Última atualização: 08/10/2017

Capítulo Único

I guess I was running from something
I was running back to you
Lost here in London with nothing
I'm still running back to you
If you could love me again
I could let go of everything


2006
— Você promete que vai ser meu amigo para sempre? — perguntou, me olhando de lado enquanto me observava terminar de chupar meu picolé.
Ela estava com dor de garganta e por isso tia Luce não havia deixado que ela tomasse um também, mas eu havia dado meu sanduíche de pasta de avelã para ela comer, então estava tudo bem.
— Prometo. — garanti, deixando o palito de lado sobre a toalha de pic-nic e limpando a boca com a mão — Você promete ser a minha? — perguntei de volta, me virando pra olhá-la.
— Sua cara tá roxa, . — a menina falou, o riso estampado no rosto.
Franzi o cenho e usei a blusa para limpar a boca, fazendo uma careta ao ver o roxo destacado no branco da mesma. Minha mãe não ia gostar nada disso, mas sua raiva sempre passava, então não tinha razão para me preocupar.
— Você promete ou não, sua chata? — insisti emburrado.
— Prometo. Para sempre. — falou com um sorriso, me fazendo retribuir instantaneamente.


2017
Era estranho como sua vida podia tomar um rumo completamente diferente do esperado em questão de instantes.
Até quinze minutos atrás eu estava em um relacionamento estável, saudável e recíproco há quatro anos. Inclusive, já havia começado a planejar como pedir a mão de minha namorada em casamento, já que a previsão era de que estaríamos ambos formados em um ano e, a partir de então, poderíamos começar a planejar uma vida juntos daqui há alguns anos. Entretanto, poucos minutos depois havia revelado que estava planejando um intercâmbio há meses – sem me contar – e iria partir para Londres em duas semanas para passar seis meses no país da rainha. Sua justificativa para isso? De que estava com receio da minha reação e que nem tinha certeza se realmente teria coragem de passar tanto tempo longe. Foi então que a relação que havíamos construído juntos havia ido para o saco. Não que eu me importasse com o fato de passar seis meses longe, e essa era exatamente a questão. Eu iria sentir sua falta? Claro que sim, afinal, eu estava acostumado com sua presença no meu dia a dia desde que tínhamos dez anos. Porém a falta de confiança que ela havia demonstrado ter em mim ao esconder uma escolha tão importante para sua vida, seu futuro, havia danificado a confiança que eu tinha nela e, bem, era como minha mãe sempre dizia: um relacionamento sem confiança de nada valia. Respirei fundo quando fiz a curva para entrar na garagem do prédio onde vivia com minha mãe, sentindo o choque do acontecimento recente sendo substituído aos poucos por uma imensa tristeza. Meus olhos começaram a arder com força enquanto eu estacionava e minha vontade era gritar de frustração. Odiava me sentir daquela maneira, frágil, enganado. Eu só queria poder sumir pelo tempo que fosse necessário e depois voltar como se nada tivesse acontecido. Infelizmente, não era assim que a vida funcionava. Segurei o choro com maestria no caminho do carro para o apartamento. Dei graças aos céus ao perceber que minha mãe não estava em casa e segui direto para meu quarto, precisando ficar isolado em meu canto pelo menos por um momento. Na hora que entrei no cômodo, porém, foi impossível não desabar. Tudo ali me lembrava a . A roupa de cama que ela me ajudara a escolher, suas fotos espalhadas pelo quarto, o livro que ela me dera sob a mesinha de cabeceira, entre tantas outras coisas. Até mesmo meu cachorro, Bucky, o qual eu havia batizado em homenagem ao seu personagem favorito dos quadrinhos do Capitão América que ela tanto amava ler. Joguei-me em minha cama, derrotado, e não demorou para que Bucky subisse na mesma e se deitasse ao meu lado, como se percebesse que havia algo de errado. - É, amigo... Acabou. – murmurei, limpando as lágrimas de meu rosto e me virando para o vira lata de cor chocolate, que entortou a cabeça em reação a minha fala – Tenho certeza que você vai sentir tanta falta dela quanto eu. – sorri melancólico e comecei a fazer carinho em seus pelos, meus olhos caindo sobre o porta retrato que ficava sob a mesa de cabeceira. Suspirei ao observar a imagem, sentindo meu peito apertar em uma súbita saudade. e eu estávamos abraçados de lado e sorrindo para a foto depois de termos competido em uma partida de queimado para a escola. Meu rosto estava levemente avermelhado por causa de uma bolada que eu levara e ela havia acabado de ficar banguela, já que seu último dente de leite havia caído pelo mesmo motivo. Tudo entre eu e sempre havia fluído de uma maneira natural. Eu mal conseguia me lembrar de como eu costumava ser antes de tê-la em minha vida; ela era parte significante da pessoa que eu havia me tornado com o passar dos anos e seria um desafio ter que conviver com sua ausência. Eu só esperava ser capaz de vencê-lo.

