Finalizada

Capítulo Único

bateu a porta do carro, acionou a tranca eletrônica, e atravessou a rua, equilibrando a bolsa em um dos ombros, enquanto carregava uma sacola de papel em cada uma das mãos. Tocou a campainha, rezando para que alguém aparecesse logo, e se surpreendeu quando a própria avó paterna abriu a porta.
Vovó! Onde estão as meninas? A senhora não deveria estar andando sozinha pela casa!” Ponderou, mas a velha senhora revirou os olhos. Por mais que já tivesse passado dos oitenta anos, sentia-se bastante bem e achava os cuidados de seus parentes excessivos.
“Estão ocupadas e eu posso muito bem abrir uma porta, ora!” Retrucou, dando um beijo no rosto da neta, que devolveu o carinho. “Coloque estas sacolas aqui. Parecem pesadas e com isso eu não me atrevo a ajudar.” Disse, entrando na sala de jantar e indicando a mesa de oito lugares.
“Vamos ficar aqui mesmo?” questionou, quando viu a avó sentar-se à mesa, pois sabia que o lugar favorito dela era a sala de estar, com poltronas bem mais confortáveis que as cadeiras de espaldar alto, inteiramente moldadas em madeira.
“Quando sua mãe me disse que você vinha, pra me pedir ajuda com algumas coisas do casamento, eu logo pedi às meninas que fizessem aquele bolo de chocolate, os croissants e o suco de blueberry que você ama. Hannah vai trazer, já, já.” Explicou.
“Ah, claro! Obrigada, vozinha.” Tentou retribuir todo aquele carinho com um sorriso, sem muito sucesso, enquanto praticamente jogava o próprio corpo na cadeira em frente à ocupada pela Sra. .
“Aconteceu alguma coisa, ? Eu estava esperando que você chegasse aqui nada menos do que eufórica, e você parece tão... desanimada.” Observou, receosa, e ficou ainda mais quando teve que aguardar alguns segundos por uma resposta.
“Eu não sei se é todo o nervosismo com as mudanças, se é por causa de todas as coisas que eu to tendo que providenciar pra casa nova e pra festa, mas eu... Ai, vovó, eu já não sei mais se eu to fazendo a coisa certa!” Confessou. “Como você soube, ? Como teve certeza de que o era o cara com quem deveria se casar?” Perguntou.
“Foi muito fácil, meu amor.” Respondeu, sonhadora. “Ele brilhava como uma estrela, aos meus olhos. E me fazia sentir ofuscando todas as garotas ao meu redor também.”

♪ I met Bobby on the boardwalk, summer of '45
Picks me up, play one night at the window
He was 17 and crazy, running wild, wild
Can't remember what song it was playing
When we walked in
The night we snook into a yacht club party
Pretending to be a duchess and a prince

I said oh my, what a marvellous tune
It was the best night, never would forget how we moved
The whole place was dressed to the nines
And we were dancing dancing
Like we're made of starlight
Like we're made of starlight ♫


