Capítulo Único
I've got the rhythm up in my head
It's beating slowly
Tell me will I see you again?
A terceira batida na porta em menos de cinco minutos não pôde ser ouvida nem mesmo pelo dono do gesto, encoberta pela música do apartamento do outro lado do corredor, que subiu repentinamente, voltando a um volume normal depois de algum tempo. Pegou o celular do bolso e tocou o número do amigo pela sexta vez, mentalmente pronto para não ser atendido e ir embora, mas a voz de Danny respondeu a chamada antes que ele saísse da frente da porta.
— Hey, dude! — a risada dele e de outras pessoas foi ouvida.
— Onde você está, mate?
— Nem te conto! Basicamente, na minha vizinha. Eu sei que a gente tinha combinado outra coisa, mas se você quiser vir aqui... Ei, Lou, tem vodca nisso aí?! — uma voz feminina gritou animadamente, confirmando — Então me vê um copo! Dude, vou desligar. A porta ‘tá aberta, é na frente do meu apartamento.
E fim da ligação. olhou para a tela do celular, rindo. O amigo estava claramente alterado e ainda não passava das 22h, alguém teria de arrastá-lo para o outro lado do corredor poucas horas mais tarde. E mesmo que não parecesse interessante a ideia de ir à festa da vizinha jamais citada de Daniel, sempre pagaria uma boa quantia em dinheiro para rir do amigo bêbado.
A música eletrônica aumentou mais uma vez quando ele tocou a maçaneta, mas a porta abriu bruscamente antes que ele pudesse girá-la.
— Deixa disso, Cam — Uma garota gritou de dentro do apartamento.
— Fick dich. — Respondeu a tal Cam, que abrira a porta. E, apesar de não ter ideia do que aquilo significava, o tom de voz indicava que ela estava realmente brava.
Ela se virou e deu de cara com , mas passou por ele como se fosse invisível, procurando por algo em seu bolso.
— Scheiße!
fechou a porta do apartamento, percebendo o que tinha feito só depois.
— Tudo bem, moça? — "Are you ok, miss?", ela ouviu a voz profunda perguntar em sua língua materna, mas precisou de alguns segundos para traduzir, os xingamentos em alemão dominando sua mente.
— Tudo. — ela respirou fundo, olhando para o rapaz. — Quero dizer – um riso sarcástico. —, acho que só não estou mais em clima de festa.
— Entendo. — ela simplesmente sentou-se no chão do corredor, encostando-se à parede e fechando os olhos. observou-a por alguns instantes. Ela parecia cansada, e ele se perguntou se não acabaria dormindo ali mesmo.
— Você não vai entrar? Está incrível lá dentro! — ela disse, ainda de olhos fechados, a voz irritada.
— Bom, eu ia, mas tô achando que se você ficar aqui vai acabar dormindo. Então quer que eu chame um táxi ou algo assim?
E lá estava a risada sarcástica mais uma vez, os olhos agora abertos fitavam o teto.
— Claro, faça as honras, chame um táxi para me levar para casa! Quanto você acha que vou gastar para entrar e sair do carro? — inclinou a cabeça, desentendido. — O apartamento é meu. — Apontou para a porta de onde havia saído.
A garota sorriu sem humor, e ele torceu a boca, não gostando da resposta.
— Ok, então nada de táxi. — Um silêncio longo se fez presente enquanto pensava no que fazer, e a garota torcia para que não só a música tivesse acabado, mas a festa também. — Eu...
— Ah, não! Alguém pode quebrar seja lá o que está tocando essa música!
A risada dele preencheu o corredor, fazendo-a tirar as costas da parede para ver o estranho ficar vermelho. Uma interrogação tomava conta do rosto da recém-descoberta vizinha e, apesar de ter se preparado para ouvi-la ficar brava de forma inteligível mais uma vez, ele pensou ter visto um sorriso surgir no canto dos lábios dela.
— Se essa é sua casa, você é a pior anfitriã que eu já conheci.
— E você o pior convidado.
— Discordo. — respondeu, simplesmente sentando-se do seu lado ao notar sua curiosidade. — Sou o único que está com a dona da festa.
— E provavelmente o único que conhece a "dona da festa" — ela fez aspas no ar e revirou os olhos.
— Eu ia mesmo perguntar. Meu amigo está lá dentro e eu não tenho ideia de como ele foi parar aí. — O rapaz riu, sozinho.
— Ele deve ter sido convidado do mesmo jeito que todo mundo, pela minha amiga maluca que achou que seria uma boa ideia chamar um bando de desconhecidos para uma festa barulhenta no meu apartamento quando eu acabei de chegar de viagem. — as palavras saíram de sua boca sem que ela pensasse. Franziu o cenho ao perceber que despejava suas frustrações sobre o estranho.
Observou-a por longos minutos enquanto fitava um ponto aleatório do teto. As bolsas ao redor dos olhos deixavam claro que precisava de uma noite ou mais de sono, o cabelo estava preso em um rabo de cavalo baixo, os lábios, bem desenhados, semiabertos durante a respiração funda. Pegou-se a imaginar pelo que ela havia passado, perdeu-se por aí. Foi tirado de seu fluxo de consciência por uma risada contagiante. A interrogação em seu rosto ficou clara ao perceber que vinha da garota ao seu lado.
— Você sempre faz careta para pensar?
Claramente não tinha percebido que torcia a boca enquanto imaginava se Danny tinha alguma culpa do mau humor de sua companheira. Sorriu por ter sido pego e porque a risada iluminava certa parte do rosto cansado da mulher.
— Você é sempre tão... — começou.
— Maluca?
— Eu ia dizer outra coisa. — Ia mesmo, porém a palavra lhe fugiu.
— Claro que ia. — outra risada.
— Bem, se eu não posso chamar um táxi, tem algo que eu possa fazer por você?