2008
- É ASSIM QUE SE JOGA COMO UMA GAROTA, SEU BUNDÃO! – esbravejou após acertar Daniel Côrrea com uma bolada no estômago.
Ri com a situação e observei nossas mães pelo canto do olho, respirando aliviado ao perceber que tia Luce não havia entendido o que a menina tinha acabado de dizer. Ela não era muito fã do “linguajar sujo” de e gostava de lembrá-la constantemente de que não a havia educado daquele jeito.
Era o dia da Olimpíada Escolar Anual e, como não éramos exatamente bons em nenhum esporte, eu e fazíamos parte da equipe de queimada do 7º ano – a única que era mista. As competições eram divididas entre as turmas do Fundamental I, Fundamental II e Ensino Médio, e estávamos disputando a final contra a equipe do 9º ano.
Normalmente eu era sempre um dos primeiros a ser queimado, mas, surpreendentemente, era o último que restava da nossa equipe junto com , contra três do time adversário. Nossa derrota era praticamente certa, já que estávamos em desvantagem e éramos dois anos mais novos, certeza que apenas se intensificou no momento que fui acertado com uma bolada no rosto por um garoto que eu havia esquecido o nome, forte o suficiente para me fazer cair no chão.
- ! - gritou, alarmada, e correu até onde eu estava, se ajoelhando ao meu lado – Você tá legal? – perguntou mais baixo ao mesmo tempo em que levava sua mão até a parte machucada de meu rosto, a tocando com cuidado e me fazendo gemer de dor em reação.
- Eu tô bem. – respondi, fazendo certo esforço para me erguer sobre meus cotovelos.
- DÁ PRO CASALZINHO AGILIZAR? TEMOS UM JOGO PRA VENCER AQUI! – o garoto que havia me acertado falou debochado e eu revirei os olhos em reação.
- Olha, a gente pode até perder, mas promete que acerta uma bola no nariz desse babaca? – murmurei irritado e riu.
- Prometo! – falou e nós fizemos nosso cumprimento especial antes de eu me levantar e seguir para a “zona dos mortos”, deixando minha amiga sozinha para trás.
O jogo logo continuou e, por bons minutos, o mesmo se resumiu a correndo para frente e para trás na quadra, tentando escapar da bola que o time adversário jogava da área comum para a zona dos mortos e vice-versa. Aquilo já estava começando a parecer um jogo de bobinho.
Foi então que, finalmente, conseguiu pegar a bola e o jogo inverteu. Não demorou muito para que ela conseguisse acertar o primeiro adversário, diminuindo a diferença de dois para um. A menina estava completamente concentrada e eu estava começando a ficar agoniado, querendo que aquele jogo acabasse de uma vez.
Levou mais alguns minutos para que conseguisse atingir mais um adversário, o cara que havia me queimado, com uma bolada na testa. Gargalhei em reação e levantei os braços em comemoração, atraindo a atenção de minha amiga, que também ria.
- MISSÃO DADA É MISSÃO CUMPRIDA! – gritou animada, também rindo.
- VOCÊ NUNCA ME DESAPONTA, SOLDADO! – respondi e logo depois o jogo recomeçou.
Antes que eu percebesse, a partida havia invertido novamente e o time adversário estava no comando da bola. Lucas, o último que havia restado do 9º ano, ficou um longo instante com a bola nas mãos e, numa jogada rápida, lançou a mesma com força e velocidade em direção a , a acertando bem no meio do rosto.
Senti a respiração falhar por um instante em preocupação e sai correndo em direção a minha amiga, que estava sentada sobre o chão e mão em frente a boca, que estava ensanguentada.
- Ei, o que houve? – perguntei sem ação, me ajoelhando em sua frente.
- Meu dente caiu. - falou simplesmente e me mostrou o dente ensanguentado em sua mão, rindo em seguida.
Acompanhei sua risada e neguei com a cabeça.
- Você é muito esquisita, .
- Você diz isso como se fosse novidade, . – falou debochada, a expressão risonha no rosto.
Assenti, concordando, e a ajudei a se levantar, percebendo que nossas mães se aproximavam pelo canto do olho.
- Meu amor, você tá bem? – tia Luce perguntou para ao mesmo tempo em que minha mãe me abraçava de lado, dando um beijo em minha testa.
- Tá tudo ótimo! Nós quase ganhamos de um time mais velho, ficamos com a medalha de prata e eu finalmente me livrei desse dente inútil. – enumerou, mostrando o dente recém caído para a mãe. – Pra ser melhor, só se nós tivéssemos ganhado, mas ai meu dente não teria caído... Não dá pra se ter tudo, não é mesmo?
- Você criou uma figurinha e tanto, Luce. – minha mãe comentou divertida e eu concordei.
- Muito obrigada, tia Laila. – falou com um sorriso banguela e ensanguentado - Podemos tomar sorvete agora?
- Primeiro você vai lavar essa boca. Depois eu penso no seu caso. – tia Luce determinou, fazendo revirar os olhos.
O moço responsável pelos primeiros-socorros já havia sido dispensado e o time do 9º ano comemorava sua vitória. O restante do nosso time veio ver como estava, mas ninguém se demorou muito, até mesmo porque estava todo mundo cansado e eu podia jurar que a menina ao meu lado seria capaz de matar um para poder ganhar seu sorvete o quanto antes.
- Vem comigo, . – ela chamou e me puxou pela mão, seguindo em direção aos banheiros.
Entrei no masculino rapidamente para lavar o rosto e as mãos, e depois bebi um pouco d’água no bebedouro, esperando ao lado do mesmo por . Sorri para menina ao vê-la e ela retribuiu, me fazendo rir ao ver seu sorriso banguela novamente.
- Vai ser difícil me acostumar com essa sua cara feia de novo. – impliquei.
- Você não vive sem essa cara feia, meu bem. – falou prepotente e eu gargalhei com o tom de sua voz.
- Você tá muito convencida pro meu gosto, .
- Se realista é diferente de ser convencida, . – retrucou e não demorou para que encontrássemos nossas mães juntas, sentadas em uma das mesas espalhadas pelo pátio do colégio.
- Sorvete? – pediu animada, fazendo nossas mães e eu rirmos.
- Primeiro uma foto. – minha mãe falou e a menina suspirou derrotada, assentindo.
Abracei-a de lado e sorri para a câmera que tia Luce segurava, sentindo retribuir ao abraço ao me envolver pela cintura.
- Digam xis! – tia Luce falou e em seguida o clique da câmera fotográfica pôde ser ouvido, registrando aquele momento permanentemente.


