FFOBS - 15. The Show Must Go On, por Flávia Coelho
Finalizada em: 15/07/2018

Prólogo

Ouvi o telefone de casa tocar e parei de secar o cabelo e segui de volta para o quarto onde Oliver estava sentado, passando os olhos por um dos meus rascunhos e eu peguei o telefone, apertando o botão e voltando para o banheiro.
- Alô? – Falei, pendurando o telefone na orelha e pegando o pente com a mão livre.
- ? – Ouvi um barulho alto do outro lado que logo foi abafado.
- Quem é? – Perguntei, franzindo a testa.
- , seu melhor amigo. Quem você acha? – Soltei uma gargalhada.
- Ei , como você está? – Perguntei, abaixando o pente.
- Estou bem e você? – Ele falou.
- Estou bem também! – Falei sorrindo.
- Ei, deixa eu perguntar, você vem comemorar meu aniversário, não é? – Mordi meu lábio inferior.
- Não vai dar, . Eu vou sair com Oliver. – O ouvi bufar do outro lado da linha.
- Ah, qual é, ! Eu te conheço desde os três anos, você está com esse idiota há três meses. – Soltei o ar pesadamente.
- Eu não vou sem ele, . – Ele gargalhou sarcasticamente.
- É eu até poderia convidar ele, mas eu não o quero aqui. Eu não gosto dele. – Ele falou e eu revirei os olhos.
- Então eu não vou. – Suspirei.
- Ele está te impedindo de sair, não está? Te proibindo de vir, não é?! – Suspirei, revirando os olhos.
- Nada a ver, . Só que eu estou com ele agora, igual você e Amanda.
- É, mas as pessoas gostam da Amanda e ela não se importa se eu sair contigo. Até gosta da nossa amizade. – Suspirei.
- Você está falando besteira, !
- Então venha aqui! Me mostre que você não está deixando um cara controlar sua vida. – Suspirei e ficou um silêncio estranho por um momento. – Você sempre disse que quando namorasse não deixaria ninguém ditar sua vida, parece que as coisas mudam, não? – Ele falou.
- Se você não quiser nunca mais me ver na sua vida, é melhor parar de falar agora. – Falei com meu tom de voz baixo, encostando a porta do banheiro.
- Não vou parar! Eu sou seu amigo, não estou aqui só para te falar coisas boas. Estou aqui para te falar algumas verdades, . – Ele falou bravo.
- Eu vou desligar! – Falei, respirando fundo.
- Tudo bem! Mas saiba que enquanto estiver com esse cara, nós nunca mais seremos o mesmo. – Ele suspirou. – Espero que você enxergue isso um dia. – Suspirei.
- ... – Falei, ouvindo a linha ficar muda do outro lado.
Passei a mão na testa e respirei fundo, apoiando o telefone na pia. Balancei a cabeça e continuei a pentear meu cabelo e não consegui conter uma lágrima solitária que caiu e, de repente, eu não tinha mais vontade de sair.
- Está tudo bem? – Oliver apareceu na porta do banheiro e eu confirmei com a cabeça.
- Sim! Está! – Sorri. – Vou terminar de me arrumar.


Capítulo Único

Ouvi o despertador e me levantei da cama, fazendo uma careta quando meu ombro doeu, mas tentei ignorar isso. Segui em direção ao banheiro e me encarei no espelho, vendo o largo curativo que cobria toda a extensão do meu ombro esquerdo, além da cicatriz que cruzava a testa até um dos olhos e terminar próxima à orelha direita. Além do bigode sempre aparado.
Puxei o começo do esparadrapo, franzindo a testa com o adesivo repuxando minha pele e tirei todo esparadrapo, vendo o local até mais claro comparado com o resto da minha pele. Toquei nas três cicatrizes de bala que eu tinha no ombro e senti as marcas ainda profundas, mas sem dores.
Tirei minha bermuda e cueca e entrei no banheiro, ligando a água fria em cima da minha cabeça. O contato da água fria com meu ombro quente fez com que um choque desse contra a minha pele e eu respirei fundo, balançando a cabeça. Movimentei o braço rapidamente, notando que ele estava um pouco duro ainda, mas suspirei. Tinha que voltar ao trabalho.
Voltei para o quarto e observei a farda bem passada da polícia de Queensland. Coloquei a camiseta habitual branca primeiro e a camisa de manga comprida azul que possuía o brasão da polícia. Abotoei os botões que subiam até meu pescoço e os detalhes com o símbolo da minha patente de Comissário Assistente, duas abaixo da de Comissário, a mais importante. Passei o colete pelo corpo e travei-o nas laterais.
Vesti a calça da mesma cor da blusa e prendi com um cinto de couro preto. Me sentei na cadeira ao lado da televisão e calcei as meias brancas e os coturnos pretos. Levantei e segui para a última porta do meu armário, afastei as camisas dali, encontrando meu cofre prateado. Coloquei a senha do mesmo rapidamente, o ouvi destravar e abri, encontrando meu coldre com a arma embainhada no mesmo e puxei. Fechei o cofre e ajeitei o coldre na minha cintura. Tirei a arma da mesma e tirei o pente, conferindo se ele estava do mesmo jeito que eu o vi da última vez.
Guardei-o novamente na arma e travei-a, guardando novamente no coldre. Segui para o banheiro e dei uma rápida olhada no espelho. Parecia que nada tinha mudado. Segui desligando as luzes de casa e peguei o boné da polícia no móvel da televisão da sala e saí de casa, batendo a porta.
- E ele está vivo novamente! – Meu parceiro falou de dentro do carro e eu ri, atravessando o portão.
- Noah Lachlan! – Falei para ele. – O que achou das suas férias?
- Férias? – Ele falou alto. – Eu fiquei três meses enfiado no escritório fazendo trabalhos administrativo, boletim de ocorrência, furtos, senhoras que ligam para gente tirar o gato da árvore. – Entrei no carro.
- Isso existe? – Perguntei, passando o cinto de segurança.
- Recebi quatro ligações só disso. – Franzi o rosto, gargalhando em seguida.
- Estou de volta, Noah! – Estiquei a mão para ele que bateu na minha.
- E você? Está inteiro de novo? – Balancei a cabeça. – Ser baleado não é fácil cara.
- Está tudo meio duro ainda. – Mexi o ombro desconfortavelmente. – Mas chega! Preciso voltar para rua.
- Não se esqueça de que você tem um milhão de testes para fazer antes de voltar.
- E você acha que eu esqueci? – Balancei a cabeça. – Começando pelos testes físicos, depois de vista, de reflexos, depois cardíacos, sanguíneos e... Estou me esquecendo de algo, não estou?
- Com certeza! – Ele falou, saindo com o carro. – Mas provavelmente você já fez tudo isso no hospital e eles não querem nem saber. – Soltei uma risada debochada.
- Em uma semana eu acabo isso e volto a resolver crimes importantes.
- Tirar gatos de árvores? – Perguntei.
- Rá, rá, rá! Engraçadinho! – Ele falou e eu balancei a cabeça.
- Espero que tenha bolo para mim.
- Ei, folgado! Nem é seu aniversário!
- Não é! Mas foi quase como se eu tivesse nascido de novo. – Ele riu.
- E você ainda tem coragem de voltar. – Ele balançou a cabeça.
- Você sabe que sem isso eu não sou nada, Noah. É a única coisa que eu sei fazer.
- Sei bem, . Sei bem! – Ele falou rindo.
- Vamos relaxar um pouco. – Falei quando ele parou a viatura em frente à delegacia e alguns dos meus companheiros esperavam com sorrisos no rosto.
***

- “...E assim, a fada colocou suas asinhas para funcionar e ergueu voo, em direção ao arco-íris. Fim”. – Falei para minhas filhas e elas sorriram, suspirando quase sincronizadas. – O que acharam? – Fechei o livro, apoiando na escrivaninha da mais nova.
- Está muito bonito, mãe. – Candance, uma das gêmeas, falou. – E eu não estou dizendo isso por ser sua filha. – Rimos juntas. – Eu e a Clarisse já temos 16 anos, já passamos da idade dos seus leitores. – Sorri.
- Pois é, mãe! – Clarisse falou. – Mas você sabe como eu amo histórias de fadas e vampiros. – Abri um sorriso.
- E você, pequena? – Virei para Crystal de oito anos. – Você é meu público-alvo. – Fiz um carinho em sua barriga e ela gargalhou gostoso.
- Eu gostei, mamãe. Quero que você escreva mais com a fada Daphne. – Sorri, me debruçando sobre seu corpo na cama e dei um beijo em sua testa.
- Pode deixar, querida! O lançamento é em uma semana, mas a editora já encomendou mais cinco livros da fada Daphne.
- Eba! – Ela falou feliz, jogando as mãos para cima.
- Vamos dormir, então? – Perguntei, me levantando e abaixando a saia do meu vestido.
- Vamos sim. – Clarisse falou.
- Tem prova amanhã. – Ela e Candance falaram quase sincronizadas e eu sorri. - Boa noite, Crys! – Elas falaram juntas, acenando para a irmã mais nova e saí junto delas no quarto. Desliguei a luz do quarto de Crystal, vendo o mesmo ser iluminado pelo seu abajur e acenei para ela que virou para o lado.
- Boa noite, mãe! – Clarisse falou antes, dando um beijo em minha bochecha e Candance em seguida, fazendo a mesma coisa.
- Boa noite, mãe!
- Boa noite, queridas! Que as fadas apareçam em seus sonhos.
- Nos seus também! – Elas falaram juntas e eu sorri.
Vi ambas atravessarem o corredor e entrar cada uma em uma porta colorida e se fecharem lá dentro. Soltei um suspiro e observei a capa cor-de-rosa e roxa do meu livro novo, que imitava o espaço, com os desenhos feito à mão por uma amiga e voltei para o meu quarto.
Observei se Oliver já tinha chego e suspirei ao já saber a resposta. Fechei a porta do meu quarto e tirei a roupa que eu tinha ido à reunião e joguei no cesto de roupa suja. Larguei os saltos na porta do closet e segui em direção ao banheiro.
Me sentei no banco embaixo da penteadeira e procurei pelo meu demaquilante. Coloquei um pouco no algodão e fechei os olhos, passando-o de cima para baixo sobre meu rosto, sentindo uma ardência nos machucados. Aguentei a dor por mais um tempo e abri os olhos novamente, encontrando meu rosto com algumas marcas roxas da noite passada e duas cicatrizes grandes, uma na boca e outra na bochecha esquerda.
Soltei um suspiro e mordi meu lábio inferior, para impedir que as lágrimas começassem a surgir novamente e balancei a cabeça. Me levantei da penteadeira e joguei uma água rápida em meu rosto, secando-o delicadamente com um papel.
Voltei para o quarto e vesti uma camisola fina, para evitar qualquer contato em minhas costas e em minha barriga. Sentei na minha escrivaninha e abri meu computador, vendo o manuscrito da noite passada. Passei a mão sobre a boca rapidamente, pensando como continuar e balancei a cabeça, me assustando com um barulho vindo da porta.
Oliver chegou irritado mais uma vez. Ele jogou sua maleta no chão e bufou diversas vezes. Preferi me manter fixa às palavras que eu tinha escrito alguns dias antes, imaginando que alguma coisa pudesse sobrar para mim novamente.
Espiei-o por canto de olho e o vi puxar sua gravata raivosamente e quando ele notou minha presença, eu voltei a fingir interesse pelo meu trabalho.
- Você está aqui. – Ele falou sutil e grosso ao mesmo tempo.
- Estou! – Falei simplesmente, abaixando a tela do meu notebook e olhando para ele. – Como foi seu dia? Quer compartilhar? – Perguntei, tentando manter meu tom mais amável possível.
- O que parece? – Ele falou se aproximando de mim. – Aquele pessoal é incompetente, não é à toa que a empresa está afundando. – Assenti com a cabeça.
- Já falei que você deveria procurar outro emprego. – Suspirei, franzindo a testa em seguida. – Você tem um grande potencial, consegue emprego em qualquer lugar. – Falei, ficando de lado na cadeira e me levantando.
- Eu não quero pensar nisso agora. Amanhã tenho uma reunião com os investidores e discutiremos melhor o futuro da empresa. – Assenti com a cabeça. – Preciso terminar a apresentação para o RH. – Ele se virou para mim. – Mas você poderia me acalmar um pouco, o que acha? – Suspirei, sentindo-o passar a mão em meu corpo, fazendo latejar os locais machucados.
- Hoje não, Oliver. Preciso cumprir meu prazo. Preciso entregar pelo menos o primeiro capítulo antes da festa de lançamento.
- Que isso, amor. – Ele riu debochado, como sempre fazia. – Escreve qualquer coisa aí que a fadinha fez e está tudo certo. – Empurrei-o pelos ombros.
- Eu não gosto quando você fala assim do meu trabalho, Oliver. Já mandei você parar. – Falei com a voz firme.
- Mas é! É só história para crianças. – Soltei um suspiro alto e me afastei dele. – Não precisa ser nada muito elaborado.
- Não se esqueça de que são essas “histórias de crianças” que nos deram 90% do que temos hoje.
- Então, você está dizendo que nos sustenta? – Ele se virou para mim.
- Você sabe o que eu disse! – Falei suspirando e me virei para o computador novamente.
Senti Oliver puxar forte meu cabelo e eu até arriei as pernas com a dor. Movimentei os braços em sua direção, batendo os cotovelos nele para que ele me soltasse e ele segurou com força em minha mandíbula, erguendo meu corpo para cima.
- Nunca mais se atreva a dizer que você banca essa casa, porque isso não é verdade. – Bati forte uma das mãos em seu peitoral, fazendo com que ele soltasse meu rosto.
- Não toque em mim. – Falei, passando a mão no local pressionado.
- Eu faço o que eu quiser. – Ouvi sua voz e ele puxar novamente meu cabelo, mas da segunda vez eu fui para o chão, batendo o ombro na quina da escrivaninha. – Não tente me controlar. Você não vai conseguir. – Puxei o braço, sentindo-o doer e respirei fundo, esperando pelo chute que ele deu em seguida.
Meu corpo ficou entre seus pés e os pés da escrivaninha e eu senti a dor por três vezes entre minha barriga e seios. Fechei meu corpo com uma concha, com os cabelos jogados no rosto e respirei fundo, engolindo as lágrimas novamente.
- Se você não parar com isso, Oliver. Um dia eu vou te matar. – Falei baixo, sentindo sua respiração próxima à minha.
- Você não tem coragem de fazer isso. Nem de largar. Você me ama! – Suspirei, tremendo de medo ao sentir um beijo em minha testa e fechei os olhos.
- Que romance fracassado! – Falei baixo.
Ouvi um barulho forte de porta e tirei os fios do rosto lentamente, vendo que eu estava sozinha novamente. Me levantei com dificuldades, apoiando as mãos no chão e olhei para o corte em meu ombro e fiquei feliz por não ter sangrado e sujado o tapete.
Analisei o absurdo que eu tinha pensado e balancei a cabeça um pouco. Segui para o banheiro e passei uma toalha molhada em meu braço, sentindo-a arder em contato com o corte. Lavei meu rosto, ele estava vermelho novamente e o corte da bochecha havia aberto.
Peguei meu notebook e saí do quarto, parando no alto da escada, vendo Oliver sair a passos rápidos pelo local e ouvi a porta bater, estilhaçando o vidro da frente. Suspirei e desci as escadas, seguindo para a parte de trás de casa, onde ficava a casa de bonecas de Crystal.
Entrei na mesma e me sentei no chão, em um canto. O forte cheio de madeira incomodava meu nariz, mas poderia trabalhar melhor ali. Em paz, na companhia de personagens que não existem.
***

