Capítulo Único
- Poderíamos pular para a parte em que diz o que há de errado comigo?
A doutora, enfim, dirigiu sua atenção a mim, e não ao bloco de notas que tinha em mãos. Estreitou os olhos, me encarou por uns três segundos e voltou às anotações, sem me dirigir palavra alguma. Tentei, pela trigésima vez, ver o que tanto ela escrevia naquele bendito papel, porém, como em todas as outras, recebi um olhar de desaprovação e bufei, retornando ao meu assento. Ou ela estava resolvendo palavras cruzadas, pouco se lixando para o que eu dizia, ou fazia meu atestado para o manicômio, com louco escrito em letras garrafais no topo da página. Naquele momento, até eu mesmo duvidava de minha sanidade.
Primeiro, pedi ajuda para a última que passou pela minha cama. Não deu muito certo. Depois, tentei com os amigos, que depois de perguntarem se era pegadinha ou algo do tipo, riram da minha cara até o ar faltar em seus pulmões. Até em um bate- papo de gamers que eu participo tentei desabafar, mas claro que os caras me trataram como se eu tivesse algum problema mental por reclamar de ter uma atenção demasiada do sexo feminino. O fato da maioria deles não ter mais que 15 anos não influenciou em nada, claro.
Soube que estava no fundo do poço quando tomei uma das decisões mais drásticas da minha vida.
- Mãe, eu acho que sou ninfomaníaco.
Os segundos seguintes foram de um silêncio ensurdecedor, tamanha a tensão que havia se instalado no cômodo. Antes que sorrisse cínico, exclamasse “brincadeirinha!” e saísse correndo, ela pegou um cartão na gaveta da mesa de escrivaninha e entregou- me. “Ah, querido, acho que uma ida lhe faria bem”, disse quando perguntei por que diabos havia me dado o endereço de uma psicóloga. Coloquei- o no bolso certo de que não chegaria a esse ponto.
- OK, eu espero que esteja preparado para o que tenho a lhe dizer.
- Eu estou, doutora Barns. – mentira. E era óbvio que ela sabia, a mulher era um detector de mentiras personificado. Quase tão boa quanto minha mãe.
- Está tudo certo, . Não há nada de errado com você.
- Como disse?
- Eu disse: não há nada de errado com você.
Geralmente ficamos bem felizes ao receber uma notícia do tipo. Mas eu sabia que havia, sim, algo de muito errado comigo. Eu simplesmente não sabia o porquê de querer ficar com quase todas as garotas que eu conhecia, não sabia controlar isso e sabia que estava caminhando a passos largos para o mundo mágico da loucura.
E, claro, não havia pagado os olhos da minha cara por aquela consulta para ouvir que estou bem, obrigado.
- Olha, doutora, acho que não entendeu o que estou passando. Eu dizia que...
- , eu anotei cada palavra que disse, e posso afirmar que tenho certeza do que digo – pelo menos não estava fazendo palavras cruzadas, como suspeitei. – Você tem 19 anos e, acredite, não é o único no mundo que tem a mesma idade.
- E todos os outros caras de 19 são ninfomaníacos também?
Ironizei e a doutora riu. Bem na minha cara. Se em dois minutos ela não me desse uma receita lotada de remédios como eu recebia em cada vez que visitava um consultório, eu ficaria bem puto de ter perdido minha tarde e meu dinheiro para nada.
- Não, nem você. Apesar de parecer, nós, “coroas”, não brotamos da terra tirando o pó acumulado de nossas rugas. Já fui jovem, já passei pelo o que passa agora e posso afirmar que é absolutamente normal.
Imaginei a doutora Barns mais nova. Imaginei a doutora Barns agindo como eu. Imaginei a doutora Barns na cama com um cara e...
- Me interpretei mal, perdão. Quis dizer, que conheci muitos caras como você, não necessariamente que agia como eles. Pode tirar a expressão horrorizada do rosto.
- E com certeza achava que eles eram uns babacas tarados como 99% da população feminina acha que sou.
- Claro que sim. Mas o que seriam dos babacas se as garotas não lhes dessem condição? Na maioria dos casos, , não é questão de ser tarado, babaca ou, por Deus que viagem, ninfomaníaco. É questão de se permitir, nem que seja apenas por uma noite.
Sorri, sem ao menos pensar em contestá-la. Assenti e peguei meu casaco no encosto do divã, encerrando a consulta, que felizmente fez valer meu tempo e meu dinheiro.
- Obrigada, doutora Barns.
- Disponha. E, ... – encarei-a pela porta entreaberta. – Não há nada de errado em querer se sentir vivo.
XXX
Finalmente comecei a ouvir música eletrônica explodindo nas caixas de som em alguma das repúblicas. Continuei a dirigir, sendo guiado por ela, sabendo que logo encontraria o lugar da festa de hoje.
O bom de estar na faculdade é que sempre tem algo para fazer, principalmente à noite. Eu não morava em uma das repúblicas por ser metodicamente organizado e isso tornava óbvia minha incapacidade de dividir um quarto com um cara qualquer, que guarda um pedaço de pizza dentro do guarda roupa. Mas elas eram o melhor lugar para uma house party no meio da semana, que era exatamente o que eu precisava.
Já estava há três semanas sem festa alguma. Pode parecer miseravelmente pouco para alguns, mas não para meus padrões. Desde que entrei na neurose “estou- viciado- em- mulheres- vou- pirar” havia me confinado dentro de casa para evitar maiores problemas.
Funcionou bem, não havia recebido ligações de alguma guria que tinha ficado em outra festa me chamando pra uma saída, nem sido parado no corredor por alguma delas me cobrando a ligação do dia seguinte não feita. E, por mais estranho que seja, senti falta delas. Nunca fui do tipo que ilude, prometendo um relacionamento sério, troca de mensagens melosas pela manhã e amor eterno. Não me sentia pronto para isso, não tinha a mínima vontade de estar e deixava isso claro pra qualquer garota antes de ficar com a mesma. Mas gostava de quando elas vinham até mim e inflavam meu ego. Posso ser um imbecil por isso, mas não sou hipócrita e não faço questão nenhuma de esconder.
