. Giampaolo com certeza é um homem morto. Acho melhor você se despedir dele assim que possível.
— Eu fiquei um pouco mais tranquilo quando descobri que ele estava passando um tempo contigo. Pelo menos, assim sabia que você não estava sozinha e tinha alguém preparado para te escutar.
— E para me expor por fotos não autorizadas também, aparentemente.
— Quem? O Giam? Não, não. Eu estava falando do Lorenzo mesmo. O Giam é ridículo.
E eles riram como não faziam há dias. Daquele jeito que faz até o estômago doer, como se pudessem gargalhar até afastar qualquer resquício de dúvida e receio. E comprovou, mais uma vez, o que já sabia: sempre seria ela.
And if I have to, I'll wait forever
(E se for preciso, eu esperarei para sempre)
Say the word and I'll change my plans
(Diga a palavra e eu mudarei meus planos)
Yeah, you know that we fit together
(Sim, você sabe que nós dois nos encaixamos)
I know your heart like the back of my hand
(Eu conheço seu coração como a palma da minha mão)
Pouco mais de uma semana havia se passado desde o almoço juntos e os dois não tinham deixado de se falar por um dia sequer nesse intervalo. estava se permitindo quebrar sua própria regra de utilizar chamadas em vídeo apenas para falar com a sua família no Brasil. muitas vezes aproveitava para falar com ela em seu tempo de descanso após os treinos. Fora a ausência física, tudo tinha basicamente voltado ao normal.
“Eu juro que ainda não entendi o porquê daquele cartão”
A mulher ainda não havia desistido de reclamar da punição que julgava completamente injusta. literalmente tinha recebido um cartão amarelo por estar no meio de uma briga, sendo que era visível sua participação apenas na tentativa de apartá-la, tentando separar os jogadores que não estavam dispostos a se entender após um lance um pouco mais agressivo. A situação só piorava quando esse era o terceiro amarelo, o que o deixava de fora do próximo jogo.
“Ninguém entendeu, mas sei lá. Acontece.”
também estava chateado, era claro; mas sabia bem o suficiente que não adiantava ficar sofrendo ou questionando uma decisão que não seria revertida.
“Depois ainda querem reclamar quando a gente xinga árbitro.”
O jogador riu e começou a digitar uma mensagem em resposta, sendo interrompido pela ligação de áudio.
— Eu já estava te respondendo - ele disse.
— Eu sei. Mas dá para você vir aqui fora? Eu preciso de uma mãozinha.
Ele não pensou duas vezes, correndo até a porta e destrancando-a no que deveria ser algum tipo de tempo recorde até para o Guiness.
Quase sentiu o mundo parar por completo ao vê-la ali, com as malas na mão e a carinha que eles mesmos tinham apelidado de “cara do gatinho do Shrek”.
— O motorista me ajudou a colocar esses trambolhos para fora, mas eu não tenho condição de entrar com todas ao mesmo tempo.
Com o peito tão estufado de alegria e - finalmente - paz, sentiu até a própria postura melhorando instintivamente. Com a porta trancada ressignificada, ele torceu para que aquela tranca fosse o suficiente para que, de alguma forma, ela nunca mais precisasse ir embora.
II
Mesmo com todas as namoradas, esposas e filhas, aquela festa ainda contava com testosterona demais no ar. Tinham ali praticamente todo o time do Bayern de Munique, alguns antigos amigos do Barcelona e da Inter de Milão e um ou outro simpatizante do atual rival Borussia Dortmund. provavelmente faria alguma piadinha por serem homens demais assim que chegasse.
não podia estar mais ansioso para vê-la. Havia recebido todos os cumprimentos pelo aniversário com um sorriso simpático, mas não a mais intensa das atenções. Sua cabeça estava presa ao relógio na parede, aguardando com palpitações pela hora que ela finalmente chegaria após um mês e meio trabalhando em uma nova campanha em Berlim. Se sempre concordaria com o clichê “o meu maior presente é você”, naquele momento não havia uma realidade mais verdadeira.
— Deixa eu te explicar uma coisa. - Giampaolo o puxou para um canto. — Se você infartar antes de ela chegar, todo o nosso surto e a correria da semana vão por água abaixo, você sabe, não é? Então tenta voltar seus batimentos cardíacos para um limite de cem por minuto porque até eu estou ficando nervoso por sua culpa.
— E se tudo der errado?
— Não vai e você sabe por quê?
— Se você disser que é por sua causa…
— Obviamente. Nada vai dar errado, afinal, eu encomendei o seu bolo de uma forma lindamente precisa e dei um jeito de recuperar aquele nosso segredinho.
— Tem razão - concordou. — Calma. O que tem o meu bolo?
O amigo gelou no próprio lugar, percebendo o deslize que acabara de cometer.