- ! – Parei de jogar a bola antitédio para cima e olhei para o meu comissário que saía de sua sala. – Está ocupado?
- O que parece? – Perguntei e ele riu.
- Sei que você cuida de casos um pouco mais interessantes, mas acabou de ser reportado um roubo na parte sul da cidade. Roubo de loja. Se importa em dar uma olhada? – Assenti com a cabeça.
- Eu vou lá! – Falei e ele esticou o papel da ocorrência e eu peguei o mesmo. – Cadê Noah? – Falei um pouco mais alto, vendo as poucas pessoas na delegacia.
- Não tenho nem ideia! – Meu superior falou e eu dei de ombros.
- Talvez não precise dele. – Falei ajeitando o coldre em minha cintura e pegando a chave da viatura em cima da mesa.
Saí da delegacia sentindo o sol quente de Brisbane em meu rosto e coloquei os óculos escuros. Destravei o carro e entrei no mesmo. Olhei o endereço no papel e franzi a testa ao ver que eu teria que ir para Rocklea. Como mandam alguém da delegacia central para resolver um pequeno crime em um dos bairros no subúrbio da cidade?
Nem me preocupei em dirigir rápido. Meu superior já tinha me passado a tarefa com calma, então eu provavelmente deveria cuidar só da parte de investigação quando chegasse lá. Com certeza o criminoso já teria fugido há tempos.
Cheguei ao local do crime e vi que estava como se nada tivesse acontecido. Saí da viatura, andando em direção à conveniência onde o crime aconteceu. Me aproximei da fachada da loja, procurando algum sinal de arrombamento ou material quebrado, mas nada. Entrei na loja devagar, olhando que todos os materiais aparentavam ajeitados e organizados. Poderia ser pelo fato de fazer horas que o crime aconteceu.
- Ah! Finalmente vocês apareceram! – Olhei para o moço atrás do balcão e ele olhou para a porta. – Só veio você?
- O que esperava? A força tarefa da polícia de Queensland inteira? – Perguntei irônico e me apoiei no balcão. – O que aconteceu aqui? – Olhei em volta novamente, procurando alguma prova.
- Foi roubado, obviamente. – Ele falou sarcástico. – O que você é? Júnior? – Ele perguntou.
- Comissário Assistente. – Falei.
- E te mandaram para essa missão? Roubaram pertences meus, mas não é nenhum assassinato de uma estrela famosa. – Ele falou debochando de mim e eu mantive minha feição série. – Desculpe! – Ele falou e eu revirei os olhos.
- Se preferir eu posso ir embora e você se resolve com seu dito roubo.
- Ok, desculpe! – Ele falou, dando a volta no balcão. – É o seguinte. Eu fui abrir a loja mais cedo e senti falta da minha mochila. Ela sempre fica aqui do lado no balcão e eu só tiro ela daqui quando tem entregas de produtos.
- E ela estava aqui mais cedo? – Perguntei.
- Sim, as entregas são feitas na parte da tarde. – Ele suspirou, cruzando os braços.
- Você trabalha sozinho? Tem mais alguém aqui?
- Tem o entregador. Mas ele vem na parte da tarde e vai embora logo depois. Eu vi a mochila depois disso.
- Tinha algo relevante dessa mochila? – Perguntei. – Dinheiro, produtos?
- Um pouco de dinheiro, cerca de 200 dólares e alguns produtos eletrônicos que vendemos. – Olhei em volta da loja cheia de bala e salgadinhos.
- Eletrônicos? – Perguntei.
- Ah, sabe como é, não tá dando muito dinheiro...
- Eu vou deixar passar sua venda não autorizada de materiais eletrônicos e dar uma volta para ver se acho sua mochila. Mas se não encontrar, estaremos quites, combinados? – Falei e ele arregalou os olhos.
- Você faria isso? – Ele perguntou.
- Você me fez vir até Rocklea, então... – Dei de ombros, batendo forte no balcão, assustando-o e saí da loja.
Revirei os olhos diversas vezes. Eu realmente não deveria ter saído da delegacia hoje. Eu cuidava de casos mais... emocionantes, digamos assim. Assassinatos, estupros, tráfico de drogas e por aí vai. Já havia passado da minha fase de procurar culpados de pequenos roubos e furtos. Ou lidar com idiotas que ligavam para a polícia para um roubo de 200 dólares e acabavam se denunciando por venda ilegal de eletrônicos. Sem mencionar nas formas que ele adquiriu esse equipamento.
Mas também não seria eu quem me preocuparia com isso agora. Tinha que manter meu ânimo para chegar à posição de Comissário Chefe. Eu tinha quase 50 anos, quase 30 só de polícia e comprometimento, estava chegando a hora de provar meu valor. Se um grande caso aparecesse e eu pudesse me provar, conseguiria o posto.
Andei um pouco pelas redondezas da loja, passando por uma saída de garagem que dava em um beco ao fundo. Franzi a testa e andei devagar pelo local, vendo a saída da conveniência com a placa para somente funcionários. Empurrei a mesma com a ponta dos dedos e joguei minha cabeça para trás encontrando uma mochila preta atrás da mesma.
Me abaixei e abri a mesma, encontrando algumas caixas de tablets e celulares de uma marca bem estranha e desconhecida. Abri um dos bolsos externos, encontrando um bolo de notas pequenas em dinheiro e guardei tudo de volta, segurando a mesma com força e bati a porta com força, seguindo pelos corredores da loja.
O vendedor de antes estava debruçado sobre o balcão, fazendo bolas de chiclete e conversando animadamente com alguém no telefone. Joguei a mochila em sua direção, assustando-o, deixando cair o telefone no chão.
- Ah, você encontrou! – Ele falou animado e eu revirei os olhos.
- Da próxima vez que for ligar para a polícia por um roubo pequeno, dê uma procurada melhor, ok?! – Falei firme. – Da próxima vez não serei tão legal. – Saí sem antes esperar sua resposta e entrei no carro novamente, suspirando. Puxei o rádio do carro, apertando o botão.
- Delegacia? – Falei firme.
- Na escuta.
- Tudo certo em Rocklea. – Falei, colocando o rádio com força no lugar novamente e apertando as mãos firmes no volante, antes de relaxar o corpo no assento.
Eu estava precisando voltar a ter emoção de novo, nem que isso fizesse com que eu ficasse mais três meses de repouso por um resultado de um tiroteio em uma perseguição policial. Pelo menos o bandido havia sido preso.
***