Estacionei em frente à Kappa Kappa Gama e não sei como não havia suspeitado de que lá seria a social do dia. Era a casa mais badalada do sistema grego do campus. Bati a porta do carro decidido de que minha abstinência seria curada hoje, e que seguiria os conselhos da doutora Barns. Atravessei a rua sem olhar pra trás, era hora de me sentir vivo.
- Hey, !
- Oliver, e aí? – não era difícil encontrar alguém conhecido nessas festas. A grande maioria era, aliás.
- Cara, tem uma pinhata aqui! Tem noção? Uma pinhata!
- Tenho noção, sim. – ri do estado de Oliver, achando uma pinhata a coisa mais fantástica da noite.
- Ninguém conseguiu acertar até agora. Vamos mostrar como se faz.
Quando percebi, já estava sendo arrastado até o quintal da casa, e me vi no meio do grupo de pessoas que gritavam animadas, como se assistissem a um jogo de futebol. A cena era hilária: um garoto tentava a todo custo acertar a pinhata pendurada na árvore, mas não conseguia ao menos se equilibrar direito enquanto batia com o taco de basebol no ar. Não era pra menos: ao invés das clássicas rodadinhas, o meio usado para deixar as pessoas tontas era uns shots de alguma bebida com o maior teor alcoólico que encontrassem por ali.
E em uma de suas tentativas ele quase acertou uma garota, que gargalhava loucamente da cena. Ela sim era a coisa mais fantástica daquele lugar. Usava um vestido preto e batom escuro, o suficiente para deixar qualquer cara louco. Nem precisei pensar duas vezes para chegar nela, partir pra ação já era automático para mim.
Primeira estratégia: pare ao lado dela como quem não quer nada e esbarre de leve em seu braço, motivando o contato visual. O modo como a garota te olha diz muito sobre o próximo passo. Assim fiz, e ela, por sua vez, me encarou de cima a baixo e sorriu, desviando sua atenção para o louco da pinhata. Sorriso é um sinal verde, avance.
- Você passaria a noite com um estranho?
- Não – ela respondeu rápido, sem me dirigir o olhar.
- Então, prazer, meu nome é ...
- É assim que você conquista as mulheres, ?
- Geralmente, sim – ela riu, e me encarou debochada. Sorri de volta da mesma forma. Quanto mais desafiadora, mais instigante.
- Tenta de novo com outra, então.
Antes que eu desse um jeito de contornar o fora, o pessoal ao nosso redor começou uma comemoração digna de gol em final de copa do mundo. Alguém tinha conseguido acertar a pinhata. Procurei pela garota do sorriso vermelho e debochado, e não a encontrei por perto de onde estávamos.
A noite havia acabado de começar.
XXX
- Eu tentei. E deu certo.
- O que... Ah, você – ela conversava no bar improvisado na sala com uma amiga, que me secou descaradamente. Era bonita, mas não tinha o olhar desafiador que eu procurava naquela noite. – Típico. E o que faz aqui e não em um dos quartos com a sortuda?
- Tentando de novo com a pessoa mais atraente neste lugar. E se você não estivesse aqui, esse posto seria meu.
- Continue falando, , talvez você diga algo inteligente.
- Sabia que o maior astro do universo é a estrela VY Canis Majoris, mais de 3 milhões de vezes maior do que o sol?
- Cursa astronomia? – perguntou interessada. Ponto pra mim.
- Não, assisto Discovery Channel – revirou os olhos e voltou à atenção para sua bebida. Esquece o ponto. – Sua vez.
- Vá curtir a festa, .
- Era pra dizer algo inteligente.
- Seguir meu conselho seria sua atitude mais inteligente da noite.
- Talvez. É uma pena que todos tenhamos nossos momentos de estupidez.
- ! Está na sua vez – um cara gritou das escadas e ela se despediu com um sorriso e o seguiu. Eu estava quase lá, mas que droga!
Pensei em segui-la seja lá para onde estivesse indo, mas pensei melhor e decidi ficar por onde estava. Além de pagar de psycho perseguidor, eu não estava tão a fim de ficar com ela esta noite.
A quem eu quero enganar?
XXX
- E aquela vez em que pegamos o ônibus errado e ainda fizemos a idiotice de dormir até o último ponto?
- Eu achei que seria estuprado naquela rodoviária escura, cara, nem brinca com uma coisa desses – Oliver e John gargalhavam ao meu lado em nosso momento nostálgico.
Eu até estava no mesmo clima no início da conversa, mas não conseguia me concentrar nela enquanto procurava a tal no meio das outras pessoas.
Já fazia mais de uma hora que ela tinha subido e ainda não havia retornado. Em situações como essa eu daria de ombros e tentaria a sorte com mais uma garota à procura de um cara disponível. Mas eu não conseguia sequer prestar atenção no que meus amigos falavam, imagina flertar com alguém?
- ? – por falar neles, haviam parado de relembrar a famosa história da rodoviária e me encaravam como se fosse a trigésima segunda vez que me chamavam.
- Sou eu.
- Jura? Por um momento cogitei chamar por Logan, já que não nos atende mais pelo nome de sempre. Qual foi, cara, está aí olhando pro nada, não falou mais nada...
- Ele está na bad, porque ainda tá zerado hoje, John – Oliver caçoou da minha cara. Ele nunca perdia a oportunidade, ainda mais quando tinha mulher no meio.
- O Don Juan das festas da universidade? Sua reputação já esteve em dias melhores, amigo.
- HÁ HÁ, hilários. Saibam que ainda hoje fico com a mais gata dessa festa.
- Me deixa adivinhar: ela está fugindo de você? – dei um gole em minha long neck, desviando o olhar para um ponto qualquer do cômodo, esperando as gargalhadas. Dito e feito.
- Me apresenta essa garota, para eu beijar os pés dela, por favor!
- Há uma primeira vez para tudo na vida, pequeno gafanhoto.