2017
Um mês havia se passado desde que eu terminara meu relacionamento com ; duas semanas desde que ela partira para Londres.
Havia uma listagem com dezenas de ligações perdidas da menina, assim como de mensagens não respondidas. Não que eu não quisesse tê-la por perto ou que não sentisse sua falta, mas porque eu simplesmente não conseguia ignorar o fato dela ter escondido algo tão importante por tanto tempo. Eu tinha consciência de que continuava a bater na mesma tecla, mas aquela era a verdade.
Tia Luce havia ligado para minha mãe um dia antes de viajar e, através dela, me convenceu a falar com ela. Ela havia me falado que a filha estava considerando desistir de tudo se eu quisesse, desde que eu aceitasse conversar com ela ou vê-la mais uma vez, mas eu neguei. Disse que estava precisando apenas de um tempo e que, em hipótese alguma, eu seria capaz de fazê-la desistir de uma oportunidade tão boa por minha causa.
Eu a amava, afinal. E amar significava fazer sacrifícios também.
Desde então, eu não recebera mais mensagem alguma. Todas as notícias que eu tinha da menina eram através de suas redes sociais, onde eu me sentia um idiota ao sorrir feito bobo ao observar cada uma de suas fotos. sempre desejara conhecer o mundo e finalmente tinha dado o primeiro passo.
Eu só não conseguia entender o porquê dela ter pensando que existia a mínima possibilidade de eu não apoiá-la nisso.

Um mês atrás
- Você o quê? – questionei sem acreditar no que minha namorada, a minha melhor amiga, havia acabado de me dizer.
- , eu... Eu sei que é meio repentino, mas tenta entender que...
- Entender o quê? Que você está planejando a porra de um intercâmbio há meses e decidiu me contar faltando duas semanas para ir embora por seis meses? Eu acho que entendi bem essa parte. Por incrível que pareça, eu não sou tão burro assim, . – falei sarcástico, sem paciência.
- Eu estava com medo da sua reação, ! – retrucou levemente exaltada, os olhos molhados pelas lágrimas que ela se recusava a deixar cair, assim como eu. – Eu não queria correr o risco de perder você, mas essa oportunidade era muito boa.... E eu também não tinha certeza se realmente teria coragem de ir. Sendo sincera, eu não duvido nada que eu desista no dia mesmo e volte do aeroporto direto pra casa!
- Medo da minha reação? - perguntei retórico, a expressão tomada por descrença. – ... Nós convivemos há 11 anos. Se você realmente pensa que havia a menor possibilidade de eu não te apoiar nisso, isso prova que você não me conhece nem um pouco. – suspirei, negando com a cabeça. – Acho melhor a gente terminar.
- , não... Por favor... – pediu, se aproximando um passo, o qual eu recuei. – Eu sei que eu errei... Mas você sabe o quanto eu sou impulsiva e ansiosa e... – sua frase se perdeu e eu podia notar em seus olhos o quanto ela se sentia arrependida. – Não joga tudo o que a gente construiu fora.
Fitei-a de forma analítica, intensa. Seus olhos, assim como as maçãs de seu rosto, estavam avermelhados. Doía em mim vê-la daquele jeito e, apesar de saber que a culpa não era realmente minha, era impossível me livrar de tal sentimento.
Minha real vontade era tomá-la em meus braços e dizer que ficaria tudo bem, que eu ficaria ao seu lado e que contaria os segundos para vê-la atravessar os portões de desembarque do aeroporto com o inglês completamente impecável e tomado pelo sotaque britânico que ela certamente pegaria. Eu então a beijaria e, no fim, acabaríamos ambos nus e suados sobre sua cama, como sempre fazíamos depois de qualquer briga.
Mas isso não aconteceria daquela vez.
- Quem jogou fora foi você. – falei por fim, antes de sair de seu quarto sem me preocupar em me despedir de ninguém. Eu só queria ir embora dali o mais rápido possível.