Me olhei no espelho, sorrindo ao ver o quão bonita eu havia ficado naquele vestido da nova estilista ELLIE. Passei a mão em meu cabelo, colocando a franja atrás da orelha e virei de costas, vendo que o coque desleixado deixava minhas costas de fora. Virei o corpo de lado um pouco, vendo um ponto roxo no meio das minhas costas e suspirei.
- Mily, por favor! – Falei para minha ajudante. – Poderia...? – Apontei para minhas costas e ela assentiu com a cabeça, pegando a base em minha gaveta e uma espoja, passando-a levemente em minhas costas. Vi o ponto roxo sumir e ela se levantar novamente.
- Senhora... Eu sei que não deveria me meter, mas... – Ela suspirou.
- Eu sei, Mily! – Balancei a cabeça. – Não pense que eu o deixo fazer isso porque eu gosto. – Ela soltou um longo suspiro. – Eu só estou esperando o momento certo...
- Qual momento, senhora? Ele te matar? – Ela falou quase em um sopro e eu dei um pequeno sorriso. – A alma pode estar bem, mas um corpo não aguenta muito.
- Só confira se as meninas estão prontas, pode ser? – Perguntei. – Confie em mim, em breve eu, as meninas e até você, estaremos longe daqui. – Ela assentiu com a cabeça.
- Espero que um dia eu realmente veja isso, senhora. – Ela sorriu.
- Como está minha linda esposa? – Mily se retirou do closet quando ouviu a voz de Oliver e eu saí logo atrás dela, encontrando Oliver bem vestido na porta do mesmo. – Você está maravilhosa! – Ele falou e eu sorri, passando a mão em seus ombros.
- Você também, querido! Esse terno ficou sensacional! – Tentei manter meu entusiasmo, sorrindo.
- Obrigado! – Ele falou, colando os lábios nos meus em um curto beijo. – Vamos? Hoje é a sua noite!
- Claro! – Sorri. – Vai descendo. Vou chamar as meninas.
- Beleza! Vou falar com seus amigos editores, escritores e tudo mais! – Ele falou empolgado e me assustei com suas mãos batendo uma na outra e o vi sair pelo quarto.
Puxei o ar três vezes, me olhei de perto no espelho para ver se os roxos e cicatrizes estavam escondidos por baixo da maquiagem e fechei os olhos. O choro subiu à garganta novamente, mas me mantive firme.
Pensei no que disse para Mily. Eu pretendia sair de tudo isso, eu não era tonta ou gostava de apanhar, não era isso. Mas minhas filhas nunca souberam o que acontecia nessa casa e elas, principalmente Candance, gostavam tanto de Oliver que tinha medo de contar para elas o que estava acontecendo e elas não acreditarem em mim. Além do fato de eu não sair dali sem elas.
Eu poderia dizer que Oliver nunca foi assim, que isso era algo de pouco tempo, mas sim, ele sempre foi assim, eu só não vi. A agressão física começou há alguns anos, mas nem sempre sofrer abuso é físico. Eu não reparei quando começamos a namorar, mas ele me impedia de sair, de ver meus amigos, de fazer o que eu queria. Mal consigo me lembrar de todos os amigos que se afastaram por causa dele. Mas na época eu não notei, eu era uma tonta apaixonada que estava se formando na faculdade de literatura.
Há três meses eu tinha alugado um apartamento em Los Angeles. Pretendia usar como desculpa a divulgação do meu livro nos Estados Unidos para nunca mais voltar, além de bater com as férias das meninas. Com a empresa que ele trabalhava indo de mal à pior, ele teria só os lucros do meu livro para se bancar, o qual eu já estava repassando mensalmente para uma conta no exterior.
Eu acredito que ele não saiba de nada, afinal, a única parte que ele cuida são as contas da casa que estão em uma conta conjunta, mas enquanto eu não seguia com meu plano, eu repassava uma quantidade significante para que ele não notasse nada. Às vezes ele perguntava por que o lucro daquele mês havia sido menor, e eu falava que as vendas estavam em baixa ou eles estavam preparando uma nova edição do livro e estava em falta. Coisas plausíveis e que poderiam ser reais.
- Como estão minhas meninas? – Apareci no quarto das gêmeas que sorriram. – Meu Deus! Como vocês estão lindas! – Entrei na mesma, vendo Candance com um vestido azul e Clarisse com um vestido roxo.
- Obrigada! – Elas falaram juntas e eu sorri.
- Ah, eu tenho tanto orgulho de vocês. – Suspirei, passando a mão em seus cabelos, lisos de Candance e cacheados de Clarisse.
- Nós temos de você, mãe! – Clarisse falou me abraçando e apertando meu abdome, me fazendo gemer um pouco. – Desculpa! – Ela falou. – Está tudo bem? Eu nem apertei tão forte.
- Academia, minha filha! – Falei e elas riram. – Preciso de muita abdominal para ficar com essa barriga magrinha aqui. – Elas gargalharam juntas. – Agora vão. – Bati de leve no bumbum das duas.
- Vamos pegar a Crystal! – Candance falou animada e ambas saíram correndo pela porta do quarto que elas dividiam e que estava com a divisória aberta.
Olhei a diferença das duas e achei engraçado. Ambas gostavam muito de coisas intergalácticas, estrelas e astrologia, mas a decoração de ambos os quartos era interessante, principalmente quando elas levantavam aquela divisória.
Saí do quarto delas, batendo a porta aberta e vi ambas brincando com Crystal que usava um lindo vestido azul.
- Mamãe! – Ela falou sorrindo e correu em minha direção.
- Aqui está minha menina! – Falei e a segurei no colo, franzindo o rosto quando ela bateu os pés em meu corpo e não demonstrei.
- Vai dar tudo certo, mãe! – Ela sorriu, estalando um beijo em minha bochecha e eu fiz o mesmo.
- Vai sim, querida! Agora vamos, a fada Daphne precisa voar. – Ela sorriu e coloquei-a no chão de novo.
- Eba! – Ela falou animada.
- Vamos juntas? – Falei para elas que sorriram.
- Vamos! – Elas falaram e eu dei a mão para Crystal e as gêmeas seguiram na minha frente.
Andei pelo largo corredor do segundo andar e parei sobre a bancada, observando a festa lá embaixo. Diversas pessoas com taças de vinho, sorrisos no rosto e roupas elegantes, além da suave música que tocava ao fundo, que provavelmente entediaria minhas mais velhas e seria trocada antes do dia seguinte.
Ouvi as pessoas aplaudirem e abri um sorriso, passando na frente das gêmeas de mãos dadas com Crystal e desci as escadas em curva da minha mansão, vendo as pessoas começaram a prestar atenção em mim e minhas meninas. Parei no último degrau, vendo Oliver ao lado da escada e esperei os aplausos cessarem para que eu pudesse falar.
- Boa noite! – Falei sorrindo. – Sejam bem-vindos ao meu lar. É aqui que eu entro no Mundo das Maravilhas, no Paraíso das Fadas e no Mundo das Lágrimas. – Citei locais dos meus livros. – Gostaria de agradecer a presença de todos aqui para o lançamento do primeiro livro da nova série da fada Daphne. – Eles aplaudiram. – Dessa vez ela está entrando no arco-íris, um lugar colorido, bonito, feliz e cheio de aventura! – Minha Crystal sorriu ao meu lado. – Todos acham engraçado que eu, com meus quase 50 anos, fale das fadas como minhas amigas, como meus seres de luz, mas foram elas que viraram minha fórmula de escape. – Sorri. – Quando o dia não está bom, quando minhas filhas estão tristes ou quando as coisas simplesmente não saem como planejado, eu entro no Mundo das Fadas, e lá nada é triste, nada é ruim e todos te recebem com um sorriso no rosto. – Vi vários sorrisos à minha frente. – Então, essa noite, sejam bem-vindos ao Mundo das Fadas. O lugar que não importa sua idade, sua crença, sua cor, seus gostos, você é bem-vindo. – Suspirei. – Então, acreditem nas fadas, não importando sua idade, elas podem te dar forças para voar, mesmo que metaforicamente. – Sorri, suspirando em seguida. – Espero que vocês gostem da história, se divirtam e repassem para qualquer criança que encontrarem. – Suspirei. – E obrigada à minhas filhas e meu marido por serem minha inspiração dia-a-dia. – Engoli em seco, sabendo que precisava encher a bola de Oliver um pouco para ele não se sentir em segundo plano. – Vamos festejar! – Sorri, abraçando Clarisse de lado.
***

Estacionei na entrada rápida da delegacia exatamente meia noite e suspirei. Que comece o plantão de oito horas. Saí do carro, puxando minha mochila da mesma e subi os poucos degraus que davam para a delegacia central de Brisbane.
- Boa noite, Regina! – Falei para a atendente do outro lado do balcão.
- Boa noite, comissário ! Tudo certo? – Ri fraco.
- Comissário Assistente, Regina. Vamos devagar. – Ela riu.
- Acho que já podemos te chamar de comissário. O chefe se aposenta em quatro meses, você é o próximo da lista e todos te adoram, incluindo ele.
- Eles adoram o trabalho que eu faço. Se passassem mais tempo comigo veriam que minha vida é bem chata! – A mais jovem gargalhou.
- Então me deixe reformular. – Ela riu. – Eles admiram seu trabalho. Não é qualquer um que levaria um tiro para proteger um parceiro. – Sorri.
- Confesso que ainda não sei como levei esse tiro, Noah é bem maior que eu. – Ela riu.
- A mulher queria acertar. – Ri. - Imagina só se fosse uma das ex-esposas dele. – Franzi o rosto.
- Oh, imagine só! – Brinquei. - Cadê ele afinal? Já chegou?
- Já sim! – A soldado falou. – Deve estar atacando a cozinha. A janta está muito boa, se quer saber. – Ponderei com a cabeça.
- Bem, confesso que já jantei, mas vamos dar uma olhada, quem sabe a sobremesa? – Ela riu.
- Vai lá! – Ela falou.
- Será que a noite vai ser interessante? – Perguntei para ela, seguindo pela segunda porta.
- Algum pequeno furto sempre tem. – Ri fraco, balançando a cabeça.
- Falei interessante, soldado! – Ela riu.
- Eu aviso! – Ela falou e eu empurrei a porta que dava para a parte interna da delegacia, vendo-a vazia, como costumava ficar num sábado à noite tedioso.
Joguei minha mochila na minha cadeira e tirei o coldre um pouco, colocando-o em cima da mesa. Segui para o fundo, passando pela porta da copa, encontrando Noah se deliciando em um donut coberto de confeitos coloridos.
- Você é o policial que crianças veem em filmes. - Falei. – Grande, gordo, se matando de comer rosquinhas. – Falei e ele parou, fazendo uma careta para mim e eu gargalhei.
- Aceita? – Ele falou com açúcar no bigode.
- Estou bem! – Falei rindo. – Falando nisso, não quero sujar meu bigode com açúcar. – Toquei o meu delicadamente, ele passou a mão no rosto e eu assenti com a cabeça, vendo-o passar a mão diversas vezes em seu rosto.
- E aí, o que vai ser essa noite? – Ele perguntou, saindo da copa. – Dancing with the Stars? Damas? Xadrez? Pôquer?
- O chefe proibiu jogos de apostas, esqueceu? Rodriguez se empolgou um pouco e as coisas foram perdendo o rumo. – Ele riu fraco.
- Já tá virando chefe, ? – Balancei a cabeça, colocando minha mochila no chão e me jogando na cadeira de rodinhas, girando para ficar de frente para Noah.
- Todo mundo está dizendo, mas confesso que eu não sei o que fazer quando esse dia chegar. – Ele franziu a testa.
- O que você está dizendo? – Ele não deixou com que eu o interrompesse. – Você vai ser chefe, cara. Isso é óbvio! Até o governador já falou que quer você como Comissário depois que Gordon se aposentar. – Dei de ombros.
- Mas o problema é que eu não sei se eu quero. – Ele balançou a cabeça.
- Não me venha com crise de meia-idade. – Ele abanou a mão. – O que você mais pode querer fazer da sua vida nessa idade? – Ele perguntou.
- Exato, Noah! Eu sou policial há 30 anos. Faço 50 agora no fim do ano... – Balancei a cabeça. – Sabe o que é isso?
- Definitivamente é crise de meia-idade. – Balancei a cabeça, jogando uma bola de papel nele.
- Sei lá, cara! Mas eu queria algo a mais. Esposa, filhos, mas toda mulher que eu conheço treme ao ouvir que eu sou policial. Fica complicado.
- Talvez o problema sejam elas, não você. – Balancei a cabeça.
- Esse assunto está um pouco meloso demais. – Cruzei os braços e ele riu.
- Não sou sua melhor amiga para tricotarmos e fazermos tranças no cabelo uma da outra, mas trabalhamos juntos há uma década. Eu sou a pessoa que mais te conhece e apoia. – Ele deu de ombros. – Afinal, você levou um tiro por mim. – Balancei a cabeça.
- Só não pede para eu fazer de novo, cara! Não é legal! – Sua risada ecoou pelo local vazio.
- Treinamos durante dois anos inteiros e nem sabemos como é levar um tiro. Quando acontece...
- Ah, nem vem! Você ainda não sabe! – Ele gargalhou.
- Bem, vamos começar a se ocupar porque são... – Ele ergueu o pulso. – Meia-noite E meia. – Ele falou desanimado, soltando um longo suspiro em seguida.
- O que vai ser, então? Xadrez ou Uno?
- Uno! – Ele falou. – Aproveitar que eu estou no pique. – Gargalhei e abri minha gaveta, pegando o jogo de cartas na mesma e joguei para ele.
***