- Não é a primeira vez que eu levo um toco, John, acredite: até eu sou dispensado em raras ocasiões – sorri convencido e os dois rolaram os olhos. – Mas, sei lá, não quero ficar com mais ninguém daqui. É como se qualquer garota não pudesse ser tão interessante, ou tão bonita quanto ela. O bizarro é que nos falamos duas vezes por menos de cinco minutos e eu já estou pensando essas coisas... Por que estão me olhando assim?
- Você também chegou a mesma conclusão, Oliver?
- Totalmente.
Não precisei de mais nenhuma palavra para entender o que eles queriam dizer.
Que idiotice!
- Deixem de ser idiotas! Por favor, eu não me apaixonei instantaneamente por ela.
- Um dia alguma delas teria que mexer com seus sentimentos, não?
- O Oliver está certo, . E isso não é ruim, sabe? Uma vez eu cheguei a pensar que você fosse gay enrustido, por nunca querer nada com uma menina.
- O que!? – John sempre me fazia rir com vontade quando abria a boca para soltar uma de suas asneiras.
- Ah, sei lá. Sempre fugindo delas, e nossa... Você não tem ideia como te odeio a cada vez que deixa uma gata passar. Ainda mais quando eu vou servir de consolo e ao invés de me dar bem, fico escutando a mesma história de “ele não vale nada” e dois minutos depois “será que amanhã ele topa sair comigo de novo?”.
- John, menos. E, , é normal conhecer alguém e não só pensar em como a pegaria e dispensaria no dia seguinte. Questão de bater os olhos na pessoa e pensar em como ela ficaria bem ao seu lado. Parece coisa de filme, mas acontece com frequência no mundo real.
- Os dois estão pirados. Literalmente e completamente.
- Pequeno gafanhoto, você ainda tem muito a aprender. Mas vamos dar uma volta para espairecer, parece que a dama de espadas está massacrando todos hoje.
- Dama de espadas? – perguntei enquanto abríamos espaço entre as pessoas, que movimentavam freneticamente seu corpo em movimentos bizarros. Acho que eles consideram isso como dança, ou algo do tipo.
- A melhor no carteado de todo o campus. Nunca ouviu falar? – Oliver perguntou e eu neguei. Não morar em uma república me deixava por fora de alguns assuntos. – É hora de se impressionar então, meu caro.
Subíamos as escadas para onde a tal jogadora mestre deveria estar, e John passou o braço pelos meus ombros. Sinal claro de que alguma daquelas estava por vir.
- Não fica assim não, . Eu sei que gosta de mulher, apesar de usar essas roupas engomadas, que são meio aviadadas e tal. Mas, mesmo que se assumisse um dia, eu continuaria a ser seu amigo. Sem preconceitos.
Minha mãe sempre me alertou sobre andar em boa companhia. E eu tinha certeza de que possuía as melhores e mais inusitadas possíveis.
XXX
Mesmo com a música alta, no corredor já era possível ouvir os gritos animados e vaias do último quarto. O jogo parecia estar realmente excitante.
Quando entrei no cômodo, constatei que estava mais do que eu imaginava.
- .
- Você não tinha dito que não a conhecia? – Oliver me encarou confuso.
Estava prestes a responder, quando gritaram que a partida havia encerrado.
- Droga, , ganhou de dois de novo!
- Não jogo sozinha, querido. O David é de muita utilidade.
- Sim, mas não é pro decote dele que os caras ficam olhando, ao invés de se concentrarem no jogo.
Ela riu e os derrotados deixaram a sala, cabisbaixos.
- Quem serão os próximos derrotados? – um deles perguntou, fingindo diversão.
- Eu! – levantei a mão, atraindo a atenção geral.
- Cara, você não sabe jogar – Oliver cochichou em meu ouvido, preocupado.
- Eu sei, é por isso que você vai ser minha dupla – disse e ergui sua mão. – É a nossa vez.
Sentei-me de frente pra Oliver, e ao lado de .
- Você vai perder, como todos os outros, .
- Não conte com seu decote para ganhar essa. Minha visão periférica não é muito boa.
- Você vai descobrir rapidamente que não dependo dos meus peitos para ganhar um jogo.
O jogo começou. Pediram-me para cortar o baralho e de cara demonstrei minha falta de habilidade. Ingenuamente, perguntei se alguém tinha uma faca, e, para minha sorte, todos riram achando ser uma piada. Oliver fez um gesto com as mãos indicando o que eu deveria fazer, e me controlei para não deixar minha expressão de entendimento denunciar minha ignorância na sueca.
A primeira rodada teve início e surpreendentemente fui o responsável por garantir os primeiros pontos da dupla.
- Parece que o mundo dá voltas, queridinha – joguei na cara de enquanto me mexia descoordenadamente comemorando o que eu supunha ser o início de uma vitória massacrante.
Na rodada seguinte, a sorte não esteve ao meu favor, e acabei dando pontos para a dupla adversária, enquanto Oliver reagia ofensivamente contra mim, com direito a agressão verbal e física. Os chutes por debaixo da mesa foram realmente doloridos.
- É um truque. Macete de jogo, não se desespere, pequeno gafanhoto – arqueou as sobrancelhas, sem dizer nada. Mas foi o suficiente para eu entender que ela já estava sacando qual era a minha.
Fiz burrada de novo, e antes que Oliver reclamasse, ela interrompeu.
- Chega, isso já está ridículo – recolheu as cartas da mesa e me encarou divertida. – Você não faz a menor ideia do que está fazendo.
- Pode até ser... Mas garanto que trapaça é minha especialidade.
- Próxima dupla – gritou para os que faziam fila para entrar no jogo, fazendo pouco caso do que havia dito anteriormente. Provavelmente achava que se livraria de mim tão fácil.
- Quer apostar, ? Se você ganhar, pode me pedir o que quiser.
- Tudo bem, . Vamos jogar – acenou para que mais algumas pessoas se juntassem a nós na mesa.
- Não quer saber o que acontece se você perder?
- Não é uma preocupação a ser considerada – sorriu cínica e distribuiu as cartas.