— Quer dizer, além de me ouvir reclamar?
— É, além disso. — Ele riu. O rapaz que ela nunca tinha visto na vida estava tentando ajudá-la e tinha uma risada bonita. Pensando nisso, ela achou que nem tudo estivesse perdido.
— Para falar a verdade, eu venderia a minha alma por um café agora.
— Não precisa tanto, tem uma cafeteria a dois quarteirões daqui. Posso te levar lá, se quiser.
— Eu adoraria.
Take me anywhere you want now
But don't you slow down
Cuz I don't wanna lose you again
I got a feeling and its magic
So don't you hide it
Girl you help to settle the pain
Hold back, I pull back (she knows)
I don't play like that (she knows)
I'm good she is bad
And there's no way that I am leaving now
Hold back, you pull back (she knows)
You don't play like that (she knows)
You playing with my mind and I don't care
— Eu ainda não sei o seu nome.
Andaram os dois quarteirões trocando comentários aleatórios.
— É .
— — repetiu.
O homem esperou que ela falasse o nome dela, mas o interesse feminino já retornara ao café.
— Também não sei o seu — colocou os pensamentos em palavras. Ela riu.
— Qual você acha que é? — e completou, diante da confusão do outro: — Acha que eu tenho cara de quê?
— Acredito que seja algo como Camila. Ouvi sua amiga te chamar de Cam.
— Ah, sim, Louise adora esse apelido. — virou os olhos — Então Camila vai ser. Pode me chamar assim. — Outro gole de café.
— Mas é o seu nome?
— Isso importa?
O silêncio que caiu sobre os dois era apenas físico. Mentalmente, nenhum dos dois estava quieto. Reflexões diferentes.
— Que horas são?
— 22:45. — Trinta minutos haviam passado desde a última vez que olhara no relógio. Teve a impressão de que poderiam ter sido anos.
A mulher se levantou subitamente. A placa que dizia "Underground" podia ser vista a alguns metros dali.
— Quantas estações até Westminter?
— Uma.
— Ok. Ãhn, obrigada pelas informações e bem… Pela companhia para o café.
— Disponha — ele sorriu, contrariado. Não queria que ela fosse.
O olhar duradouro dela sob o rapaz esperava alguma coisa, mas ela não saberia dizer se queria que lhe pedisse para ficar ou se odiaria se o fizesse.
Em um gesto simples, ela se virou, atravessando a rua em direção ao metrô, deixando um último olhar antes de descer as escadas, que foi suficiente para fazer o rapaz se levantar, como que puxado por uma força invisível. Imaginou que seria estranho ir atrás dela, pensou em voltar ao prédio e finalmente ir à festa, mas afastou esse último pensamento, sentindo que seria errado. Balançou levemente a cabeça como se o gesto pudesse esvaziar sua mente e, como se a força invisível o puxasse, atravessou a rua. Desceu as escadas, procurando pelo cartão do metrô e, ao longe, ouviu o trem se aproximar. Correu até a plataforma a tempo de entrar no vagão e as portas se fecharem às suas costas. A garota estava em pé perto da porta, observando-o.
— Eu, bem... — Acreditou que precisava se explicar, mas foi tudo que consegui dizer.
— Tudo bem. — Ela se apressou a responder, sorrindo verdadeiramente.
O trajeto até a próxima estação foi feito em silêncio. Silêncio que só foi quebrado quando subiram as escadas para deixar o subterrâneo londrino, o Big Ben logo à frente.
— Uau! — a exclamação quase infantil saiu dos lábios da mulher. — É menor do que eu me lembrava.
— Eu duvido que ele tenha diminuído.
— Talvez eu é que tenha crescido.
Alguns turistas andavam por ali animados, tirando suas fotos, apesar do horário.
— Agora que estamos aqui, o que pretende fazer?
Ela olhou ao redor como que procurando por alguma coisa.
— Agora? Ir até ali e me sentar naquele banco perto da estátua para ver o céu. Aliás, é o Churchill? — E atravessou a rua. continuou parado e, por um breve momento, se perguntou por que raios ainda a seguia. – Você não vem? — a voz se fez ouvir por cima dos barulhos da rua e foi o suficiente para ele deixar de sentir-se como um stalker.
“Você sabia que Big Ben na verdade é o nome do sino e não da torre?”, ouviram um turista dizer para sua companhia de viagem. Ambos riram da cara de sabichão do homem.
— Você sabia que na verdade essa estátua do Churchill não é apenas uma estátua, mas na verdade o próprio primeiro ministro coberto por chumbo? — a mulher disse, olhando para a estátua enquanto imitava o tom de voz e o sotaque americano do turista.
As gargalhadas preencheram os arredores, mas foram bruscamente paradas pelo olhar reprovador do americano, que aparentemente ouvira a brincadeira. Ela acenou, e o visitante afastou-se, resmungando algo sobre arrogância inglesa.
Os carros passavam, alguns flashes eram disparados, risadas um pouco mais altas e um choro de criança, nada disso infiltrava o mundo paralelo do banco próximo à estátua. O olhar da moça era magneticamente puxado pelo ponto mais alto da torre, as sobrancelhas franzidas. O rapaz, por sua vez, a observava, tendo a sensação de que ela não estava mais ali. Viu os olhos dela marejarem e o nariz ficar vermelho. Ela sacudiu a cabeça como se quisesse afastar algum pensamento incômodo, olhou para baixo e, quando levantou a cabeça, ameaçou um sorriso de canto em resposta a seu olhar preocupado.
— Você não odeia isso? — a pergunta pegou-o despreparado. — Não odeia o fato de que mal podemos ver as estrelas por conta da iluminação da cidade? Odeio que todos aqui estão ligando para coisas grandes, mas não imaginam o quanto seria grandioso só olhar para o céu e... Ai, droga, eu tô fazendo de novo, sem monólogos. Vem, vamos dar uma volta. Quero ver se o Tâmisa continua correndo.