- É sempre emocionante ver pessoas locais tendo sucesso mundial e seus livros tem algo a mais. Eles não são aquelas histórias curtas de crianças, com cinco, seis páginas. Eles fazem as crianças sonharem, se transportarem para uma realidade de felicidade pura e intensa. – O prefeito da cidade falou sorrindo. – Eu já encomendei várias cópias, vou distribuir nas escolas e gostaria que você fizesse uma turnê pelo estado de Queensland, se possível. Como da última vez.
- Claro! Vai ser um prazer! – Sorri. – Eu peço para minha agente entrar em contato com o seu escritório na semana que vem, pode ser? – Ele assentiu com a cabeça.
- Sim, por favor! Será ótimo. – Ele sorriu.
- Eu tenho uma pergunta. – A esposa do prefeito se aproximou. – Você escreve com tanta proeza esses livros e histórias que parece que você realmente viveu nessa realidade. – Gargalhei, balançando a cabeça. – De onde vem essa ideia toda?
- Olha, eu tenho uma amiga francesa que conta uma história que em um sonho ela foi transportada para esse mundo mágico, especialmente para pessoas boas. E quando eu penso em coisas boas e mágicas, eu penso em fadas e as histórias simplesmente surgem. – Sorri. – Não sei. Mas eu tenho três fadas muito especiais em casa que me inspiram. – Eles sorriram.
- Com licença, senhora. Eu gostaria de te parabenizar pela sua história. – Um senhor se aproximou. – É simplesmente fascinante! Fiquei feliz em patrocinar isso.
- Ah, você é um patrocinador? – Sacudi sua mão. – É um prazer conhecer as pessoas que valorizam meu trabalho.
- Pensaram que eu era louco inicialmente. – Ele mexia minha mão de cima para baixo. – Mas suas histórias inspiram, realmente. – Sorri, assentindo com a cabeça.
- Muito obrigada, senhor. – Sorri para sua esposa também. – Muito obrigada mesmo. É um prazer recebê-los. Eles sorriram.
- Senhora... – Mily cochichou em meu ouvido. – Crystal quer te despedir de você antes de dormir. Ela está lutando contra o sono, tadinha. – Olhei rapidamente meu relógio, vendo que era quase quatro da manhã.
- Também, já passou muito da hora dela dormir. – Ri fraco. – Com licença, senhores. Vou dar atenção à minha filha um pouco. – Eles assentiram com a cabeça e eu segui Mily escadas acima, segurando a barra do meu vestido para não tropeçar e encontrei as gêmeas conversando com alguns amigos no topo da escada. - Vocês precisam dormir também.
- Ah mãe! – Ambas reclamaram e eu balancei a cabeça.
Atravessei o largo corredor e entrei na primeira porta, vendo o quarto da minha filha ser iluminado pelo abajur e ela dormindo com o corpo esticado na cama. Me aproximei da mesma, me sentando no canto da cama e toquei seu rosto, vendo-a se assustar.
- Calma, meu anjo. É a mamãe! – Falei e ela deu um longo bocejo.
- A festa vai demorar para acabar? – Ela perguntou e eu suspirei.
- Provavelmente, querida! Mas não vai te atrapalhar. Qualquer coisa Mily estará aqui contigo e eu estou logo ali. – Ela assentiu com a cabeça, dando outro longo bocejo e eu depositei um beijo em sua testa.
- Me conta uma história? – Ela perguntou, seguindo de outro bocejo, abraçando seu urso de pelúcia.
- Claro, meu amor! – Respondi, sabendo que ela não aguentaria nem dois minutos. – Era uma vez uma linda menina chamava Daphne. – Ela sorriu, fechando os olhos e se virando para o lado. – Ela era igual às outras meninas, mas com uma diferença que ela tinha o coração mais puro de todos... – Ouvi o longo suspiro de Crystal e balancei a cabeça.
Fiz um carinho em sua cabeça e me contive em não puxar a coberta para cima de nós duas e dormir abraçada a ela, mas tinha uma festa rolando lá embaixo e eu precisava continuar sorrindo. Quem sabe eu estaria na cama quando o dia amanhecesse?
Puxei a coberta para cima da minha filha e saí do seu quarto, encostando a porta. Aproveitei que já estava no andar de cima e segui para meu quarto para dar uma conferida na maquiagem. Era sempre necessário.
Entrei no quarto, ligando as luzes e segui para o banheiro, ouvindo os saltos baterem contra o piso de madeira. Me olhei no espelho do banheiro e notei alguns pequenos pontos roxos começarem a aparecer em meu rosto e engoli em seco. Peguei minha base no rosto e comecei a retocar levemente com a ponta dos dedos. Sorte que estava há meia-luz lá na sala e as pessoas talvez não tenham notado, além de estarem um pouco altas por causa do champanhe.
Respirei fundo quando me olhei no espelho novamente e mergulhei as mãos na água gelada, secando-as rapidamente. Eu estava no meu limite. Mas agora eu estava no meu limite e cansada. Não conseguia viver mais assim. Mal espero pelo dia que eu possa sair de casa sem nenhuma maquiagem, onde eu não precise esconder os resultados da guerra doméstica.
- Ah, você está aqui! – Me assustei quando encontrei Oliver dentro do quarto com uma garrafa de uísque na mão e engoli em seco.
- Eu fui colocar Crystal para dormir e aproveitei para retocar a maquiagem. – Dei um pequeno sorriso e me aproximei dele. – O que está achando da festa? - Perguntei honesta. – Divertida, não?
- Divertida? – Ele perguntou debochado e eu automaticamente coloquei as mãos em frente ao meu corpo. – Ver você dar em cima de todos os homens que falam contigo é divertido?
- O que você está dizendo, Oliver? – Coloquei as mãos na cabeça. – Eles são investidores, patrocinadores, agentes, o prefeito! – Balancei a cabeça, revirando os olhos. – Quer saber? Eu não vou fazer isso hoje. – Suspirei, colocando as mãos em frente ao corpo. – Hoje é o meu dia e só por um dia, eu gostaria que ele fosse inteiramente dedicado a mim. É possível? – Falei rude e sua feição mudou drasticamente.
- O que você acha que eu sou? Um peão das suas jogadas? Alguém que você fica quando quer e depois joga fora? – Suspirei e ele ergueu a mão, segurando meu pescoço com força, cortando rapidamente minha respiração. – Eu não te devo nada. – Senti minha visão ficar turva e ergui minha perna, batendo na sua e ele soltou meu pescoço, fazendo com que eu levasse minhas mãos imediatamente ao mesmo.
- Eu já disse uma, duas, milhares de vezes: não toque em mim. – Falei entre os lábios, mordendo o lábio inferior com força. Ele gargalhou e eu fiquei com medo do que viria a seguir.
Mesmo com o coque, ele segurou a parte mais baixa dos meus cabelos e puxou para baixo, fazendo com que meu corpo arqueasse para baixo e eu sentisse meus joelhos fraquejarem, me fazendo cair no mesmo. Suas mãos apertaram meu rosto com força, estralando minha mandíbula e eu virei o rosto com força, largando de sua mão.
- Eu vou dizer de novo... – Senti um tapa forte em meu rosto, me calando, e meu corpo foi jogado para trás, fazendo com que eu batesse a cabeça na parede. - Por que você faz isso? Você não me ama? – Falei baixo, mal ouvindo minha voz e respirei fundo, sentindo a cabeça confusa um pouco.
- Como você se atreve a duvidar de mim? – Ele se aproximou de meu corpo e eu escondi o rosto com as mãos. – Eu te amo. Você duvida disso? – Fechei os olhos fortemente, respirando fundo.
- Não, Oliver! Isso não é amor. – Engoli em seco, sentindo um chute em minha barriga e gemi de dor, fechando meu corpo em uma concha. - Não! – Falei baixo, senti outro chute acertar minha canela e respirei fundo, tentando me manter lúcida mais uma vez.
- Você acha que eu não sei sobre o apartamento nos Estados Unidos? – Arregalei meus olhos, encarando-o um pouco turvo acima de mim. – Você quer tirar minhas meninas de mim! – Ele falou mais alto e eu fechei os olhos novamente sentindo uma sequência de três chutes na mesma. – Você não vai fazer isso! – Ele se afastou um pouco e senti um barulho de gaveta se fechando e um som de trava eletrônica e abri os olhos, erguendo o rosto e dando de cara com uma arma apontada para mim. – Eu não vou deixar com que você faça isso. – Ele falou e eu respirei fundo.
- Me mata de uma vez! – Falei, engolindo em seco. – Eu já vivo no inferno mesmo. – Senti as lágrimas começarem a escorrer de meu rosto. – Isso já durou muito tempo. – Respirei fundo. – Eu só sinto pena pelas meninas terem que ficar com um monstro como você. – Mordi meu lábio inferior fortemente e soltei o ar fortemente. – Vai! – Foquei meus olhos nos seus e eu vi suas pupilas vermelhas, talvez pela bebida, e sua mão tremia bastante. – Eu não tenho mais medo de você, Oliver. Eu tenho pena. – Balancei a cabeça.
- Não pense que eu não faço. – Ele falou, se aproximando com a arma da minha cabeça, se ajoelhando ao meu lado e apoiando-a em minha testa, deixando seu rosto muito próximo ao meu.
- Então, faça! – Suspirei, sentindo as lágrimas caírem incansavelmente de meu rosto.
- Pai, o que você está fazendo? – Ouvi um grito vindo da porta e isso assustou Oliver, aproveitei o momento e empurrei seu peitoral com a mão livre, fazendo-o cair.
- Candance, vá embora daqui agora! – Falei, me levantando o mais rápido que eu podia e Oliver se levantou na mesma pressa.
- Não, mãe! – Ela gritou chorando. – O que está acontecendo aqui? – Engoli em seco, sentindo Candance atrás de mim e eu respirei fundo.
- Vá embora, querida! Por favor! – Engoli em seco. – Eu não quero que você veja isso.
- Veja o quê? – Olhei para Oliver que estava um pouco desestabilizado com a presença da sua favorita e respirei fundo.
- Isso não é nada. – Ele falou, tentando esconder a arma atrás do corpo.
- Pai, você está apontando uma arma para mamãe. – Ela gritou com toda sua força. – É alguma coisa! – Engoli em seco, não conseguindo decifrar o próximo movimento dele.
- Vá embora, Candance! – Ele falou entre dentes. – Deixe eu e sua mãe sozinhos. – Ele falou e eu notei o olhar de desespero de Candie.
- Não! – Ela falou, se colocando em minha frente e notei as lágrimas deslizando pelo seu rosto. – Eu não sei o que está acontecendo, mas não vou te deixar sozinha com a mamãe. – Ela se aproximou dele.
- Filha... – Falei baixo, tentando segurar seu braço.
- Eu disse para sair, Candance! – Ele gritou e eu me assustei com isso.
- Não! – Ela falou no mesmo tom de voz e eu gritei quando Oliver ergueu a mão com a arma a acertou no rosto de Candance, fazendo-a cair por cima de uma poltrona.
Meu instinto de mãe gritou naquele momento. Enquanto Oliver se distraía com Candance, eu me joguei em cima dele, enchendo-o de tapas e socos, não me importando onde acertava. Notei que Candance estava bem quando ela chutou Oliver fazendo-o abaixar sua guarda e ela aproveitou para pegar a arma da mão dele, erguendo-a em sua direção.
Ele se levantou com dor e ergueu as mãos acima da cabeça, se afastando alguns passos de Candance. Olhei para minha filha e ela tremia muito e as lágrimas escorriam constantemente de seu rosto.
- Você vai me matar, querida? – Oliver teve a audácia de perguntar e eu me aproximei devagar de Candance para não assustá-la.
- Me dá aqui, querida! – Falei, tocando suas costas devagar e peguei a arma de sua mão. – Saia daqui, por favor. – Pedi com calma, não tirando os olhos de Oliver e eu engoli em seco.
- Mãe... – Ela gemeu.
- Vá, Candance. Por favor! – Falei, sentindo as lágrimas escorrerem de meu rosto.
- Mãe... – Ela falou.
- Por favor, querida! Isso é entre eu e seu pai. – Falei, observando Oliver com as mãos erguidas.
- Porque você quer tanto que ela saia? Por acaso você vai me matar?
- É você ou eu, Oliver. – Engoli em seco. – Você ou as minhas filhas. – Suspirei. – Eu não posso mais viver assim. – Balancei a cabeça, segurando a arma com as duas mãos. – Se eu tivesse ouvido pessoas lá atrás, nós não estaríamos aqui agora. – Suspirei. – Mas eu também não teria minhas filhas e outra pessoa poderia estar sofrendo na sua mão agora. – Suspirei.
- Mãe... – Ouvi Candance atrás de mim e seu tom de voz fez com que mais lágrimas deslizassem com pressa de minha bochecha e pingassem de meu pescoço.
- Sinto muito, querida. – Engoli em seco diversas vezes.
- Vai me matar, meu amor? – Ele perguntou debochado.
- Pelas minhas filhas? – Perguntei para ele. – Sem hesitar. – Engoli em seco. – Feche os olhos Candance.
Esperei com que minha filha fizesse o que eu pedi. Eu não pensei no crime, eu não pensei na situação, eu pensei no sofrimento. Olhei para o rosto de Oliver mais uma vez antes de fechar os olhos e deslizar o dedo pelo gatilho, ouvindo um único estouro ecoar pelo quarto e um forte baque no chão. Senti os braços da minha filha me apertar forte em minhas costas e fiquei um tempo que pareceu uma eternidade de olhos fechados.
Abri os olhos devagar, vendo o corpo de Oliver caído no chão com uma grande mancha de sangue em seu peito manchando a blusa branca de seu corpo e eu senti meus joelhos fraquejarem, até que encontraram o chão.
Soltei a arma de minha mão em um susto e senti as lágrimas começarem a cair com força de meus olhos, mas o alívio tomou conta do meu coração.
- Me desculpe, Candie. – Falei baixo, balançando a cabeça negativamente diversas vezes.
Um grito me distraiu e olhei para a porta, vendo Mily com as mãos na boca e eu respirei fundo, totalmente sem reação.
- Chame a polícia, Mily. Por favor. – Falei, soltando o ar fortemente e me aproximei do corpo de Oliver, vendo seus olhos abertos. Passei a mão em seu rosto, fechando seus olhos e desci a mão para seu peito.
- Eu sinto muito. – Falei chorosa, sentindo a mão tocar o sangue quente e eu balancei a cabeça. – Eu sinto muito. – Falei repetidamente. – Eu sempre vou te amar. – Respirei fundo, apertando seu corpo fortemente e abaixei o mesmo, abraçando-o forte e apoiando meu rosto em seu corpo. – Eu sinto muito. Eu sinto muito, Oliver. Eu te amei muito. Eu só não aguentava mais. – Senti as lágrimas se misturarem com seu sangue, fazendo com que eu respirasse fundo.
***