Hoje
Observei-me no espelho, ajeitando a roupa que vestia sobre o corpo. Meu cabelo havia crescido consideravelmente nas últimas semanas e eu acabara por adotar o novo visual.
Já fazia algum tempo que eu não saia à noite, mas meus amigos finalmente haviam me convencido. Não me faria mal algum beber um pouco e, de qualquer forma, eu não era obrigado a madrugar na rua.
Peguei meu celular e vi que ainda faltavam alguns minutos para as 23h e como Bernardo – o motorista da rodada - sempre se atrasava, decidi esperar na sala pela sua mensagem, avisando que havia chegado.
Deitei sobre o sofá e fiquei mexendo no celular enquanto esperava. Entrei no aplicativo do instagram e desci pelo feed, sem realmente olhar nenhuma foto, até chegar em uma de no tour de “The Making of Harry Potter”. Ela posava ao lado da maquete de Hogwarts com um sorriso gigantesco no rosto e eu sorri bobo só com aquilo.
Hesitei em apertar o botão de like, mas ao ver que havia acabado de dar 23h, o fiz. Já eram 3h da manhã em Londres e minha notificação se perderia entre as outras.
Qual foi a minha surpresa, porém, ao receber uma direct message de no instagram menos de um minuto depois de ter curtido sua foto.

: Hey.

Li sua mensagem e respirei fundo enquanto ponderava se deveria ou não respondê-la. Depois de tanto tempo sem nenhum contato direto, eu me sentia pisando em cacos de vidro com a simples ideia de falar com a garota.
De qualquer forma, apagá-la completamente da minha vida nunca seria uma opção e, como Bernardo ainda não fizera o favor de dar as caras, decidi responder.

: Hey, british girl. Como estão as coisas na terra da rainha?

: Ah... Aqui é um sonho. Mas já estou com saudades do Brasil.
O clima e as pessoas são frias demais pro meu gosto haha.

: Jura? Não acredito que não tenha feito nenhum amigo até agora.

: Ah, eu fiz... Mas a menina é da Venezuela, é minha roommate. E tem um carinha australiano.

Franzi o cenho com a menção ao garoto, me perguntando qual era a intenção de ao mencioná-lo. Queria fazer ciúmes ou simplesmente dar a dica que estava seguindo em frente e tinha me esquecido? Nenhuma das opções me agradava.

: Ah, Legal. Fico feliz que esteja aproveitando :-)

: É... E ai no Brasil, como estão as coisas?

Estava prestes a responder quando recebi uma notificação no whatsapp de Bernardo, pedindo para que eu descesse.

: Ah, sabe como é. Tudo na mesma haha.
Mas ei, tô saindo agora. Bernardo chegou aqui. Beijos e aproveita!

Suspirei ao enviar a mensagem e desativei as notificações do instagram, sem esperar por uma resposta. Guardei o celular no bolso e peguei minhas chaves, trancando o apartamento antes de descer para a portaria.
Avistei o carro de Bernardo estacionado em frente ao meu prédio e, ao me aproximar, pude notar que Henrique já ocupava o banco do carona. Entrei na parte de trás do carro e cumprimentei meus amigos, logo me aconchegando sobre o estofado.
- E ai, cara? Pronto pra sair da seca? – Bernardo zoou, logo dando a partida.
- De cerveja? Mais do que pronto!
- E de outra coisa também... – Henrique falou malicioso e os dois riram.
Revirei os olhos, sem dar corda pro assunto. Desde que havia terminado com , meus amigos enchiam o saco dizendo que a única maneira de desapegar de alguém, era se afundando nas pernas de outro alguém. Eu, por outro lado, preferia superar as coisas no meu próprio tempo, sem precisar usar ninguém pra isso.
- Tá. Agora calem a boca e aumentem esse rádio. – falei e Bernardo revirou os olhos, logo atendendo meu pedido e me permitindo tentar esvaziar a cabeça ao som de Sweet Emotion do Aerosmith.

[...]