— Você não vai acreditar, mas ele continua correndo e diretamente para o mar!
— Qual é? Uma garota não pode sentir falta das pequenas coisas de Londres depois de onze anos fora?
— Onze anos? — ela balançou a cabeça afirmativamente. — E onde esteve esse tempo todo?
— Na Alemanha. Munique, para ser exata.
Isso explicava as palavras estranhas de mais cedo.
— E o que fazia lá?
— Além de viver? Jogava futebol.
— Que interessante! E você ainda joga?
— Deixei meu contrato na Alemanha acabar e por enquanto estou sem time. Vou ficar assim por um tempo.
— Entendi.
— E você, o que faz além de viver?
— Sou fotógrafo.
— Legal. Daqueles que fotografam modelos e tal?
— Mais daqueles que fotografam qualquer coisa por uma grana.
— Entendo. — andavam pela Westminter Brigde agora. A London Eye iluminada de vermelho se destacava na paisagem. Ela parou e se debruçou na lateral da ponte, olhando o rio correr abaixo deles. A dupla de observadores fez o que faziam de melhor naquela noite e apenas olharam a água seguir seu curso.
— Meu pai costumava me levar para ver as estrelas. — O rapaz soltou, fazendo a atenção da garota ser direcionada a ele. — Meu avô tinha uma propriedade na Escócia e nós costumávamos deitar no gramado para olhar o céu. Então, sim, eu odeio não poder vê-las. — ela sorriu e tocou levemente a mão dele, porque ele pareceu ficar tenso ao tocar no assunto.
— Vamos continuar o passeio?
— Claro, senhorita.
Enquanto andaram noite adentro, trocaram confissões que ela considerou mais importantes que seu próprio nome.
As ruas já começavam a ficar menos barulhentas e o vento parecia mais gelado quando se sentaram em uma mureta próxima à London Eye. Comiam um pacote de pipocas frias, que compraram em um cinema minutos antes dele fechar.
— Você está ouvindo? — ele assentiu, mastigando.
O som do violino chegou aos dois e não parecia distante. Ela pulou, ficando em pé, e saiu puxando-o pelo pulso assim que fez o mesmo.
Quando encontraram a garota ruiva que tocava o violino em frente a um pub, ela sorriu para o casal.
— Eu amo essa música. — disse enquanto colocava uma nota de 10 libras na case do violino. não soube dizer se contava aquilo para a violinista ou para ele.
Suas mãos continuaram unidas quando ela se endireitava e ficava de frente para ele.
— Dança comigo?
Ele pensou em negar, porque não sabia dançar e porque a música parecia pedir mais do que os dois apenas se balançarem de um lado pro outro. Ela passou a mão livre pelo ombro dele e ele resolveu que não precisava pensar sobre nada, nem dançar bem, só precisava do momento.
Meses depois, ele soube que a música se chamava “Song Of The Caged Bird” e horas depois ele se agradeceu por ter aproveitado o momento. Balançou a cabeça afirmativamente.
Ela envolveu os braços ao pescoço dele, que a puxou para perto, segurando-a firme pela cintura. Apenas balançaram juntos em círculos, as respirações se misturavam, os olhares conectados.
Ouviram os últimos acordes da música e pararam sem se separar. Ela viu o olhar dele desviar do seu para seus lábios, Sorriu forçadamente. Tocou seu nariz no dele e uma lágrima rolou por seu rosto. Foi capaz de distinguir o olhar preocupado antes de se soltar do homem. Agradeceu a violinista e começou a voltar pelo caminho que tinham vindo.
Parado no mesmo lugar, ele a viu sair cruzando os braços, tentando se proteger do vento que jogava seus cabelos para trás. Sorriu e elogiou a violinista, abaixou-se e colocou uma nota de 20, a única em sua carteira, dentro da case, em uma tentativa de pagá-la pelo momento que lhe concedera. Seguiu a mulher de longe, ouvindo-a soluçar baixinho em alguns momentos.
Ela parou bruscamente, respirou fundo e girou sobre os calcanhares, ficando de frente para ele.
— Me desculpa.
Tudo o que ele fez foi andar até ela e segurar-lhe a mão, secando as lágrimas que desciam com a mão livre.
Intensa.
A mulher em seus braços era a pessoa mais intensa que já conhecera, e agora a palavra surgira em sua cabeça como em um letreiro gigante.
“— Você é sempre tão...
— Maluca?”
Eu diria intensa. Você é sempre tão intensa?”
Não existia meio termo. Não existia certo ou errado.
**************
We got tonight so tell me your name
I'm going crazy, so come with me babe
O parque em frente à roda do milênio estava vazio, exceto pelos dois corpos na grama. sentou com ela na grama e esperou que as lágrimas parecessem de escorrer por seu rosto. Deitaram ali depois. Lado a lado, os dedos entrelaçados.
— Você já se sentiu vazio? Como se de um momento para outro não fosse mais capaz de ter sentimentos? — ele a olhava enquanto ela fitava uma árvore qualquer. — Odeio sentir tudo de uma vez e logo depois não sentir nada.
Olhou de canto para ele e soube que ele não entendia, mas agradeceu por ele não fingir que sim.
Apertou a mão dele quando sentiu seus olhos pesarem e não lutou para ficar acordada.
Quando abriu os olhos, apenas cinco minutos pareciam ter se passado, mas essa teoria foi desmentida pelo guarda que os acordava e pelos primeiros raios de sol que invadiam o céu. tratou de conversar com o guarda e eles conseguiram sair dali dez minutos depois. Seguiram para a estação em um silêncio profundo, a mulher mantendo a cabeça baixa o caminho todo. Precisaram comprar um bilhete para ela, o que foi feito, ainda cabisbaixa.