- Cheque mate! – Falei, derrubando o rei de Noah novamente e ele cruzou os braços, emburrado.
- Você é bom demais! Não dá para brincar contigo. – Gargalhei, conferindo meu relógio que passava das quatro da manhã.
- E agora? O que fazemos? – Perguntei, relaxando na cadeira.
- Stop? – Noah perguntou e eu neguei com a cabeça.
- Acho que eu vou atacar a geladeira, estou com fome! – Suspirei.
- Vou ver se a Regina está tudo bem, vi uma pessoa entrando. – Noah comentou e eu assenti com a cabeça, me levantando com ele.
Estiquei as mãos para o alto, me alongando um pouco e estralei os ombros e pescoço, dando curtos pulos no lugar, esticando o corpo. Antes de Noah sair pela porta, ouvi barulhos rápidos e incisivamente coloquei a mão no coldre, vendo Regina aparecer pela porta, quase esbarrando em Noah no meio do caminho.
- Ei, calma! – Ele segurou os ombros de Regina, fazendo a jovem soldado respirar fundo, balançando a cabeça.
- Aconteceu alguma coisa? – Perguntei, pegando o coldre na mesa.
- Um assassinato! – Ela falou e eu já me atentei, me aproximando dela.
- Onde? – Noah perguntou mais rápido do que eu.
- Em South Bank, em uma mansão próxima à praia artificial e à Brisbane Eye. – Ponderei com a cabeça.
- Roubo seguido de morte? – Virei para Noah.
- Não, comissário. A esposa matou o marido. – Ela falou, fazendo meus olhos arregalarem.
- Quem é a vítima? – Perguntei.
- Oliver Perry! Marido da autora de livros infantis Perry. – Arregalei os olhos e os lábios, precisando me apoiar na mesa atrás de mim quando ouvi o nome da minha antiga amiga.
- Você está bem? – Noah perguntou.
- Como? – Perguntei. – Falaram?
- Um tiro. – Regina falou e eu respirei fundo.
- Você tem o endereço? – Ela esticou o papel da ocorrência. – Vamos lá! – Falei para Noah.
- Ei, cara! – Ele me parou. – Você não me parece tão bem. Tem certeza que quer ir?
- Eu conhecia . – Suspirei. – Éramos amigos quando pequenos. – Suspirei. – Eu conhecia esse cara. – Engoli em seco. – Se eu não estiver errado, isso não foi um crime, foi uma libertação. – Suspirei. – Vamos logo!
- Eu dirijo! – Noah falou e saímos correndo da delegacia. Prendi o coldre de volta no cinto e entrei no carro, puxando a porta com força.
Noah ligou a sirene e colocou o carro em movimento, indo na velocidade máxima que o carro permitia. Tínhamos o horário ao nosso favor, as ruas já estavam vazias, então chegaríamos ao local rapidamente.
- Qual sua história com Perry? – Noah perguntou e eu neguei com a cabeça.
- Não é a hora, Noah! – Suspirei. – Vá mais rápido! – Passei a mão na cabeça, sentindo a respiração falhar diversas vezes, fazendo com que o ar começasse a ficar rarefeito.
Encostei a cabeça no vidro e me coloquei a pensar quantos anos faziam que eu não via . Eu não conseguia fazer as contas, eu só conseguia pensar no motivo dela ter matado Oliver. Eu nunca gostei dele, mas não esperava que ele fosse capaz de... Engoli em seco antes de terminar o pensamento e soltei o ar novamente, sentindo o suor começar a deslizar pela minha testa.
havia seguido seu sonho de ser escritora e conseguiu lançar seu primeiro livro poucos anos depois do fim da faculdade. Ela havia feito literatura e eu logística. Nos separamos lá pelos 25 anos, quando ela começou a namorar esse infeliz. Ela dizia que o amava e que era a melhor coisa que o aconteceu e eu nunca fui com a cara dele. Não gostava do fato dele impedir que ela saísse com seus amigos, o que causou o fim da nossa amizade. Mas nunca pensei que eu fosse me arrepender de não ter lutado pela nossa amizade. De pensar que algum dia aquela pressão psicológica dele pudesse dar em algo mais.
- Aqui na esquerda! – Falei, ouvindo os pneus cantarem quando Noah freou e saímos correndo da viatura, passando pelos grandes jardins da mansão.
- Uau! – Noah comentou, encarando a construção de três andares e eu suspirei, balançando a cabeça.
Passamos pelas largas portas da casa, notei que acontecia uma festa chique no local e vi banners do novo livro de Perry espalhados pelo local. Talvez fosse algum lançamento. Não notei nada de errado no primeiro andar.
- Oh! – Ouvi a reação e virei o rosto para a escada, onde uma Perry bem mais velha do que eu me lembrava aparecia no topo da escada. O rosto manchado de sangue e as mãos avermelhadas até os cotovelos.
- Esvazie o local, chame reforço, isole o segundo andar e só quero os moradores e testemunhas aqui. – Falei para Noah, sentindo a respiração pesada.
- É para já! – Ele falou e eu travei lá embaixo, encarando Perry ser amparada por uma senhora que a segurou pelos ombros.
***

- Senhora, eu chamei a polícia. – Ergui o rosto, colocando a mão na boca, ainda observando o corpo estático de Oliver.
- Mily, tire Candance daqui, por favor. – Suspirei, olhando para minha filha ainda estática ao meu lado. – E chame Clarisse também. – Balancei a cabeça. – Ela precisa saber o que aconteceu. – Suspirei.
- E você, senhora? – Ela perguntou e eu passei a mão no rosto, sentindo-o ser sujada pela maquiagem que escorria junto às lágrimas.
- Eu estou bem. – Suspirei. – Eu estou livre! – Senti um alívio em meu corpo e não consegui deixar de esboçar um sorriso, deixando meu corpo relaxar no chão. Pela primeira vez em 25 anos eu me sentia bem. Sem preocupações, sem remorso, sem culpa... Eu podia sentir que tinha 23 anos novamente.
- Nós contamos para as pessoas? – Mily perguntou em meu ouvido e eu suspirei.
- Temos. – Tirei os saltos de meus pés, me levantando com dificuldade, devido às dores do corpo. – Mas eu preciso contar para Clarisse antes. – Suspirei, olhando para ela.
- Era por algo assim que eu sentia pela senhora. – Mily falou. – Mas que o resultado fosse diferente. – Balancei a cabeça.
- Eu tive que fazer isso. – Falei em um sopro. – Ele ameaçou Candance. – Balancei a cabeça. – Eu estava aguentando enquanto minhas filhas estivessem bem. Ele passou dos limites. – Suspirei.
- Mãe... – Vi Clarisse aparecer no quarto com sua irmã e eu suspirei, me aproximando com pressa da porta do quarto.
- Não entre aqui! – Empurrei ambas para fora. – Sua irmã já viu, mas você não precisa ver isso.
- Candie disse que você... – Assenti com a cabeça, respirando fundo, sentindo Candance me abraçar fortemente de lado.
- Foi necessário, querida. – Suspirei. – Eu não espero que vocês me perdoem, mas eu nunca me senti tão livre... – Dei um pequeno sorriso, mordendo o lábio inferior.
- Não tem nada que te perdoar, mãe. – Candance falou. – Era você ou ele. – Ela engoliu em seco. – Ele te machucava e você nunca nos contou. Nós nunca notamos.
- Eu não sabia como fazer isso. – Fui honesta, puxando o ar fortemente, sentindo as narinas tapadas.
- Está tudo bem agora. – Candance me abraçou e eu olhei para Clarisse que estava um pouco receosa sobre sua próxima reação.
- Eu vou pagar pelo o que eu fiz. – Falei, suspirando.
- Mas foi legítima defesa, mãe. – Candie falou.
- Eu sei, querida. E espero que a justiça veja dessa mesma forma. Mas não é só esse tipo de julgamento. Eu matei alguém, querida. Culpado ou não. Isso não vai me deixar dormir por muitos anos. – Suspirei.
- Vai sim, mãe! – Candance disse. – Você mesma disse que está livre. – Suspirei, dando um rápido beijo em sua testa.
– Eu não sei que punição eu terei, mas vocês são menores de idade, então não sei como vai ser. – Balancei a cabeça.
- Mãe...
- Me escutem! – Interrompi Candie.
- Mas saibam que eu sempre vou amar vocês. – Virei para Clarisse. – Você não é obrigada a me perdoar querida, nem entender. Mas quero que saiba que eu fiz isso para proteger vocês. – Suspirei. – Eu já tinha um plano arquitetado para fugir para os Estados Unidos. Mas a vida não esperou. – Suspirei.
- Eu entendo, mãe! – Clarisse falou, assentindo com a cabeça. – Eu entendo! – Ela repetiu. – Se você se sente livre, não posso imaginar a dor em seu coração. – Ergui a mão em sua direção, abaixando-a quando notei-a ensanguentada e abaixei novamente. Clarisse segurou minha mão mesmo assim, apertando a mesma. – Está tudo bem! – Assenti com a cabeça, respirando fundo.
- Vamos passar por isso. – Suspirei.
- A polícia chegou, senhora. – Mily falou e eu suspirei.
- Vocês podem ficar com Crystal enquanto eu lido com isso? – Perguntei.
- Eu vou querer falar, mãe. – Candance falou e eu assenti com a cabeça.
- Devagar, Candie! – Suspirei. – Não deixem Crystal sair do quarto, não até levarem seu pai... – Balancei a cabeça, não sabendo se era a palavra mais adequada.
- Chama a gente! – Clarisse falou e eu assenti com a cabeça, suspirando.
Candance deu o braço para sua irmã e vi ambas seguirem pelo corredor e sumir no quarto de Crystal, me fazendo respirar aliviada. Passei a mão no rosto, sentindo o sangue começar a secar no mesmo e balancei a cabeça.
- Vamos lá. – Falei, colocando meus pés para andarem pelo piso de madeira e olhei a festa acontecendo lá embaixo. Parecia que ninguém havia se abatido com o barulho de tiro, tirando Mily que apareceu lá rapidamente.
Desci as escadas devagar, não me preocupando em esconder meus braços, sendo que o sangue cobria quase todo meu rosto. Meu olho focou nos oficiais lá embaixo e eu senti minha pressão cair um pouco, fazendo com que eu cambaleasse.
- Senhora... – Mily segurou meus ombros e eu suspirei, ouvindo a reação de surpresa do pessoal.
- Está tudo bem. – Suspirei, balançando a cabeça.
***