— Nada! Seu bolo vai ser delicioso. A vai buscá-lo no caminho.
— Puta merda, eu vou morrer asfixiada com tanta testosterona - um grito à porta chamou atenção deles. meneou a cabeça rindo. Tão previsível.
estava linda, em um vestido florido longo e totalmente solto em seu corpo. Carregava uma caixa grande que Giam fez questão de levar para a cozinha rapidamente a fim de retirar o bolo e levá-lo à mesa. a abraçou com força, girando-a no ar.
— Eu vou vomitar em você. Ainda estou enjoada do voo, pelo amor de Deus - ela reclamou e ele obedeceu.
— Eu estava morrendo de saudades de você.
— Eu também, meu anjo. - o beijou carinhosamente. — E feliz aniversário pessoalmente agora.
— Vamos cantar parabéns - Giam anunciou, trazendo o bolo branco de dois andares, decorado apenas com o brasão do time atual - recebendo vaias brincalhonas dos amigos de outras equipes.
— Mas antes, eu queria pedir a atenção de vocês para falar umas coisinhas - pediu e sentiu o nervosismo percorrer cada mísero poro do seu corpo. Talvez desse para captar a ansiedade vazando por algum folículo em uma microscopia eletrônica, fosse lá o que isso significava. As lembranças do Ensino Médio eram cada vez mais distantes e ele, honestamente, não se importava nem um pouco com o esquecimento completo da maioria delas.
— Discurso, discurso - vibrou Giampaolo.
— Eu posso fazer o discurso se você parar de causar - o repreendeu, recebendo exclamações de alguns convidados. — Bom, eu sou muito grato pela presença de todos vocês aqui hoje. Sou uma pessoa muito feliz e agradecida por ter conhecido cada um e pela diferença que cada um fez em minha vida e história. Vocês são todos muito especiais e eu não poderia jamais expressar toda a minha gratidão em palavras rápidas aqui na frente.
“Mas mesmo que eu adore todos vocês enormemente, tem uma pessoa aqui que sempre vai deter absolutamente todo o meu amor. Ela é minha melhor amiga, minha confidente, minha companheira, minha amante, a pessoa a quem eu dedico cada um dos meus gols e também aquela que me dá broncas sempre que eu preciso. Acho que não é segredo para ninguém aqui que nós passamos por momentos bem difíceis, mas nosso amor e nossa compreensão mútua venceram as barreiras de nossos erros para que pudéssemos ter uma chance. E eu jamais seria feliz sem a nossa chance.”
tinha a bochecha presa entre os dentes, em uma careta de quem claramente estava tentando segurar o choro com aquela homenagem.
— Não se passou um dia desde que nos conhecemos no qual eu não tenha pensado em você. Eu sempre fui completamente seu e eu sei que já pedi isso antes, mas eu realmente espero que dessa vez nada nos atrapalhe. , você aceita se casar comigo e oficializar a dura realidade de que será obrigada a me aguentar para o resto de sua vida?
estava ajoelhado à sua frente, segurando a aliança que seu anelar já conhecia tão bem. engasgou de uma forma pouca discreta, respirando fundo enquanto enxugava as lágrimas teimosas.
— É claro que eu aceito.
Os dois se beijaram enquanto todos os amigos aplaudiam, gritavam e Giam estourava um canhão de confetes dourados sobre o casal, quase matando ambos de susto.
— Agora sim. Parabéns para você!
Todos entoaram a música tradicional de congratulações, enquanto era só sorrisos largos para a mulher de sua vida. Ela, por sua vez, continuava inspirando e expirando ritmadamente, tentando acalmar o próprio coração.
partiu o primeiro pedaço do bolo, fechando os olhos para realizar seu único desejo: que as coisas continuassem perfeitas exatamente daquele jeitinho.
Puxou a primeira fatia, colocando-a em um dos pratinhos de louça também branca. Franziu o cenho, estranhando o que via.
— Massa cor de rosa? Será que confundiram o bolo? - Ele virou o doce para os lados, tentando entender o que poderia ter acontecido. A decoração claramente gritava que aquele era o seu bolo, mas o interior não estava nada condizente. — Parecem aqueles bolos de chá de revelação, sabe?
segurou a risada, concordando. Giampaolo já estava com a câmera apontada para os dois.
— É sério! Não parece?
— No fim das contas, você não é o único que decidiu usar o dia de hoje para fazer surpresas. Parabéns, papai!
Ele ficou estático. Olhou da noiva para o bolo e do doce novamente para ela.
— Você…?
— Sim - ela disse sorrindo.
— E é uma menina?
— Sim!
— Puta merda, eu vou ser pai - ele falou entre risos desacreditados, deixando o bolo na mesa para tomar novamente nos braços. — Eu não acredito que você escondeu isso de mim por todo esse tempo.