O trem estava muito mais cheio do que na noite anterior. Ficaram perto da porta mais uma vez. O cabelo dela estava solto e levemente bagunçado, e ele bocejava a cada cinco segundos.
Subiram para o andar do apartamento dela e de Danny, o silêncio permanente corroendo o rapaz. Ela demorou o olhar no canto do corredor onde haviam se encontrado na noite anterior, franziu o cenho e virou-se para ele.
— Eu… vou ver como Danny está. — Fez uma careta. Ela confirmou com a cabeça.
Acabou com a distância que os separava com três passos longos, segurou as duas mãos dele e olhou no fundo de seus olhos. Ele sentiu como se ela pudesse sugar sua alma naquele momento.
— Obrigada por me fazer sentir algo uma última vez.
Só houve tempo para franzir o cenho. Ela cruzou o corredor e girou a maçaneta, entrou no apartamento e foi capaz de ouvir a porta ser trancada.
Abriu a porta do apartamento do amigo e encontrou-o sentado na mesa, acompanhado por uma mulher loira. O cheiro de café forte dominava o lugar.
— Dude! O que faz aqui a essa hora? Te esperei na festa ontem — Ele ainda parecia animado, talvez ainda sob efeito do álcool.
— Eu, bem... Passei a noite fora.
Danny fez comentários engraçadinhos sobre a provável noitada do amigo, mas ele não ouviu, a voz ecoando em sua cabeça.
“Obrigada...”
A mulher loira riu.
— Não é mesmo, Louise? — Ouviu Danny perguntar.
Louise.
Louise da festa.
— Louise, não é? — perguntou, exasperado.
— Isso, por quê?
— Estive com a sua amiga, Cam.
— Cam? Sério? — ela parecia surpresa. — Quero dizer, que legal, ela não sai muito. Deve ter sido bom para ela.
— Por que ela não sai muito?
— Bom, ela tem muitos problemas. Mas ela deve ter te dito, você já está a chamando de Cam! Ela não gosta muito, não é? Mas faz sentido com o sobrenome — ela riu — Só eu e... bem, só eu a chamo assim.
— E qual é o nome dela?
— Que isso, dude, não sabe nem o nome da garota? — olhou reprovador para o amigo, que se calou.
— . — Louise respondeu, vendo a pressa do rapaz.
— Que tipo de problemas?
— Ela, bem... Perdeu o pai recentemente, ele era tudo que ela tinha, e ela nunca foi estável psicologicamente. Entrou em depressão depois do acidente e, ah, nunca voltou a ser a mesma.
“Você já se sentiu vazio?”
“Intensa.”
“Obrigada por me fazer sentir algo uma última vez.”
se levantou subitamente, deixando os outros dois sentados à mesa assustados. Acreditou tê-los ouvido perguntarem algo, mas não ligou. Em instantes, estava correndo pela sala em direção à porta. Em sua mente, nada mais do que imagens da noite anterior e a necessidade de chegar ao outro lado do corredor.
Bateu três vezes com os nós dos dedos na porta. A força das batidas fez com que o som ecoasse pelo corredor vazio.
— Cam, por favor, abre! — mais batidas — Pelo amor de Deus, abre essa porta!
Lágrimas quentes começaram a rolar por seu rosto sem que ele se desse conta. Dessa vez, as batidas eram socos, que não cessavam, e ele já não ouvia sua própria voz quando começou a dizer:
— Droga. Droga, Droga, Droga. Não pode ser tarde demais, não é tarde demais! , por favor... — segurou-se ao batente da porta como uma das mãos. Sentia que podia cair a qualquer instante e chorava compulsivamente. Voltou a bater à porta, mas a força usada dessa vez não chegava à metade da anterior. – ...
A voz ressoou pelo corredor, seguida por alguns soluços. Não sentia o próprio corpo, não saberia dizer se chorava, porém a visão embaçada lhe dizia que sim. Poderia ter feito algo, só precisava ter sido cinco minutos mais rápido. Idiota.
Bateu com as costas na parede e escorregou por ela, sentando encolhido no chão. A cabeça entre as mãos. O mundo sobre seus ombros.
Ouviu um soluço que não era seu vir do outro lado do corredor e teve a impressão de ver Danny segurar Louise. As lágrimas ainda estavam lá, e ele sentia como se tivesse sido jogado naquele lugar.
O som da porta sendo destrancada ecoou dentro da cabeça dele e demorou alguns segundos para ser entendido. viu a porta aberta e levantou-se subitamente, sem ligar para a tontura que teve, segurando na parede para ficar em pé. Entrou no apartamento. O vento entrava pela sacada e fazia as cortinas voarem. O lugar era um caos, assim como a mulher ajoelhada apertando o braço esquerdo. A mão coberta de sangue.
Ela levantou o olhar. Chorava.
Ele correu para perto dela, ajoelhando-se. Segurou o braço dela e viu o fio de sangue escorrer. Chorava também, e ele olhou-a nos olhos.
— Não foi fundo. Eu não consegui.
Nunca gostou tanto de ouvir uma voz.
Enroscou seus braços no pescoço dela e apertou-a contra seu peito. O sangue manchou sua camisa. Levantou-a do chão.
Is us against the world
Seriam os dois contra o mundo, não importava o que acontecesse.
It's beating slowly
Tell me will I see you again?
A terceira batida na porta em menos de cinco minutos não pôde ser ouvida nem mesmo pelo dono do gesto, encoberta pela música do apartamento do outro lado do corredor, que subiu repentinamente, voltando a um volume normal depois de algum tempo. Pegou o celular do bolso e tocou o número do amigo pela sexta vez, mentalmente pronto para não ser atendido e ir embora, mas a voz de Danny respondeu a chamada antes que ele saísse da frente da porta.