As luzes estavam baixas e o ambiente bem barulhento, o que era típico de um bar, ainda mais numa noite quente no Rio de Janeiro.
A primavera se aproximava e a temperatura começava a subir drasticamente, atingindo quase 30ºC naquele horário, o que era digno de verão. Apesar disso, a animação era tanta que era quase impossível não ser contagiada pela mesma. Quase.
Depois de beber cerca de cinco ou seis latas de cerveja, não sabia ao certo, eu já poderia dizer que estava um tanto alto, mas isso não era sinônimo de estar me divertindo. Bernardo estava em uma mesa no canto do ambiente com uma garota que tinha acabado de conhecer e da qual certamente pretendia ficar mais íntimo ainda naquela noite. Já Henrique parecia disposto a perder os pulmões de tão exaltado que cantava no karaokê.
Cansado daquele lugar, decidi pagar minha comanda e então dar uma volta. A praia não ficava muito longe dali e os caras certamente mandariam uma mensagem quando decidissem ir embora.
As ruas estavam cheias de pessoas bêbadas e alegres, mas eu não me reconhecia ali. Era como se eu fosse uma peça de quebra-cabeça perdida em meio a um conjunto ao qual não pertencia. Podia parecer um tanto dramático e até mesmo exagerado, mas era como eu me sentia.
O barulho começava a diminuir à medida que eu me aproximava da praia, a qual era precariamente iluminada pela luz da lua e dos postes da orla, que ficavam mais distantes conforme o mar ficava mais próximo. Sentei-me sobre a areia e fechei os olhos, sentindo a brisa bater em meu rosto ao mesmo tempo em que escutava o som das ondas quebrando.
Enfim, um pouco de paz. Porém não por muito tempo, já que minha mente traíra decidiu focar na única coisa que eu precisava fugir: .
Respirei fundo e deitei sobre a areia, sem me preocupar com a sujeira que isso resultaria. Fitei o céu estrelado e reprimi um sorriso, odiando como simplesmente tudo fazia com que eu me lembrasse da menina.
sempre fora fascinada pelo céu, o espaço e tudo que o envolvia. Quando éramos crianças, seu sonho era ser astronauta, o qual foi substituído pela universidade de comunicação ao longo dos anos. Ainda assim, ela nunca largara seu vício de acompanhar todos os updates da Nasa, assim domo de assistir documentários que envolvessem missões espaciais e dos filmes e séries de ficção científica como Star Wars, Doctor Who, entre outros.
Havia sido sob as estrelas que havíamos dado nosso primeiro beijo e era sob as mesmas que eu revivia aquele momento em meus pensamentos, desejando poder voltar no tempo e sentí-lo na pele mais uma vez.

2011
O céu estava estrelado aquela noite e, justamente por isso, havia me convencido a ir até sua casa para podermos acampar no quintal. Eu não estava muito animado com a ideia, já que estava quente e certamente haveriam muitos mosquitos por lá. Mas eu não conseguia dizer não para ela, nem mesmo quando eu estava chateado com a menina – como era o caso agora, apesar dela não saber.
Estávamos em silêncio deitados sobre os colchonetes que haviam sido colocados na grama. Compartilhávamos o mesmo fone de ouvido e escutávamos uma música que tocava em sua playlist,
Half The World Away, do Oasis.
-
So here I go, I'm still scratching around in the same old hole... My body feels young but my mind is very old... – a menina cantarolou e eu a fitei de soslaio, esboçando um sorriso em reação.
Eu gostava de compartilhar aqueles momentos com ela, onde ela se mostrava verdadeiramente, e não apenas a imagem que ela queria passar para os outros. Infelizmente, sentia certa necessidade em se provar para outras pessoas quando tudo o que ela precisava ser para ser perfeita era ela mesma, por mais que não enxergasse isso.
-
So what do you say? You can't give me the dreams that are mine anyway... – continuei.
-
Half the world away, half the world away... me acompanhou e continuamos a cantar juntos. - Half the world away... I've been lost, I've been found but I don't feel down... – sorrimos um para o outro e começamos a rir em seguida.
Não era como se fôssemos os cantores mais afinados do mundo, afinal.
- Obrigada por ter vindo, bolinho. – falou e deitou a cabeça sobre minha barriga.
Franzi o cenho com o apelido e levei uma mão até seus cabelos, fazendo carinho no mesmo.
- O que você me pede rindo que eu não faço chorando? – brinquei e ela riu.
- Você me mima demais. – retrucou e eu a ouvi suspirar, o que era típico quando ela estava pensando se devia ou não dizer algo.
- O que foi? – perguntei, incentivando-a.
- Posso confessar algo? – pediu e eu apenas assenti. – Eu não gostei de beijar o Léo.
Prendi a respiração por um instante e molhei os lábios, pensando no que dizer.
havia aceitado ficar com Leonardo, um garoto com quem estudávamos, em uma festa de aniversário que havíamos ido no fim de semana passado. Eu sabia que aquele havia sido o primeiro beijo da garota, mas não havíamos tocado no assunto até então.
- Hm... Você gosta dele?
- Não. Por quê?
- Ah... Dizem que beijar é melhor quando você gosta da pessoa... E como foi seu primeiro, deve ter sido esquisito por isso. – dei de ombros.
- Você gostava da Isadora? – perguntou e eu hesitei.
Isadora era uma colega de classe nossa, com quem eu havia tido meu primeiro beijo no ano anterior. Havia sido bom e nós havíamos continuado juntos por algumas semanas, mas não tinha sido nada demais.
- Acho que sim... Mas não diria que ela foi meu primeiro amor nem nada do tipo. – murmurei, sentindo meu rosto esquentar.
- Certo... – ela murmurou de volta.
- Sabe... Você não tinha que ter ficado com o Léo. – comecei a falar, implicitamente externando o motivo de ter estado distante da menina na última semana. – Esse momento podia ter sido especial para você... E não apenas algo que você fez pra provar para aquelas meninas chatas da sala que não era mais BV. Não é como se qualquer cara daquele lugar não desejasse poder ficar contigo.
E então o silêncio prevaleceu, sendo quebrado apenas por alguma música do Tears For Fears que tocava na playlist.
Continuamos assim por um tempo até que, sem eu esperar, se sentou e então se virou para mim, parecendo me analisar. Não falei nada e apenas aguardei, mesmo sem saber pelo o que, até que ela se curvou sobre mim, levando uma mão até meu rosto e fazendo com que o ar me faltasse por um momento.
Meus olhos se fecharam automaticamente no momento que seus lábios tocaram os meus de forma gentil. Levei uma mão até sua nuca e a trouxe para mim, não demorando a aprofundar o beijo e contendo um grunhido ao sentir sua língua tocar a minha.
Continuamos naquele ritmo por alguns minutos, apenas nos sentindo, nos experimentando. Não era estranho ou esquisito, era... Natural. Era certo. E bom, muito bom.
Começamos a nos afastar aos poucos e então nos encaramos um tanto abobalhados, sem nos demorarmos em começarmos a rir.
- Então...? – falei, sem realmente saber o que dizer.
- Melhor. – respondeu com um sorriso no rosto. – Definitivamente melhor.
Retribui seu sorriso e então voltamos a ficar deitados ao lado do outro.
Éramos só eu, ela, nossa playlist e as estrelas. E nós não precisávamos de mais nada além disso.