— Eu só descobri em Berlim - ela admitiu. — Como eu estava lá, foi mais fácil. Era só sempre manter a câmera só no meu rosto. E esse vestido hippie? Foi totalmente para disfarçar o começo da pancinha.
riu, abaixando-se para acariciar a barriga dela.
— E eu que pensei que não fosse conseguir ser mais feliz nesse dia. A gente já te ama tanto, pequena.
— Vamos ser uma família bem bonitinha - admitiu, dando de ombros, enquanto levava os dedos aos cabelos do noivo.
— Seremos a família mais linda de todas - Giam interveio, fazendo com que o casal revirasse os olhos.
Mais uma vez, tudo tinha mudado; mas, dessa vez, para a melhor hipótese de todas. E, por mais que o futuro pudesse, com frequência, ser assustador, eles sabiam que estavam prontos para enfrentar qualquer coisa. Juntos.
não podia estar mais ansioso para vê-la. Havia recebido todos os cumprimentos pelo aniversário com um sorriso simpático, mas não a mais intensa das atenções. Sua cabeça estava presa ao relógio na parede, aguardando com palpitações pela hora que ela finalmente chegaria após um mês e meio trabalhando em uma nova campanha em Berlim. Se sempre concordaria com o clichê “o meu maior presente é você”, naquele momento não havia uma realidade mais verdadeira.
— Deixa eu te explicar uma coisa. - Giampaolo o puxou para um canto. — Se você infartar antes de ela chegar, todo o nosso surto e a correria da semana vão por água abaixo, você sabe, não é? Então tenta voltar seus batimentos cardíacos para um limite de cem por minuto porque até eu estou ficando nervoso por sua culpa.
— E se tudo der errado?
— Não vai e você sabe por quê?
— Se você disser que é por sua causa…
— Obviamente. Nada vai dar errado, afinal, eu encomendei o seu bolo de uma forma lindamente precisa e dei um jeito de recuperar aquele nosso segredinho.
— Tem razão - concordou. — Calma. O que tem o meu bolo?
O amigo gelou no próprio lugar, percebendo o deslize que acabara de cometer.
— Nada! Seu bolo vai ser delicioso. A vai buscá-lo no caminho.
— Puta merda, eu vou morrer asfixiada com tanta testosterona - um grito à porta chamou atenção deles. meneou a cabeça rindo. Tão previsível.
estava linda, em um vestido florido longo e totalmente solto em seu corpo. Carregava uma caixa grande que Giam fez questão de levar para a cozinha rapidamente a fim de retirar o bolo e levá-lo à mesa. a abraçou com força, girando-a no ar.
— Eu vou vomitar em você. Ainda estou enjoada do voo, pelo amor de Deus - ela reclamou e ele obedeceu.
— Eu estava morrendo de saudades de você.
— Eu também, meu anjo. - o beijou carinhosamente. — E feliz aniversário pessoalmente agora.
— Vamos cantar parabéns - Giam anunciou, trazendo o bolo branco de dois andares, decorado apenas com o brasão do time atual - recebendo vaias brincalhonas dos amigos de outras equipes.
— Mas antes, eu queria pedir a atenção de vocês para falar umas coisinhas - pediu e sentiu o nervosismo percorrer cada mísero poro do seu corpo. Talvez desse para captar a ansiedade vazando por algum folículo em uma microscopia eletrônica, fosse lá o que isso significava. As lembranças do Ensino Médio eram cada vez mais distantes e ele, honestamente, não se importava nem um pouco com o esquecimento completo da maioria delas.
— Discurso, discurso - vibrou Giampaolo.
— Eu posso fazer o discurso se você parar de causar - o repreendeu, recebendo exclamações de alguns convidados. — Bom, eu sou muito grato pela presença de todos vocês aqui hoje. Sou uma pessoa muito feliz e agradecida por ter conhecido cada um e pela diferença que cada um fez em minha vida e história. Vocês são todos muito especiais e eu não poderia jamais expressar toda a minha gratidão em palavras rápidas aqui na frente.
“Mas mesmo que eu adore todos vocês enormemente, tem uma pessoa aqui que sempre vai deter absolutamente todo o meu amor. Ela é minha melhor amiga, minha confidente, minha companheira, minha amante, a pessoa a quem eu dedico cada um dos meus gols e também aquela que me dá broncas sempre que eu preciso. Acho que não é segredo para ninguém aqui que nós passamos por momentos bem difíceis, mas nosso amor e nossa compreensão mútua venceram as barreiras de nossos erros para que pudéssemos ter uma chance. E eu jamais seria feliz sem a nossa chance.”
tinha a bochecha presa entre os dentes, em uma careta de quem claramente estava tentando segurar o choro com aquela homenagem.