— Hey, dude! — a risada dele e de outras pessoas foi ouvida.
— Onde você está, mate?
— Nem te conto! Basicamente, na minha vizinha. Eu sei que a gente tinha combinado outra coisa, mas se você quiser vir aqui... Ei, Lou, tem vodca nisso aí?! — uma voz feminina gritou animadamente, confirmando — Então me vê um copo! Dude, vou desligar. A porta ‘tá aberta, é na frente do meu apartamento.
E fim da ligação. olhou para a tela do celular, rindo. O amigo estava claramente alterado e ainda não passava das 22h, alguém teria de arrastá-lo para o outro lado do corredor poucas horas mais tarde. E mesmo que não parecesse interessante a ideia de ir à festa da vizinha jamais citada de Daniel, sempre pagaria uma boa quantia em dinheiro para rir do amigo bêbado.
A música eletrônica aumentou mais uma vez quando ele tocou a maçaneta, mas a porta abriu bruscamente antes que ele pudesse girá-la.
— Deixa disso, Cam — Uma garota gritou de dentro do apartamento.
— Fick dich. — Respondeu a tal Cam, que abrira a porta. E, apesar de não ter ideia do que aquilo significava, o tom de voz indicava que ela estava realmente brava.
Ela se virou e deu de cara com , mas passou por ele como se fosse invisível, procurando por algo em seu bolso.
— Scheiße!
fechou a porta do apartamento, percebendo o que tinha feito só depois.
— Tudo bem, moça? — "Are you ok, miss?", ela ouviu a voz profunda perguntar em sua língua materna, mas precisou de alguns segundos para traduzir, os xingamentos em alemão dominando sua mente.
— Tudo. — ela respirou fundo, olhando para o rapaz. — Quero dizer – um riso sarcástico. —, acho que só não estou mais em clima de festa.
— Entendo. — ela simplesmente sentou-se no chão do corredor, encostando-se à parede e fechando os olhos. observou-a por alguns instantes. Ela parecia cansada, e ele se perguntou se não acabaria dormindo ali mesmo.
— Você não vai entrar? Está incrível lá dentro! — ela disse, ainda de olhos fechados, a voz irritada.
— Bom, eu ia, mas tô achando que se você ficar aqui vai acabar dormindo. Então quer que eu chame um táxi ou algo assim?
E lá estava a risada sarcástica mais uma vez, os olhos agora abertos fitavam o teto.
— Claro, faça as honras, chame um táxi para me levar para casa! Quanto você acha que vou gastar para entrar e sair do carro? — inclinou a cabeça, desentendido. — O apartamento é meu. — Apontou para a porta de onde havia saído.
A garota sorriu sem humor, e ele torceu a boca, não gostando da resposta.
— Ok, então nada de táxi. — Um silêncio longo se fez presente enquanto pensava no que fazer, e a garota torcia para que não só a música tivesse acabado, mas a festa também. — Eu...
— Ah, não! Alguém pode quebrar seja lá o que está tocando essa música!
A risada dele preencheu o corredor, fazendo-a tirar as costas da parede para ver o estranho ficar vermelho. Uma interrogação tomava conta do rosto da recém-descoberta vizinha e, apesar de ter se preparado para ouvi-la ficar brava de forma inteligível mais uma vez, ele pensou ter visto um sorriso surgir no canto dos lábios dela.
— Se essa é sua casa, você é a pior anfitriã que eu já conheci.
— E você o pior convidado.
— Discordo. — respondeu, simplesmente sentando-se do seu lado ao notar sua curiosidade. — Sou o único que está com a dona da festa.
— E provavelmente o único que conhece a "dona da festa" — ela fez aspas no ar e revirou os olhos.
— Eu ia mesmo perguntar. Meu amigo está lá dentro e eu não tenho ideia de como ele foi parar aí. — O rapaz riu, sozinho.
— Ele deve ter sido convidado do mesmo jeito que todo mundo, pela minha amiga maluca que achou que seria uma boa ideia chamar um bando de desconhecidos para uma festa barulhenta no meu apartamento quando eu acabei de chegar de viagem. — as palavras saíram de sua boca sem que ela pensasse. Franziu o cenho ao perceber que despejava suas frustrações sobre o estranho.
Observou-a por longos minutos enquanto fitava um ponto aleatório do teto. As bolsas ao redor dos olhos deixavam claro que precisava de uma noite ou mais de sono, o cabelo estava preso em um rabo de cavalo baixo, os lábios, bem desenhados, semiabertos durante a respiração funda. Pegou-se a imaginar pelo que ela havia passado, perdeu-se por aí. Foi tirado de seu fluxo de consciência por uma risada contagiante. A interrogação em seu rosto ficou clara ao perceber que vinha da garota ao seu lado.
— Você sempre faz careta para pensar?
Claramente não tinha percebido que torcia a boca enquanto imaginava se Danny tinha alguma culpa do mau humor de sua companheira. Sorriu por ter sido pego e porque a risada iluminava certa parte do rosto cansado da mulher.
— Você é sempre tão... — começou.
— Maluca?
— Eu ia dizer outra coisa. — Ia mesmo, porém a palavra lhe fugiu.
— Claro que ia. — outra risada.
— Bem, se eu não posso chamar um táxi, tem algo que eu possa fazer por você?
— Quer dizer, além de me ouvir reclamar?
— É, além disso. — Ele riu. O rapaz que ela nunca tinha visto na vida estava tentando ajudá-la e tinha uma risada bonita. Pensando nisso, ela achou que nem tudo estivesse perdido.
— Para falar a verdade, eu venderia a minha alma por um café agora.
— Não precisa tanto, tem uma cafeteria a dois quarteirões daqui. Posso te levar lá, se quiser.
— Eu adoraria.