O jogo se iniciou tranquilamente. Desta vez eu tinha noção do que estava fazendo, tinha técnica e tinha um olhar de soslaio incrivelmente útil. Durante a partida, todos se aproximaram consideravelmente da vitória, mas o jogo sempre virava e o quase-vencedor recolhia contrariado um punhado de cartas. Entretanto, ao se aproximar do final, estava prestes a vencer. Era sua última carta. Não, eu não iria perder essa. Afastei minimamente meu corpo da mesa e fingi tossir, pendendo levemente a cabeça na direção de , que segurava sua carta despreocupadamente, sem se atear ao fato de que um cara tão legal como eu poderia facilmente ter mentido sobre sua visão periférica. Na verdade, minha visão me fazia tão bem quanto aquele decote fazia bem à . Ao retornar para minha posição anterior, sorri sutilmente.
Rei de Paus.
A puxada havia sido outra. Coincidentemente, estávamos caçando as damas. Sendo assim, quando abaixou sua carta, dizendo confiantemente que também possuía uma dama, eu lhe sorri abertamente e murmurei:
- Dúvido, .
Seus olhos se arregalaram por um momento breve demais, mas eu sabia que ela estava apavorada com a perspectiva do meu pedido ao vencer aquele jogo ser demasiado indecente. Para a sorte dela, eu não planejava pedir favores sexuais.
Então, eu venci.
XXX
- Sério? Tanta coisa pra você pedir, e me pede uma dança?
- Está decepcionada porque não pedi um beijo? – sorri sem desviar os olhos da tela de meu celular, onde estava a música perfeita para a ocasião.
- Vamos acabar logo com isso – revirou os olhos e me puxou para o centro da sala, assim que entreguei meu celular para a garota responsável pela música.
Are you worth your weight in gold?
‘Cause you’re behind my eyedlids when I’m alone.
Ela riu com vontade assim que Hurricane, do Panic! At The Disco começou a tocar. Provavelmente conhecia a música e sua letra pouco sugestiva, e ri junto.
Hey, stranger, I want you to catch me like a cold
You and God both got the guns
When you shoot I think I’d duck
- Você poderia se dar melhor com as mulheres se não fosse tão apelativo.
- Eu já me saio muito bem com elas.
- Não com as que são como eu.
I led the revolution in my bedroom
And I set all the zippers free
We said no more wars, no more clothes, give me peace
(Oh, Kiss me)
Cantei o último verso para ela, e demos risadas juntos. Eu realmente poderia ser apelativo quando queria.
- Eu posso tentar?
- Não! – disse e me deu um empurrão de leve. – Eu não vou beijar você.
- Tentar te conquistar.
Ela parou de dançar e me encarou pensativa. Peguei sua mão e a puxei em direção à varanda. Se eu a deixasse pensar demais, eu nunca teria uma chance.
- Você tem uma hora, .
XXX
- Se você pudesse viver até os 90 anos de idade e reter a sua mente ou seu corpo aos 30 anos de idade, qual você escolheria?
Perguntei, encarando o teto repleto de pôsteres de modelos sem camisa. Essas estudantes de faculdade estão cada vez mais geniais, colocando acima de suas camas imagens pouco adequadas para um álbum de fotografias, para inspirar seus sonhos. estava deitada do meu lado, com a respiração entrecortada após rir espalhafatosamente sobre a piada do bêbado e da malabarista. De repente, ela parou e me encarou de um jeito diferente. Como se estivesse considerando que talvez, para ganhar, fosse necessário perder. É claro que essa leitura que eu fiz do seu olhar era muito pouco confiável e extremamente induzida pela mísera esperança que ainda me restava.
- O corpo – sorri sugestivo para ela. – Porque com 90 anos eu espero já ter me esquecido de você.
- Nesse caso, eu manteria minha mente, e faria questão de relembrá-la o glorioso dia em que te derrotei na trapaça.
- Isso só ajudaria com que eu te esnobasse cada vez mais, vovô.
- Tudo bem, já aceitei o fato de que não ficarei com você esta noite, borboleta.
- Borboleta? – encarou-me descrente do apelido carinhoso, e ridículo, pelo qual foi chamada.
- Exatamente, você é como uma borboleta. Bonita de se ver, mas difícil de pegar.
- Essas suas cantadas baratas não ajudam você a conquistar o meu coração – disse debochadamente e ambos rimos.
Encarávamos novamente o teto em silêncio, quando anunciou.
- Já se passou uma hora.
- Parece que eu não te conquistei. Desculpa por tomar seu tempo.
- Isso deve ser frustrante para um conquistador como você – observei-a de soslaio. – O que? Acha que não sei da tua fama, cretino?
- Touché – rimos e nos levantamos da cama. A observei se dirigir até a porta, e acrescentei. – Seria realmente uma estupidez uma garota como você dar uma chance pra um cara como eu.
- Verdade, – ela parou e virou-se em minha direção novamente. – É uma pena que todos tenhamos nossos momentos de estupidez.
E então ela me beijou.
Depois de ela ter ido embora sem falar nada, fiquei no quarto assimilando o que havia acabado de acontecer. Imaginei como seria estar ao seu lado todos os dias, e a ideia de John e Oliver já não me parecia mais tão idiota assim.
- Tô ferrado – pensei alto enquanto saia do cômodo. A mão no bolso checando meus pertences como de costume. A carteira estava no lugar de sempre, já o celular... – Filha da puta!
- Alô?
- Você não tem vergonha não, sua ladrazinha miserável? – esbravejei e pude ouvir gargalhar do outro lado da linha.
- Não sou tão ingênua a ponto de apenas pedir seu número. Ele não vale de nada, já seu celular... iPhone 6, né?
- Isso é uma forma diferenciada de prostituição? Um beijo por um iPhone, sério? Vou atrás de você, e cobrarei mais do que um beijo para que se redima comigo.
- Essa era a intenção. Afinal, você teria me dispensado no fim da noite, como todas as outras – ela afirma convicta e eu resmungo contrariado.
- Dúvido, .