— Não se passou um dia desde que nos conhecemos no qual eu não tenha pensado em você. Eu sempre fui completamente seu e eu sei que já pedi isso antes, mas eu realmente espero que dessa vez nada nos atrapalhe. , você aceita se casar comigo e oficializar a dura realidade de que será obrigada a me aguentar para o resto de sua vida?
estava ajoelhado à sua frente, segurando a aliança que seu anelar já conhecia tão bem. engasgou de uma forma pouca discreta, respirando fundo enquanto enxugava as lágrimas teimosas.
— É claro que eu aceito.
Os dois se beijaram enquanto todos os amigos aplaudiam, gritavam e Giam estourava um canhão de confetes dourados sobre o casal, quase matando ambos de susto.
— Agora sim. Parabéns para você!
Todos entoaram a música tradicional de congratulações, enquanto era só sorrisos largos para a mulher de sua vida. Ela, por sua vez, continuava inspirando e expirando ritmadamente, tentando acalmar o próprio coração.
partiu o primeiro pedaço do bolo, fechando os olhos para realizar seu único desejo: que as coisas continuassem perfeitas exatamente daquele jeitinho.
Puxou a primeira fatia, colocando-a em um dos pratinhos de louça também branca. Franziu o cenho, estranhando o que via.
— Massa cor de rosa? Será que confundiram o bolo? - Ele virou o doce para os lados, tentando entender o que poderia ter acontecido. A decoração claramente gritava que aquele era o seu bolo, mas o interior não estava nada condizente. — Parecem aqueles bolos de chá de revelação, sabe?
segurou a risada, concordando. Giampaolo já estava com a câmera apontada para os dois.
— É sério! Não parece?
— No fim das contas, você não é o único que decidiu usar o dia de hoje para fazer surpresas. Parabéns, papai!
Ele ficou estático. Olhou da noiva para o bolo e do doce novamente para ela.
— Você…?
— Sim - ela disse sorrindo.
— E é uma menina?
— Sim!
— Puta merda, eu vou ser pai - ele falou entre risos desacreditados, deixando o bolo na mesa para tomar novamente nos braços. — Eu não acredito que você escondeu isso de mim por todo esse tempo.
— Eu só descobri em Berlim - ela admitiu. — Como eu estava lá, foi mais fácil. Era só sempre manter a câmera só no meu rosto. E esse vestido hippie? Foi totalmente para disfarçar o começo da pancinha.
riu, abaixando-se para acariciar a barriga dela.
— E eu que pensei que não fosse conseguir ser mais feliz nesse dia. A gente já te ama tanto, pequena.
— Vamos ser uma família bem bonitinha - admitiu, dando de ombros, enquanto levava os dedos aos cabelos do noivo.
— Seremos a família mais linda de todas - Giam interveio, fazendo com que o casal revirasse os olhos.
Mais uma vez, tudo tinha mudado; mas, dessa vez, para a melhor hipótese de todas. E, por mais que o futuro pudesse, com frequência, ser assustador, eles sabiam que estavam prontos para enfrentar qualquer coisa. Juntos.
FIM
Nota da autora: Continuação que eu estava devendo há uns dez séculos, mas quem é vivo sempre aparece, né?
Enfim, espero que vocês tenham gostado desse encerramento para o nosso casal <3
Para mais informações sobre minhas histórias e atualizações, entrem no grupo
Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
02. Blow Me (One Last Kiss)
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03. I Did Something Bad
03. Take A Chance On Me
03. Without You
04. Someone New
04. Warning
05. You In Me
06. Consequences
06. If I Could Fly
06. Love Maze
07. If Walls Could Talk
08. No Goodbyes
10. Is it Me
10. Simple Song
10. Trust
11. Robot
11. Nós
11. Under Pressure
12. Be Alright
12. Wild Hearts Can't Be Broken
13. Kiss The Girl
13. Part of Me
13. See Me Now
15. Overboard
A Million Dreams
Daydream
Fly With Me
MV: Miracle
Not Over
Señorita
Wallflower
Enfim, espero que vocês tenham gostado desse encerramento para o nosso casal <3
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Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
02. Blow Me (One Last Kiss)
02. Stitches
03. I Did Something Bad
03. Take A Chance On Me
03. Without You
04. Someone New
04. Warning
05. You In Me
06. Consequences
06. If I Could Fly
06. Love Maze
07. If Walls Could Talk
08. No Goodbyes
10. Is it Me
10. Simple Song
10. Trust
11. Robot
11. Nós
11. Under Pressure
12. Be Alright
12. Wild Hearts Can't Be Broken
13. Kiss The Girl
13. Part of Me
13. See Me Now
15. Overboard
A Million Dreams
Daydream
Fly With Me
MV: Miracle
Not Over
Señorita
Wallflower