Take me anywhere you want now
But don't you slow down
Cuz I don't wanna lose you again
I got a feeling and its magic
So don't you hide it
Girl you help to settle the pain
Hold back, I pull back (she knows)
I don't play like that (she knows)
I'm good she is bad
And there's no way that I am leaving now
Hold back, you pull back (she knows)
You don't play like that (she knows)
You playing with my mind and I don't care
— Eu ainda não sei o seu nome.
Andaram os dois quarteirões trocando comentários aleatórios.
— É .
— — repetiu.
O homem esperou que ela falasse o nome dela, mas o interesse feminino já retornara ao café.
— Também não sei o seu — colocou os pensamentos em palavras. Ela riu.
— Qual você acha que é? — e completou, diante da confusão do outro: — Acha que eu tenho cara de quê?
— Acredito que seja algo como Camila. Ouvi sua amiga te chamar de Cam.
— Ah, sim, Louise adora esse apelido. — virou os olhos — Então Camila vai ser. Pode me chamar assim. — Outro gole de café.
— Mas é o seu nome?
— Isso importa?
O silêncio que caiu sobre os dois era apenas físico. Mentalmente, nenhum dos dois estava quieto. Reflexões diferentes.
— Que horas são?
— 22:45. — Trinta minutos haviam passado desde a última vez que olhara no relógio. Teve a impressão de que poderiam ter sido anos.
A mulher se levantou subitamente. A placa que dizia "Underground" podia ser vista a alguns metros dali.
— Quantas estações até Westminter?
— Uma.
— Ok. Ãhn, obrigada pelas informações e bem… Pela companhia para o café.
— Disponha — ele sorriu, contrariado. Não queria que ela fosse.
O olhar duradouro dela sob o rapaz esperava alguma coisa, mas ela não saberia dizer se queria que lhe pedisse para ficar ou se odiaria se o fizesse.
Em um gesto simples, ela se virou, atravessando a rua em direção ao metrô, deixando um último olhar antes de descer as escadas, que foi suficiente para fazer o rapaz se levantar, como que puxado por uma força invisível. Imaginou que seria estranho ir atrás dela, pensou em voltar ao prédio e finalmente ir à festa, mas afastou esse último pensamento, sentindo que seria errado. Balançou levemente a cabeça como se o gesto pudesse esvaziar sua mente e, como se a força invisível o puxasse, atravessou a rua. Desceu as escadas, procurando pelo cartão do metrô e, ao longe, ouviu o trem se aproximar. Correu até a plataforma a tempo de entrar no vagão e as portas se fecharem às suas costas. A garota estava em pé perto da porta, observando-o.
— Eu, bem... — Acreditou que precisava se explicar, mas foi tudo que consegui dizer.
— Tudo bem. — Ela se apressou a responder, sorrindo verdadeiramente.
O trajeto até a próxima estação foi feito em silêncio. Silêncio que só foi quebrado quando subiram as escadas para deixar o subterrâneo londrino, o Big Ben logo à frente.
— Uau! — a exclamação quase infantil saiu dos lábios da mulher. — É menor do que eu me lembrava.
— Eu duvido que ele tenha diminuído.
— Talvez eu é que tenha crescido.
Alguns turistas andavam por ali animados, tirando suas fotos, apesar do horário.
— Agora que estamos aqui, o que pretende fazer?
Ela olhou ao redor como que procurando por alguma coisa.
— Agora? Ir até ali e me sentar naquele banco perto da estátua para ver o céu. Aliás, é o Churchill? — E atravessou a rua. continuou parado e, por um breve momento, se perguntou por que raios ainda a seguia. – Você não vem? — a voz se fez ouvir por cima dos barulhos da rua e foi o suficiente para ele deixar de sentir-se como um stalker.
“Você sabia que Big Ben na verdade é o nome do sino e não da torre?”, ouviram um turista dizer para sua companhia de viagem. Ambos riram da cara de sabichão do homem.
— Você sabia que na verdade essa estátua do Churchill não é apenas uma estátua, mas na verdade o próprio primeiro ministro coberto por chumbo? — a mulher disse, olhando para a estátua enquanto imitava o tom de voz e o sotaque americano do turista.
As gargalhadas preencheram os arredores, mas foram bruscamente paradas pelo olhar reprovador do americano, que aparentemente ouvira a brincadeira. Ela acenou, e o visitante afastou-se, resmungando algo sobre arrogância inglesa.
Os carros passavam, alguns flashes eram disparados, risadas um pouco mais altas e um choro de criança, nada disso infiltrava o mundo paralelo do banco próximo à estátua. O olhar da moça era magneticamente puxado pelo ponto mais alto da torre, as sobrancelhas franzidas. O rapaz, por sua vez, a observava, tendo a sensação de que ela não estava mais ali. Viu os olhos dela marejarem e o nariz ficar vermelho. Ela sacudiu a cabeça como se quisesse afastar algum pensamento incômodo, olhou para baixo e, quando levantou a cabeça, ameaçou um sorriso de canto em resposta a seu olhar preocupado.
— Você não odeia isso? — a pergunta pegou-o despreparado. — Não odeia o fato de que mal podemos ver as estrelas por conta da iluminação da cidade? Odeio que todos aqui estão ligando para coisas grandes, mas não imaginam o quanto seria grandioso só olhar para o céu e... Ai, droga, eu tô fazendo de novo, sem monólogos. Vem, vamos dar uma volta. Quero ver se o Tâmisa continua correndo.
— Você não vai acreditar, mas ele continua correndo e diretamente para o mar!
— Qual é? Uma garota não pode sentir falta das pequenas coisas de Londres depois de onze anos fora?
— Onze anos? — ela balançou a cabeça afirmativamente. — E onde esteve esse tempo todo?
— Na Alemanha. Munique, para ser exata.