A doutora, enfim, dirigiu sua atenção a mim, e não ao bloco de notas que tinha em mãos. Estreitou os olhos, me encarou por uns três segundos e voltou às anotações, sem me dirigir palavra alguma. Tentei, pela trigésima vez, ver o que tanto ela escrevia naquele bendito papel, porém, como em todas as outras, recebi um olhar de desaprovação e bufei, retornando ao meu assento. Ou ela estava resolvendo palavras cruzadas, pouco se lixando para o que eu dizia, ou fazia meu atestado para o manicômio, com louco escrito em letras garrafais no topo da página. Naquele momento, até eu mesmo duvidava de minha sanidade.
Primeiro, pedi ajuda para a última que passou pela minha cama. Não deu muito certo. Depois, tentei com os amigos, que depois de perguntarem se era pegadinha ou algo do tipo, riram da minha cara até o ar faltar em seus pulmões. Até em um bate- papo de gamers que eu participo tentei desabafar, mas claro que os caras me trataram como se eu tivesse algum problema mental por reclamar de ter uma atenção demasiada do sexo feminino. O fato da maioria deles não ter mais que 15 anos não influenciou em nada, claro.
Soube que estava no fundo do poço quando tomei uma das decisões mais drásticas da minha vida.
- Mãe, eu acho que sou ninfomaníaco.
Os segundos seguintes foram de um silêncio ensurdecedor, tamanha a tensão que havia se instalado no cômodo. Antes que sorrisse cínico, exclamasse “brincadeirinha!” e saísse correndo, ela pegou um cartão na gaveta da mesa de escrivaninha e entregou- me. “Ah, querido, acho que uma ida lhe faria bem”, disse quando perguntei por que diabos havia me dado o endereço de uma psicóloga. Coloquei- o no bolso certo de que não chegaria a esse ponto.
- OK, eu espero que esteja preparado para o que tenho a lhe dizer.
- Eu estou, doutora Barns. – mentira. E era óbvio que ela sabia, a mulher era um detector de mentiras personificado. Quase tão boa quanto minha mãe.
- Está tudo certo, . Não há nada de errado com você.
- Como disse?
- Eu disse: não há nada de errado com você.
Geralmente ficamos bem felizes ao receber uma notícia do tipo. Mas eu sabia que havia, sim, algo de muito errado comigo. Eu simplesmente não sabia o porquê de querer ficar com quase todas as garotas que eu conhecia, não sabia controlar isso e sabia que estava caminhando a passos largos para o mundo mágico da loucura.
E, claro, não havia pagado os olhos da minha cara por aquela consulta para ouvir que estou bem, obrigado.
- Olha, doutora, acho que não entendeu o que estou passando. Eu dizia que...
- , eu anotei cada palavra que disse, e posso afirmar que tenho certeza do que digo – pelo menos não estava fazendo palavras cruzadas, como suspeitei. – Você tem 19 anos e, acredite, não é o único no mundo que tem a mesma idade.
- E todos os outros caras de 19 são ninfomaníacos também?
Ironizei e a doutora riu. Bem na minha cara. Se em dois minutos ela não me desse uma receita lotada de remédios como eu recebia em cada vez que visitava um consultório, eu ficaria bem puto de ter perdido minha tarde e meu dinheiro para nada.
- Não, nem você. Apesar de parecer, nós, “coroas”, não brotamos da terra tirando o pó acumulado de nossas rugas. Já fui jovem, já passei pelo o que passa agora e posso afirmar que é absolutamente normal.
Imaginei a doutora Barns mais nova. Imaginei a doutora Barns agindo como eu. Imaginei a doutora Barns na cama com um cara e...
- Me interpretei mal, perdão. Quis dizer, que conheci muitos caras como você, não necessariamente que agia como eles. Pode tirar a expressão horrorizada do rosto.
- E com certeza achava que eles eram uns babacas tarados como 99% da população feminina acha que sou.
- Claro que sim. Mas o que seriam dos babacas se as garotas não lhes dessem condição? Na maioria dos casos, , não é questão de ser tarado, babaca ou, por Deus que viagem, ninfomaníaco. É questão de se permitir, nem que seja apenas por uma noite.
Sorri, sem ao menos pensar em contestá-la. Assenti e peguei meu casaco no encosto do divã, encerrando a consulta, que felizmente fez valer meu tempo e meu dinheiro.
- Obrigada, doutora Barns.
- Disponha. E, ... – encarei-a pela porta entreaberta. – Não há nada de errado em querer se sentir vivo.
Finalmente comecei a ouvir música eletrônica explodindo nas caixas de som em alguma das repúblicas. Continuei a dirigir, sendo guiado por ela, sabendo que logo encontraria o lugar da festa de hoje.
O bom de estar na faculdade é que sempre tem algo para fazer, principalmente à noite. Eu não morava em uma das repúblicas por ser metodicamente organizado e isso tornava óbvia minha incapacidade de dividir um quarto com um cara qualquer, que guarda um pedaço de pizza dentro do guarda roupa. Mas elas eram o melhor lugar para uma house party no meio da semana, que era exatamente o que eu precisava.
Já estava há três semanas sem festa alguma. Pode parecer miseravelmente pouco para alguns, mas não para meus padrões. Desde que entrei na neurose “estou- viciado- em- mulheres- vou- pirar” havia me confinado dentro de casa para evitar maiores problemas.
Funcionou bem, não havia recebido ligações de alguma guria que tinha ficado em outra festa me chamando pra uma saída, nem sido parado no corredor por alguma delas me cobrando a ligação do dia seguinte não feita. E, por mais estranho que seja, senti falta delas. Nunca fui do tipo que ilude, prometendo um relacionamento sério, troca de mensagens melosas pela manhã e amor eterno. Não me sentia pronto para isso, não tinha a mínima vontade de estar e deixava isso claro pra qualquer garota antes de ficar com a mesma. Mas gostava de quando elas vinham até mim e inflavam meu ego. Posso ser um imbecil por isso, mas não sou hipócrita e não faço questão nenhuma de esconder.
Estacionei em frente à Kappa Kappa Gama e não sei como não havia suspeitado de que lá seria a social do dia. Era a casa mais badalada do sistema grego do campus. Bati a porta do carro decidido de que minha abstinência seria curada hoje, e que seguiria os conselhos da doutora Barns. Atravessei a rua sem olhar pra trás, era hora de me sentir vivo.
