Prólogo
Inverno de 2015.
— Bom dia... – Caminhei até a cozinha ainda de pijamas. Minha família estava tomando café da manhã e eu estava muito cansada por ter passado a noite acordada.
— Bom dia, meu amor. – Minha mãe sorriu, me entregando uma xicara de café. – Hoje é o grande dia!
Neste dia aconteceria a minha audição para interpretar uma brasileira em um filme estrangeiro. Eu estava me preparando para isso há três meses. A vontade de desistir me assombrou por toda a noite.
— Acho que não vou. – Me sentei na mesa e todos ficaram em silêncio. Vi minha irmã prendendo a respiração por alguns segundos, enquanto encarava minha mãe.
— Você se preparou para isso há meses, . – Luís, meu padrasto, comentou, mas apenas o ignorei. Por este motivo ele também encarou minha mãe.
— , você sabe que vamos apoiar você no que precisar, mas também sabe que essa pode ser a sua chance. Talvez a sua única chance. – Respirei fundo e continuei a comer, ignorando as palavras de minha mãe. – Isso é por causa do seu pai?
Há duas semanas eu havia sofrido um acidente de carro com o meu pai, que não tinha resistido.
— O que ele tem a ver com isso? – Lia, minha irmã, que era filha do meu padrasto questionou. Ela morava com a minha mãe e eu com o meu pai. No fim, a única da minha casa que realmente sofreu com aquilo havia sido eu.
— Foi ele quem conseguiu a audição para ela. – Minha mãe explicou para os outros dois ali presentes. – , ele não iria querer isso.
— Mas ele não está mais aqui para exigir algo, ou está? – A encarei seriamente. – Não é possível que eu possa querer apenas priorizar a minha saúde mental?
Todos ficaram em silencio e encararam a própria comida. O clima não era bom naquela casa desde que Lia havia sido completamente contra a minha mudança para lá em outra ocasião. Por isso nosso relacionamento não era muito amistoso. No entanto, quando meu pai morreu ela não teve muita escolha.
Meu padrasto, por outro lado, sempre foi bastante receptivo. Porém, com a convivência, pude perceber que eu nunca teria a relação que ele tinha com Lia, e isso me causa inveja, por isso, decidi ignorá-lo.
— Bom, de qualquer jeito, independente do que você decidir, estarei aqui para te dar uma carona. – Luís, meu padrasto avisou. Sem encará-lo, balancei a cabeça, confirmando.
Tudo que eu queria era me deitar na cama e chorar por horas. Ainda lembrava do momento em meu pai e eu estávamos cantando minha música preferida. Sua voz era tão linda. Seu sorriso e as lágrimas de orgulho eram sublimes. Os policiais falaram que por este motivo ele não havia prestado atenção na estrada, o que impediu que ele evitasse o acidente. O som do carro derrapando na pista ficou preso em minha mente e acredito que nunca me livrarei disso.
Apesar dos paramédicos tentarem me afastar, fiquei por perto o tempo máximo possível, o encarando e chorando, enquanto via sua vida ir embora conforme o tempo passava e os bombeiros não o tiravam das ferragens.
Quando eles finalmente conseguiram o ajudar, seus olhos estavam abertos e havia muitos cortes em suas pernas. O resgate durou cerca de trinta minutos, mas, quando você quer que o tempo pare, trinta minutos pareceram uma eternidade. O caminhoneiro sobreviveu, mesmo que eu soubesse que não era a sua culpa, sentia que nunca poderia perdoá-lo.
As horas passaram mais rápido do que nunca. Segundos se tornaram milésimos, minutos se tornaram segundos e o relógio dava voltas e voltas tentando me intimidar, mas nada me intimidava, não depois da morte me observar pelos olhos de meu pai e me convidar para segui-lo.
— ? – Ouvi a voz de minha irmã do outro lado da porta, eu não queria vê-la. – Sei que não quer falar comigo, mas por favor, leia isso.
Uma carta foi jogada por baixo da porta e mesmo apreensiva decidi ler. Não pude conter as lágrimas que escapavam dos meus olhos, uma mistura de raiva e tristeza se instalaram em meu peito.
— Não é verdade! – Gritei com raiva.
— , eu juro que é verdade. – Sua voz também parecia embargada, por este motivo decidi abrir a porta.
— Se você estiver mentindo, eu juro que... – Estava decidia a provar que aquilo era apenas uma mentira, mas parecia que ela estava chorando há algum tempo, a julgar pelo estado em que ela se encontrava.
— Eu não estou, nunca mentiria sobre isso.
Limpei o rosto e encarei o papel pela última vez, eu precisava provar para mim mesma que era capaz, mesmo que aquelas palavras escritas com uma caligrafia tão conhecidas por mim, dissessem o contrário.
— Meu pai está te esperando no carro. – Meu coração disparou imediatamente.
Eu deveria trocar de roupa, já que vestia com um moletom grande e uma calça jeans surradas, mas não fiz.
Corri escada abaixo até a garagem. Era a primeira vez que entrava em um carro ou até mesmo que saia de casa desde o acidente. Juntei toda a minha coragem e finalmente embarquei. Eu estava ofegante, mas assim que encarei Luís nós dois rimos, animados. O trânsito de São Paulo era sempre caótico, mas por algum motivo, as ruas estavam livres.
— Você sabe todas as falas? – Ele me encarou por um instante enquanto dirigia. Eu estava chorando e encarando a estrada em silêncio. – ...
— Eu sei todas as falas. – Comentei sem dar importância para o choro. – Alguma hora isso teria que acontecer. Não se preocupe, nós vamos sobreviver.
— Sabe que pode contar comigo para tudo, não é? – O silêncio permaneceu no carro. Não o respondi, pois, estava muito ocupada tentando afastar o barulho das rodas derrapando na pista que insistiam em repetir em minha mente.
O local do teste não era longe, por isso após trinta minutos estávamos no estacionamento.
— Você nunca vai ser ele. – Contei, o encarando, segundos antes de sair do carro. – Mas gostaria que ao menos tentasse ser algo parecido.
— Eu sempre vou tentar. – Luís sorriu para mim também, mas logo balançou a cabeça, tirando a expressão de bobo da cara. – Vai logo e arrasa.
Concordei e saí correndo, repassando minhas falas mentalmente. Havia uma grande fila e fiquei esperando por uma hora para o teste.
— Boa tarde, eu sou Hoffmann e irei fazer o teste para a personagem Raquel.
— Bom dia... – Caminhei até a cozinha ainda de pijamas. Minha família estava tomando café da manhã e eu estava muito cansada por ter passado a noite acordada.
— Bom dia, meu amor. – Minha mãe sorriu, me entregando uma xicara de café. – Hoje é o grande dia!
Neste dia aconteceria a minha audição para interpretar uma brasileira em um filme estrangeiro. Eu estava me preparando para isso há três meses. A vontade de desistir me assombrou por toda a noite.
— Acho que não vou. – Me sentei na mesa e todos ficaram em silêncio. Vi minha irmã prendendo a respiração por alguns segundos, enquanto encarava minha mãe.
— Você se preparou para isso há meses, . – Luís, meu padrasto, comentou, mas apenas o ignorei. Por este motivo ele também encarou minha mãe.
— , você sabe que vamos apoiar você no que precisar, mas também sabe que essa pode ser a sua chance. Talvez a sua única chance. – Respirei fundo e continuei a comer, ignorando as palavras de minha mãe. – Isso é por causa do seu pai?
Há duas semanas eu havia sofrido um acidente de carro com o meu pai, que não tinha resistido.
— O que ele tem a ver com isso? – Lia, minha irmã, que era filha do meu padrasto questionou. Ela morava com a minha mãe e eu com o meu pai. No fim, a única da minha casa que realmente sofreu com aquilo havia sido eu.
— Foi ele quem conseguiu a audição para ela. – Minha mãe explicou para os outros dois ali presentes. – , ele não iria querer isso.
— Mas ele não está mais aqui para exigir algo, ou está? – A encarei seriamente. – Não é possível que eu possa querer apenas priorizar a minha saúde mental?
Todos ficaram em silencio e encararam a própria comida. O clima não era bom naquela casa desde que Lia havia sido completamente contra a minha mudança para lá em outra ocasião. Por isso nosso relacionamento não era muito amistoso. No entanto, quando meu pai morreu ela não teve muita escolha.
Meu padrasto, por outro lado, sempre foi bastante receptivo. Porém, com a convivência, pude perceber que eu nunca teria a relação que ele tinha com Lia, e isso me causa inveja, por isso, decidi ignorá-lo.
— Bom, de qualquer jeito, independente do que você decidir, estarei aqui para te dar uma carona. – Luís, meu padrasto avisou. Sem encará-lo, balancei a cabeça, confirmando.
Tudo que eu queria era me deitar na cama e chorar por horas. Ainda lembrava do momento em meu pai e eu estávamos cantando minha música preferida. Sua voz era tão linda. Seu sorriso e as lágrimas de orgulho eram sublimes. Os policiais falaram que por este motivo ele não havia prestado atenção na estrada, o que impediu que ele evitasse o acidente. O som do carro derrapando na pista ficou preso em minha mente e acredito que nunca me livrarei disso.
Apesar dos paramédicos tentarem me afastar, fiquei por perto o tempo máximo possível, o encarando e chorando, enquanto via sua vida ir embora conforme o tempo passava e os bombeiros não o tiravam das ferragens.
Quando eles finalmente conseguiram o ajudar, seus olhos estavam abertos e havia muitos cortes em suas pernas. O resgate durou cerca de trinta minutos, mas, quando você quer que o tempo pare, trinta minutos pareceram uma eternidade. O caminhoneiro sobreviveu, mesmo que eu soubesse que não era a sua culpa, sentia que nunca poderia perdoá-lo.
As horas passaram mais rápido do que nunca. Segundos se tornaram milésimos, minutos se tornaram segundos e o relógio dava voltas e voltas tentando me intimidar, mas nada me intimidava, não depois da morte me observar pelos olhos de meu pai e me convidar para segui-lo.
— ? – Ouvi a voz de minha irmã do outro lado da porta, eu não queria vê-la. – Sei que não quer falar comigo, mas por favor, leia isso.
Uma carta foi jogada por baixo da porta e mesmo apreensiva decidi ler. Não pude conter as lágrimas que escapavam dos meus olhos, uma mistura de raiva e tristeza se instalaram em meu peito.
— Não é verdade! – Gritei com raiva.
— , eu juro que é verdade. – Sua voz também parecia embargada, por este motivo decidi abrir a porta.
— Se você estiver mentindo, eu juro que... – Estava decidia a provar que aquilo era apenas uma mentira, mas parecia que ela estava chorando há algum tempo, a julgar pelo estado em que ela se encontrava.
— Eu não estou, nunca mentiria sobre isso.
Limpei o rosto e encarei o papel pela última vez, eu precisava provar para mim mesma que era capaz, mesmo que aquelas palavras escritas com uma caligrafia tão conhecidas por mim, dissessem o contrário.
— Meu pai está te esperando no carro. – Meu coração disparou imediatamente.
Eu deveria trocar de roupa, já que vestia com um moletom grande e uma calça jeans surradas, mas não fiz.
Corri escada abaixo até a garagem. Era a primeira vez que entrava em um carro ou até mesmo que saia de casa desde o acidente. Juntei toda a minha coragem e finalmente embarquei. Eu estava ofegante, mas assim que encarei Luís nós dois rimos, animados. O trânsito de São Paulo era sempre caótico, mas por algum motivo, as ruas estavam livres.
— Você sabe todas as falas? – Ele me encarou por um instante enquanto dirigia. Eu estava chorando e encarando a estrada em silêncio. – ...
— Eu sei todas as falas. – Comentei sem dar importância para o choro. – Alguma hora isso teria que acontecer. Não se preocupe, nós vamos sobreviver.
— Sabe que pode contar comigo para tudo, não é? – O silêncio permaneceu no carro. Não o respondi, pois, estava muito ocupada tentando afastar o barulho das rodas derrapando na pista que insistiam em repetir em minha mente.
O local do teste não era longe, por isso após trinta minutos estávamos no estacionamento.
— Você nunca vai ser ele. – Contei, o encarando, segundos antes de sair do carro. – Mas gostaria que ao menos tentasse ser algo parecido.
— Eu sempre vou tentar. – Luís sorriu para mim também, mas logo balançou a cabeça, tirando a expressão de bobo da cara. – Vai logo e arrasa.
Concordei e saí correndo, repassando minhas falas mentalmente. Havia uma grande fila e fiquei esperando por uma hora para o teste.
— Boa tarde, eu sou Hoffmann e irei fazer o teste para a personagem Raquel.
Capítulo 1
Primavera de 2020.
— Você lembra qual personagem irá dublar? – Minha empresária Yoku perguntou, enquanto eu encarava a janela. As pessoas andavam apressadas como sempre e entravam nas cafeterias para comprar bebidas geladas, já que o clima estava ameno e agradável do lado de fora.
— Claro. – Ela deu de ombros assim que notou minha expressão tediosa. Yoku era uma mulher asiática, tinha por volta dos trinta e poucos anos e era muito contemporânea. A contratei porque detestava a ideia de ter um empresário com atitudes ultrapassadas. – Não é só porque eu estava em uma festa quando me enviou que eu não lembro, Yoku.
— Falando em festas, acredito que está na hora de você procurar tratamento, e a propósito encontrei uma ótima clínica de reabilitação. Podemos ir pra lá agora se você quiser. – A encarei seriamente. Ela sabia dos meus problemas com certas substancias, mas também sabia que eu precisava trabalhar muito mais para poder focar em minha saúde sem me preocupar com os problemas de outras pessoas. – Nunca é um mal momento para tentar.
— Yoku, não é um bom momento. – Procurei meu celular, que estava jogado em minha bolsa. – Quanto tempo ficaremos nessa reunião?
— Talvez três ou quatro horas. – Concordei, mesmo não tento muitas expectativas sobre isso.
De acordo com Yoku, eu estava no auge da minha fama, mas sempre fazia questão de lembrar de como toda essa sorte – ou azar – começou. Havia passado cinco anos desde o meu primeiro teste, como toda aspirante a atriz, os meus sonhos foram completamente esmagados por um sonoro “não é isso que procuramos, próximo!”, pelo menos foi o que pensei no momento. Depois de muitos testes frustrados um finalmente deu certo, um diretor me tirou de São Paulo e me trouxe para a minha cidade dos meus sonhos: Nova York. Fui a selecionada entre diversas para o papel que me convidaram para fazer o teste.