2017
Era 15 de novembro.
Eu sabia disso não só pelo fato de ser feriado, mas também porque era o aniversário dela.
Sentia-me um verdadeiro idiota por, apesar de tudo, ainda viver impregnado pela presença de – mesmo na sua ausência – enquanto ela aparentava estar muito bem sem mim. Pelo jeito, ela havia feito o que eu deveria ter feito desde o início: aceitado a situação, de verdade, e seguido em frente.
Já haviam se passado mais de dois meses que ela estava na Inglaterra, afinal. Ela estava cercada por um local, cultura e pessoas novas, enquanto eu vivia preso no mesmo cotidiano de sempre, porém com a diferença de não tê-la mais ali.
Levantei da cama depois das 11h e segui para a sala, onde minha mãe estava assistindo Encontro com Fátima Bernardes. Cumprimentei-a com um bom dia e dei um beijo em sua testa, seguindo para a cozinha em seguida.
- Tem pão recheado fresco no forno. – a escutei avisar. – Assei hoje cedo.
- Já falei que te amo hoje, dona Laila? – disse num tom mais alto para que ela pudesse escutar, já abrindo o forno e me deliciando com o aroma do pão fresco.
- Você me ama por interesse, isso sim. – retrucou, me fazendo rir.
Cortei uma fatia generosa do pão e coloquei num prato, logo voltando a guardar o restante e depois me servindo com uma xícara de café expresso. Voltei para a sala e sentei ao lado da minha mãe, apoiando o prato sobre uma almofada em meu colo e a xícara no braço do sofá.
- Falta muito pra começar o jornal? – perguntei, comendo um pedaço do pão em seguida.
- Não. – respondeu vaga, não parecendo realmente focada no programa, apesar dos olhos estarem sobre a tela.
Fiquei quieto, porém, e tomei um gole de meu café, sem realmente me preocupar.
- Eu liguei para hoje. – falou de repente, quase me fazendo engasgar. – É uma boa menina, sinto falta dela. Você deveria ligar também.
- Uma boa menina que escondeu por meses que estava planejando ir para outro país. – fiz questão de frisar. – Eu mando uma mensagem mais tarde.
- Você sabe o porquê dela ter feito isso, . – falou séria.
- Não, não sei. E agradeceria caso você mudasse de assunto. – disse emburrado.
- Você sabe sim. – teimou. – Você é inseguro, . No momento que ela falasse que estava pensando em ficar longe por uns meses, você começaria a questionar se daria certo, se ela não acabaria enjoando de você, se interessando por outro, etc. e tal. – enumerou e eu continuei quieto. – Por mais que no final você fosse acabar apoiando e tudo desse certo, vocês iam se desgastar... sempre foi uma menina ansiosa e não estava se sentindo pronta para lidar com tudo isso. Claro que não justifica o fato de ela ter escondido, mas dá pra entender o motivo de ela ter agido assim... Você é muito dramático, meu filho.
- Quer dizer que esse tempo todo você estava do lado dela, então? – murmurei, sem saber o que dizer diante de tudo o que ela tinha dito há pouco.
- Eu estou do lado de vocês dois. – conclui. – Sendo sincera, achei até bom vocês terem dado um tempo... São muito novos, se conhecem há uma vida e precisam perceber que vocês não têm que depender um do outro. – explicou. – Mas eu sempre achei o sentimento de vocês muito bonito... E não acho justo que termine definitivamente de uma forma tão brusca assim.
- E como você pode ter certeza de que ela ainda me quer? – perguntei baixo, me sentindo um tanto bobo.
- Eu sou melhor amiga da mãe dela, .
Assenti com o esboço de um sorriso no rosto, mas nada falei. A fome que eu sentia se perdeu e eu me levantei para deixar a louça suja, com a comida inacabada, sobre a pia antes de seguir de volta para meu quarto.
Não sabia como iria agir ainda, mas tinha tempo para pensar. Estava cansado de agir por impulsos e aquele era um assunto que precisava e merecia o meu tempo.
Já havia passado da hora de me encontrar novamente.