- Hey, !
- Oliver, e aí? – não era difícil encontrar alguém conhecido nessas festas. A grande maioria era, aliás.
- Cara, tem uma pinhata aqui! Tem noção? Uma pinhata!
- Tenho noção, sim. – ri do estado de Oliver, achando uma pinhata a coisa mais fantástica da noite.
- Ninguém conseguiu acertar até agora. Vamos mostrar como se faz.
Quando percebi, já estava sendo arrastado até o quintal da casa, e me vi no meio do grupo de pessoas que gritavam animadas, como se assistissem a um jogo de futebol. A cena era hilária: um garoto tentava a todo custo acertar a pinhata pendurada na árvore, mas não conseguia ao menos se equilibrar direito enquanto batia com o taco de basebol no ar. Não era pra menos: ao invés das clássicas rodadinhas, o meio usado para deixar as pessoas tontas era uns shots de alguma bebida com o maior teor alcoólico que encontrassem por ali.
E em uma de suas tentativas ele quase acertou uma garota, que gargalhava loucamente da cena. Ela sim era a coisa mais fantástica daquele lugar. Usava um vestido preto e batom escuro, o suficiente para deixar qualquer cara louco. Nem precisei pensar duas vezes para chegar nela, partir pra ação já era automático para mim.
Primeira estratégia: pare ao lado dela como quem não quer nada e esbarre de leve em seu braço, motivando o contato visual. O modo como a garota te olha diz muito sobre o próximo passo. Assim fiz, e ela, por sua vez, me encarou de cima a baixo e sorriu, desviando sua atenção para o louco da pinhata. Sorriso é um sinal verde, avance.
- Você passaria a noite com um estranho?
- Não – ela respondeu rápido, sem me dirigir o olhar.
- Então, prazer, meu nome é ...
- É assim que você conquista as mulheres, ?
- Geralmente, sim – ela riu, e me encarou debochada. Sorri de volta da mesma forma. Quanto mais desafiadora, mais instigante.
- Tenta de novo com outra, então.
Antes que eu desse um jeito de contornar o fora, o pessoal ao nosso redor começou uma comemoração digna de gol em final de copa do mundo. Alguém tinha conseguido acertar a pinhata. Procurei pela garota do sorriso vermelho e debochado, e não a encontrei por perto de onde estávamos.
A noite havia acabado de começar.
- Eu tentei. E deu certo.
- O que... Ah, você – ela conversava no bar improvisado na sala com uma amiga, que me secou descaradamente. Era bonita, mas não tinha o olhar desafiador que eu procurava naquela noite. – Típico. E o que faz aqui e não em um dos quartos com a sortuda?
- Tentando de novo com a pessoa mais atraente neste lugar. E se você não estivesse aqui, esse posto seria meu.
- Continue falando, , talvez você diga algo inteligente.
- Sabia que o maior astro do universo é a estrela VY Canis Majoris, mais de 3 milhões de vezes maior do que o sol?
- Cursa astronomia? – perguntou interessada. Ponto pra mim.
- Não, assisto Discovery Channel – revirou os olhos e voltou à atenção para sua bebida. Esquece o ponto. – Sua vez.
- Vá curtir a festa, .
- Era pra dizer algo inteligente.
- Seguir meu conselho seria sua atitude mais inteligente da noite.
- Talvez. É uma pena que todos tenhamos nossos momentos de estupidez.
- ! Está na sua vez – um cara gritou das escadas e ela se despediu com um sorriso e o seguiu. Eu estava quase lá, mas que droga!
Pensei em segui-la seja lá para onde estivesse indo, mas pensei melhor e decidi ficar por onde estava. Além de pagar de psycho perseguidor, eu não estava tão a fim de ficar com ela esta noite.
A quem eu quero enganar?
- E aquela vez em que pegamos o ônibus errado e ainda fizemos a idiotice de dormir até o último ponto?
- Eu achei que seria estuprado naquela rodoviária escura, cara, nem brinca com uma coisa desses – Oliver e John gargalhavam ao meu lado em nosso momento nostálgico.
Eu até estava no mesmo clima no início da conversa, mas não conseguia me concentrar nela enquanto procurava a tal no meio das outras pessoas.
Já fazia mais de uma hora que ela tinha subido e ainda não havia retornado. Em situações como essa eu daria de ombros e tentaria a sorte com mais uma garota à procura de um cara disponível. Mas eu não conseguia sequer prestar atenção no que meus amigos falavam, imagina flertar com alguém?
- ? – por falar neles, haviam parado de relembrar a famosa história da rodoviária e me encaravam como se fosse a trigésima segunda vez que me chamavam.
- Sou eu.
- Jura? Por um momento cogitei chamar por Logan, já que não nos atende mais pelo nome de sempre. Qual foi, cara, está aí olhando pro nada, não falou mais nada...
- Ele está na bad, porque ainda tá zerado hoje, John – Oliver caçoou da minha cara. Ele nunca perdia a oportunidade, ainda mais quando tinha mulher no meio.
- O Don Juan das festas da universidade? Sua reputação já esteve em dias melhores, amigo.
- HÁ HÁ, hilários. Saibam que ainda hoje fico com a mais gata dessa festa.
- Me deixa adivinhar: ela está fugindo de você? – dei um gole em minha long neck, desviando o olhar para um ponto qualquer do cômodo, esperando as gargalhadas. Dito e feito.
- Me apresenta essa garota, para eu beijar os pés dela, por favor!
- Há uma primeira vez para tudo na vida, pequeno gafanhoto.
- Não é a primeira vez que eu levo um toco, John, acredite: até eu sou dispensado em raras ocasiões – sorri convencido e os dois rolaram os olhos. – Mas, sei lá, não quero ficar com mais ninguém daqui. É como se qualquer garota não pudesse ser tão interessante, ou tão bonita quanto ela. O bizarro é que nos falamos duas vezes por menos de cinco minutos e eu já estou pensando essas coisas... Por que estão me olhando assim?
- Você também chegou a mesma conclusão, Oliver?
- Totalmente.
Não precisei de mais nenhuma palavra para entender o que eles queriam dizer.