Juntei todo o meu dinheiro para levar minha família morar comigo. Talvez essa não tenha sido a melhor das minhas escolhas,
A partir disso, fui contratada para vários trabalhos, e no momento em que senti que não daria mais conta, descobri que a cocaína era uma ótima amiga para me manter acordada e esse foi o motivo pelo qual experimentei pela primeira vez. Mas, quando você prova uma felicidade, aquela que a droga fornece, você não quer mais parar. Por isso, eu usava cocaína todos os dias de trabalho, ela fazia com que eu me sentisse confiante e extrovertida. Da cocaína também comecei a ingerir anfetaminas – ecstasy, bala, MDma, md, entre outras – e não consegui mais parar. Por essa razão, Yoku sempre tentava me convencer a fazer tratamento ou me internar em uma clínica de reabilitação.
Quando você entra nesse ramo, quanto mais a sua vida vai ficando monótona, mais você recorre as drogas ou ao sexo. Por isso minha empresária encontrou um filme para eu dublar – algo que eu nunca havia feito antes – para que eu pudesse me distrair.
O motorista abriu a porta do carro, então eu e Yoku saímos andando até o grande prédio, onde ocorreria a primeira reunião do filme.
— Boa tarde, senhorita e senhorita Yoku. – Um garoto que provavelmente era apenas um estagiário estava nos esperando na porta, provavelmente para nos acompanhar até a sala de reuniões.
— Boa tarde. – Sorri em sua direção e vi seu rosto ficar totalmente vermelho, aquilo havia sido fofo.
Entramos no elevador e ele apertou o botão do quinto andar, mas percebi que ele não parava de me encarar com o canto de olho.
— Desculpa, eu sou muito fã da série que você participa. – Ele aparentava estar nervoso.
— Quer tirar uma foto?
— Não posso usar celular durante o horário de trabalho. – Achei que não fosse possível, mas suas bochechas ficaram ainda mais vermelhas.
— Tudo bem, eu tiro. – Peguei meu celular na bolsa e tiramos uma selfie. – Vou postar nos meus stories.
— Obrigado. – Eu costumava ser muito gentil com todos os meus fãs, diferente do que eu era com o resto do pessoal.
Sempre senti uma gratidão imensa por todos os meus fãs. Costumava tentar memorizar seus nomes, mas não lembrava um terço do nome daqueles que eu levava para a cama.
Caminhamos por um extenso corredor até chegarmos em frente à sala de reuniões. Assim que o estagiário abriu a porta vi muitas pessoas desconhecidas e apenas uma conhecida, quando nossos olhos se cruzaram eu tive vontade de gargalhar por conta da coincidência.
Era um ator chamado . Há um tempo atrás, havíamos trocamos números durante um evento e conversamos por um mês enquanto ele fazia uma turnê para promover o seu filme. Assim que ele chegou em Nova York passamos duas semanas apaixonantes, indo em encontros, voltando para a minha casa e passando todas as noites juntos conversando sobre o mundo. Mas coisas aconteceram, notícias falsas foram divulgadas sobre mim e houve muita polêmica de meus velhos amigos contando para muitas revistas de fofocas que eu usava drogas. Por isso, apesar de gostar dele, resolvi parar de conversar, para não o obrigar a lidar com isso.
entendeu completamente e disse que gostava de mim, mas se eu não me sentia confortável em ficar com ele não havia problema. Isso havia acontecido há mais ou menos seis meses e nunca mais nos falamos até agora.
— Com licença. – Sorri para todos e fui até as duas únicas cadeiras vazias, onde eu e minha empresária sentamos. Ou estávamos muito atrasados, ou eles estavam muito adiantados.
— Já que todos estão aqui, vamos começar a falar sobre o filme. – O diretor do filme parecia muito animado. – Vai ser uma nova princesa dublada por . Ela será de uma cidade brasileira e terá que rodar o mundo com o personagem dublado por para encontrar sua família que se perdeu, isso tudo se passará nos tempos antigos...
Fiquei feliz em saber que minha personagem, além de princesa da Disney, não seria uma donzela em perigo e nem teria um cara fortão para salvá-la, já que o personagem de seria um marinheiro que tinha medo de tudo, até mesmo do mar.
A reunião passou muito rápido, apesar de ficarmos horas lá, conversamos muito, lemos a primeira parte do roteiro e rimos muito também. Interagi com e percebi que sentia falta das nossas conversas por mensagens que duravam até tarde da noite.
— Você vai direto para casa? – Yoku questionou despreocupadamente, enquanto me ajudava a guardar o roteiro em uma pasta.
— Sim. Te dou carona, não se preocupa. – Avisei e vi parado, olhando a rua pela grande janela, era uma ótima oportunidade para conversarmos.
Me levantei calmamente e fui até ele, que me encarou assim que ouviu alguém se aproximar. Apesar da minha postura rude ser constante, me trazia para o meu melhor humor, por isso sorri instantemente.
— Quanto tempo... – Ele sorriu simpaticamente.
— Com certeza... – Me aproximei mais e encarei a rua lá embaixo também, estava escura, pois a noite já havia se estabelecido. – Como você está?
— Bem... – Nos encaramos novamente, mas dessa vez ficamos assim por alguns instantes até ele voltar a falar. – E você?
— Bem. – Eu odiava mentir para qualquer um, minha vida estava um desastre e por isso desviei o olhar para o céu estrelado.
— É muito cedo para oferecer uma carona até a sua casa? – O encarei surpresa. Ele havia usado um tom claramente malicioso.
— Acho que não... – Sorri de canto e encarei Yoku, que já havia ouvido toda a conversa e já sabia o que deveria fazer.
— Então, vamos? – Assenti e nós dois saímos da sala de reuniões.
Fomos até a garagem com um elevador e caminhamos até o seu carro parado no canto do estacionamento. Diferente de mim, ele havia dirigido até aqui. Entramos em silencio. Assim que ele se sentou no banco do motorista e fechou a porta, eu o puxei para um beijo, mas assim que tentei me aproximar mais me parou.
— ... – Ele limpou a garganta antes de continuar. – Não que eu não tenha gostado, mas não era bem isso que eu estava sugerindo.
Apesar de ser uma situação extremamente constrangedora, eu comecei a rir, na verdade a gargalhar e ele me acompanhou.
— Você não pode falar em um tom malicioso comigo, . – Respondi assim que consegui parar de rir.
— Achei que tinha entendido o tom de brincadeira. – riu, me acompanhando.
— Eu estava mais focada no seu tom malicioso. – Ele riu, me fazendo revirar os olhos divertidamente. – Você é um idiota de recusar sexo no carro.
— Na verdade é desconfortável fazer isso no carro. – já havia dado partida e saíamos da garagem. – Então, como vai a vida, muitas polêmicas ainda?
— Você sabe que sim. – Encarei a janela. – Mas fiquei sabendo que você é o sonho de qualquer garota desse país.
— Qualquer garota inclui...
— No máximo a minha irmã. – Na verdade meu coração estava disparado por falar com ele após seis meses, mas eu não queria deixar isso transparecer. – Inclusive ela tem me mostrado algumas fotos suas do seu último filme. Eu apostaria na barba e em andar sem camisa o tempo inteiro.
— E você deveria apostar no corte de John Lennon que tinha no último filme. – É, aquele era um corte bem feio.
— Você está zoando a minha aparência, ? – Eu não fazia ideia se ele sentia o mesmo, mas sua risada me fazia suspirar disfarçadamente. – Mas fico feliz de você ter assistido o meu último filme.
— Eu não estou zoando, acho que você fica linda em qualquer filme. – Para mim, que usava a ironia o tempo inteiro, era estranho não saber reconhecê-la quando outras pessoas usavam. – Estou falando sério, mas acho que gostei mais por causa da sua atuação.
— Com certeza, já que eu estava realmente ridícula. – Ele me encarou, sorrindo e logo voltou a olhar para a estrada.
Depois de muitas conversas sobre a nossa carreira, chegamos em frente a minha casa e por um momento me perguntei como ele sabia o meu endereço. Mas logo lembrei, das noites que passamos juntos em meu quarto, das nossas conversas até o amanhecer e nossos beijos apaixonados.
— Você está em um relacionamento? – Uma curta risada quebrou o silêncio e sua cabeça balançou de um lado para o outro. – Que bom, me sentiria mal por te beijar.
— Te vejo amanhã, . – Senti seus lábios em minha bochecha por alguns segundos e assim que ele se afastou sai do carro sem nem ao menos responder.
Caminhei calmamente até a porta de entrada e admito que no percurso suspirei algumas vezes. Era estranho que trabalharia comigo novamente. Eu era o tipo de pessoa que acreditava muito no destino e por isso achava que aquilo não poderia ser coincidência
Abri a porta e observei a minha sala. Havia algumas roupas caídas ali.
— Lia? – Chamei minha irmã e logo ouvi sua voz embargada soando pela casa.
— , estou aqui na cozinha. – Fui rapidamente até lá e a encontrei comendo um pote de sorvete na bancada, enquanto chorava. Havia algumas malas nas cadeiras da mesa de jantar.
— O que aconteceu? – Seus cabelos estavam amarrados em um rabo de cavalo e seu celular logo ao lado, provavelmente ela havia tirado fotos do sorvete ou chorando para enviar para os amigos.
— Mamãe me expulsou de casa. – Não pude evitar de soltar um suspiro irritado. Toda emoção que eu havia sentido antes foi completamente substituída pela raiva.
Eles moravam exatamente no mesmo terreno que eu, mas a casa era nos fundos e isso acontecia quase toda semana. Minha irmã era uma mulher de vinte anos tentando ser influenciadora digital e minha mãe, que desenvolveu alcoolismo quando se separou do meu pai, teve uma recaída no último ano já que não fazia nada além de comprar coisas e ficar em casa.
Peguei as malas da minha irmã e fiz um sinal para que ela me seguisse, apesar de ficar com medo de cair, enquanto carregava as malas e usava saltos. Caminhei o mais rápido possível. Estava cansada de trabalhar o dia todo e ter que lidar com as merdas delas.
Minhas mãos já doíam e por isso a primeira coisa que fiz ao chegar na porta foi largar as bolsas sem me preocupar com o que havia dentro, ouvindo um grito agudo de Lia atrás de mim. Abruptamente abri a porta, encontrando minha mãe e meu padrasto se pegando no sofá.
— Vocês estão brincando comigo? – Minha mãe se sentou no sofá com raiva, enquanto os dois arrumavam as roupas.
Me posicionei na frente dos dois e cruzei os braços na altura do peito.
— Vocês estão testando a minha paciência com as merdas de vocês! – Eu odiava ter que falar em um tom de voz agressivo, mas quando se aguenta muita coisa calada, é difícil manter calma. – Estou cansada dessas brigas ridículas, sendo que eu trabalho todos os dias para sustentar vocês.
— Meu marido também trabalha. – Luís realmente trabalhava, cuidando da parte financeira da minha loja de cosméticos.
— Se apenas ele trabalhasse, não conseguiria sustentar metade das merdas que vocês compram!
— Pelo menos não estamos nos drogando em festas, não é? – Minha mãe nunca falaria isso se estivesse sóbria, ao menos era o que eu gostava de pensar.
— Por que beber o dia todo é muito diferente, não é? – Meu padrasto ameaçou intervir, mas apenas o encarei e ele entendeu que era melhor ficar de fora. – Eu cansei, você vai para um clínica ficar quanto tempo for necessário.
— Não, eu...
— Se não gostar, vá encontrar outro lugar para morar. – Meu corpo virou dessa vez, me deixando encarar Lia. – E você, vai trabalhar como vendedora na minha loja e encontrar um curso pra fazer, ou vai morar em outro lugar também.
Todos os três me encararam, duas com raiva e um que não fazia ideia de como poderia contribuir para esta discussão.
Trabalhar muito e não ter o apoio da minha família era o que mais me deixava triste. Era horrível ir para casa e não sentir que aquele lugar era um lar. Eu sentia que aquilo era apenas um lugar onde eu ia para ver minha família se afundando em problemas e me levando junto. Por isso todas as noites eu frequentava as festas dos meus amigos, coisa que não foi diferente nesse dia, já que me arrumei e fui de taxi até a festa do meu amigo Tristan.
— Vou dar uma volta na pista. – Toquei seu ombro, sorrindo, e desci as escadas do camarote indo até a pista. O homem que normalmente me vendia as drogas estava no meio da pista me esperando, o cumprimentei, entregando o dinheiro e recebendo dois saquinhos em seguida.
Voltei para o camarote e fui direto para o banheiro, onde botei um dos comprimidos coloridos na boca, em seguida arrumando três carreiras de cocaína para cheirar. Todos os que estavam no camarote não sabiam quem eu era, apenas Tristan, e, por isso, ninguém ligava ao me ver cheirando na pia do banheiro.
— ? – Soltei a nota de dez dólares que estava usando e me virei para encarar quem quer que estivesse me chamando, mas fiquei confusa quando vi parado na porta do banheiro feminino.
— Você lembra qual personagem irá dublar? – Minha empresária Yoku perguntou, enquanto eu encarava a janela. As pessoas andavam apressadas como sempre e entravam nas cafeterias para comprar bebidas geladas, já que o clima estava ameno e agradável do lado de fora.
— Claro. – Ela deu de ombros assim que notou minha expressão tediosa. Yoku era uma mulher asiática, tinha por volta dos trinta e poucos anos e era muito contemporânea. A contratei porque detestava a ideia de ter um empresário com atitudes ultrapassadas. – Não é só porque eu estava em uma festa quando me enviou que eu não lembro, Yoku.
— Falando em festas, acredito que está na hora de você procurar tratamento, e a propósito encontrei uma ótima clínica de reabilitação. Podemos ir pra lá agora se você quiser. – A encarei seriamente. Ela sabia dos meus problemas com certas substancias, mas também sabia que eu precisava trabalhar muito mais para poder focar em minha saúde sem me preocupar com os problemas de outras pessoas. – Nunca é um mal momento para tentar.
— Yoku, não é um bom momento. – Procurei meu celular, que estava jogado em minha bolsa. – Quanto tempo ficaremos nessa reunião?
— Talvez três ou quatro horas. – Concordei, mesmo não tento muitas expectativas sobre isso.
