Suado e nervoso, acordei de um pesadelo. Era, sei lá, o quarto só naquela semana. Em todos, direta ou indiretamente, estava ligada aos acontecimentos do meu subconsciente. No primeiro, dormíamos abraçados. Ao abrir os olhos durante a madrugada, eu decidia virar para olhá-la dormir e fazer cafuné até que eu pegasse no sono, entretanto, ela estava acordada, com os olhos arregalados, sorrindo e sangue escorria da sua boca, sujando nossas roupas de cama extremamente brancas.
No segundo, ela me amarrava e me prendia em uma gaiola na sala de estar de sua casa. Chamava amigos para uma festa e todos me observavam como um animal exótico em exposição no zoológico. Já no terceiro, era totalmente ao contrário: eu a deixava amarrada à minha cama durante vários dias.
Porém o último não era exatamente um pesadelo e, sim, uma reprodução da realidade. Era a ligação de terminando comigo.
Lembro-me claramente, como se estivesse acontecendo neste exato instante, quando o celular tocou sobre a minha cama no quarto de hotel e, ao ver seu nome grande e iluminado na tela do aparelho, corri para atendê-la. Já estava atrasado para a passagem de som, mas o que eram alguns minutos em vista do longo ano que teria de passar longe dela?
― Oi, amor. ― não contive o sorriso que se estampou em meu rosto assim que pronunciei as palavras.
― Oi. Você está muito ocupado?
― Pra você, jamais. ― suspirou. ― Tá tudo bem?
― son, eu acho que deveríamos terminar.
― Quê? ― quase berrei.
― Não tem como isso continuar dando certo.
― Por quê? ― suspirou outra vez.
― , quanto tempo você vai ficar longe?
― Um pouco mais de um ano.
― Você acha que isso tem alguma chance de dar certo? Olhe pra nós. Somos completamente diferentes. Eu tenho um emprego que me consome boa parte dos meus dias de segunda a sábado. Você é um cara famoso, cheio de fãs, pra conseguir encontrar com você preciso me encaixar na sua agenda…
― Você não pode tá falando sério. ― rebati incrédulo.
― Eu falo super sério. , eu gosto muito de você, mas não sei se isso é suficiente para nos manter durante todo esse tempo.
― … ― não consegui formular nenhum argumento para respondê-la.
― Você tem o tipo de vida que qualquer cara desejaria. Tem grana, viaja o mundo inteiro, conhece um monte de outras garotas o tempo todo. Aproveite isso.
― Mas eu não quero conhecer outras garotas.
― Ainda assim, não acho que devemos levar isso adiante. Pelo nosso próprio bem.
― Eu… ― passei a mão pelo rosto. ― Eu preciso desligar. Estou atrasado.
― Tudo bem. Um bom show. ― desliguei sem me despedir, jogando o celular sobre o colchão.
Repassando o diálogo na minha cabeça, não consegui, em nenhum momento, identificar hesitação, muito menos tristeza em sua voz, como se já tivesse ensaiado todo aquele discurso diversas vezes. Há quanto tempo ela devia estar calculando como falar aquilo para mim?
Como resposta, a imagem que vinha à minha mente era de seu olhar triste e sua mão acenando para mim na porta de sua casa. Talvez, naquele instante, já soubesse que aquele era um “adeus” e não um “até logo”.
Desistindo de vez de dormir, levantei da cama e bolei um baseado assim que encontrei o estojo onde costumava guardar minha erva. Dando as primeiras tragadas, peguei o violão e dedilhei uma melodia que parecia tocar no fundo da minha mente. Eram apenas alguns acordes que não conseguia parar de repetir.
Anotando-os em uma partitura, larguei o violão e apaguei o baseado. Com o celular em mãos, comecei a ver fotos antigas de que seguiam guardadas em minha galeria. Já havia se passado quase um ano que havíamos terminado, quem sabe fosse hora de seguir em frente. Todavia, eram tantas memórias que me invadiam a cada foto que eu mal podia acreditar que nós já não existíamos mais.
Haviam fotos de todos os tipos. Nós dois em sua casa, na minha, cozinhando, escovando os dentes, deitados, fazendo piquenique no parque, dormindo. Havia até um nude antigo que me mandara quando estávamos começando a namorar. Vivemos tão intensamente cada segundo que sentia que havíamos compartilhado toda uma vida juntos.
Mas, agora, éramos apenas isso: lembranças de algo muito parecido com um sonho.