- Está tudo pronto. – Noah falou quando os legistas cobriram o corpo e ergueram a maca, fazendo com que eu desse licença para ela passar. Observei a mancha de sangue no tapete branco e respirei fundo.
- Eu preciso falar com ela. – Falei, sabendo que teria que encará-la o mais rápido possível.
- Ela está no escritório. – Ele falou e eu assenti com a cabeça.
Saí do quarto, deixando com que os criminalistas continuassem a reportar o crime e segui para o cômodo do lado, engolindo em seco diversas vezes. Apareci na porta, olhando para o meio do escritório com móveis de mogno e vi sentada na parte de trás da escrivaninha, com o rosto baixo, passando um pano no mesmo, tentando remover o grosso sangue que o cobria, além de seus braços.
- Podemos conversar, senhora Perry? – Perguntei, me aproximando da mesma.
- . – Ela sussurrou baixo seu sobrenome de solteira. – Eu não sou mais Perry há um bom tempo. – Ela ergueu o rosto, colocando o pano úmido em cima da mesa.
- Podemos conversar então, senhora ? – Me aproximei da mesma e ela apontou para uma das poltronas na frente da mesa. – Eu sou , Comissário Assistente da delegacia central de Brisbane. Tomarei conta de seu caso. – Ele ergueu o rosto e vi um pequeno sorriso surgir no mesmo.
- Sabia que era você! – Ela falou, abrindo um bonito sorriso. – Faz muito tempo, mas não poderia esquecer. – Ela sorriu. – Se não fosse pelo bigode, você não teria mudado nada. – Me contive em sorrir.
- Senhora , eu preciso fazer perguntas sobre o que aconteceu aqui essa noite...
- Você tinha razão. – Ela falou, como se eu não tivesse falado nada. – Eu deveria ter me afastado dele quando tive a chance. – Suspirei. – Me desculpe. – Ela falou e eu assenti com a cabeça.
- Já faz 25 anos, . – Aliviei um pouco. – Muita coisa mudou. – Ela suspirou, movimentando a cabeça para cima e para baixo, mesmo não olhando diretamente para mim.
- Eu estou feliz, sabia? – Ela ergueu o rosto para mim, encarando meus olhos. – Minha mente está calma. Minhas mãos não estão tremendo. Eu não preciso me preocupar toda vez que a porta se abre... – Ela deu um pequeno sorriso. – Está tudo bem.
- Você é uma sociopata, senhora ? – Voltei ao profissional, me assustando com essa reação.
- Não! – Ela balançou a cabeça. – Eu não sinto prazer no que eu fiz. Mas eu sofri nas mãos dele por 25 anos. – Ela passou a mão no rosto. – Fisicamente há seis anos. – Ela ergueu o rosto para o meu. – Eu sei que o que eu fiz foi um crime, mas não é crime eu me sentir livre por todos os anos de tortura. – Ela mordeu seu lábio inferior.
Parei um pouco de falar para analisar alguns pontos roxos e cortados em seu rosto. Depois que o sangue sumiu de seu rosto, pude ver os pontos de inchaço, os pequenos cortes ainda sendo cicatrizados e dois roxos, talvez recente.
- O que aconteceu? – Perguntei.
- Eu não consigo lembrar muito bem. – Ela balançou a cabeça. – Eu subi para ver minhas filhas e Oliver veio me confrontar sobre seu ciúme doentio. – Ela pegou o pano novamente, começando a passar em seus braços. – Eu o confrontei de volta novamente, tentando fazê-lo ouvir a voz da razão, mas eu sabia o que viria em seguida. – Ela balançou a cabeça e notei uma lágrima escorrendo pela sua bochecha. – Puxões de cabelo, chutes e pontapés e ameaças ao pé do ouvido. – Ela ergueu o rosto novamente. – Mas hoje foi diferente, ele estava armado. – Tentei não demonstrar reação, mas era difícil ouvir o que sua amiga havia passado. – Ele nunca chegou a esse ponto. Ele descobriu que eu planejava fugir com minhas meninas para longe dele. – Ela puxou o ar fortemente. – Talvez tenha sido esse o motivo: ele não queria que eu as tirasse dele. – Ela se arrumou na cadeira. – Quando ele apontou a arma para mim, Candance, uma das minhas gêmeas, entrou e viu o que estava acontecendo. – Suspirei. – Ele a machucou e, enquanto ele se distraiu comigo novamente, ela pegou sua arma. – Ela suspirou. – Eu pedi para que ela me entregasse a arma e ele fez vários deboches, achando que eu não conseguiria matá-lo. – Ela engoliu em seco. – Não sei se foi a raiva ou se foi pensar na possibilidade dele me tirar as meninas, ou pior, fazer algum coisa a elas... – Ela puxou o ar com força. – Eu puxei o gatilho. – Engoli em seco, ficando quieto por um tempo e balancei a cabeça.
- Você deu um tiro certeiro no peito do senhor Perry. Você fazia aulas de tiro? Ou algum tipo de aula de defesa pessoal?
- Não! – Ela falou honesta. – Eu tinha medo dele descobrir.
- Além da sua filha, mais alguém viu?! – Perguntei.
- Minha governanta ouviu o tiro e foi ver o que houve, mas ele já estava morto quando ela chegou. – Assenti com a cabeça.
- Você me permite falar com sua filha? – Ela assentiu com a cabeça.
- Sim. – Falei. – Ela está no quarto da mais nova. É só isso? – Ela perguntou.
- Sim. – Respondi.
- Você não vai me perguntar meus motivos? – Ela me perguntou.
- Você tem motivos de sobra para o acontecido dessa noite. – Falei, respirando fundo. – Pode chamar sua filha?
- Claro! Vou chamar ela. – Ela se levantou, respirando fundo. – ... – Ela me chamou e eu virei o rosto. - É bom te ver. – Ela deu um pequeno sorriso, sumindo pela porta.
Esperei alguns segundos até ouvir passos e virei o rosto para a porta novamente, vendo empurrar uma menina idêntica a ela quando mais nova e a menina olhou para mãe com dúvidas e somente assentiu com a cabeça e a menina entrou devagar. Observei se afastar da porta, ficando do lado de fora.
- Senhorita Perry, eu sou o Comissário , eu estou cuidando do seu caso. – Falei, esticando minha mão para ela que segurou a mesma, me cumprimentando.
- Sou Candance. – Ela falou. – A gêmea mais velha.
- É um prazer, Candance. – Indiquei a cadeira atrás da mesa. – Gostaria de fazer somente alguns perguntas sobre o que aconteceu aqui. – Observei ela se sentar quieta na cadeira e notei uma mancha roxa em sua têmpora. – Pode me contar o que aconteceu aqui?
- Eu estava lá no topo da escada com minha irmã Clarisse e alguns amigos nossos da escola que mamãe deixou chamar para o lançamento do livro. – Ela apoiou os braços na mesa. – Eu fui perguntar para ela se uma das minhas amigas podia dormir aqui porque ela mora longe... – Ela parou, rindo sozinha. – Parece tão estúpido agora. – Ela falou, soltando um longo suspiro. – Entrei no quarto da minha mãe e meu pai apontava uma arma para ela. Eu acabei confrontando ele, foi onde ele me bateu e me afastou. – Ela respirou fundo depois de falar rápido. – Ele foi bater em minha mãe e eu peguei a arma de sua mão. – Vi algumas lágrimas começarem a rolar de seu rosto e sua voz embargar. – Minha mãe pediu a arma e pediu para eu sair. Mas eu não queria sair... – Sua voz ficou esganiçada. – Eu abracei minha mãe, escondendo meu rosto em seus ombros e ouvi o tiro. – Ela se desmanchou em lágrimas novamente, passando as mãos no rosto.
- Entre ela tirar a arma da sua mão e atirar, demorou? – Perguntei, tentando respirar fundo.
- Cerca de um minuto, ou mais... Ela não queria fazer isso. – Ela suspirou.
- Você sabia que sua mãe vinha sofrendo abuso físico há seis anos? – Perguntei, vendo a reação de surpresa dela.
- Não! – Ela suspirou. – Meu pai sempre foi tão amável com ela que eu pensava que eles eram o casal perfeito e que nós éramos a família da propaganda de margarina. – Ela deu um sorriso de lado que sumiu rapidamente. – Ela não tem culpa, seu policial. – Ela falou com a voz fraca. – Ela deve ter sofrido muito e eu me sinto culpada em não ter notado isso antes. – Ela balançou a cabeça.
- Não é sua culpa, Candance. Nem de sua mãe. – Falei. – É dele! – Falei firme. – Nunca é culpa da vítima. – Ela assentiu com a cabeça. – Onde sua irmã estava?
- Na sacada. Ela não ouviu o tiro, a música já estava mais alta a essa hora. – Assenti com a cabeça.
- E você tem outra irmã, não tem? – Perguntei.
- Sim, Crystal! Ela tem oito anos. – Assenti com a cabeça.
- Onde ela está?
- Ela está dormindo. – Falei. – Minha irmã Clarisse está cuidando dela. – Assenti com a cabeça.
- Obrigada pelo esclarecimento, senhorita Candance. – Ela assentiu com a cabeça.
- Posso ir? – Ela perguntou.
- Sim! – Falei, dando um pequeno sorriso e ela se levantou meio acuada, seguindo para fora do escritório.
Pensei por um momento no próximo passo e coloquei a mão nas têmporas, me sentindo afetado por tudo isso. Eu não costumava ter problemas com esses tipos de crimes, mas eu não conseguia pensar na dor que minha antiga amiga estava sofrendo. Mesmo sem vê-la durante anos, fiquei feliz quando ela me reconheceu. Mas agora eu precisava levá-la e não estava contente em ter que fazer isso.
Saí do quarto, vendo e Candance próximo a primeira porta no corredor e vi a segunda gêmea dela. Idêntica à primeira, idêntica à . Entrei novamente no quarto, vendo que a bagunça já estava mais controlada e me aproximei de Noah.
- E aí? – Ele perguntou.
- As histórias batem. – Virei para ele. – Mas precisamos levá-la, é homicídio. – Balancei a cabeça. – Ela precisa aguardar o julgamento em cárcere privado. – Suspirei.
- Você vai conseguir fazer isso? – Ele perguntou e eu balancei a cabeça.
- Eu tenho! – Peguei o par de algemas em meu coldre e ele assentiu com a cabeça.
- Vai ficar tudo bem. – Ele falou.
- Espero que sim. – Balancei a cabeça e me afastei de Noah.
Saí pelo corredor, vendo e as gêmeas distraídas com algo dentro do quarto e imaginei que poderia ser Crystal, sua filha mais nova. Fiquei ressentido em ter que fazer isso sem que a menina estivesse acordada, imaginei sua surpresa quando ela acordasse e soubesse que sua mãe não estivesse mais ali. Uma das gêmeas cutucou que virou o rosto em minha direção, cruzando os braços.
- O que vai acontecer agora? – Ela perguntou e eu engoli em seco.
- Eu tenho que te levar. – Falei, puxando o ar fortemente.
- O quê?
- Não! – As gêmeas falaram quase em coro e eu senti o choro subir à garganta e ergueu a mão em direção as filhas.
- É realmente necessário? – Ela perguntou e eu assenti com a cabeça.
- É homicídio, mesmo culposo você precisa aguardar o julgamento sob custódia do Estado.
- Mas ela não tem culpa. – Respirei fundo, puxando o ar diversas vezes.
- Ele tem que fazer o que é certo, meninas! – Ela acariciou o rosto das suas meninas, abraçando-as fortemente. – Vai ficar tudo bem!
- Mas o julgamento pode demorar meses ou anos! – balançou a cabeça.
- Eu vou ficar bem. – Ela se virou de costas para mim e cruzou suas mãos nas costas. – Eu amo vocês, ok?! Digam isso para Crystal.
- Mãe! – Uma das gêmeas falou e outra a segurou.
Engoli o choro enquanto colocava as algemas nos punhos de e Noah seguiu em minha frente. Comecei a andar, segurando firme um dos braços de e segui pelo corredor.
- Mãe! – As meninas gritaram e eu vi a governanta aparecer para contê-las.
- Perry, você está presa pelo assassinato de Oliver Perry. Você tem o direito de permanecer calada e tudo o que dizer pode e será usado contra você no tribunal. Você tem o direito a um advogado e caso não possa pagar, o Estado lhe concederá um. Você entendeu os direitos que eu acabei de ler para você? – Falei para ela, enquanto andava com ela pelas escadas.
- Sim! – Ela falou, respirando fundo em seguida.
Observei o local da festa vazio e segui para fora da casa, passando com pelos jardins em frente à sua casa e vi diversos curiosos amontoados na rua. Noah abriu a porta do lado de trás e eu abaixei a cabeça de para que ela entrasse no carro e eu fechei a porta novamente. Entrei no lado do passageiro com Noah e ele ligou o carro, dirigindo devagar por entre os curiosos, tentando sair dali.
- ...? – Ouvi sua voz atrás de mim.
- Sim! – Falei, sem me virar.
- Eu não tenho família viva e não confio na de Oliver. – Ela deu uma pausa. – Promete cuidar das meninas enquanto eu estiver fora? – Respirei fundo, esboçando um pequeno sorriso por ela me pedir uma tarefa tão pessoal.
- Sim! – Falei baixo e vi Noah assentir com a cabeça ao meu lado e foquei à frente, tentando impedir que alguma lágrima solitária deslizasse em meu rosto.
***