De acordo com Yoku, eu estava no auge da minha fama, mas sempre fazia questão de lembrar de como toda essa sorte – ou azar – começou. Havia passado cinco anos desde o meu primeiro teste, como toda aspirante a atriz, os meus sonhos foram completamente esmagados por um sonoro “não é isso que procuramos, próximo!”, pelo menos foi o que pensei no momento. Depois de muitos testes frustrados um finalmente deu certo, um diretor me tirou de São Paulo e me trouxe para a minha cidade dos meus sonhos: Nova York. Fui a selecionada entre diversas para o papel que me convidaram para fazer o teste.
Juntei todo o meu dinheiro para levar minha família morar comigo. Talvez essa não tenha sido a melhor das minhas escolhas,
A partir disso, fui contratada para vários trabalhos, e no momento em que senti que não daria mais conta, descobri que a cocaína era uma ótima amiga para me manter acordada e esse foi o motivo pelo qual experimentei pela primeira vez. Mas, quando você prova uma felicidade, aquela que a droga fornece, você não quer mais parar. Por isso, eu usava cocaína todos os dias de trabalho, ela fazia com que eu me sentisse confiante e extrovertida. Da cocaína também comecei a ingerir anfetaminas – ecstasy, bala, MDma, md, entre outras – e não consegui mais parar. Por essa razão, Yoku sempre tentava me convencer a fazer tratamento ou me internar em uma clínica de reabilitação.
Quando você entra nesse ramo, quanto mais a sua vida vai ficando monótona, mais você recorre as drogas ou ao sexo. Por isso minha empresária encontrou um filme para eu dublar – algo que eu nunca havia feito antes – para que eu pudesse me distrair.
O motorista abriu a porta do carro, então eu e Yoku saímos andando até o grande prédio, onde ocorreria a primeira reunião do filme.
— Boa tarde, senhorita e senhorita Yoku. – Um garoto que provavelmente era apenas um estagiário estava nos esperando na porta, provavelmente para nos acompanhar até a sala de reuniões.
— Boa tarde. – Sorri em sua direção e vi seu rosto ficar totalmente vermelho, aquilo havia sido fofo.
Entramos no elevador e ele apertou o botão do quinto andar, mas percebi que ele não parava de me encarar com o canto de olho.
— Desculpa, eu sou muito fã da série que você participa. – Ele aparentava estar nervoso.
— Quer tirar uma foto?
— Não posso usar celular durante o horário de trabalho. – Achei que não fosse possível, mas suas bochechas ficaram ainda mais vermelhas.
— Tudo bem, eu tiro. – Peguei meu celular na bolsa e tiramos uma selfie. – Vou postar nos meus stories.
— Obrigado. – Eu costumava ser muito gentil com todos os meus fãs, diferente do que eu era com o resto do pessoal.
Sempre senti uma gratidão imensa por todos os meus fãs. Costumava tentar memorizar seus nomes, mas não lembrava um terço do nome daqueles que eu levava para a cama.
Caminhamos por um extenso corredor até chegarmos em frente à sala de reuniões. Assim que o estagiário abriu a porta vi muitas pessoas desconhecidas e apenas uma conhecida, quando nossos olhos se cruzaram eu tive vontade de gargalhar por conta da coincidência.
Era um ator chamado . Há um tempo atrás, havíamos trocamos números durante um evento e conversamos por um mês enquanto ele fazia uma turnê para promover o seu filme. Assim que ele chegou em Nova York passamos duas semanas apaixonantes, indo em encontros, voltando para a minha casa e passando todas as noites juntos conversando sobre o mundo. Mas coisas aconteceram, notícias falsas foram divulgadas sobre mim e houve muita polêmica de meus velhos amigos contando para muitas revistas de fofocas que eu usava drogas. Por isso, apesar de gostar dele, resolvi parar de conversar, para não o obrigar a lidar com isso.
entendeu completamente e disse que gostava de mim, mas se eu não me sentia confortável em ficar com ele não havia problema. Isso havia acontecido há mais ou menos seis meses e nunca mais nos falamos até agora.
— Com licença. – Sorri para todos e fui até as duas únicas cadeiras vazias, onde eu e minha empresária sentamos. Ou estávamos muito atrasados, ou eles estavam muito adiantados.
— Já que todos estão aqui, vamos começar a falar sobre o filme. – O diretor do filme parecia muito animado. – Vai ser uma nova princesa dublada por . Ela será de uma cidade brasileira e terá que rodar o mundo com o personagem dublado por para encontrar sua família que se perdeu, isso tudo se passará nos tempos antigos...
Fiquei feliz em saber que minha personagem, além de princesa da Disney, não seria uma donzela em perigo e nem teria um cara fortão para salvá-la, já que o personagem de seria um marinheiro que tinha medo de tudo, até mesmo do mar.
A reunião passou muito rápido, apesar de ficarmos horas lá, conversamos muito, lemos a primeira parte do roteiro e rimos muito também. Interagi com e percebi que sentia falta das nossas conversas por mensagens que duravam até tarde da noite.
— Você vai direto para casa? – Yoku questionou despreocupadamente, enquanto me ajudava a guardar o roteiro em uma pasta.
— Sim. Te dou carona, não se preocupa. – Avisei e vi parado, olhando a rua pela grande janela, era uma ótima oportunidade para conversarmos.
Me levantei calmamente e fui até ele, que me encarou assim que ouviu alguém se aproximar. Apesar da minha postura rude ser constante, me trazia para o meu melhor humor, por isso sorri instantemente.
— Quanto tempo... – Ele sorriu simpaticamente.
— Com certeza... – Me aproximei mais e encarei a rua lá embaixo também, estava escura, pois a noite já havia se estabelecido. – Como você está?
— Bem... – Nos encaramos novamente, mas dessa vez ficamos assim por alguns instantes até ele voltar a falar. – E você?
— Bem. – Eu odiava mentir para qualquer um, minha vida estava um desastre e por isso desviei o olhar para o céu estrelado.
— É muito cedo para oferecer uma carona até a sua casa? – O encarei surpresa. Ele havia usado um tom claramente malicioso.
— Acho que não... – Sorri de canto e encarei Yoku, que já havia ouvido toda a conversa e já sabia o que deveria fazer.
— Então, vamos? – Assenti e nós dois saímos da sala de reuniões.
Fomos até a garagem com um elevador e caminhamos até o seu carro parado no canto do estacionamento. Diferente de mim, ele havia dirigido até aqui. Entramos em silencio. Assim que ele se sentou no banco do motorista e fechou a porta, eu o puxei para um beijo, mas assim que tentei me aproximar mais me parou.
— ... – Ele limpou a garganta antes de continuar. – Não que eu não tenha gostado, mas não era bem isso que eu estava sugerindo.
Apesar de ser uma situação extremamente constrangedora, eu comecei a rir, na verdade a gargalhar e ele me acompanhou.
— Você não pode falar em um tom malicioso comigo, . – Respondi assim que consegui parar de rir.
— Achei que tinha entendido o tom de brincadeira. – riu, me acompanhando.
— Eu estava mais focada no seu tom malicioso. – Ele riu, me fazendo revirar os olhos divertidamente. – Você é um idiota de recusar sexo no carro.
— Na verdade é desconfortável fazer isso no carro. – já havia dado partida e saíamos da garagem. – Então, como vai a vida, muitas polêmicas ainda?
— Você sabe que sim. – Encarei a janela. – Mas fiquei sabendo que você é o sonho de qualquer garota desse país.
— Qualquer garota inclui...
— No máximo a minha irmã. – Na verdade meu coração estava disparado por falar com ele após seis meses, mas eu não queria deixar isso transparecer. – Inclusive ela tem me mostrado algumas fotos suas do seu último filme. Eu apostaria na barba e em andar sem camisa o tempo inteiro.
— E você deveria apostar no corte de John Lennon que tinha no último filme. – É, aquele era um corte bem feio.
— Você está zoando a minha aparência, ? – Eu não fazia ideia se ele sentia o mesmo, mas sua risada me fazia suspirar disfarçadamente. – Mas fico feliz de você ter assistido o meu último filme.
— Eu não estou zoando, acho que você fica linda em qualquer filme. – Para mim, que usava a ironia o tempo inteiro, era estranho não saber reconhecê-la quando outras pessoas usavam. – Estou falando sério, mas acho que gostei mais por causa da sua atuação.
— Com certeza, já que eu estava realmente ridícula. – Ele me encarou, sorrindo e logo voltou a olhar para a estrada.
Depois de muitas conversas sobre a nossa carreira, chegamos em frente a minha casa e por um momento me perguntei como ele sabia o meu endereço. Mas logo lembrei, das noites que passamos juntos em meu quarto, das nossas conversas até o amanhecer e nossos beijos apaixonados.
— Você está em um relacionamento? – Uma curta risada quebrou o silêncio e sua cabeça balançou de um lado para o outro. – Que bom, me sentiria mal por te beijar.
— Te vejo amanhã, . – Senti seus lábios em minha bochecha por alguns segundos e assim que ele se afastou sai do carro sem nem ao menos responder.
Caminhei calmamente até a porta de entrada e admito que no percurso suspirei algumas vezes. Era estranho que trabalharia comigo novamente. Eu era o tipo de pessoa que acreditava muito no destino e por isso achava que aquilo não poderia ser coincidência
Abri a porta e observei a minha sala. Havia algumas roupas caídas ali.
— Lia? – Chamei minha irmã e logo ouvi sua voz embargada soando pela casa.
— , estou aqui na cozinha. – Fui rapidamente até lá e a encontrei comendo um pote de sorvete na bancada, enquanto chorava. Havia algumas malas nas cadeiras da mesa de jantar.
— O que aconteceu? – Seus cabelos estavam amarrados em um rabo de cavalo e seu celular logo ao lado, provavelmente ela havia tirado fotos do sorvete ou chorando para enviar para os amigos.
— Mamãe me expulsou de casa. – Não pude evitar de soltar um suspiro irritado. Toda emoção que eu havia sentido antes foi completamente substituída pela raiva.
Eles moravam exatamente no mesmo terreno que eu, mas a casa era nos fundos e isso acontecia quase toda semana. Minha irmã era uma mulher de vinte anos tentando ser influenciadora digital e minha mãe, que desenvolveu alcoolismo quando se separou do meu pai, teve uma recaída no último ano já que não fazia nada além de comprar coisas e ficar em casa.
Peguei as malas da minha irmã e fiz um sinal para que ela me seguisse, apesar de ficar com medo de cair, enquanto carregava as malas e usava saltos. Caminhei o mais rápido possível. Estava cansada de trabalhar o dia todo e ter que lidar com as merdas delas.
Minhas mãos já doíam e por isso a primeira coisa que fiz ao chegar na porta foi largar as bolsas sem me preocupar com o que havia dentro, ouvindo um grito agudo de Lia atrás de mim. Abruptamente abri a porta, encontrando minha mãe e meu padrasto se pegando no sofá.
— Vocês estão brincando comigo? – Minha mãe se sentou no sofá com raiva, enquanto os dois arrumavam as roupas.
Me posicionei na frente dos dois e cruzei os braços na altura do peito.
— Vocês estão testando a minha paciência com as merdas de vocês! – Eu odiava ter que falar em um tom de voz agressivo, mas quando se aguenta muita coisa calada, é difícil manter calma. – Estou cansada dessas brigas ridículas, sendo que eu trabalho todos os dias para sustentar vocês.
— Meu marido também trabalha. – Luís realmente trabalhava, cuidando da parte financeira da minha loja de cosméticos.
— Se apenas ele trabalhasse, não conseguiria sustentar metade das merdas que vocês compram!
— Pelo menos não estamos nos drogando em festas, não é? – Minha mãe nunca falaria isso se estivesse sóbria, ao menos era o que eu gostava de pensar.
— Por que beber o dia todo é muito diferente, não é? – Meu padrasto ameaçou intervir, mas apenas o encarei e ele entendeu que era melhor ficar de fora. – Eu cansei, você vai para um clínica ficar quanto tempo for necessário.
— Não, eu...
— Se não gostar, vá encontrar outro lugar para morar. – Meu corpo virou dessa vez, me deixando encarar Lia. – E você, vai trabalhar como vendedora na minha loja e encontrar um curso pra fazer, ou vai morar em outro lugar também.
Todos os três me encararam, duas com raiva e um que não fazia ideia de como poderia contribuir para esta discussão.
Trabalhar muito e não ter o apoio da minha família era o que mais me deixava triste. Era horrível ir para casa e não sentir que aquele lugar era um lar. Eu sentia que aquilo era apenas um lugar onde eu ia para ver minha família se afundando em problemas e me levando junto. Por isso todas as noites eu frequentava as festas dos meus amigos, coisa que não foi diferente nesse dia, já que me arrumei e fui de taxi até a festa do meu amigo Tristan.
— Vou dar uma volta na pista. – Toquei seu ombro, sorrindo, e desci as escadas do camarote indo até a pista. O homem que normalmente me vendia as drogas estava no meio da pista me esperando, o cumprimentei, entregando o dinheiro e recebendo dois saquinhos em seguida.
Voltei para o camarote e fui direto para o banheiro, onde botei um dos comprimidos coloridos na boca, em seguida arrumando três carreiras de cocaína para cheirar. Todos os que estavam no camarote não sabiam quem eu era, apenas Tristan, e, por isso, ninguém ligava ao me ver cheirando na pia do banheiro.
— ? – Soltei a nota de dez dólares que estava usando e me virei para encarar quem quer que estivesse me chamando, mas fiquei confusa quando vi parado na porta do banheiro feminino.
Capítulo 2
— Você está cheirando? – Minha expressão mudou instantemente de surpresa para algo um tanto quanto malicioso.
— Achou que todas as notícias eram falsas? – Voltei a encarar a pia do banheiro e cheirei a última carreira, me aproximando dele em seguida, enquanto fungava.
— Você me disse que elas eram falsas.
— Não, eu disse que a notícia sobre eu bater na minha irmã era e que eu estava cercada de polemica, mas nunca disse nada sobre isso. – Toquei o tecido fino de sua camisa e o puxei para mais perto. – Acha que eu queria te proteger de mentiras inventadas pela mídia? Não, eu queria te proteger de mim mesma.
Passei a mão da extensão de seu peito até a sua barriga enquanto nos encarávamos e parei no cós de sua calça onde estava o seu cinto.
