Última atualização: 31/12/2019

Capítulo 1

“Eu me lembro bem da primeira vez que a vi. Usava um jaleco branco e saltos pretos de bico fino correndo pelos apressada pelos corredores do hospital em que trabalhava. Era chefe da cirurgia geral, seu nome era ouvido pelo alto-falante diversas vezes.
E o que eu estava fazendo ai? Era voluntário na ala infantil duas vezes por semana. Costumava ler poesias e cantar músicas para alegrar aquelas crianças que estavam em fase terminal. E foi saindo da ala infantil com um nariz de palhaço e uma peruca colorida que nos esbarramos pela primeira vez. Ela segurava um grande copo de suco de laranja quando nos esbarramos. Não, ninguém tomou banho de suco. Ela não viu a placa de piso molhado e entrou correndo pelo corredor. É isso mesmo que você imaginou, ela levou um tombo daqueles e as pessoas em volta não sabiam se a ajudavam ou se ficavam chocados com a cena. Eu prontamente fui até ela, estiquei minha mão na intenção de ajudá-la, mas ela ignorou totalmente. Levantou-se como se nada tivesse acontecido puxou sua saia para a posição original e seguiu andando.
- Doutora null, você está bem? – Pude ouvir um de seus residentes perguntar enquanto tomava café no refeitório.
- Estou. Derrubei todo o meu suco e um cara estranho com peruca colorida me ofereceu me ajuda, pensei ter sido algum paciente da ala psiquiátrica que acabou se perdendo.
- Aquele ali? – O residente apontou para mim sem a menor sutileza e percebi que o assunto era eu e meu nariz de palhaço. – Ele é voluntário na ala pediátrica. Crianças com câncer terminal. Ele vem aqui duas vezes por semana, há quase um ano.
Pude ver que que a doutora null arqueou uma das sobrancelhas enquanto me olhava. E aquela foi a primeira troca de olhar que tivemos.”
Pude ouvir os aplausos do público que estava a minha frente. Quem diria que eu, null null, deixaria de ser um escritor de poesias que participava toda semana de uma roda de leitura publicaria seu primeiro romance, ainda baseado numa história real.
- Perguntas? – Eu tive a liberdade de me manifestar e vi uma quantidade imensa de braços levantados. – Você com camiseta rosa.
- null null é real? Você foi tão detalhista no livro que fico impressionada que seja apenas uma personagem fictícia.
- Sim. A doutora null é real. – Respondi rapidamente sem pensar duas vezes.
Pude ouvir o alvoroço do público.
[...]
Após a leitura do prólogo, perguntas e uma longa fila para autografar todos os livros, deixo a livraria e vou caminhando lentamente até o carro. Sinto meu telefone vibrar no meu bolso e assim que pego vejo uma foto de null, ela estava ligando. Deixei a ligação cair e entrei no carro.
Conectei o celular ao carro pra selecionar alguma música que me deixasse distraído até o caminho de casa. Assim que estacionei na frente do prédio cogitei não descer do carro, mas eu precisava enfrentar essa fera, nem que fosse uma última vez.
- Antes tarde do que nunca. – Mal fechei a porta atrás de mim e null já estava gritando dando início a mais uma discussão.
- Eu estava no lançamento do meu livro. Que você se recusou a ir e que inclusive leva o seu nome. – Disse calmamente.
- Eu assisti a transmissão, vi que você disse a um dos leitores que sou real.
- Não acho que tenha necessidade de esconder quem você é. É muito importante.
- Muito bonitinho tudo isso, mas agora eu preciso voltar pro hospital.
- Me conte uma novidade, null.
- A gente vai começar com isso de novo, null?
- O que você quer que eu diga? Sua carreira está em primeiro lugar, sua pesquisa, a chefia da cirurgia. Tudo consegue ser prioridade, menos o nosso relacionamento.
- Você sempre soube que a minha vida era assim, eu deixei isso claro desde o início.
- Eu sei. Eu escolhi isso porque achei que aos poucos você fosse relaxar, acreditava que a gente fosse capaz de construir algo especial juntos.
- Mas eu nunca quis nada disso, não te prometi uma família feliz com filhos e uma casa com piscina. – null cuspia as palavras com uma calma, nunca tinha visto ser tão verdadeira.
- Como eu disse, você sempre está em primeiro lugar. Eu não aguento mais isso de ficar me submetendo a esse papel de sombra da médica bem sucedida que precisa de um marido para posar nos eventos e nas fotos do hospital.
- Então é melhor você ir...
- Assim? Fácil? Você só quer que eu vá?
- Não tenho tempo pra implorar que fique, nem pra continuar com essa discussão. Você deveria me entender, ou pelo menos tentar. A escolha que eu fiz é pra viver em função do trabalho, permiti que você se aproximasse achando que seria diferente de qualquer outro relacionamento que tive antes, mas nada mudou.
- Tudo bem null, ou melhor Doutora null. Tenha um bom dia no trabalho.
Ela bateu a porta atrás de si e ali estava eu naquele apartamento sozinho. Eu realmente irei embora, mas preciso deixar-lhe um bilhete antes. Então peguei um pedaço de papel e uma de suas canetas preferidas e escrevi:
“Você é o sol. Um sol que brilha e faz tudo girar ao seu redor. Mas eu também me tornei um sol graças a você e por tudo sou grato. Espero que entenda que de longe estarei te dando todo o apoio que precisar e estarei pronto para te aplaudir com conquistar tudo o que deseja. Até breve, null null.”


Fim!



Nota da autora: Oiê, tudo bem? Se você chegou até aqui, muito obrigada por ter lido! Ficarei com seu comentário aqui embaixo! Beijinhos :*





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