Isso explicava as palavras estranhas de mais cedo.
— E o que fazia lá?
— Além de viver? Jogava futebol.
— Que interessante! E você ainda joga?
— Deixei meu contrato na Alemanha acabar e por enquanto estou sem time. Vou ficar assim por um tempo.
— Entendi.
— E você, o que faz além de viver?
— Sou fotógrafo.
— Legal. Daqueles que fotografam modelos e tal?
— Mais daqueles que fotografam qualquer coisa por uma grana.
— Entendo. — andavam pela Westminter Brigde agora. A London Eye iluminada de vermelho se destacava na paisagem. Ela parou e se debruçou na lateral da ponte, olhando o rio correr abaixo deles. A dupla de observadores fez o que faziam de melhor naquela noite e apenas olharam a água seguir seu curso.
— Meu pai costumava me levar para ver as estrelas. — O rapaz soltou, fazendo a atenção da garota ser direcionada a ele. — Meu avô tinha uma propriedade na Escócia e nós costumávamos deitar no gramado para olhar o céu. Então, sim, eu odeio não poder vê-las. — ela sorriu e tocou levemente a mão dele, porque ele pareceu ficar tenso ao tocar no assunto.
— Vamos continuar o passeio?
— Claro, senhorita.
Enquanto andaram noite adentro, trocaram confissões que ela considerou mais importantes que seu próprio nome.
As ruas já começavam a ficar menos barulhentas e o vento parecia mais gelado quando se sentaram em uma mureta próxima à London Eye. Comiam um pacote de pipocas frias, que compraram em um cinema minutos antes dele fechar.
— Você está ouvindo? — ele assentiu, mastigando.
O som do violino chegou aos dois e não parecia distante. Ela pulou, ficando em pé, e saiu puxando-o pelo pulso assim que fez o mesmo.
Quando encontraram a garota ruiva que tocava o violino em frente a um pub, ela sorriu para o casal.
— Eu amo essa música. — disse enquanto colocava uma nota de 10 libras na case do violino. não soube dizer se contava aquilo para a violinista ou para ele.
Suas mãos continuaram unidas quando ela se endireitava e ficava de frente para ele.
— Dança comigo?
Ele pensou em negar, porque não sabia dançar e porque a música parecia pedir mais do que os dois apenas se balançarem de um lado pro outro. Ela passou a mão livre pelo ombro dele e ele resolveu que não precisava pensar sobre nada, nem dançar bem, só precisava do momento.
Meses depois, ele soube que a música se chamava “Song Of The Caged Bird” e horas depois ele se agradeceu por ter aproveitado o momento. Balançou a cabeça afirmativamente.
Ela envolveu os braços ao pescoço dele, que a puxou para perto, segurando-a firme pela cintura. Apenas balançaram juntos em círculos, as respirações se misturavam, os olhares conectados.
Ouviram os últimos acordes da música e pararam sem se separar. Ela viu o olhar dele desviar do seu para seus lábios, Sorriu forçadamente. Tocou seu nariz no dele e uma lágrima rolou por seu rosto. Foi capaz de distinguir o olhar preocupado antes de se soltar do homem. Agradeceu a violinista e começou a voltar pelo caminho que tinham vindo.
Parado no mesmo lugar, ele a viu sair cruzando os braços, tentando se proteger do vento que jogava seus cabelos para trás. Sorriu e elogiou a violinista, abaixou-se e colocou uma nota de 20, a única em sua carteira, dentro da case, em uma tentativa de pagá-la pelo momento que lhe concedera. Seguiu a mulher de longe, ouvindo-a soluçar baixinho em alguns momentos.
Ela parou bruscamente, respirou fundo e girou sobre os calcanhares, ficando de frente para ele.
— Me desculpa.
Tudo o que ele fez foi andar até ela e segurar-lhe a mão, secando as lágrimas que desciam com a mão livre.
Intensa.
A mulher em seus braços era a pessoa mais intensa que já conhecera, e agora a palavra surgira em sua cabeça como em um letreiro gigante.
“— Você é sempre tão...
— Maluca?”
Eu diria intensa. Você é sempre tão intensa?”
Não existia meio termo. Não existia certo ou errado.
We got tonight so tell me your name
I'm going crazy, so come with me babe
O parque em frente à roda do milênio estava vazio, exceto pelos dois corpos na grama. sentou com ela na grama e esperou que as lágrimas parecessem de escorrer por seu rosto. Deitaram ali depois. Lado a lado, os dedos entrelaçados.
— Você já se sentiu vazio? Como se de um momento para outro não fosse mais capaz de ter sentimentos? — ele a olhava enquanto ela fitava uma árvore qualquer. — Odeio sentir tudo de uma vez e logo depois não sentir nada.
Olhou de canto para ele e soube que ele não entendia, mas agradeceu por ele não fingir que sim.
Apertou a mão dele quando sentiu seus olhos pesarem e não lutou para ficar acordada.
Quando abriu os olhos, apenas cinco minutos pareciam ter se passado, mas essa teoria foi desmentida pelo guarda que os acordava e pelos primeiros raios de sol que invadiam o céu. tratou de conversar com o guarda e eles conseguiram sair dali dez minutos depois. Seguiram para a estação em um silêncio profundo, a mulher mantendo a cabeça baixa o caminho todo. Precisaram comprar um bilhete para ela, o que foi feito, ainda cabisbaixa.
O trem estava muito mais cheio do que na noite anterior. Ficaram perto da porta mais uma vez. O cabelo dela estava solto e levemente bagunçado, e ele bocejava a cada cinco segundos.
Subiram para o andar do apartamento dela e de Danny, o silêncio permanente corroendo o rapaz. Ela demorou o olhar no canto do corredor onde haviam se encontrado na noite anterior, franziu o cenho e virou-se para ele.