— Você está chapada. – Seus olhos reviraram de frustração. Podíamos ter uma ótima noite na última cabine do banheiro feminino, mas eu sabia que ele se recusaria a fazer qualquer coisa comigo chapada. Mal ele sabia que todas as outras vezes eu ia até o banheiro e cheirava algumas carreiras.
— Você se faz de cavalheiro... – Me aproximei de seu ouvido e sussurrei a próxima parte. – Mas sabemos que na minha cama você não é nada disso.
— Vai tentar me deixar duro aqui, Hoffmann? – Seu sussurro em meu ouvido me fez estremecer. – Sabe que isso só funciona quando sou eu quem faz com você.
— Vamos curtir a noite, . – Dei um beijo em seu pescoço e finalmente saí do banheiro, encontrando meu amigo Tristan beijando uma garota.
— Boa noite, queridos. – Com o meu dedo indicador aproximei o rosto da garota do meu. – Vocês têm espaço para mais um aqui?
— Para você sempre. – A mulher avisou antes de me beijar, senti a mão de Tristan passando em minha cintura, então assim que meu folego acabou, me afastei da garota, puxei o máximo de ar possível e beijei Tristan.
Passei boa parte da noite com os dois, dançando, beijando e brincando de pegar drogas um da boca dos outros.
— O que vocês acham de irmos embora? – Roubei um selinho de Tristan e vi a mulher que estava conosco concordar.
— Não... – Encarei que beijava uma mulher perto do bar. – Hoje não vai dar.
Puxei a moça para mais um beijo, senti sua mão deslizando por minha bunda, mas logo a afastei, com mais um selinho em seus lábios me despedi e fui até o bar pedindo uma água.
A festa estava quase acabando, por isso dancei sozinha enquanto apertava a garrafa, sentindo o plástico entrar minimamente em minha pele. Uma hora depois as luzes finalmente acenderam e, enquanto observava todos se arrumarem para pegar seus taxis, vi se despedindo da garota que havia ficado a festa toda e indo em minha direção.
— Está sóbrio? – Perguntei, ficando de frente para ele. Minha energia duraria para mais algumas festas pelo tanto de drogas que eu havia consumido, mas vi que ele estava realmente bêbado. – Parece que o único homem que eu queria ser levada para casa vai precisar que eu o carregue.
Um sorriso se formou em seus lábios e posteriormente beijou minha testa. Nos afastei perguntando o hotel que ele estava hospedado.
— Um hotel aqui perto que eu não lembro o endereço. – Ele riu e estranhei a sua embriaguez.
— Você apenas bebeu?
— Não, eu tomei um comprimido que aquela gostosa me deu. – Revirei os olhos e apoiei seu braço em meus ombros.
— Então agora você está se drogando?
— Achei que seria legal, quer dizer, se você gosta...
— Eu já estou acostumada, você vai ficar imprestável em uma ou duas horas. – Nossa caminhada até a porta foi tranquila, mas percebi que haviam fotógrafos do lado de fora, claro que alguém havia dito que estávamos ali. – , você está caminhando bem, mas preciso que faça uma carinha melhor e finja que não está chapado. Você consegue?
Paramos um pouco antes da saída e segurei as bochechas dele, balançando seu rosto de um lado para o outro tentando animá-lo.
— Você tem mais aí, vai me deixar animado se me der mais uma. – Ele tentou pegar a minha bolsa, mas apenas bati em sua mão.
— É melhor você acordar se quiser continuar sendo o perfeitinho, se não vai ter a mesma fama que eu. – Claro, foi assim que começou a minha fama de viciada. Nas primeiras vezes eu saia acabada das festas, acompanhada de outros usuários e acabaram deduzindo, mas não queria que aquilo acontecesse com ele. – Vamos, dê um sorriso, abaixe a cabeça, coloque o seu braço em meu ombro, bote aquela mão no bolso e finja que estamos juntos.
Arrumei seu cabelo rapidamente e botei a minha mão em seu bolso de trás. Os paparazzis tiraram muitas fotos e logo entramos em meu carro, que era dirigido pelo motorista.
— Qual o seu endereço? – Perguntei, assim que nos afastamos da entrada da festa, mas o vi dormindo. – Merda...
Procurei em seus bolsos, onde encontrei seu celular e as chaves do seu quarto de hotel. A chave tinha o logotipo de um hotel muito popular de Nova York, por isso o motorista dirigiu até lá rapidamente.
— ... – O balancei até que acordasse. – Vamos, eu vou te ajudar a ir até o seu quarto.
Saímos do carro e entramos no hotel, havia um grande elevador, no qual apertei o botão da cobertura cujo o número coincidia com o de seu cartão chave. Enquanto esperávamos o elevador subir, observei que assim que percebeu me encarou de volta.
— Você está linda essa noite. – Ele me elogiou poucos segundos antes de grudar nossos lábios, mas antes que ele pudesse me tocar nos separei rapidamente, ele apenas ficou me encarando sem entender.
O elevador abriu e por isso o ajudei a chegar até o quarto mais luxuoso do prédio. O ajudei a tirar os tênis e o vi ficar de roupas intimas deitando-se na cama, sorrindo e caindo no sono.
Suspirei pegando o cobertor e o cobrindo, refiz o caminho agora voltando para o carro que finalmente partiu rumo à minha casa.
[...]
Minha cabeça estava doendo e por isso fui até o banheiro e tomei uma aspirina. Eu deveria ir trabalhar às uma e já eram dez e meia da manhã. Tomei um banho demorado e vesti uma roupa bonita para tirar algumas fotos para botar nos stories do Instagram. Minha equipe acreditava que eu deveria postar mais fotos para alcançar mais público.
Assim que fui até a cozinha vi alguém sentado em minha mesa, me aproximei devagar e encontrei .
— Que merda você está fazendo na minha casa? – Ele estava tomando café e aquilo estava ficando cada vez mais estranho.
— Vim pedir um favor, em meu nome e da minha equipe. – Isso provavelmente não acabaria bem.
— Não, primeiro eu quero saber como você entrou na minha casa. – Talvez eu precisasse reforçar a segurança.
— Sua irmã deixou. – Claro, ela era fã dele, por isso revirei os olhos. – Voltando ao assunto, eu preciso de um favor.
— Você é muito precoce, . – Suspirei, esperando que ele finalmente me contasse o que havia acontecido. – Fala logo.
— Todos estão especulando se estamos juntos ou se eu estou me drogando por estar com... – Claro, ele estava com medo de me ofender.
— Comigo, , já saquei.
— Então, minha equipe disse que não é bom para a minha imagem eles acharem que estou me drogando com você...
— Claro, até porque não foi comigo que você se drogou, foi com a gostosa da festa. – Suas sobrancelhas arquearam e ele concordou.
— Minha equipe achou que você pudesse me deixar passar um tempo aqui na sua casa e talvez quem sabe, ter alguns encontros só de faixada, para fingirmos que temos algo e que estamos apaixonados, não que eu estava me drogando... – Ele suspirou e percebi que ele não estava gostando disso, na verdade nem eu estava.
— Claro, eu te convidei várias vezes para ficarmos e você não quis, agora você vem até a minha casa e pede para eu te deixar ficar de favor?
— Não seria tão difícil, já que eu... – Ele se deteve antes que falasse merda. – Enfim, somos amigos, nos pegamos por algumas semanas, não vai ser difícil.
Claro, a porra do destino estava funcionando quando eu queria que ele fosse à merda.
— Claro, depois você sai com a imagem de pegador e eu da garota que fica com todos... – Aquela ideia talvez ajudasse a imagem dele, mas talvez só piorasse a minha. – Sorte sua que eu gosto de você e já queria que você viesse aqui...
— Então, você aceita?
— Então, eu aceitarei você aqui e uma pequena quantia de gratificação. – Seus olhos se arregalaram e um pequeno sorriso surgiu em minha boca. – Eu posso gostar muito de você, mas não sou burra de aceitar as merdas de propostas da sua equipe que provavelmente já sabia que tinha algo entre nós.
— Claro, eu entendo completamente. – Ele concordou, já que provavelmente com toda a atenção que havia dado para o seu problema, acabou esquecendo de ver o meu lado.
— Ligue para Yoku, converse com ela e tenho certeza que ela fará um contrato para assinarmos amanhã. – Me aproximei, dei um beijo em sua bochecha e sorri. – Agora eu vou subir e quando eu voltar a descer espero que você não esteja mais aqui.
Neste dia eu fui trabalhar durante a tarde. estava lá e, por incrível que pareça, agiu normalmente. No fim do dia fomos jantar juntos, mas não falamos muito sobre o contrato, a única coisa que ele disse foi que não queria me ofender, mas deixei claro que estava tudo bem. No fim do dia, compareci a outra festa, dessa vez sozinha, e já que eu sabia que o contrato seria assinado no dia seguinte, saí desacompanhada também.
— Achou que todas as notícias eram falsas? – Voltei a encarar a pia do banheiro e cheirei a última carreira, me aproximando dele em seguida, enquanto fungava.
— Você me disse que elas eram falsas.
— Não, eu disse que a notícia sobre eu bater na minha irmã era e que eu estava cercada de polemica, mas nunca disse nada sobre isso. – Toquei o tecido fino de sua camisa e o puxei para mais perto. – Acha que eu queria te proteger de mentiras inventadas pela mídia? Não, eu queria te proteger de mim mesma.
Passei a mão da extensão de seu peito até a sua barriga enquanto nos encarávamos e parei no cós de sua calça onde estava o seu cinto.
— Você está chapada. – Seus olhos reviraram de frustração. Podíamos ter uma ótima noite na última cabine do banheiro feminino, mas eu sabia que ele se recusaria a fazer qualquer coisa comigo chapada. Mal ele sabia que todas as outras vezes eu ia até o banheiro e cheirava algumas carreiras.
— Você se faz de cavalheiro... – Me aproximei de seu ouvido e sussurrei a próxima parte. – Mas sabemos que na minha cama você não é nada disso.
— Vai tentar me deixar duro aqui, Hoffmann? – Seu sussurro em meu ouvido me fez estremecer. – Sabe que isso só funciona quando sou eu quem faz com você.
— Vamos curtir a noite, . – Dei um beijo em seu pescoço e finalmente saí do banheiro, encontrando meu amigo Tristan beijando uma garota.
— Boa noite, queridos. – Com o meu dedo indicador aproximei o rosto da garota do meu. – Vocês têm espaço para mais um aqui?
— Para você sempre. – A mulher avisou antes de me beijar, senti a mão de Tristan passando em minha cintura, então assim que meu folego acabou, me afastei da garota, puxei o máximo de ar possível e beijei Tristan.
Passei boa parte da noite com os dois, dançando, beijando e brincando de pegar drogas um da boca dos outros.
— O que vocês acham de irmos embora? – Roubei um selinho de Tristan e vi a mulher que estava conosco concordar.
— Não... – Encarei que beijava uma mulher perto do bar. – Hoje não vai dar.
Puxei a moça para mais um beijo, senti sua mão deslizando por minha bunda, mas logo a afastei, com mais um selinho em seus lábios me despedi e fui até o bar pedindo uma água.
A festa estava quase acabando, por isso dancei sozinha enquanto apertava a garrafa, sentindo o plástico entrar minimamente em minha pele. Uma hora depois as luzes finalmente acenderam e, enquanto observava todos se arrumarem para pegar seus taxis, vi se despedindo da garota que havia ficado a festa toda e indo em minha direção.
— Está sóbrio? – Perguntei, ficando de frente para ele. Minha energia duraria para mais algumas festas pelo tanto de drogas que eu havia consumido, mas vi que ele estava realmente bêbado. – Parece que o único homem que eu queria ser levada para casa vai precisar que eu o carregue.
Um sorriso se formou em seus lábios e posteriormente beijou minha testa. Nos afastei perguntando o hotel que ele estava hospedado.
— Um hotel aqui perto que eu não lembro o endereço. – Ele riu e estranhei a sua embriaguez.
— Você apenas bebeu?
— Não, eu tomei um comprimido que aquela gostosa me deu. – Revirei os olhos e apoiei seu braço em meus ombros.
— Então agora você está se drogando?
— Achei que seria legal, quer dizer, se você gosta...
— Eu já estou acostumada, você vai ficar imprestável em uma ou duas horas. – Nossa caminhada até a porta foi tranquila, mas percebi que haviam fotógrafos do lado de fora, claro que alguém havia dito que estávamos ali. – , você está caminhando bem, mas preciso que faça uma carinha melhor e finja que não está chapado. Você consegue?
Paramos um pouco antes da saída e segurei as bochechas dele, balançando seu rosto de um lado para o outro tentando animá-lo.
— Você tem mais aí, vai me deixar animado se me der mais uma. – Ele tentou pegar a minha bolsa, mas apenas bati em sua mão.
— É melhor você acordar se quiser continuar sendo o perfeitinho, se não vai ter a mesma fama que eu. – Claro, foi assim que começou a minha fama de viciada. Nas primeiras vezes eu saia acabada das festas, acompanhada de outros usuários e acabaram deduzindo, mas não queria que aquilo acontecesse com ele. – Vamos, dê um sorriso, abaixe a cabeça, coloque o seu braço em meu ombro, bote aquela mão no bolso e finja que estamos juntos.
Arrumei seu cabelo rapidamente e botei a minha mão em seu bolso de trás. Os paparazzis tiraram muitas fotos e logo entramos em meu carro, que era dirigido pelo motorista.
— Qual o seu endereço? – Perguntei, assim que nos afastamos da entrada da festa, mas o vi dormindo. – Merda...
Procurei em seus bolsos, onde encontrei seu celular e as chaves do seu quarto de hotel. A chave tinha o logotipo de um hotel muito popular de Nova York, por isso o motorista dirigiu até lá rapidamente.
— ... – O balancei até que acordasse. – Vamos, eu vou te ajudar a ir até o seu quarto.
Saímos do carro e entramos no hotel, havia um grande elevador, no qual apertei o botão da cobertura cujo o número coincidia com o de seu cartão chave. Enquanto esperávamos o elevador subir, observei que assim que percebeu me encarou de volta.
— Você está linda essa noite. – Ele me elogiou poucos segundos antes de grudar nossos lábios, mas antes que ele pudesse me tocar nos separei rapidamente, ele apenas ficou me encarando sem entender.