Segui em silêncio no banco de trás. As mãos viradas para trás não permitiam com que eu sentasse direito, então meu corpo acabava ficando arqueado para frente e a cabeça batendo no assento onde estava.
O carro parou em frente a uma delegacia e os policiais saíram da mesma. abriu a porta para mim e eu saí da mesma, sentindo-o segurar meu braço firme novamente e segui em direção à porta. Subi os degraus que davam para ela, sentindo meus pés descalços rasparem no concreto e parei um minuto para observar o sol que começava a surgir por entre as construções.
Deixei um suspiro escapar para o mesmo e suspirei com o sol batendo em meu rosto por alguns segundos, mesmo que fossem para eu ter certeza que não o veria daquela mesma forma por muito tempo.
- Está tudo bem? – perguntou e eu balancei a cabeça, confirmando.
- Sim! – Voltei a me colocar a andar, sendo cegada pelas luzes e ar condicionado da delegacia. Observei alguns policiais andando pelo local e uma moça loira na recepção com um olhar surpreso.
- A cela um está livre, soldado? - Ouvi a voz de atrás de mim e ela se levantou prontamente.
- Sim! – Ela falou e eu fui levada para a parte de trás da delegacia que parecia ser reservada para policiais, onde várias mesas, cadeiras e computadores estavam ajeitados de um jeito desorganizado.
me parou em frente a um quadro branco e, enquanto eu esperava com que ele arrumasse a placa com meu nome, eu respirei fundo, sentindo um ar gelado ali dentro. Ele estendeu a placa para mim sem falar nada e eu olhei a mesma, segurando-a em frente ao corpo e olhando para frente.
Um flash me cegou por alguns segundos e eu suspirei. Ele pegou a placa de minha mão novamente e me guiou até a mesa. Ele colocou um papel quadriculado na mesma e abriu uma caixinha de tinta. Ele estendeu uma caneta a mim.
- Assine aqui, por favor! – Ele falou, colocando o dedo ao lado de onde deveria assinar e eu o fiz, notando meu autógrafo simples e bonito. – Me dê seus dedos, um de cada vez. – Estiquei o primeiro e ele molhou na tinta preta e foi prensando os 10 no papel, cada um em cada espaço vazio. – Aqui! – Ele me entregou um pano umedecido e eu tentei limpar a ponta dos dedos, apesar dar algemas atrapalharem um pouco. – Vamos!
seguiu comigo mais para o fundo e vi três pequenas celas vazias, cada uma com uma cama ali. Ele abriu a primeira cela e me segurou pelas algemas para tirar a mesma e me colocou ali dentro, fechando a porta grande em seguida e colocando um grosso cadeado.
- Em breve alguém vai te levar para o banheiro para tomar um banho, se trocar e até o fim do dia você será transferida para a penitenciária feminina de Monterrey. – Ele falou apoiando na grande e eu assenti com a cabeça, me sentando na cama no fundo da cela, engolindo em seco ao me ver em confinamento. – Você terá as refeições principais, até que venham te buscar. E poderá fazer uma ligação para que seu advogado venha lhe encontrar. – Assenti com a cabeça, suspirando, deixando meus ombros caírem.
- Podemos... – Deixei minha voz sair e me calei novamente. – Deixa para lá.
- O quê? – Ele perguntou, olhando para mim.
- É engraçado ver aonde nossas vidas chegaram depois que nos separamos. – Falei, dando um pequeno sorriso.
- Você está muito bem também. – Ri fraco.
- Por acaso não sou eu que estou presa aqui? – Perguntei, olhando para ele.
- Mas você não é uma pessoa ruim. – Ele falou. – Você só é uma pessoa que teve péssimas escolhas. – Ri fraco. – Não vamos esquecer que você é uma autora mundialmente famosa por criar mundos mágicos e felizes. – Ele suspirou. – Acho que eu vejo a ironia agora.
- Todos precisamos de uma válvula de escape. – Ri fraco. – E as fadas eram os meus. Seres de luz que emanam felicidade e alegria por onde passam. – Balancei a cabeça. – Mas Oliver não passava de um vampiro, totalmente o oposto. – Suspirei.
- Eu não esperava que chegaria a esse ponto quando eu falava que não gostava dele. – Ele falou.
- Eu não esperava que você tivesse tanta razão. – Ri fraco.
- Quanto você sofreu? – Ele perguntou e eu ergui o rosto em sua direção.
- Quase diariamente. Piorava quando ele ficava irritado. – Balancei a cabeça.
- Dói muito? – Ele perguntou.
- Meu ego dói mais. – Sorri tristemente. – O corpo acaba ficando dormente. – Dei de ombros. – Eu me mantenho a base de anti-inflamatório. – Ela deu de ombros.
- Me desculpe! – Ele falou e eu franzi a testa. – Por não ter lutado mais por você, pela nossa amizade e não ter impedido que isso acontecesse a você. – Me levantei, me aproximando da grade, mas sem tocá-la.
- Não estamos mortos ainda, . Tem bastante tempo para compensar. – Falei e ele assentiu com a cabeça.
- Comissário! – Me assustei com uma voz grossa que veio lá de dentro e assentiu com a cabeça, saindo da sala e fui para o canto para ver falando com um homem mais velho. – Vejo que a noite foi agitada, não?!
- Mais do que eu gostaria, Comissário! – falou e a moça da recepção com outra mais velha apareceu em minha visão, me assustando.
- Senhora Perry? – A mais velha falou.
- Só , por favor! – Falei baixo, me sentando novamente na cama.
- Nós vamos te levar para tomar banho, se trocar e quem sabe falar com seu advogado quando ele chegar?
- Seria ótimo. – Falei, assentindo com a cabeça. – Por favor! – Suspirei.
- Fiquei de costas para a cela e coloque suas mãos para fora, no espaço. – Ela falou e eu fiz o que ela pediu, sentindo-a apertar as algemas novamente em meus punhos.
Ela abriu a cela novamente e eu saí da mesma, seguindo para um corredor ao fundo. Tinha um grande banheiro no mesmo com chuveiro e vi uma troca de roupa bege em cima de um banco e um par de tênis branco.
- Você terá 15 minutos para tomar banho e se trocar. Caso os tênis fiquem largos ou apertados, nos avise que trocamos. – Assenti com a cabeça.
- Obrigada! – Falei e a mais velha retirou as algemas de mim e ambas saíram pela porta e ouvi a tranca na mesma.
Observei rapidamente o local a minha volta e comecei a me despir, vendo o vestido lindo do começo da noite se transformar em trapos em menos de 12 horas. Tirei os grampos do meu cabelo, coloquei no banco e entrei no espaço do chuveiro, vendo que não tinha nada para fechá-lo e dei de ombros.
Abri o chuveiro, sentindo-o gelado e arrepiei o corpo, devendo suspeitar que na cadeia não seria confortável. Acabei me acostumando com gelado e deixei com que ele caísse no rosto. Observei somente o sabonete ali do lado e vi que teria que me virar com ele.
Passei sabonete em toda parte do meu corpo, vendo os roxos começarem a aparecer como luzes de natal e fui soltando suspiros a cada um que aparecia em meus braços, coxas, barriga, costas e rosto. Além de lavar bem meu cabelo.
O gelado da água acabou relaxando os machucados recentes e eu fiquei um tempo sentindo a água bater em meus ombros e cobrir meu rosto. Franzi a testa por um momento, percebendo que eu estava sendo observada e eu ergui o rosto, olhando para uma placa refletora no alto, que poderia se passar facilmente por um espelho, se eu não soubesse que sempre tinha alguém do outro lado.
Engoli em seco suspeitando que era e acabei por dar uma volta ao redor do meu corpo, para que eu pudesse responder a sua pergunta de mais cedo, esperando que os machucados ficassem visíveis. Desliguei o chuveiro e puxei a toalha branca, secando meu corpo devagar e vesti o uniforme ali do lado, sentindo o tênis ficar um pouco largo no meu pé, mas ignorei. Falaria mais tarde para as soldados.
Dobrei a toalha e o vestido, colocando-o no banco e esperei os meus minutos acabarem para que viessem me buscar novamente. Ouvi a porta se abrir e virei de costas, cruzando as mãos atrás do corpo e senti as algemas me apertarem novamente e virei de frente, me assustando com ali e não as mulheres.
Ele me levou de volta para a cela sem falar nada e me colocou na mesma. Virei as mãos para fora e as algemas livraram meu corpo.
- Assine aqui, por favor! – Ele falou, esticando um pedaço de papel no espaço maior da cela.
- O que é isso? – Perguntei.
- É um documento onde você me passa a guarda das suas filhas até sua libertação. – Arregalei os olhos contente e assenti com a cabeça, pegando rapidamente a caneta que ele me entregara e assinei o papel.
- Obrigada! – Falei, devolvendo ambas para ele.
- Eu vou cuidar bem delas. - Me afastei da mesma de costas e me sentei na cama novamente, cruzando os pés em cima da mesma.
- Eu sei! – Sorri, assentindo com a cabeça.
- Eu queria poder te abraçar e te cuidar para sempre, sabia? – Ouvi sua voz e assenti com a cabeça, suspirando. – Mas tudo vai ficar bem, eu prometo. – Assenti com a cabeça.
- Não se preocupe com isso, . – Dei um sorriso de lado. – O show tem que continuar. – Ele riu fraco, assentindo com a cabeça.
- Eu vou tentar descansar um pouco agora. – Ele assentiu com a cabeça.
- Você vai conseguir? – Ele perguntou e eu dei um sorriso.
- Vai ser o melhor sono de todos. – Ele assentiu com a cabeça e bateu a mão na cela, se afastando dali.