Que idiotice!
- Deixem de ser idiotas! Por favor, eu não me apaixonei instantaneamente por ela.
- Um dia alguma delas teria que mexer com seus sentimentos, não?
- O Oliver está certo, . E isso não é ruim, sabe? Uma vez eu cheguei a pensar que você fosse gay enrustido, por nunca querer nada com uma menina.
- O que!? – John sempre me fazia rir com vontade quando abria a boca para soltar uma de suas asneiras.
- Ah, sei lá. Sempre fugindo delas, e nossa... Você não tem ideia como te odeio a cada vez que deixa uma gata passar. Ainda mais quando eu vou servir de consolo e ao invés de me dar bem, fico escutando a mesma história de “ele não vale nada” e dois minutos depois “será que amanhã ele topa sair comigo de novo?”.
- John, menos. E, , é normal conhecer alguém e não só pensar em como a pegaria e dispensaria no dia seguinte. Questão de bater os olhos na pessoa e pensar em como ela ficaria bem ao seu lado. Parece coisa de filme, mas acontece com frequência no mundo real.
- Os dois estão pirados. Literalmente e completamente.
- Pequeno gafanhoto, você ainda tem muito a aprender. Mas vamos dar uma volta para espairecer, parece que a dama de espadas está massacrando todos hoje.
- Dama de espadas? – perguntei enquanto abríamos espaço entre as pessoas, que movimentavam freneticamente seu corpo em movimentos bizarros. Acho que eles consideram isso como dança, ou algo do tipo.
- A melhor no carteado de todo o campus. Nunca ouviu falar? – Oliver perguntou e eu neguei. Não morar em uma república me deixava por fora de alguns assuntos. – É hora de se impressionar então, meu caro.
Subíamos as escadas para onde a tal jogadora mestre deveria estar, e John passou o braço pelos meus ombros. Sinal claro de que alguma daquelas estava por vir.
- Não fica assim não, . Eu sei que gosta de mulher, apesar de usar essas roupas engomadas, que são meio aviadadas e tal. Mas, mesmo que se assumisse um dia, eu continuaria a ser seu amigo. Sem preconceitos.
Minha mãe sempre me alertou sobre andar em boa companhia. E eu tinha certeza de que possuía as melhores e mais inusitadas possíveis.
Mesmo com a música alta, no corredor já era possível ouvir os gritos animados e vaias do último quarto. O jogo parecia estar realmente excitante.
Quando entrei no cômodo, constatei que estava mais do que eu imaginava.
- .
- Você não tinha dito que não a conhecia? – Oliver me encarou confuso.
Estava prestes a responder, quando gritaram que a partida havia encerrado.
- Droga, , ganhou de dois de novo!
- Não jogo sozinha, querido. O David é de muita utilidade.
- Sim, mas não é pro decote dele que os caras ficam olhando, ao invés de se concentrarem no jogo.
Ela riu e os derrotados deixaram a sala, cabisbaixos.
- Quem serão os próximos derrotados? – um deles perguntou, fingindo diversão.
- Eu! – levantei a mão, atraindo a atenção geral.
- Cara, você não sabe jogar – Oliver cochichou em meu ouvido, preocupado.
- Eu sei, é por isso que você vai ser minha dupla – disse e ergui sua mão. – É a nossa vez.
Sentei-me de frente pra Oliver, e ao lado de .
- Você vai perder, como todos os outros, .
- Não conte com seu decote para ganhar essa. Minha visão periférica não é muito boa.
- Você vai descobrir rapidamente que não dependo dos meus peitos para ganhar um jogo.
O jogo começou. Pediram-me para cortar o baralho e de cara demonstrei minha falta de habilidade. Ingenuamente, perguntei se alguém tinha uma faca, e, para minha sorte, todos riram achando ser uma piada. Oliver fez um gesto com as mãos indicando o que eu deveria fazer, e me controlei para não deixar minha expressão de entendimento denunciar minha ignorância na sueca.
A primeira rodada teve início e surpreendentemente fui o responsável por garantir os primeiros pontos da dupla.
- Parece que o mundo dá voltas, queridinha – joguei na cara de enquanto me mexia descoordenadamente comemorando o que eu supunha ser o início de uma vitória massacrante.
Na rodada seguinte, a sorte não esteve ao meu favor, e acabei dando pontos para a dupla adversária, enquanto Oliver reagia ofensivamente contra mim, com direito a agressão verbal e física. Os chutes por debaixo da mesa foram realmente doloridos.
- É um truque. Macete de jogo, não se desespere, pequeno gafanhoto – arqueou as sobrancelhas, sem dizer nada. Mas foi o suficiente para eu entender que ela já estava sacando qual era a minha.
Fiz burrada de novo, e antes que Oliver reclamasse, ela interrompeu.
- Chega, isso já está ridículo – recolheu as cartas da mesa e me encarou divertida. – Você não faz a menor ideia do que está fazendo.
- Pode até ser... Mas garanto que trapaça é minha especialidade.
- Próxima dupla – gritou para os que faziam fila para entrar no jogo, fazendo pouco caso do que havia dito anteriormente. Provavelmente achava que se livraria de mim tão fácil.
- Quer apostar, ? Se você ganhar, pode me pedir o que quiser.
- Tudo bem, . Vamos jogar – acenou para que mais algumas pessoas se juntassem a nós na mesa.
- Não quer saber o que acontece se você perder?
- Não é uma preocupação a ser considerada – sorriu cínica e distribuiu as cartas.
O jogo se iniciou tranquilamente. Desta vez eu tinha noção do que estava fazendo, tinha técnica e tinha um olhar de soslaio incrivelmente útil. Durante a partida, todos se aproximaram consideravelmente da vitória, mas o jogo sempre virava e o quase-vencedor recolhia contrariado um punhado de cartas. Entretanto, ao se aproximar do final, estava prestes a vencer. Era sua última carta. Não, eu não iria perder essa. Afastei minimamente meu corpo da mesa e fingi tossir, pendendo levemente a cabeça na direção de , que segurava sua carta despreocupadamente, sem se atear ao fato de que um cara tão legal como eu poderia facilmente ter mentido sobre sua visão periférica. Na verdade, minha visão me fazia tão bem quanto aquele decote fazia bem à . Ao retornar para minha posição anterior, sorri sutilmente.