O elevador abriu e por isso o ajudei a chegar até o quarto mais luxuoso do prédio. O ajudei a tirar os tênis e o vi ficar de roupas intimas deitando-se na cama, sorrindo e caindo no sono.
Suspirei pegando o cobertor e o cobrindo, refiz o caminho agora voltando para o carro que finalmente partiu rumo à minha casa.
Minha cabeça estava doendo e por isso fui até o banheiro e tomei uma aspirina. Eu deveria ir trabalhar às uma e já eram dez e meia da manhã. Tomei um banho demorado e vesti uma roupa bonita para tirar algumas fotos para botar nos stories do Instagram. Minha equipe acreditava que eu deveria postar mais fotos para alcançar mais público.
Assim que fui até a cozinha vi alguém sentado em minha mesa, me aproximei devagar e encontrei .
— Que merda você está fazendo na minha casa? – Ele estava tomando café e aquilo estava ficando cada vez mais estranho.
— Vim pedir um favor, em meu nome e da minha equipe. – Isso provavelmente não acabaria bem.
— Não, primeiro eu quero saber como você entrou na minha casa. – Talvez eu precisasse reforçar a segurança.
— Sua irmã deixou. – Claro, ela era fã dele, por isso revirei os olhos. – Voltando ao assunto, eu preciso de um favor.
— Você é muito precoce, . – Suspirei, esperando que ele finalmente me contasse o que havia acontecido. – Fala logo.
— Todos estão especulando se estamos juntos ou se eu estou me drogando por estar com... – Claro, ele estava com medo de me ofender.
— Comigo, , já saquei.
— Então, minha equipe disse que não é bom para a minha imagem eles acharem que estou me drogando com você...
— Claro, até porque não foi comigo que você se drogou, foi com a gostosa da festa. – Suas sobrancelhas arquearam e ele concordou.
— Minha equipe achou que você pudesse me deixar passar um tempo aqui na sua casa e talvez quem sabe, ter alguns encontros só de faixada, para fingirmos que temos algo e que estamos apaixonados, não que eu estava me drogando... – Ele suspirou e percebi que ele não estava gostando disso, na verdade nem eu estava.
— Claro, eu te convidei várias vezes para ficarmos e você não quis, agora você vem até a minha casa e pede para eu te deixar ficar de favor?
— Não seria tão difícil, já que eu... – Ele se deteve antes que falasse merda. – Enfim, somos amigos, nos pegamos por algumas semanas, não vai ser difícil.
Claro, a porra do destino estava funcionando quando eu queria que ele fosse à merda.
— Claro, depois você sai com a imagem de pegador e eu da garota que fica com todos... – Aquela ideia talvez ajudasse a imagem dele, mas talvez só piorasse a minha. – Sorte sua que eu gosto de você e já queria que você viesse aqui...
— Então, você aceita?
— Então, eu aceitarei você aqui e uma pequena quantia de gratificação. – Seus olhos se arregalaram e um pequeno sorriso surgiu em minha boca. – Eu posso gostar muito de você, mas não sou burra de aceitar as merdas de propostas da sua equipe que provavelmente já sabia que tinha algo entre nós.
— Claro, eu entendo completamente. – Ele concordou, já que provavelmente com toda a atenção que havia dado para o seu problema, acabou esquecendo de ver o meu lado.
— Ligue para Yoku, converse com ela e tenho certeza que ela fará um contrato para assinarmos amanhã. – Me aproximei, dei um beijo em sua bochecha e sorri. – Agora eu vou subir e quando eu voltar a descer espero que você não esteja mais aqui.
Neste dia eu fui trabalhar durante a tarde. estava lá e, por incrível que pareça, agiu normalmente. No fim do dia fomos jantar juntos, mas não falamos muito sobre o contrato, a única coisa que ele disse foi que não queria me ofender, mas deixei claro que estava tudo bem. No fim do dia, compareci a outra festa, dessa vez sozinha, e já que eu sabia que o contrato seria assinado no dia seguinte, saí desacompanhada também.
Capítulo 3
— Tudo bem, agora que vocês leram o contrato, só precisam assinar. – Yoku estendeu uma caneta para cada um e sorri orgulhosa do contrato que ela havia bolado.
As cláusulas diziam que ele deveria aceitar meu estilo de vida. Poderíamos nos envolver como quiséssemos, mas se um dos lados não cumprisse o contrato teria que pagar uma multa. No último dia, a equipe dele teria que vazar que gostávamos um do outro, mas por ele querer ficar com a própria família e eles morarem longe, teríamos que nos separar, além de fazer muitos elogios a minha pessoa. Claro que não pensei duas vezes em assinar o contrato, nem mesmo pensou.
Eu estava envolvida em muitas polêmicas, mas alguém com a imagem de fofo, querido e cavalheiro como , não iria querer a sujar por nada. Aceitei aquilo apenas por se tornar completamente vantajoso para mim, mas se fosse ao contrário, eu nunca pagaria nada para ficar na casa de um cara.
— Acho que está tudo aqui... – Nós dois estávamos parados na porta do quarto que eu havia mandado arrumar para ele, era bem bonito na verdade. – Obrigado.
— Sem problemas. – Sorri e saí indo direto para o meu quarto.
Os dias se passaram rapidamente. Eu e acordávamos tarde, íamos para o estúdio de gravação e trabalhávamos a tarde inteira. A única parte ruim, é que nós dois estávamos criando uma rotina juntos. Em casa ficávamos fazendo piadinhas um com o outro e fazíamos muitas brincadeiras, mas sempre que ele se aproximava um pouco mais que o normal, borboletas apareciam em meu estômago e minhas pernas tremiam. Eu não era assim, mas sentia que a única parte boa que ainda restava em mim e o único sentimento que meu cérebro não bloqueava era aquilo que eu sentia com ele.
As coisas ruins começaram no sétimo dia depois da assinatura do contrato, quando Yoku me ligou.
“, eu consegui uma vaga para internar a sua mãe em uma clínica de reabilitação próxima à sua casa.” É, era um assunto meio apagado, porém não esquecido. “Você pode levá-la hoje.”.
— Tudo bem... – Me preparei para desligar, mas ele pediu para que eu não fizesse. – O que foi?
“, você deve ter visto que tem um vírus se alastrando pelo mundo e estão dizendo que casos começaram a aparecer em Nova York e estão pedindo para o presidente Trump declarar a quarentena no país.” Claro que eu havia visto notícias sobre isso. “Talvez seja hora de você deixar voltar para a casa dele e com a quarentena você vai poder se focar na sua saúde e conseguir deixar as drogas como sempre quis.”.
— Você quer que eu me interne com a minha mãe? – Ela confirmou, o que me fez suspirar triste. – Nem um dólar sairá da minha conta para nenhum homem, vou fazer a proposta de anularmos o contrato, ao contrário ele passara a quarentena na minha casa.
“Tudo bem, se você precisar sabe que estou aqui.” Com isso ela desligou o telefone e então respirei fundo, sabendo que era hora de internar minha mãe, e isso não seria fácil.
— , nos vemos depois... – Comentei, pegando minha bolsa que estava na bancada onde ele estava comendo. – Tenho umas coisas para fazer.
Ele me encarou desconfiado, mas antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa ele roubou um selinho de meus lábios me fazendo rir e revirar os olhos em seguida.
— Clichê. – Disse, antes de sair pela porta dos fundos e ir até a casa da minha mãe, que já me esperava na porta. – Vamos?
— Sim... – Ela nem mesmo se despediu do Luís, que nos encarava, apenas respirou fundo e caminhou ao meu lado até o carro.
Entramos e dirigi até a clínica, aquilo me lembrou muito de quando sofri o acidente com o meu pai, meu coração estava apertado pelo que tive que fazer, era como se eu fosse perde-la dessa vez. Aquele era o primeiro dia em alguns meses que eu não usava nenhum tipo de droga no momento em que acordei.
— Com licença? – Chamei a recepcionista da clínica que logo me encarou, sorrindo. – Eu vim fazer a internação de uma pessoa...
— Senhorita Hoffmann, não é? – Confirmei e ela me entregou um papel. – Você só precisa assinar aqui, sua empresária já cuidou de todo o resto.
— Tudo bem. – Assinei, confiando em Yoku. Devolvi os papéis para ela e vi uma moça se aproximando para buscar minha mãe, por isso me virei para me despedir.
— Quem ligou aqui disse que seriam duas internações. – A recepcionista avisou, mas apenas sorri e neguei, voltando a encarar minha mãe em seguida.
— Sabe que estou fazendo isso para o seu bem, não é?
— Claro, filha. Eu vi Lia indo trabalhar hoje, estou muito orgulhosa por você estar realmente fazendo o certo. – Ela me abraçou e beijou o meu rosto. – Eu te amo e quero que um dia seja feliz e possa viver sua vida sem se preocupar conosco.
— Está tudo bem, não se preocupe. – A soltei e sorri a encorajando a ir com a enfermeira que veio acompanha-la. – Nos veremos logo.
Ela apenas concordou e andou pelo corredor até desaparecer. Aquilo talvez fosse demais para mim, por isso chorei muito quando cheguei no carro.
Quando pensamos que tudo está ruim, posso apostar que pode piorar muito e sempre sabia que isso ocorreria quando Yoku me ligava inesperadamente.
“, você está bem?” Essa é a pergunta que mais faz uma pessoa triste chorar, nunca queremos dizer que não, por isso apenas ficamos em silêncio. “Eu gostaria de te contar algo, mas não sei se é o momento certo”.
— O que aconteceu? – Questionei.
“As pessoas estão especulando sobre o acidente do seu pai, já que saiu em uma revista que talvez não tenha sido um acidente.” Senti minhas pernas falharem e meu coração doer. “Resolveremos isso e acabaremos com essa mentira, não se preocupe”.
— Eu gostaria que sim, Yoku... – Meu choro se intensificou e por isso demorei muito para continuar. – Mas isso não é mentira.
“Mas...”.
— Eu não fui completamente honesta com você, mas isso me machuca muito e espero que você me desculpe. – Aposto que ela ouviu meu choro do outro lado e só por isso não brigou comigo, já que Yoku odiava quando eu mentia.
“Está tudo bem, você quer que eu vá até aí?”.
— Não se preocupe, eu vou ficar bem. – Com palavras me desejando o bem ele se despediu.
Assim que desliguei, joguei o celular com muita força no banco ao meu lado, bati com as minhas mãos com toda a força que ainda me restava no volante e chorei. Era difícil fugir de uma memória por quatro anos, isso faz com que nunca a superemos. Tudo parecia estar extremamente errado, minha vida não tinha emoção, meu cérebro bloqueava meus sentimentos com medo que eu me machucasse de novo, por isso meu coração não sentia nada, por isso tudo que me sobrou foi tentar sentir algo no usa das drogas e no sexo, mas assim que o efeito acabava, tudo que sobrava era um vazio, que poderia ser preenchido pelo luto que nunca cheguei a sentir realmente. Eu precisava do luto, mas com tantas coisas para cuidar e minha família para sustentar era difícil eu me imaginar desabando, eu devia tudo a eles que me incentivaram a seguir o meu sonho quando precisei.
Todo o meu corpo tremia e por isso percebi que não estava em condições de dirigir. Liguei primeiro para o meu padrasto, que me disse que estava extremamente ocupado e por isso nem perguntei se ele poderia me ajudar. Liguei para Yoku novamente e lembrei que ela morava do outro lado da cidade, por isso voltei a desligar o telefone. Eu não tinha ninguém, nenhum amigo de confiança e nenhum familiar que pudesse me ajudar, por isso encarei minha lista de contatos e vi o número de , a única pessoa que estava sem fazer nada e que não se incomodaria de vir me ajudar.
“, aconteceu algo?” Eu queria começar a chorar e gritar para que ele viesse me buscar, mas eu simplesmente não podia.
— Acho que aconteceu algo no meu carro, você pode vir até aqui esperar um reboque comigo?
“Claro, me manda o endereço por mensagem.”.
[...]
— ? – O ouvi batendo no vidro e abri os olhos, na meia hora que ele demorou para chegar, eu fiquei extremamente cansada e acabei caindo no sono.
Destravei as portas e o vi abrindo a do passageiro e sentando-se em seguida.
— Me desculpa por te incomodar. – Meu choro voltou e por isso senti seus abraços ao redor do meu corpo. – Aconteceu algo muito ruim.
— Sobre o seu pai? – Claro que ele já havia visto, por isso eu apenas confirmei em meio ao abraço. – Eu sinto muito por eles mentirem tanto.
— Eles não mentiram. – Voltei a me sentar no banco e o encarei, na verdade eu não conseguia ver um palmo na minha frente por conta das lagrimas. – Quando meu pai me buscou na festa, ele deixou uma carta para a minha mãe, contando que estava se drogando, que tinha conseguido um teste para mim, assim eu não me sentiria um lixo como ele, mas ele sabia que eu era como ele, por isso se suicidaria e me levaria junto.
ficou quieto por um tempo, sem saber o que fazer e tudo que meu corpo fazia era chorar. Eu me odiava por às vezes achar que ele estava certo.
— Quem contou isso para você?
— Minha irmã queria... – Tentei limpar as lágrimas das minhas bochechas, mas era inútil já que outras continuavam a cair. – Ela queria que eu fosse a um teste para um papel. Eu não queria por causa da morte do meu pai e por isso ela me mostrou a mensagem, insinuando que eu deveria provar que ele estava errado.
— ... – Ele com toda a certeza não sabia o que falar, mas sabia exatamente como agir, já que me puxou para que eu me sentasse em seu colo e me abraçou. Esse foi o único abraço que eu me senti segura desde a morte do meu pai, o único ombro que me senti confortável em chorar.
Desabar na frente dele era extremamente fácil, assim como a convivência e a sintonia entre nós dois... Tudo parecia se tornar fácil quando estávamos juntos.
— Ele sofria de depressão, . Já pensou em todas as coisas que você fez enquanto estava triste? – Ele provavelmente falou isso porque meu choro estava menos intenso. – Agora imagina como ele estava triste e não acreditava mais no mundo para fazer o que fez. Sei que é triste, mas tenho certeza que ele te amava muito e se estivesse em juízo perfeito nunca faria aquilo.
— Eu sei e me sinto ainda mais triste por não perceber pelo que ele estava passando. – Sua mão acariciou as minhas costas calmamente, tentando me confortar.