Eu estava andando, distraída, pela rua, com as sacolas de mercado, cheias de mantimentos que minha mãe havia pedido que eu comprasse, naquela manhã. Estava quente, o peso em minhas mãos era considerável, e eu maldizia minha sorte. Normalmente, era meu irmão, Christopher, quem fazia as compras, e ele nem precisava carregá-las, como eu fazia, por três quarteirões inteiros, pois tinha permissão para dirigir o carro de nosso pai. Naquele dia, no entanto, ele tinha ido para a praia com alguns amigos. Alguém precisava aproveitar as férias, afinal.
Eu estava com tanta pressa para colocar tudo aquilo sobre a mesa da cozinha, deixando que Mary Helen, a mais nova dos , ajudasse minha mãe a preparar o almoço, que virei a esquina sem qualquer cuidado e esbarrei no rapaz que vinha na direção oposta. Alguns itens caíram das sacolas e eu xinguei mentalmente, sem ousar pronunciar as palavras cujo uso meus pais proibiram quando éramos crianças e nunca liberaram, mesmo agora que Chris, eu e Mary tínhamos dezoito, dezesseis e treze anos, respectivamente.
“Deixe-me ajudá-la, senhorita.” O garoto se ofereceu, educado, ignorando que a culpa fora toda minha. “Está indo para perto?”
“Não se preocupe. Moro aqui mesmo, nesta rua.” Respondi.
Apesar de termos nos encontrado quando ele andava na direção contrária, Robert , que logo se apresentou e pediu que eu o chamasse de Bobby, ignorou meus protestos e tomou todas as bolsas das minhas mãos, levando-me até o portão de casa. Foi tudo muito rápido, mas tempo suficiente para que eu reparasse que ele era lindo, com olhos brilhantes e um sorriso genuíno, espontâneo, que não era comum nas pessoas que eu conhecia.
Na noite seguinte, eu escutei um barulho estranho, que percebi, em alguns segundos, ser resultado de pedrinhas que batiam na minha janela. Era Bobby, me chamando, sem saber o que meus pais achariam de um estranho batendo à porta.
“Você é maluco?” Indaguei, logo que cheguei à calçada. Dissera aos meus pais que ia à casa de Lauren, minha vizinha e amiga, desde a época em que ambas apenas engatinhávamos. “Podia ser a janela dos meus pais!”
“Sua janela tem uma cortina cor de rosa. Havia uma boa chance de acerto.” Ele deu de ombros e eu ri. O quarto de Mary Helen também tinha cortinas cor de rosa, mas ficava nos fundos da casa. Ele tinha dado sorte!
Andamos até a esquina, conversando, e eu soube que ele era um ano mais velho que eu, morava na rua do mercado, trabalhava na sapataria da família durante as férias e gostava de blues. Ele falava bem mais do que eu, mas também perguntou de mim, que falei de meus irmãos, de minha melhor amiga e de meu amor pelos escritores franceses.
Bobby voltou na noite seguinte e apareceu na outra também, e, antes que meus pais desconfiassem, eu mesma lhes contei que tinha um novo amigo. É claro que eles não entenderam a princípio, visto que meninas e meninos nunca eram somente amigos, naquela época. Então, antes mesmo de mim, eles souberam que era o começo de um namoro, e quiseram conhecer Bobby, o que me deixou sem jeito, mas era o único modo de não proibirem nossos encontros, e eu sabia disso.
Muitas semanas se passaram até que ele pegasse em minha mão e mais algumas até que, animado por ter ganho um gramofone de um tio, me pegou no colo, tirando meus pés do chão, literalmente, como já havia feito metaforicamente tantas vezes. Meses se passaram até que, percebendo que a rua estava deserta, ele me roubasse um beijo nos lábios. Aconteceu exatamente na semana em que a guerra terminou, com a vitória dos aliados, e nós não havíamos sido convidados para nenhuma comemoração, mas isso jamais impediria Bobby!
Lauren, que era filha de militar e fora convidada para várias festividades, me emprestou um dos vestidos que sua mãe mandou fazer e que ela não repetiria no baile do iate clube. Foi ela também quem trançou meus cabelos e me ajudou com a maquiagem, que deve ter me deixado realmente linda, a julgar pela expressão de Bobby, que ficou sem palavras ao me ver, algo bem incomum para meu namorado!
Bobby me buscou, usando o automóvel dos pais, e tentou me acalmar, durante todo o percurso até o clube. Eu estava tensa como nunca, afinal iríamos entrar escondidos no lugar e eu não era do tipo que fazia coisas proibidas. Relaxei apenas quando pisamos no salão, iluminado por grandes lustres de cristal e já cheio de convidados, em seus trajes impecáveis. Os dedos de Bobby estavam entrelaçados aos meus e seu sorriso era encorajador.
“Baby, finja que somos um príncipe e uma duquesa. Erga a cabeça e pise com delicadeza, como se flutuasse.” Falou, e eu entrei na fantasia.
“Minha nossa! Que melodia maravilhosa!” Comentei, encantada.
Não sei que música estava tocando, mas estou certa de que era uma angelical melodia, que nos atraiu diretamente para a pista de dança. Meu Bobby, sempre tão inquieto, com seus gestos e fala rápidos, que faziam parecer que ele tinha medo de não ter tempo para fazer tudo o que desejava, naquele momento se movia entre os outros pares lentamente, comigo em seus braços. Era como se o relógio sequer estivesse trabalhando e pudéssemos passar tanto tempo quanto quiséssemos, apenas bailando e bailando.
Naquele momento, senti como se contivéssemos o brilho das estrelas, ofuscando tudo a nossa volta. Naquele momento, cintilávamos tanto que eu não conseguia ver mais ninguém. Era como se o mundo fosse só nosso, como se nós dois bastássemos.
O verão de 1945 foi especial, porque tornou a minha vida extraordinária. Porque muitos outros verões chegaram e se foram, e eu jamais me separei de Bobby ou deixei de me sentir como se carregássemos juntos a energia das estrelas.