Epílogo

Conferi o horário em meu relógio, vendo que faltava somente dois minutos e apertei os ombros de Crystal na minha frente e puxei a respiração, soltando-a devagar. Senti o vento bater em meu rosto e apertei o casaco em meu corpo. Ouvi o barulho dos pelicanos e virei para trás, vendo o oceano atrás de mim.
- Você está nervoso, ? – Candance perguntou e eu sorri, balançando a cabeça.
- Vocês não tem noção. – Suspirei e as três riram.
- Agora vai ficar tudo bem. – Crystal falou, segurando minha mão e eu assenti com a cabeça.
- Esperem o portão fechar antes de correr em direção a ela, ok?! – Falei, para elas. – Não queremos causar problemas.
- , faz 11 meses e 15 dias que eu não abraço a mamãe. Não me peça para eu me conter agora! – Clarisse falou e eu gargalhei.
Ouvi uma sirene tocar e olhamos atentos para o presidiário em nossa frente e acompanhei alguns vultos começarem a se mexer lá dentro. Vi o portão começar a ser aberto e Crystal deu alguns pulos em minha frente e eu abri um largo sorriso.
saiu por entre os portões. Eu abri um largo sorriso e ela também. Ela virou para trás rapidamente para algo que o oficial falou e ela assentiu a cabeça, virando em nossa direção. Ouvi a sirene novamente e o portão se fechou devagar. Quando ele se fechou completamente, as três meninas à minha frente começaram a correr rapidamente, apertando a mãe delas.
Soltei um suspiro aliviado, colocando as mãos no rosto e segui em direção a elas. Abri um largo sorriso quando tirou o olhar das meninas e virou para mim. Ela abriu os braços e eu a apertei fortemente, derrubando lágrimas em seus ombros e me afastei rapidamente, colocando as mãos em seu rosto, conferindo se estava tudo bem com ela.
- Você está bem? – Perguntei. – Eles te machucaram? Aconteceu alguma coisa? – Ela riu, abrindo um largo sorriso, agora segurando meu rosto com as mãos.
- Eu nunca me senti tão bem em minha vida. – Ela riu, abrindo um largo sorriso. – Elas foram muito gentis. – Gargalhei com o que ela falou e colei meus lábios nos dela rapidamente, me arrependendo em seguida e me afastei da mesma, vendo os olhares surpresos das meninas.
- Me desculpe! – Falei e ela riu, segurando meu rosto com a mão e dando um rápido beijo em meus lábios novamente e notei ela ficar vermelha e dessa vez não era de nenhum machucado. Ela se afastou de mim com um sorriso no rosto.
- Então, quais são as novidades? – Ela perguntou, pegando sua mais nova no colo e nós rimos.
- A gente tem tanta coisa para te contar, mãe! – As gêmeas falaram juntas e eu ri.
- A Clary tá namorando! – Crystal falou e eu gargalhei, movimentando a cabeça para trás e começamos a andar em direção à praia.
- Como assim? – falou animada, sorrindo para uma das gêmeas.
- Isso não é nada demais. – Clarisse falou. – Candie passou na Universidade Curtin. – Ela falou, fazendo Candance ficar vermelha.
- Ah, minhas meninas! – soltou Crystal e abraçou as gêmeas de lado. – Como eu senti não poder acompanhar vocês esses meses. – Ela suspirou. – Mas eu nunca mais vou me afastar de vocês. – Elas sorriram e eu coloquei os pés na areia. – E ? – Ela se virou para mim. – Cuidou bem dos meus bebês?
- Mãe! – As três reclamaram juntas e eu gargalhei.
- Ele foi ótimo, mãe! – Crystal falou, segurando a mão de sua mãe. – Ele lia história para eu dormir todos os dias.
- Mesmo? – Ela se virou para mim.
- Não foi fácil tomar conta de três meninas, mas elas são bem educadas! – Sorri e elas riram.
- Elas são! – falou e Clarisse saiu na frente, pisando na areia da praia e Crystal saiu correndo logo em seguida. – Vai lá! – falou para Candance que suspirou.
- Eu nunca mais quero ficar longe de você. – abraçou sua filha de lado, dando um beijo em sua testa.
- Você não precisa. – Ela falou suspirando. – Mas também não quero que pare de viver por mim. – Candie assentiu com a cabeça. – Está tudo bem. Eu não vou a lugar nenhum. – Ela assentiu com a cabeça sorrindo. – Agora vai! – Candie se afastou aos poucos, correndo em direção às suas irmãs que corriam atrás de pelicanos na beira da água.
- Ela teve pesadelos nos primeiros meses. – Falei e assentiu com a cabeça, colocando as mãos no bolso. – Eu a observei dormir durante muitos dias, para ver se ela conseguia dormir a noite toda. – assentiu com a cabeça, passando a mão nos olhos.
- Ela viu muita coisa. – suspirou ao meu lado. – Ela tem que superar sozinha.
- Ela vai frequentemente à psicóloga. – Falei. – Inicialmente eu não achei que estivesse fazendo efeito, ela se fechou um pouco para tudo mundo, mas agora ela até aceitou prestar vestibular. – Ela sorriu. – Elas estão bem, . – Virei para ela. – E vão ficar melhor ainda com você aqui. – Ela assentiu com a cabeça.
- Obrigada, ! – Ela se colocou na minha frente. – Você foi um pai para elas enquanto eu estive fora. E eu não sei como eu poderei te compensar um dia. – Ri fraco, balançando a cabeça.
- Não precisa me compensar de nada. – Suspirei. – Foi um prazer fazer isso. Elas são demais. – Ri fraco. – Eu aprendi tanto com elas. Elas me fizeram enxergar tanta coisa. – Balancei a cabeça. – Eu fico feliz de poder fazer isso para você. – Ela sorriu e eu a abracei pelos ombros, trazendo-a para perto. – Afinal, é para isso que os amigos existem, certo? – Ela assentiu com a cabeça, me abraçando pela barriga.
- Então, e agora, senhor Comissário Chefe? – Gargalhei, negando com a cabeça.
- Não! Que isso! – Falei rindo e ela ergueu o rosto.
- Ele não te promoveu? Achei que seria promoção na certa! – Ela falou surpresa.
- Ele me promoveu sim. – Falei. – Eu só não aceitei. – Ela abriu a boca.
- Como não? – Ela perguntou. – Você amava ser policial. Você estava tão perto.
- Foi o que eu disse: suas meninas me fizeram enxergar tanta coisa. – Ela franziu a testa. – Eu não estava vivendo lá. Era empolgante, era emocionante, mas não era o que eu precisava. – Dei de ombros. – Eu vou começar a viver agora, com todas vocês. – Falei. – Se você me quiser por perto, é claro! – Ela abriu um largo sorriso e assentiu com a cabeça.
- Claro que sim! – Ela sorriu, suspirando. – Mas me diga, qual seu plano? – Segurei-a pela mão e andei um pouco pela areia da praia, sentindo-a entrar em meu tênis.
- Você está vendo aquele trailer ali? – Apontei e ela assentiu com a cabeça.
- Uhum.
- Bom, ele é nosso agora! – Falei, virando para ela. – Pensei que você talvez não quisesse voltar para sua casa e nenhum de nós temos compromissos por aqui: porque a gente não mora e viaja no trailer? Nossa primeira parada seria Perth, deixar Candie na faculdade, depois poderíamos viajar sem rumo. – Ela abriu um largo sorriso. – Crystal podia estudar no trailer, Clary está esperando resposta de algumas faculdades e você poderia continuar escrevendo seus livros, aposto que encontraríamos algumas inspirações legais pelo meio do caminho...
- Eu não preciso de nenhuma inspiração mais na minha vida. – Ela ficou em frente a mim. – Eu já tenho você. – Ela sorriu e eu a abracei fortemente, depositando diversos beijos em sua cabeça. – Eu tenho minhas meninas. Eu estou livre de tudo. – Ela suspirou. – Inspiração é o que não vai me faltar. – Ela sorriu e afastou o rosto um pouco. – Eu só tenho que achar forças para continuar. – Assenti com a cabeça, colando meus lábios nos dela delicadamente.
- Eu vou te ajudar. – Ela sorriu, me abraçando novamente.
- Venham meninas! Vamos mostrar o trailer para sua mãe! – Gritei e as três olharam para nós e vieram em nossa direção.
Observei os sorrisos e olhos brilhando das quatro mulheres em minha frente e fiz uma promessa para mim mesmo: elas nunca mais sofreriam. Eu faria questão de viver todos os meus dias me forçando a colocar um sorriso no rosto delas. Mas o que quer que aconteça, eu deixaria à sorte, porque pela primeira vez em muito tempo, tudo estava bem.




FIM



Nota da autora: Essa foi definitivamente a fanfic mais diferente que eu escrevi em minha vida e com certeza a mais difícil. Como eu escrevo com meu nome, foi muito difícil me colocar no papel da personagem principal. Além de que eu não poderia colocar um dos meus atores favoritos como abusador, então pensei nesse enredo que englobasse ambas as vidas. Eu desmontei em lágrimas escrevendo essas fic e ficou uma mensagem bem clara do sofrimento que deve ser passar por isso. Que sirva pelo menos como um alerta para não deixar de dar atenção aos pequenos detalhes. Te impedir de sair, te impedir de encontrar seus amigos, não deixar você fazer o que quer, não deixar você cortar seu cabelo, já são sinais de abuso e devem ser atentados.
Apesar de tudo, espero que vocês tenham gostado! Não se esqueçam de deixar seu comentáriozinho aqui embaixo e caso tenha gostado e queira mais histórias minhas, acompanhe pelo grupo do Facebook.
Beijos, beijos!





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