— Não tinha como você adivinhar, você era apenas uma garota que amava o pai e o via como um herói. – Suspirei sentindo minha garganta doer de tanto chorar.
— Quando eles falam que não devemos conhecer nossos heróis porque eles são todos muito esquisitos, eles não estão brincando. – Apoiei minha cabeça na janela e o encarei séria.
— Sempre nos forçamos a ver a melhor versão de nossos heróis. – Sua mão entrelaçou com a minha e ficamos em silêncio ali por muitos minutos, brinquei com os seus dedos sentindo meu corpo voltar ao normal.
— Você viu que talvez entraremos em quarentena? – Ele nem mesmo me encarou, apenas ficou observando nossas mãos e concordou com a cabeça. – Você quer quebrar o contrato para passar isso ao lado de sua família?
pensou por alguns minutos e eu simplesmente não o apressei, era estranho que após todo aquele surto o ar estava extremamente leve.
— Não vou quebrar o contrato. – Ele finalmente respondeu.
— Tudo bem, mas eu vou tentar me desintoxicar durante esse tempo e ficar sóbria. Talvez seja algo muito ruim para você aguentar. – Nos encaramos por um momento e ele parecia ter sido pego de surpresa. – Eu te libero da multa se quiser voltar para a sua família, .
— Não, eu quero ficar aqui. – Dessa vez foi eu quem ficou completamente surpresa. – Eu te ajudo nisso.
— Você não precisa, não é algo fácil de aguentar. – Eu sabia exatamente qual era a sensação, havia tentado isso diversas vezes e em todas cedi para o vício.
— Eu esperei por um pretexto para te encontrar e fiquei sem você por seis meses. Eu vivi seis meses apaixonado por alguém que eu não poderia ter, acha mesmo que vai se livrar de mim assim? – Isso foi uma declaração? É, provavelmente, por isso eu o beijei e pela primeira vez desde que ele voltou. O beijo era correspondido pelas duas partes.
As cláusulas diziam que ele deveria aceitar meu estilo de vida. Poderíamos nos envolver como quiséssemos, mas se um dos lados não cumprisse o contrato teria que pagar uma multa. No último dia, a equipe dele teria que vazar que gostávamos um do outro, mas por ele querer ficar com a própria família e eles morarem longe, teríamos que nos separar, além de fazer muitos elogios a minha pessoa. Claro que não pensei duas vezes em assinar o contrato, nem mesmo pensou.
Eu estava envolvida em muitas polêmicas, mas alguém com a imagem de fofo, querido e cavalheiro como , não iria querer a sujar por nada. Aceitei aquilo apenas por se tornar completamente vantajoso para mim, mas se fosse ao contrário, eu nunca pagaria nada para ficar na casa de um cara.
— Acho que está tudo aqui... – Nós dois estávamos parados na porta do quarto que eu havia mandado arrumar para ele, era bem bonito na verdade. – Obrigado.
— Sem problemas. – Sorri e saí indo direto para o meu quarto.
Os dias se passaram rapidamente. Eu e acordávamos tarde, íamos para o estúdio de gravação e trabalhávamos a tarde inteira. A única parte ruim, é que nós dois estávamos criando uma rotina juntos. Em casa ficávamos fazendo piadinhas um com o outro e fazíamos muitas brincadeiras, mas sempre que ele se aproximava um pouco mais que o normal, borboletas apareciam em meu estômago e minhas pernas tremiam. Eu não era assim, mas sentia que a única parte boa que ainda restava em mim e o único sentimento que meu cérebro não bloqueava era aquilo que eu sentia com ele.
As coisas ruins começaram no sétimo dia depois da assinatura do contrato, quando Yoku me ligou.
“, eu consegui uma vaga para internar a sua mãe em uma clínica de reabilitação próxima à sua casa.” É, era um assunto meio apagado, porém não esquecido. “Você pode levá-la hoje.”.
— Tudo bem... – Me preparei para desligar, mas ele pediu para que eu não fizesse. – O que foi?
“, você deve ter visto que tem um vírus se alastrando pelo mundo e estão dizendo que casos começaram a aparecer em Nova York e estão pedindo para o presidente Trump declarar a quarentena no país.” Claro que eu havia visto notícias sobre isso. “Talvez seja hora de você deixar voltar para a casa dele e com a quarentena você vai poder se focar na sua saúde e conseguir deixar as drogas como sempre quis.”.
— Você quer que eu me interne com a minha mãe? – Ela confirmou, o que me fez suspirar triste. – Nem um dólar sairá da minha conta para nenhum homem, vou fazer a proposta de anularmos o contrato, ao contrário ele passara a quarentena na minha casa.
“Tudo bem, se você precisar sabe que estou aqui.” Com isso ela desligou o telefone e então respirei fundo, sabendo que era hora de internar minha mãe, e isso não seria fácil.
— , nos vemos depois... – Comentei, pegando minha bolsa que estava na bancada onde ele estava comendo. – Tenho umas coisas para fazer.
Ele me encarou desconfiado, mas antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa ele roubou um selinho de meus lábios me fazendo rir e revirar os olhos em seguida.
— Clichê. – Disse, antes de sair pela porta dos fundos e ir até a casa da minha mãe, que já me esperava na porta. – Vamos?
— Sim... – Ela nem mesmo se despediu do Luís, que nos encarava, apenas respirou fundo e caminhou ao meu lado até o carro.
Entramos e dirigi até a clínica, aquilo me lembrou muito de quando sofri o acidente com o meu pai, meu coração estava apertado pelo que tive que fazer, era como se eu fosse perde-la dessa vez. Aquele era o primeiro dia em alguns meses que eu não usava nenhum tipo de droga no momento em que acordei.
— Com licença? – Chamei a recepcionista da clínica que logo me encarou, sorrindo. – Eu vim fazer a internação de uma pessoa...
— Senhorita Hoffmann, não é? – Confirmei e ela me entregou um papel. – Você só precisa assinar aqui, sua empresária já cuidou de todo o resto.
— Tudo bem. – Assinei, confiando em Yoku. Devolvi os papéis para ela e vi uma moça se aproximando para buscar minha mãe, por isso me virei para me despedir.
— Quem ligou aqui disse que seriam duas internações. – A recepcionista avisou, mas apenas sorri e neguei, voltando a encarar minha mãe em seguida.
— Sabe que estou fazendo isso para o seu bem, não é?
— Claro, filha. Eu vi Lia indo trabalhar hoje, estou muito orgulhosa por você estar realmente fazendo o certo. – Ela me abraçou e beijou o meu rosto. – Eu te amo e quero que um dia seja feliz e possa viver sua vida sem se preocupar conosco.
— Está tudo bem, não se preocupe. – A soltei e sorri a encorajando a ir com a enfermeira que veio acompanha-la. – Nos veremos logo.
Ela apenas concordou e andou pelo corredor até desaparecer. Aquilo talvez fosse demais para mim, por isso chorei muito quando cheguei no carro.
Quando pensamos que tudo está ruim, posso apostar que pode piorar muito e sempre sabia que isso ocorreria quando Yoku me ligava inesperadamente.
“, você está bem?” Essa é a pergunta que mais faz uma pessoa triste chorar, nunca queremos dizer que não, por isso apenas ficamos em silêncio. “Eu gostaria de te contar algo, mas não sei se é o momento certo”.
— O que aconteceu? – Questionei.
“As pessoas estão especulando sobre o acidente do seu pai, já que saiu em uma revista que talvez não tenha sido um acidente.” Senti minhas pernas falharem e meu coração doer. “Resolveremos isso e acabaremos com essa mentira, não se preocupe”.
— Eu gostaria que sim, Yoku... – Meu choro se intensificou e por isso demorei muito para continuar. – Mas isso não é mentira.
“Mas...”.
— Eu não fui completamente honesta com você, mas isso me machuca muito e espero que você me desculpe. – Aposto que ela ouviu meu choro do outro lado e só por isso não brigou comigo, já que Yoku odiava quando eu mentia.
“Está tudo bem, você quer que eu vá até aí?”.
— Não se preocupe, eu vou ficar bem. – Com palavras me desejando o bem ele se despediu.
Assim que desliguei, joguei o celular com muita força no banco ao meu lado, bati com as minhas mãos com toda a força que ainda me restava no volante e chorei. Era difícil fugir de uma memória por quatro anos, isso faz com que nunca a superemos. Tudo parecia estar extremamente errado, minha vida não tinha emoção, meu cérebro bloqueava meus sentimentos com medo que eu me machucasse de novo, por isso meu coração não sentia nada, por isso tudo que me sobrou foi tentar sentir algo no usa das drogas e no sexo, mas assim que o efeito acabava, tudo que sobrava era um vazio, que poderia ser preenchido pelo luto que nunca cheguei a sentir realmente. Eu precisava do luto, mas com tantas coisas para cuidar e minha família para sustentar era difícil eu me imaginar desabando, eu devia tudo a eles que me incentivaram a seguir o meu sonho quando precisei.
Todo o meu corpo tremia e por isso percebi que não estava em condições de dirigir. Liguei primeiro para o meu padrasto, que me disse que estava extremamente ocupado e por isso nem perguntei se ele poderia me ajudar. Liguei para Yoku novamente e lembrei que ela morava do outro lado da cidade, por isso voltei a desligar o telefone. Eu não tinha ninguém, nenhum amigo de confiança e nenhum familiar que pudesse me ajudar, por isso encarei minha lista de contatos e vi o número de , a única pessoa que estava sem fazer nada e que não se incomodaria de vir me ajudar.
“, aconteceu algo?” Eu queria começar a chorar e gritar para que ele viesse me buscar, mas eu simplesmente não podia.
— Acho que aconteceu algo no meu carro, você pode vir até aqui esperar um reboque comigo?
“Claro, me manda o endereço por mensagem.”.
— ? – O ouvi batendo no vidro e abri os olhos, na meia hora que ele demorou para chegar, eu fiquei extremamente cansada e acabei caindo no sono.
Destravei as portas e o vi abrindo a do passageiro e sentando-se em seguida.
— Me desculpa por te incomodar. – Meu choro voltou e por isso senti seus abraços ao redor do meu corpo. – Aconteceu algo muito ruim.
— Sobre o seu pai? – Claro que ele já havia visto, por isso eu apenas confirmei em meio ao abraço. – Eu sinto muito por eles mentirem tanto.
— Eles não mentiram. – Voltei a me sentar no banco e o encarei, na verdade eu não conseguia ver um palmo na minha frente por conta das lagrimas. – Quando meu pai me buscou na festa, ele deixou uma carta para a minha mãe, contando que estava se drogando, que tinha conseguido um teste para mim, assim eu não me sentiria um lixo como ele, mas ele sabia que eu era como ele, por isso se suicidaria e me levaria junto.
ficou quieto por um tempo, sem saber o que fazer e tudo que meu corpo fazia era chorar. Eu me odiava por às vezes achar que ele estava certo.
— Quem contou isso para você?
— Minha irmã queria... – Tentei limpar as lágrimas das minhas bochechas, mas era inútil já que outras continuavam a cair. – Ela queria que eu fosse a um teste para um papel. Eu não queria por causa da morte do meu pai e por isso ela me mostrou a mensagem, insinuando que eu deveria provar que ele estava errado.
— ... – Ele com toda a certeza não sabia o que falar, mas sabia exatamente como agir, já que me puxou para que eu me sentasse em seu colo e me abraçou. Esse foi o único abraço que eu me senti segura desde a morte do meu pai, o único ombro que me senti confortável em chorar.
Desabar na frente dele era extremamente fácil, assim como a convivência e a sintonia entre nós dois... Tudo parecia se tornar fácil quando estávamos juntos.
— Ele sofria de depressão, . Já pensou em todas as coisas que você fez enquanto estava triste? – Ele provavelmente falou isso porque meu choro estava menos intenso. – Agora imagina como ele estava triste e não acreditava mais no mundo para fazer o que fez. Sei que é triste, mas tenho certeza que ele te amava muito e se estivesse em juízo perfeito nunca faria aquilo.
— Eu sei e me sinto ainda mais triste por não perceber pelo que ele estava passando. – Sua mão acariciou as minhas costas calmamente, tentando me confortar.
— Não tinha como você adivinhar, você era apenas uma garota que amava o pai e o via como um herói. – Suspirei sentindo minha garganta doer de tanto chorar.
— Quando eles falam que não devemos conhecer nossos heróis porque eles são todos muito esquisitos, eles não estão brincando. – Apoiei minha cabeça na janela e o encarei séria.
— Sempre nos forçamos a ver a melhor versão de nossos heróis. – Sua mão entrelaçou com a minha e ficamos em silêncio ali por muitos minutos, brinquei com os seus dedos sentindo meu corpo voltar ao normal.
— Você viu que talvez entraremos em quarentena? – Ele nem mesmo me encarou, apenas ficou observando nossas mãos e concordou com a cabeça. – Você quer quebrar o contrato para passar isso ao lado de sua família?
pensou por alguns minutos e eu simplesmente não o apressei, era estranho que após todo aquele surto o ar estava extremamente leve.
— Não vou quebrar o contrato. – Ele finalmente respondeu.
— Tudo bem, mas eu vou tentar me desintoxicar durante esse tempo e ficar sóbria. Talvez seja algo muito ruim para você aguentar. – Nos encaramos por um momento e ele parecia ter sido pego de surpresa. – Eu te libero da multa se quiser voltar para a sua família, .
— Não, eu quero ficar aqui. – Dessa vez foi eu quem ficou completamente surpresa. – Eu te ajudo nisso.
— Você não precisa, não é algo fácil de aguentar. – Eu sabia exatamente qual era a sensação, havia tentado isso diversas vezes e em todas cedi para o vício.
— Eu esperei por um pretexto para te encontrar e fiquei sem você por seis meses. Eu vivi seis meses apaixonado por alguém que eu não poderia ter, acha mesmo que vai se livrar de mim assim? – Isso foi uma declaração? É, provavelmente, por isso eu o beijei e pela primeira vez desde que ele voltou. O beijo era correspondido pelas duas partes.
Capítulo 4
Verão de 2020.
“A Covid-19 é uma doença causada pelo novo coronavírus, que apresenta um quadro clinico que varia de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves. O vírus pode ser transmitido pelo toque do aperto de mão, por gotículas de saliva ou até pelo espiro e tosse.” A quarentena havia acabado de começar e eu estava assistindo ao noticiário enquanto conversava com sua família por Facetime perto da piscina. “Os sintomas mais comuns são: febre, tosse, dor na garganta e dificuldade para respirar. No primeiro dia de quarentena pessoas já protestam em suas redes sociais, porém especialistas dizem que isso pode durar meses...”.