[...]


Era 19h50. Isso significava que faltavam dez minutos para a meia-noite em Londres, ou seja, dez minutos para o fim do aniversário de .
Havia passado o feriado inteiro dentro de casa, dedicando um pouco de tempo a mim mesmo. Tinha conseguido terminar a leitura de um livro que havia levado meses para ler e ainda assistido a um filme, coisa que não fazia há certo tempo.
Não podia negar que, em meio a isso, havia me pego pensando em minha ex-namorada e melhor amiga algumas – muitas – vezes. Tinha decidido que ligaria para ela no final do dia, quando faltassem poucos minutos para seu aniversário acabar. O porquê disso? Nem eu sabia dizer direito, mas me conhecia bem o suficiente para apostar que eu procurara adiar o momento ao máximo por receio de não saber o que falar.
Eu poderia treinar as palavras que fossem para dizer para , mas eu sabia que no momento que ela atendesse ao telefone, tudo fluiria de maneira completamente fora do roteiro que eu havia determinado. A menina era capaz de trazer o meu lado mais honesto e era impossível lutar contra isso.
Peguei meu telefone e chequei o horário – 19h53 – pela última vez antes de apertar sobre o ícone de ligação no novo contato de no whatsapp – número o qual havia pego com minha mãe mais cedo. Esperei algumas chamadas, sentindo o coração acelerar e a respiração pesar a cada segundo que passava, até que, enfim, a ligação foi atendida.
- Alô? ? – chamei, ansioso para escutar o som de sua voz depois de tanto tempo.
Mas não havia sido ela quem atendera a ligação.
- Olá. Quem fala? - uma voz masculina perguntou em inglês e eu fiquei sem fala por poucos instantes.
- Ah... É um amigo da . Esse é o número dela, certo? Posso falar com ela? – pedi, falando na mesma língua que o homem.
- está ocupada no momento. Avisarei que ligou. – e sem que eu pudesse falar mais nada, a ligação foi encerrada.
Engoli em seco e sentei frustrado sobre a cama, sem saber o que pensar.
Bem, se eu estava esperando por algum sinal, então era isso. Minha mãe não sabia tanto das coisas como pensava e, definitivamente, não passava mais de uma bonita e importante parte da minha vida.
Nossa história havia chegado ao fim.