Os dias pareciam se arrastar. Os ponteiros do relógio pareciam parados e, até mesmo, rodar em sentido anti-horário. Viver os dias longe de , sem saber como ela estava, o que estava fazendo, se realmente não sentia falta alguma de nós era uma das tarefas mais difíceis da minha vida. Todos os dias precisava lutar contra a vontade de lhe mandar mensagem, dizendo que a queria de volta, que faria tudo para vê-la outra vez.
Contudo, por pior que minha vida pessoal estivesse, ainda haviam shows que precisavam ser feitos, fãs que precisavam ser encontrados, entrevistas a serem dadas, um álbum a ser produzido e apenas um para fazer tudo isso.
Com nenhum motivo plausível que explicasse, sempre me que lembrava de , lembrava da música cuja partitura escrevi naquela noite de insônia. O som do dedilhado ficava tocando ao fundo de um slide show brega com os nossos melhores momentos do nosso relacionamento na minha mente. Não tinha conseguido escrever absolutamente nada, nem uma mísera palavra. Tudo que eu sabia era que queria escrever sobre e o vazio que deixou em minha vida.
Em um final de tarde pré-show, meu celular tocou com o nome de Gina na tela. Franzi as sobrancelhas e atendi.
― Gina?
― Oi, , tudo bem? Eu sei que daqui a pouco você tem show e deve estar uma correria pra você, mas juro que é uma emergência.
― Aconteceu alguma coisa? ― comecei a me preocupar, uma vez que poderia ser algo relacionado à .
― Eu sei que ela vai me odiar por fazer isso, mas sente muito a sua falta. Eu não sei o que aconteceu pra vocês terminarem…
― Ela terminou comigo. ― interrompi-a.
― Ah… ― respondeu baixinho.
― Achei que ela tinha te contado.
― Não. Ela só me disse que talvez não fosse pra ser. ― ficou alguns segundos em silêncio. ― não me fala nada, mas é visível que ela não tá bem. Sei que você não pode voltar pra vê-la, mas se puder pelo menos manter contato, acho que já é algo. ― dei um meio sorriso.
― Obrigado, Gina.
― Vocês eram minha meta de relacionamento, não posso deixar esse amor morrer assim. ― deu uma risadinha nervosa. ― É isso. Bom show.
― Obrigado de novo. ― desligou.
Naquele dia, pós-show, quase como em uma epifania, as frases começaram a vir prontas em minha cabeça. Escrevendo-as uma a uma, procurei por alguém da equipe que pudesse conhecer alguém a fim de alugar um estúdio de última hora, pois precisava gravá-la o mais rápido possível. Ao conseguir, não preguei o olho à noite toda de ansiedade.
Na manhã seguinte, ao pegar as chaves do estúdio, passei as duas horas seguintes trabalhando em uma demo daquela música. Enquanto não a finalizei, não comi, não fui ao banheiro, não atendi ligações, muito menos respondi mensagens. Aquele talvez fosse meu bilhete de volta para a vida de e eu não desperdiçaria por nada.
Ao finalizar, sem esperar mais um segundo sequer, enviei o arquivo da música para com a mensagem.

“Sei que talvez eu seja a última pessoa do mundo com quem você quer falar, mas eu fiz essa pra você”

Visualizando a mensagem pouco mais de dois minutos depois de eu ter enviado, não respondeu nada.
Pensei que ela poderia estar ouvindo a música ou refletindo sobre o que responder, no entanto, as horas se passaram e nada, o que não me fez desistir de obter uma reposta de sua parte.
Duas semanas depois, achei que talvez fosse demais para ela digerir em tão pouco tempo.
Um mês depois, tive certeza de que o retorno não viria.
É, provavelmente, fosse definitivo mesmo...

Nota da autora: JURO QUE A PRÓXIMA É A ÚLTMA!!!!!





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