— Eu… vou ver como Danny está. — Fez uma careta. Ela confirmou com a cabeça.
Acabou com a distância que os separava com três passos longos, segurou as duas mãos dele e olhou no fundo de seus olhos. Ele sentiu como se ela pudesse sugar sua alma naquele momento.
— Obrigada por me fazer sentir algo uma última vez.
Só houve tempo para franzir o cenho. Ela cruzou o corredor e girou a maçaneta, entrou no apartamento e foi capaz de ouvir a porta ser trancada.
Abriu a porta do apartamento do amigo e encontrou-o sentado na mesa, acompanhado por uma mulher loira. O cheiro de café forte dominava o lugar.
— Dude! O que faz aqui a essa hora? Te esperei na festa ontem — Ele ainda parecia animado, talvez ainda sob efeito do álcool.
— Eu, bem... Passei a noite fora.
Danny fez comentários engraçadinhos sobre a provável noitada do amigo, mas ele não ouviu, a voz ecoando em sua cabeça.
“Obrigada...”
A mulher loira riu.
— Não é mesmo, Louise? — Ouviu Danny perguntar.
Louise.
Louise da festa.
— Louise, não é? — perguntou, exasperado.
— Isso, por quê?
— Estive com a sua amiga, Cam.
— Cam? Sério? — ela parecia surpresa. — Quero dizer, que legal, ela não sai muito. Deve ter sido bom para ela.
— Por que ela não sai muito?
— Bom, ela tem muitos problemas. Mas ela deve ter te dito, você já está a chamando de Cam! Ela não gosta muito, não é? Mas faz sentido com o sobrenome — ela riu — Só eu e... bem, só eu a chamo assim.
— E qual é o nome dela?
— Que isso, dude, não sabe nem o nome da garota? — olhou reprovador para o amigo, que se calou.
— . — Louise respondeu, vendo a pressa do rapaz.
— Que tipo de problemas?
— Ela, bem... Perdeu o pai recentemente, ele era tudo que ela tinha, e ela nunca foi estável psicologicamente. Entrou em depressão depois do acidente e, ah, nunca voltou a ser a mesma.
“Você já se sentiu vazio?”
“Intensa.”
“Obrigada por me fazer sentir algo uma última vez.”
se levantou subitamente, deixando os outros dois sentados à mesa assustados. Acreditou tê-los ouvido perguntarem algo, mas não ligou. Em instantes, estava correndo pela sala em direção à porta. Em sua mente, nada mais do que imagens da noite anterior e a necessidade de chegar ao outro lado do corredor.
Bateu três vezes com os nós dos dedos na porta. A força das batidas fez com que o som ecoasse pelo corredor vazio.
— Cam, por favor, abre! — mais batidas — Pelo amor de Deus, abre essa porta!
Lágrimas quentes começaram a rolar por seu rosto sem que ele se desse conta. Dessa vez, as batidas eram socos, que não cessavam, e ele já não ouvia sua própria voz quando começou a dizer:
— Droga. Droga, Droga, Droga. Não pode ser tarde demais, não é tarde demais! , por favor... — segurou-se ao batente da porta como uma das mãos. Sentia que podia cair a qualquer instante e chorava compulsivamente. Voltou a bater à porta, mas a força usada dessa vez não chegava à metade da anterior. – ...
A voz ressoou pelo corredor, seguida por alguns soluços. Não sentia o próprio corpo, não saberia dizer se chorava, porém a visão embaçada lhe dizia que sim. Poderia ter feito algo, só precisava ter sido cinco minutos mais rápido. Idiota.
Bateu com as costas na parede e escorregou por ela, sentando encolhido no chão. A cabeça entre as mãos. O mundo sobre seus ombros.
Ouviu um soluço que não era seu vir do outro lado do corredor e teve a impressão de ver Danny segurar Louise. As lágrimas ainda estavam lá, e ele sentia como se tivesse sido jogado naquele lugar.
O som da porta sendo destrancada ecoou dentro da cabeça dele e demorou alguns segundos para ser entendido. viu a porta aberta e levantou-se subitamente, sem ligar para a tontura que teve, segurando na parede para ficar em pé. Entrou no apartamento. O vento entrava pela sacada e fazia as cortinas voarem. O lugar era um caos, assim como a mulher ajoelhada apertando o braço esquerdo. A mão coberta de sangue.
Ela levantou o olhar. Chorava.
Ele correu para perto dela, ajoelhando-se. Segurou o braço dela e viu o fio de sangue escorrer. Chorava também, e ele olhou-a nos olhos.
— Não foi fundo. Eu não consegui.
Nunca gostou tanto de ouvir uma voz.
Enroscou seus braços no pescoço dela e apertou-a contra seu peito. O sangue manchou sua camisa. Levantou-a do chão.
Is us against the world
Seriam os dois contra o mundo, não importava o que acontecesse.
Fim
Nota da autora: Olá pessoinhas tudo bem? Ok, minha primeira fic no site e eu não sei bem o que dizer... fica aqui registrado que ter algo meu postado no ffobs é desesperador e incrível ao mesmo tempo.
Us against the world é uma das minhas músicas favoritas do Olly e da vida! Espero ter feito algo digno desse musicão da porra hahah.
Queria agradecer a Ju que organizou o ficscape e que teve de ser MUUITO paciente (põe muito nisso) cmg e à Carol que betou tudo com uma rapidez incrível, vocês são demais meninas! Desculpa e obrigado por tudo. Aproveitar para agradecer as minhas amigas que me deram a maior força dizendo que eu conseguiria escrever mesmo com toda essa ladainha de vestibular e a você que leu, fez uma garota muito feliz hoje!
Manu xx
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Us against the world é uma das minhas músicas favoritas do Olly e da vida! Espero ter feito algo digno desse musicão da porra hahah.
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Manu xx
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