— Minha mãe queria ver você, mas eu disse que você estava no banho. – É, eu sabia o motivo de ele ter dado aquela desculpa, era o meu primeiro dia de desintoxicação e eu já não estava nada bem. – Parece que talvez iremos ficar aqui por meses, trancados juntos...
— Se nos suportarmos no fim de tudo, ficaremos juntos. – Ele se jogou no sofá ao meu lado e me encarou. – Você não gostou da ideia?
— Eu amei. – me puxou para um beijo me fazendo rir. – Mas você é muito misteriosa, não sei quase nada sobre você.
— Você sabe o meu maior segredo que envolvia o meu pai, então já me conhece muito bem. – Ele evitou rir ironicamente por ser um assunto delicado. – O que mais quer saber? Todo o resto está na internet.
— , você conversou com a minha família há uma semana atrás. Eles contaram sobre minhas antigas namoradas e mostraram até as fotos minhas na banheira quando era bebê. – Ri me lembrando das fotos. – Exatamente, é assim que quero rir das coisas que você conta.
— Tudo bem, aqui vai uma, eu nasci exatamente às 9:29. – Ele revirou seus olhos pois imaginava que eu diria algo mais interessante. – Estou falando sério, mas se você não acredita eu vou provar...
Ameacei me levantar, mas ele me segurou pelo quadril e fez com que eu me deitasse novamente, ri das cócegas que senti dos seus dedos que tocaram as minhas costelas.
— Você está fugindo do assunto. – Revirei os olhos com raiva por ele estar certo. – Eu só quero te conhecer melhor.
— Tudo bem, quando completei vinte e dois anos, eu tive a melhor festa da minha vida durante uma viagem para Detroit. Eu fiquei muito louca e estava com o cara que na época achei que fosse o amor da minha vida. – Essa era uma lembrança muito boa. – Ficamos o fim de semana festando com nossos amigos, sem nos preocupar com o que acontecia com o mundo, sem tocar nos telefones, apenas um monte de adultos inconsequentes se drogando.
— E o que aconteceu com o amor da sua vida? Ele partiu o seu coração? – Eu apenas ri e desejei que fosse apenas isso.
— Seria muita bom se fosse apenas isso. – Suspirei pensando se deveria contar ou não, talvez se eu contasse uma história triste ele desistisse e me deixasse em paz, sem querer saber do meu passado. – No dia em que iriamos embora ele sumiu. O encontramos na rua morto, ele havia sofrido uma overdose. Eu me droguei, fui até o terraço de um prédio para me jogar e morrer junto com ele, mas uma garota apareceu e pediu para que eu não fizesse aquilo porque o alguém precisava de mim, me esqueci completamente da sua aparêcia. A única característica dela que lembro era que ela tinha cabelos pintados de rosa.
— E você não se sente triste pelo amor da sua vida ter morrido?
— Eu não estava apaixonada e nunca estarei. Não por ele. – Respirei profundamente e sorri. – Eu fiquei muito feliz quando percebi isso.
Ele novamente beijou meus lábios e sorriu em seguida.
— Está com sono?
— Eu estou com muito sono, mas preciso tomar banho e tomar meus remédios. – Eu estava fazendo tratamento psicológico e com um médico especialista, que recomendou remédios para me ajudar com a abstinência.
— Eu vou arrumar algumas coisas aqui e já subo. – Concordei e por isso me levantei e fui até o banheiro do meu quarto.
Entrei, deixando a porta aberta. Tomei um banho quente e senti a vontade de cheirar maior, já que aqui era o lugar da casa onde eu mais fazia isso. Meu corpo se sentia cansado e minha mente estava cheia, por isso eu não sabia direito o que fazer, tudo estava confuso. Observei o chão do chuveiro e vi que muitos cabelos haviam caído, por isso assim que terminei, os peguei do chão e os joguei no lixeiro.
Ouvi entrar no quarto falando algo sobre assistirmos os novos títulos da Netflix, parei de frente para o espelho e encarei o meu reflexo. Eu estava horrível. Havia grandes olheiras logo abaixo de meus olhos, minha pele estava pálida e meu rosto parecia muito magro e triste. Meu deus, não acredito que essa sou eu..., foi a primeira coisa que pensei, mas logo vi me encarar pelo reflexo no espelho. Eu continuava nua, porém ele não me encarava com malicia, apenas como uma pessoa apaixonada.
— O que foi?
— Agora sei que fiz a escolha certa em não querer falar com a sua mãe... – A primeira lágrima escorreu pela minha bochecha e o vi se aproximando, seus braços me envolveram por trás e seus lábios depositaram um beijo delicado em meu pescoço.
— Você está sempre linda. – Senti outro beijo delicado em meu pescoço e fechei os olhos. – Eu te amo.
depositou mais alguns beijos e senti um calafrio percorrer minha espinha.
O amor e a paixão são coisas completamente diferentes. A paixão é algo ardente, que faz com que as pessoas façam coisas que no futuro provavelmente se arrependerão, que faz com que cada hora com a pessoa seja intensa e que cada toque seja arrepiante. Já o amor é algo concreto, é pensar na pessoa antes de pensar em si mesmo, de querer o bem da pessoa que você ama, mesmo que isso signifique que você terá o mal, o amor dura não importa a distância, não importam as escolhas, não importam os problemas, muitas vezes a paixão existe no amor, o que torna cada segundo e cada milésimo precioso. Nunca em toda a minha vida eu havia sentido esse tipo de amor por alguém, mas o vendo ali, ele me amando enquanto eu sabia que talvez nem merecesse aquilo, eu tinha certeza que também o amava.
Durante toda a noite nos amamos, sentimos a pele um do outro, cada toque e cada suspiro, era como se tudo fosse declarações. Sua camisa deslizando pela pele macia, um encarando o corpo do outro como se aquilo fosse a visão mais perfeita do mundo. Um provava o gosto do outro e de si mesmo, a sincronia em cada movimento e em cada respiração nos tornávamos únicos.
— Eu também te amo. – Cochichei, quando já estávamos deitados e sentia sua respiração tranquila em minha nuca, por isso senti um frio na barriga de que talvez ele já estivesse dormindo, mas como se lesse meus pensamentos ele tocou seus lábios gélidos em minha nuca confirmando que havia escutado cada palavra.
[...]
Todo o processo de superar a abstinência foi extremamente difícil, mas acho que o mais difícil de todos para mim foi o quarto dia, que minha vontade era de pular qualquer janela da casa e ir correndo para o primeiro ponto de venda de drogas que encontrasse. Meu corpo todo tremia de ansiedade e eu não gostaria de ver ninguém, nem mesmo , que estava conversando com o diretor do filme que havíamos dublado.
— ? – Lia me chamou do outro lado da porta e por isso me sentei na cama para esperar que ela entrasse.
Antes mesmo que a deixasse entrar, ela já estava abrindo a porta.
— Oi. – Sorri fraco sem mostrar os dentes. – Aconteceu algo com a mamãe?
— Não, na verdade eu só vim agradecer pelo emprego que você me deu na sua loja. – Claro, ela havia trabalhado por algumas semanas até a quarentena iniciar. – Foi maravilhoso e já decidi qual faculdade vou fazer.
— Qual? – Isso era realmente muito emocionante para mim, era a primeira vez que via minha irmã crescendo e dando o melhor de si.
— Vou cursar moda. – Aquilo não me surpreendeu, já que ela adorava desenhar roupas.
— Claro, estou muito orgulhosa. – Eu nunca havia divulgado o perfil da minha irmã, já que nunca senti que ela merecia, mas agora era o momento de ajuda-la. – Quer divulgar o seu perfil no meu Instagram?
Seus olhos se arregalaram e logo depois sorriram, ela ficou tão feliz que me abraçou rapidamente antes de eu pegar meu celular e postar uma foto de nós duas com um texto a divulgando.
— Obrigada, , achei que nunca fosse me sentir assim sobre você, mas você é uma ótima irmã mais velha. – Suas palavras de boas intenções pareciam imãs em minha mente e me fizeram lembrar da inveja que eu tinha dela há cinco anos atrás, o que também me fez lembrar que eu ainda não sabia o porquê ela me odiava tanto quando quis voltar a morar com a minha mãe.
— Lia, posso fazer uma pergunta? – Ela assentiu, estranhando minha atitude. – Por que você me odiava tanto?
Ela suspirou parecendo constrangida.
— Sei que é meio fútil, mas a mamãe costumava sentir muito a sua falta e acabava me comparando muito com você. – Eu não fazia ideia que ela era comparada comigo e muito menos que minha mãe sentia minha falta. – Quando você disse que se mudaria, falei que não queria porque odiava a imagem perfeita que mamãe me obrigou a ter de você e tudo o que eu conseguia imaginar era eu sendo o mal exemplo ali.
— Eu sinto muito, não fazia ideia disso.
— Não, está tudo bem, no fim eu percebi que você fazia muitas merdas, não era nem um pouquinho perfeita e poderia ser uma boa irmã. – Eu estava muito deprimida durante todo o dia e por isso comecei a chorar assim que ouvi, me senti constrangida até ver que Lia também chorava. – Mas aí foi a nossa vez de fazer merdas e acabar com a sua vida.
— Não, você não acabou com a minha vida. – Segurei sua mão. – Você fez tudo valer a pena. Eu trabalhei muito para ver você se tornar isso que é hoje e não me arrependo de nenhum sacrifício que fiz.
Nos abraçamos ainda chorando e senti a abstinência interromper minha tristeza. Nenhum sentimento poderia mascarar o que eu estava sentindo com a falta de drogas em meu corpo;
— Por que a sua mão está tão gelada e por que você parece muito cansada? – Sua mão tocou a minha testa sentindo a temperatura da minha pele.
— Estou com abstinência... – Contei e vi sua expressão surpresa. – Pretendo ficar sóbria, espero conseguir até o fim dessa quarentena.
— Você vai conseguir. – Sua mão pousou encima da minha, então percebi que concluí a principal e uma das primeiras partes do processo de ficar sóbria, fazer as pazes com o meu passado e me desculpar com quem era necessário. – Agora preciso ir, vou fazer algumas fotos para postar no Instagram, mas se você precisar de qualquer coisa me chame.
Assenti e a assisti saindo do quarto. Minhas lágrimas não pararam, mas dessa vez eu não precisava de ninguém para me abraçar e dizer que tudo iria ficar bem, apenas de mim mesma.
“A Covid-19 é uma doença causada pelo novo coronavírus, que apresenta um quadro clinico que varia de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves. O vírus pode ser transmitido pelo toque do aperto de mão, por gotículas de saliva ou até pelo espiro e tosse.” A quarentena havia acabado de começar e eu estava assistindo ao noticiário enquanto conversava com sua família por Facetime perto da piscina. “Os sintomas mais comuns são: febre, tosse, dor na garganta e dificuldade para respirar. No primeiro dia de quarentena pessoas já protestam em suas redes sociais, porém especialistas dizem que isso pode durar meses...”.
— Minha mãe queria ver você, mas eu disse que você estava no banho. – É, eu sabia o motivo de ele ter dado aquela desculpa, era o meu primeiro dia de desintoxicação e eu já não estava nada bem. – Parece que talvez iremos ficar aqui por meses, trancados juntos...
— Se nos suportarmos no fim de tudo, ficaremos juntos. – Ele se jogou no sofá ao meu lado e me encarou. – Você não gostou da ideia?
— Eu amei. – me puxou para um beijo me fazendo rir. – Mas você é muito misteriosa, não sei quase nada sobre você.
— Você sabe o meu maior segredo que envolvia o meu pai, então já me conhece muito bem. – Ele evitou rir ironicamente por ser um assunto delicado. – O que mais quer saber? Todo o resto está na internet.
— , você conversou com a minha família há uma semana atrás. Eles contaram sobre minhas antigas namoradas e mostraram até as fotos minhas na banheira quando era bebê. – Ri me lembrando das fotos. – Exatamente, é assim que quero rir das coisas que você conta.
— Tudo bem, aqui vai uma, eu nasci exatamente às 9:29. – Ele revirou seus olhos pois imaginava que eu diria algo mais interessante. – Estou falando sério, mas se você não acredita eu vou provar...
Ameacei me levantar, mas ele me segurou pelo quadril e fez com que eu me deitasse novamente, ri das cócegas que senti dos seus dedos que tocaram as minhas costelas.
— Você está fugindo do assunto. – Revirei os olhos com raiva por ele estar certo. – Eu só quero te conhecer melhor.
— Tudo bem, quando completei vinte e dois anos, eu tive a melhor festa da minha vida durante uma viagem para Detroit. Eu fiquei muito louca e estava com o cara que na época achei que fosse o amor da minha vida. – Essa era uma lembrança muito boa. – Ficamos o fim de semana festando com nossos amigos, sem nos preocupar com o que acontecia com o mundo, sem tocar nos telefones, apenas um monte de adultos inconsequentes se drogando.
— E o que aconteceu com o amor da sua vida? Ele partiu o seu coração? – Eu apenas ri e desejei que fosse apenas isso.
— Seria muita bom se fosse apenas isso. – Suspirei pensando se deveria contar ou não, talvez se eu contasse uma história triste ele desistisse e me deixasse em paz, sem querer saber do meu passado. – No dia em que iriamos embora ele sumiu. O encontramos na rua morto, ele havia sofrido uma overdose. Eu me droguei, fui até o terraço de um prédio para me jogar e morrer junto com ele, mas uma garota apareceu e pediu para que eu não fizesse aquilo porque o alguém precisava de mim, me esqueci completamente da sua aparêcia. A única característica dela que lembro era que ela tinha cabelos pintados de rosa.
— E você não se sente triste pelo amor da sua vida ter morrido?
— Eu não estava apaixonada e nunca estarei. Não por ele. – Respirei profundamente e sorri. – Eu fiquei muito feliz quando percebi isso.
Ele novamente beijou meus lábios e sorriu em seguida.
— Está com sono?
— Eu estou com muito sono, mas preciso tomar banho e tomar meus remédios. – Eu estava fazendo tratamento psicológico e com um médico especialista, que recomendou remédios para me ajudar com a abstinência.