Rei de Paus.
A puxada havia sido outra. Coincidentemente, estávamos caçando as damas. Sendo assim, quando abaixou sua carta, dizendo confiantemente que também possuía uma dama, eu lhe sorri abertamente e murmurei:
- Dúvido, .
Seus olhos se arregalaram por um momento breve demais, mas eu sabia que ela estava apavorada com a perspectiva do meu pedido ao vencer aquele jogo ser demasiado indecente. Para a sorte dela, eu não planejava pedir favores sexuais.
Então, eu venci.
- Sério? Tanta coisa pra você pedir, e me pede uma dança?
- Está decepcionada porque não pedi um beijo? – sorri sem desviar os olhos da tela de meu celular, onde estava a música perfeita para a ocasião.
- Vamos acabar logo com isso – revirou os olhos e me puxou para o centro da sala, assim que entreguei meu celular para a garota responsável pela música.
Are you worth your weight in gold?
‘Cause you’re behind my eyedlids when I’m alone.
Ela riu com vontade assim que Hurricane, do Panic! At The Disco começou a tocar. Provavelmente conhecia a música e sua letra pouco sugestiva, e ri junto.
Hey, stranger, I want you to catch me like a cold
You and God both got the guns
When you shoot I think I’d duck
- Você poderia se dar melhor com as mulheres se não fosse tão apelativo.
- Eu já me saio muito bem com elas.
- Não com as que são como eu.
I led the revolution in my bedroom
And I set all the zippers free
We said no more wars, no more clothes, give me peace
(Oh, Kiss me)
Cantei o último verso para ela, e demos risadas juntos. Eu realmente poderia ser apelativo quando queria.
- Eu posso tentar?
- Não! – disse e me deu um empurrão de leve. – Eu não vou beijar você.
- Tentar te conquistar.
Ela parou de dançar e me encarou pensativa. Peguei sua mão e a puxei em direção à varanda. Se eu a deixasse pensar demais, eu nunca teria uma chance.
- Você tem uma hora, .
- Se você pudesse viver até os 90 anos de idade e reter a sua mente ou seu corpo aos 30 anos de idade, qual você escolheria?
Perguntei, encarando o teto repleto de pôsteres de modelos sem camisa. Essas estudantes de faculdade estão cada vez mais geniais, colocando acima de suas camas imagens pouco adequadas para um álbum de fotografias, para inspirar seus sonhos. estava deitada do meu lado, com a respiração entrecortada após rir espalhafatosamente sobre a piada do bêbado e da malabarista. De repente, ela parou e me encarou de um jeito diferente. Como se estivesse considerando que talvez, para ganhar, fosse necessário perder. É claro que essa leitura que eu fiz do seu olhar era muito pouco confiável e extremamente induzida pela mísera esperança que ainda me restava.
- O corpo – sorri sugestivo para ela. – Porque com 90 anos eu espero já ter me esquecido de você.
- Nesse caso, eu manteria minha mente, e faria questão de relembrá-la o glorioso dia em que te derrotei na trapaça.
- Isso só ajudaria com que eu te esnobasse cada vez mais, vovô.
- Tudo bem, já aceitei o fato de que não ficarei com você esta noite, borboleta.
- Borboleta? – encarou-me descrente do apelido carinhoso, e ridículo, pelo qual foi chamada.
- Exatamente, você é como uma borboleta. Bonita de se ver, mas difícil de pegar.
- Essas suas cantadas baratas não ajudam você a conquistar o meu coração – disse debochadamente e ambos rimos.
Encarávamos novamente o teto em silêncio, quando anunciou.
- Já se passou uma hora.
- Parece que eu não te conquistei. Desculpa por tomar seu tempo.
- Isso deve ser frustrante para um conquistador como você – observei-a de soslaio. – O que? Acha que não sei da tua fama, cretino?
- Touché – rimos e nos levantamos da cama. A observei se dirigir até a porta, e acrescentei. – Seria realmente uma estupidez uma garota como você dar uma chance pra um cara como eu.
- Verdade, – ela parou e virou-se em minha direção novamente. – É uma pena que todos tenhamos nossos momentos de estupidez.
E então ela me beijou.
Depois de ela ter ido embora sem falar nada, fiquei no quarto assimilando o que havia acabado de acontecer. Imaginei como seria estar ao seu lado todos os dias, e a ideia de John e Oliver já não me parecia mais tão idiota assim.
- Tô ferrado – pensei alto enquanto saia do cômodo. A mão no bolso checando meus pertences como de costume. A carteira estava no lugar de sempre, já o celular... – Filha da puta!
- Alô?
- Você não tem vergonha não, sua ladrazinha miserável? – esbravejei e pude ouvir gargalhar do outro lado da linha.
- Não sou tão ingênua a ponto de apenas pedir seu número. Ele não vale de nada, já seu celular... iPhone 6, né?
- Isso é uma forma diferenciada de prostituição? Um beijo por um iPhone, sério? Vou atrás de você, e cobrarei mais do que um beijo para que se redima comigo.
- Essa era a intenção. Afinal, você teria me dispensado no fim da noite, como todas as outras – ela afirma convicta e eu resmungo contrariado.
- Dúvido, .
Fim.
Nota da autora: Parabéns para nós, Andrade! O que uma dupla imbatível nas fics sobre festas e o desespero do prazo se esgotando não podem fazer? Aliás, confiram “C’mon C’mon” no ficstape do Take Me Home. Da série: festa de arromba! Rs. Bem, obrigada pela ajuda de sempre e espero contar com ela para meus próximos surtos de “o prazo está acabando, SOS!”. Obrigada à May, pela compreensão e fofura extrema ao me ajudar nessa também. E a você, que está lendo esta nota de uma autora aliviada por ter conseguido terminar essa história. Espero de verdade que ela tenha agradado. Não esqueça de deixar seu comentário e conferir as outras memórias da meia noite aqui relatadas HAHA. Xx
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