♪ He still look at you worrying so much
About things you can't change
You'll spend your whole life singing the blues
If you keep thinking away
He was trying to skip rocks on the ocean saying to me
Don't you see the starlight, starlight?
Don't you dream impossible things?

Like oh my, what a marvellous tune
It was the best night, never would forget how we moved
The whole place was dressed to the nines
And we were dancing, dancing
Like we're made of starlight, starlight
Like we're made of starlight, starlight ♫


“Eu também sinto como se não existisse mais ninguém no mundo, quanto to com o , vovó. Ele cuida de mim, se preocupa... Ele me faz sentir a mais linda, a mais inteligente, a mais interessante de todas as mulheres! Ele me faz rir, como nenhuma outra pessoa, e eu me derreto toda nos braços dele!”
“Mas...” Perspicaz, a avó franziu a testa, esperando pelas razões para que aquilo tudo não fosse o bastante.
“Mas será que o amor é mesmo suficiente?” Perguntou. “O é artista, é um sonhador... ele quer coisas impossíveis e – pior – ele me incentiva a desejar coisas que talvez não estejam ao meu alcance, como publicar as minhas histórias. Por ele, eu acho que eu até teria largado o escritório pra me dedicar a escrever!”
“E isso é ruim?” Estranhou a avó.
“Eu não sei, mas... Eu me preocupo.” Ela enterrou o rosto nas mãos e a avó fez cafuné em seu cabelo, como costumava fazer sempre que precisava consolar um dos seus.
“Bobby costumava sonhar muito!” Relembrou. “Ele falava em ter dez filhos, quando éramos jovens. Depois, quando vimos que três eram um bom número, passou a falar em dez netos, o que, proporcionalmente, ficou bem mais viável.” Riu. “Só que, como você sabe, tivemos apenas metade. Hoje, ele não está mais aqui para ver bisnetos, mas certamente falaria que, dessa vez, finalmente conseguiria número para um time de futebol.”
“O vovô era ótimo!”
“Sim. Ele era! E, mesmo tendo sonhado com algumas coisas que se mostraram impossíveis, ele realizou muita coisa, justamente porque tinha a capacidade de desejar sempre mais. Ele nunca se paralisou, mesmo ao perceber que não teria tudo, e eu sou capaz de apostar que seu também não vai deixar faltar nada à família que vocês vão formar juntos. Ele só quer que você veja a vida do modo como ele vê: de uma forma não tão pesada, pois existem, sim, as dificuldades, mas também coisas lindas e preciosas, como o brilho das estrelas.”
sorriu. Dessa vez, era um sorriso de verdade, cheio de emoção, que vinha de algum lugar bem fundo dentro dela.
era como seus avós e, na verdade, era isso que ela mais amava nele, mesmo que fosse exatamente o que também lhe assustava um pouco. Eles eram pessoas com a rara capacidade de tirar o melhor da vida.
“Eu separei fotos de quatro vestidos, vozinha. Não consigo escolher um deles!” Falou, simulando vontade de chorar, e puxou uma das sacolas, tirando dela duas revistas. “Afinal de contas, eu preciso ofuscar todo mundo ao meu redor, no dia do meu casamento.”
“Deixa eu te contar um segredo?” Sussurrou. “Você pode usar qualquer um deles, meu amor! Quando você entrar naquela igreja, o só vai ter olhos pra você.”



FIM



Nota da autora: O que acharam, meninas? Gostaram?
Não deixem de me contar e também de conferir a minha outra fic que entrou no site, Better than revenge, do ficstape Speak now.
Beijos da Mari ❤



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