— Eu vou arrumar algumas coisas aqui e já subo. – Concordei e por isso me levantei e fui até o banheiro do meu quarto.
Entrei, deixando a porta aberta. Tomei um banho quente e senti a vontade de cheirar maior, já que aqui era o lugar da casa onde eu mais fazia isso. Meu corpo se sentia cansado e minha mente estava cheia, por isso eu não sabia direito o que fazer, tudo estava confuso. Observei o chão do chuveiro e vi que muitos cabelos haviam caído, por isso assim que terminei, os peguei do chão e os joguei no lixeiro.
Ouvi entrar no quarto falando algo sobre assistirmos os novos títulos da Netflix, parei de frente para o espelho e encarei o meu reflexo. Eu estava horrível. Havia grandes olheiras logo abaixo de meus olhos, minha pele estava pálida e meu rosto parecia muito magro e triste. Meu deus, não acredito que essa sou eu..., foi a primeira coisa que pensei, mas logo vi me encarar pelo reflexo no espelho. Eu continuava nua, porém ele não me encarava com malicia, apenas como uma pessoa apaixonada.
— O que foi?
— Agora sei que fiz a escolha certa em não querer falar com a sua mãe... – A primeira lágrima escorreu pela minha bochecha e o vi se aproximando, seus braços me envolveram por trás e seus lábios depositaram um beijo delicado em meu pescoço.
— Você está sempre linda. – Senti outro beijo delicado em meu pescoço e fechei os olhos. – Eu te amo.
depositou mais alguns beijos e senti um calafrio percorrer minha espinha.
O amor e a paixão são coisas completamente diferentes. A paixão é algo ardente, que faz com que as pessoas façam coisas que no futuro provavelmente se arrependerão, que faz com que cada hora com a pessoa seja intensa e que cada toque seja arrepiante. Já o amor é algo concreto, é pensar na pessoa antes de pensar em si mesmo, de querer o bem da pessoa que você ama, mesmo que isso signifique que você terá o mal, o amor dura não importa a distância, não importam as escolhas, não importam os problemas, muitas vezes a paixão existe no amor, o que torna cada segundo e cada milésimo precioso. Nunca em toda a minha vida eu havia sentido esse tipo de amor por alguém, mas o vendo ali, ele me amando enquanto eu sabia que talvez nem merecesse aquilo, eu tinha certeza que também o amava.
Durante toda a noite nos amamos, sentimos a pele um do outro, cada toque e cada suspiro, era como se tudo fosse declarações. Sua camisa deslizando pela pele macia, um encarando o corpo do outro como se aquilo fosse a visão mais perfeita do mundo. Um provava o gosto do outro e de si mesmo, a sincronia em cada movimento e em cada respiração nos tornávamos únicos.
— Eu também te amo. – Cochichei, quando já estávamos deitados e sentia sua respiração tranquila em minha nuca, por isso senti um frio na barriga de que talvez ele já estivesse dormindo, mas como se lesse meus pensamentos ele tocou seus lábios gélidos em minha nuca confirmando que havia escutado cada palavra.
Todo o processo de superar a abstinência foi extremamente difícil, mas acho que o mais difícil de todos para mim foi o quarto dia, que minha vontade era de pular qualquer janela da casa e ir correndo para o primeiro ponto de venda de drogas que encontrasse. Meu corpo todo tremia de ansiedade e eu não gostaria de ver ninguém, nem mesmo , que estava conversando com o diretor do filme que havíamos dublado.
— ? – Lia me chamou do outro lado da porta e por isso me sentei na cama para esperar que ela entrasse.
Antes mesmo que a deixasse entrar, ela já estava abrindo a porta.
— Oi. – Sorri fraco sem mostrar os dentes. – Aconteceu algo com a mamãe?
— Não, na verdade eu só vim agradecer pelo emprego que você me deu na sua loja. – Claro, ela havia trabalhado por algumas semanas até a quarentena iniciar. – Foi maravilhoso e já decidi qual faculdade vou fazer.
— Qual? – Isso era realmente muito emocionante para mim, era a primeira vez que via minha irmã crescendo e dando o melhor de si.
— Vou cursar moda. – Aquilo não me surpreendeu, já que ela adorava desenhar roupas.
— Claro, estou muito orgulhosa. – Eu nunca havia divulgado o perfil da minha irmã, já que nunca senti que ela merecia, mas agora era o momento de ajuda-la. – Quer divulgar o seu perfil no meu Instagram?
Seus olhos se arregalaram e logo depois sorriram, ela ficou tão feliz que me abraçou rapidamente antes de eu pegar meu celular e postar uma foto de nós duas com um texto a divulgando.
— Obrigada, , achei que nunca fosse me sentir assim sobre você, mas você é uma ótima irmã mais velha. – Suas palavras de boas intenções pareciam imãs em minha mente e me fizeram lembrar da inveja que eu tinha dela há cinco anos atrás, o que também me fez lembrar que eu ainda não sabia o porquê ela me odiava tanto quando quis voltar a morar com a minha mãe.
— Lia, posso fazer uma pergunta? – Ela assentiu, estranhando minha atitude. – Por que você me odiava tanto?
Ela suspirou parecendo constrangida.
— Sei que é meio fútil, mas a mamãe costumava sentir muito a sua falta e acabava me comparando muito com você. – Eu não fazia ideia que ela era comparada comigo e muito menos que minha mãe sentia minha falta. – Quando você disse que se mudaria, falei que não queria porque odiava a imagem perfeita que mamãe me obrigou a ter de você e tudo o que eu conseguia imaginar era eu sendo o mal exemplo ali.
— Eu sinto muito, não fazia ideia disso.
— Não, está tudo bem, no fim eu percebi que você fazia muitas merdas, não era nem um pouquinho perfeita e poderia ser uma boa irmã. – Eu estava muito deprimida durante todo o dia e por isso comecei a chorar assim que ouvi, me senti constrangida até ver que Lia também chorava. – Mas aí foi a nossa vez de fazer merdas e acabar com a sua vida.
— Não, você não acabou com a minha vida. – Segurei sua mão. – Você fez tudo valer a pena. Eu trabalhei muito para ver você se tornar isso que é hoje e não me arrependo de nenhum sacrifício que fiz.
Nos abraçamos ainda chorando e senti a abstinência interromper minha tristeza. Nenhum sentimento poderia mascarar o que eu estava sentindo com a falta de drogas em meu corpo;
— Por que a sua mão está tão gelada e por que você parece muito cansada? – Sua mão tocou a minha testa sentindo a temperatura da minha pele.
— Estou com abstinência... – Contei e vi sua expressão surpresa. – Pretendo ficar sóbria, espero conseguir até o fim dessa quarentena.
— Você vai conseguir. – Sua mão pousou encima da minha, então percebi que concluí a principal e uma das primeiras partes do processo de ficar sóbria, fazer as pazes com o meu passado e me desculpar com quem era necessário. – Agora preciso ir, vou fazer algumas fotos para postar no Instagram, mas se você precisar de qualquer coisa me chame.
Assenti e a assisti saindo do quarto. Minhas lágrimas não pararam, mas dessa vez eu não precisava de ninguém para me abraçar e dizer que tudo iria ficar bem, apenas de mim mesma.
Epílogo
“O então policial Derek Chauvin ajoelhou-se no pescoço de um homem que já se encontrava imobilizado por oito minutos e seis segundos, mesmo depois da vítima dizer repetidamente “Não consigo respirar!”. No dia vinte e cinco de maio um homem negro chamado George Floyd foi assassinado por quatro bandidos que faziam parte da policial, em uma cidade chamada Minneapolis de Minnesota nos Estados Unidos da América.
O assassinato de Floyd gerou revolta social e uma onda de protestos antirracistas e contra a violência policial.”
— O cartaz está pronto? – caminhou até a mesa onde eu finalizava o cartaz do primeiro protesto antirracista que ocorreria em Nova York. – Postou no seu Instagram?
— Instagram e Twitter para convidar todos para participar do protesto... – Terminei de escrever e beijou minha bochecha.
— , você pegou as máscaras? – Lia perguntou, se aproximando enquanto segurava seu cartaz.
Assenti e tirei de minha bolsa cinco mascaras onde estava escrito “#BlackLivesMatter (#VidasNegrasImportam)” e entreguei uma para cada um que estava ali.
— E se der briga com os policiais? – Mamãe questionou, assim que entreguei sua máscara.
— Nós corremos ou lutamos, dependendo de quais equipamentos eles irão usar. – Sorri orgulhosa de minha mãe que havia saído da reabilitação há alguns dias e já quis participar com todos nós da manifestação.
— Tudo bem, então vamos logo. – Todos concordamos com Luís, cada um pegando o seu cartaz, vestindo suas máscaras para nos protegermos do coronavírus e finalmente fomos para o lado de fora da casa. Iríamos andando até o lugar de encontro para o início do protesto. Lia, mamãe e Luís andaram mais na frente enquanto conversavam, já eu e andávamos logo atrás de mãos dadas.
— Tem certeza que está bem para participar disso? – Ele questionou e apenas concordei. – Não vai sumir no meio do protesto?
— Não, . – Sorri, o abraçando de lado enquanto andávamos. Eu estava sóbria há mais de um mês. – O que devemos esperar desse protesto?
— Veremos. – O observei por alguns segundos e lembrei do quanto eu era apaixonada por ele.
Tudo o que passamos para chegar naquele lugar e naquele momento merecia ser citado, na verdade tudo o que o mundo passou nos últimos meses merecia.
Vimos vidas sendo perdidas, famílias sendo destruídas, o presidente adotando a quarentena tardiamente, todas as cidades aumentarem drasticamente o número de infectados e o racismo achar que venceu uma batalha, que mal havia começado. Enquanto o mundo passava por isso, enfrentei meus próprios demônios e traumas, mostrei minha real personalidade que havia escondido por dois anos para um homem que morou em minha casa por causa de um contrato, passei por uma desintoxicação, permaneci firme, venci a abstinência e finalmente voltei a amar minha família.
Eu era apenas uma mulher de quase vinte e cinco anos, que já havia lutado muito e sabia que muita coisa ainda estava por vir. Descobri que ainda tinha um grande caminho a percorrer até a autopreservação e também que talvez havia encontrado a salvação, sabia que não deveria alimentar a minha tentação e que finalmente havia concertado a minha bússola moral.
Mas sempre tinha em mente que tudo poderia dar errado, eu poderia voltar ao meu vício, mas deveria continuar a vida sem pensar nisso. Porém, quando as horas começassem a passar devagar e os sentimentos ruins voltassem, tudo que eu precisava fazer era observar os minutos lentamente e quem sabe contar em voz alta para saber que não posso guarda-los para mim, por isso deveria viver a vida me preocupando com o presente e não com medo do futuro.
— Claro e antes que eu esqueça... – Encarei que me observou. – Acho que tenho uma confissão a fazer. Vi na minha certidão de nascimento e na verdade nasci às 9:26. Eu sou uma mentirosa, uma mentirosa de merda.
O assassinato de Floyd gerou revolta social e uma onda de protestos antirracistas e contra a violência policial.”
— O cartaz está pronto? – caminhou até a mesa onde eu finalizava o cartaz do primeiro protesto antirracista que ocorreria em Nova York. – Postou no seu Instagram?
— Instagram e Twitter para convidar todos para participar do protesto... – Terminei de escrever e beijou minha bochecha.
— , você pegou as máscaras? – Lia perguntou, se aproximando enquanto segurava seu cartaz.
Assenti e tirei de minha bolsa cinco mascaras onde estava escrito “#BlackLivesMatter (#VidasNegrasImportam)” e entreguei uma para cada um que estava ali.
— E se der briga com os policiais? – Mamãe questionou, assim que entreguei sua máscara.
— Nós corremos ou lutamos, dependendo de quais equipamentos eles irão usar. – Sorri orgulhosa de minha mãe que havia saído da reabilitação há alguns dias e já quis participar com todos nós da manifestação.
— Tudo bem, então vamos logo. – Todos concordamos com Luís, cada um pegando o seu cartaz, vestindo suas máscaras para nos protegermos do coronavírus e finalmente fomos para o lado de fora da casa. Iríamos andando até o lugar de encontro para o início do protesto. Lia, mamãe e Luís andaram mais na frente enquanto conversavam, já eu e andávamos logo atrás de mãos dadas.
— Tem certeza que está bem para participar disso? – Ele questionou e apenas concordei. – Não vai sumir no meio do protesto?
— Não, . – Sorri, o abraçando de lado enquanto andávamos. Eu estava sóbria há mais de um mês. – O que devemos esperar desse protesto?
— Veremos. – O observei por alguns segundos e lembrei do quanto eu era apaixonada por ele.
Tudo o que passamos para chegar naquele lugar e naquele momento merecia ser citado, na verdade tudo o que o mundo passou nos últimos meses merecia.
Vimos vidas sendo perdidas, famílias sendo destruídas, o presidente adotando a quarentena tardiamente, todas as cidades aumentarem drasticamente o número de infectados e o racismo achar que venceu uma batalha, que mal havia começado. Enquanto o mundo passava por isso, enfrentei meus próprios demônios e traumas, mostrei minha real personalidade que havia escondido por dois anos para um homem que morou em minha casa por causa de um contrato, passei por uma desintoxicação, permaneci firme, venci a abstinência e finalmente voltei a amar minha família.
Eu era apenas uma mulher de quase vinte e cinco anos, que já havia lutado muito e sabia que muita coisa ainda estava por vir. Descobri que ainda tinha um grande caminho a percorrer até a autopreservação e também que talvez havia encontrado a salvação, sabia que não deveria alimentar a minha tentação e que finalmente havia concertado a minha bússola moral.
Mas sempre tinha em mente que tudo poderia dar errado, eu poderia voltar ao meu vício, mas deveria continuar a vida sem pensar nisso. Porém, quando as horas começassem a passar devagar e os sentimentos ruins voltassem, tudo que eu precisava fazer era observar os minutos lentamente e quem sabe contar em voz alta para saber que não posso guarda-los para mim, por isso deveria viver a vida me preocupando com o presente e não com medo do futuro.
— Claro e antes que eu esqueça... – Encarei que me observou. – Acho que tenho uma confissão a fazer. Vi na minha certidão de nascimento e na verdade nasci às 9:26. Eu sou uma mentirosa, uma mentirosa de merda.