2013
Minhas mãos suavam frio enquanto eu esperava. Estava planejando aquela noite há semanas e, se algo desse errado, eu simplesmente não sabia como iria reagir.
Havia convidado para minha casa àquela noite com a desculpa de que iríamos fazer o trabalho de história que a professora havia passado para a próxima semana. De fato nós precisávamos fazer tal pesquisa – que valia 30% da nota final – mas esta não era nem de longe minha prioridade na noite.
Minha mãe havia saído para ir a um encontro e voltaria tarde – isso se voltasse - e eram em momentos como esse que eu agradecia pelo fato de meus pais serem separados há anos e meu pai morar em outra cidade. Havia passado a última hora arrumando a sala, afastando os móveis para o canto do cômodo e deixando apenas uma grande e fofa colcha sobre o centro deste, próxima à mesinha de centro, onde havia arrumado algumas opções de salgadinhos, doces e bebidas. As luzes estavam apagadas e a sala era iluminada apenas por um projetor, o qual transmitia uma imagem em movimento contínuo da galáxia no teto.
Verifiquei o relógio rapidamente, respirando fundo ao perceber que faltava pouco para chegar, e então conectei meu iPod à caixa de som, colocando a playlist que havíamos feito juntos no aleatório, logo escutando as primeiras notas de
Friends, Lovers or Nothing do John Mayer começar a tocar.
Ah, a ironia.
A verdade é que eu havia demorado muito para tomar coragem para fazer o que faria – ou ao menos pretendia fazer – naquela noite. Eu, enfim, pediria em namoro.
Desde que nos beijamos pela primeira vez, foi difícil não repetir tal gesto. Sempre que tínhamos oportunidade, uma desculpa plausível ou simplesmente vontade, nós ficávamos, e isso se tornou mais frequente do que o indicado para um casal de apenas amigos.
A princípio decidimos nos denominar como “amigos coloridos”, porém esse termo logo se tornou falho. Não demorou para que começássemos a cair nas armadilhas do ciúmes – principalmente eu, ainda mais quando houve uma época em que a menina se afastara de mim e terminara o que tínhamos para assumir um relacionamento com Enzo Rodrigues, seu colega do curso de inglês, o qual não durou nem mesmo um mês.
Não demorou para que voltássemos a ficar depois disso e, agora, cá estava eu tomando vergonha na cara para finalmente assumir um relacionamento com a garota por quem estava apaixonado há mais de três anos. Porque por mais que eu não admitisse, eu sempre soube, e estava cansado de fugir do inevitável; estava na hora de enfrentar.
Molhei os lábios ao escutar o interfone e logo liberei a entrada de , indo para a porta de entrada esperar pela menina, que me olhou desconfiada ao me perceber ali, notando a sala parcialmente escura atrás de mim.
- O que está acontecendo aqui...? - perguntou intrigada. – Você não usou o trabalho como desculpa para transar, né?
Ri com sua pergunta e neguei com a cabeça. Apesar de que sexo não seria uma má ideia caso tudo desse certo.
- Eu só queria fazer algo diferente... – expliquei e a cumprimentei com um selinho antes de pegar em sua mão e trazê-la para dentro do apartamento.
Percebi seu olhar curioso sobre o local e fiz questão de prestar atenção em cada pequena reação que seu rosto demonstrava. Encantada como era pelo céu, não conseguiu evitar abrir um sorriso ao observar a imagem projetada no teto, o que me fez sorrir também.
- Sabe, eu pensei em alugar a sala de projeção do planetário... Mas eu ainda não sou milionário, então tive que improvisar. – brinquei e me senti quente com o som da sua risada.
- , eu... – hesitou enquanto ainda observava a sala, parecendo levemente perdida. – Eu amei isso tudo, mas... Por quê? - perguntou, só então fixando seu olhar em mim, o que fez meu coração acelerar.
Peguei em sua mão novamente e me sentei sobre a colcha que havia arrumado, logo a tendo sentada ao meu lado. Fiz um carinho leve sobre sua palma, pensando não no que dizer, mas em como ter forças para de fato fazê-lo.
- Porque... Porque você é única. – respondi e então ergui meu olhar, encontrando o seu confuso sobre mim – Porque nunca vai haver outra que foi minha amiga de infância, que riu de mim quando eu caí de skate e logo depois chorou desesperada porque percebeu que eu tinha quebrado o braço. – ri levemente com a lembrança, sendo acompanhado por ela – Porque ninguém mais vai poder ser minha confidente como você é, minha melhor amiga, a pessoa que sempre esteve ao meu lado, fosse o momento bom ou ruim... Quer dizer, a não ser por algumas semanas. – fingi desgosto no tom de voz ao citar implicitamente a época que ela namorara Enzo, porém ri em seguida ao sentir seu tapa em meu braço.
- A questão, , - adotei certa seriedade na voz, apesar do tom permanecer sereno – é que ninguém nunca vai ser você. Eu posso rodar o mundo, me envolver com centenas de mulheres, mas nem mesmo a loucura mais insana que eu pudesse cometer carregaria a metade da emoção de passar a tarde de domingo assistindo tv contigo... Porque apenas o fato de te ter ao meu lado torna qualquer outra coisa sem graça e... Bem, é por isso que eu gostaria de saber se você aceitaria ser minha namorada.
A menina me fitava com uma expressão a qual eu não conseguia decifrar. Seus lábios estavam entreabertos, mas nenhum som saia entre eles, o que fazia com certa aflição crescesse dentro de mim.
Engoli em seco, tentando pensar em algo que pudesse consertar o que eu havia dito, porém, no momento em que senti seus lábios tocarem os meus com urgência, nada mais importou. Não demorou muito para que não houvessem mais roupas impedindo o encaixe entre nossos corpos e, se ainda havia alguma dúvida, eu tive a certeza do sim ao ver seu sorriso no momento que chegamos ao ápice juntos.

2017
Dezembro havia chegado e, como fazíamos todo dia 1º deste mês desde que eu me entendia por gente, eu e minha mãe estávamos montando a árvore de natal na sala.
Não havia tido mais notícias de nas últimas semanas e, sinceramente, nem procurara. Havia dado unfollow nos seus posts do facebook e já não usava mais twitter ou instagram; precisava me desintoxicar de sua presença e aquele havia sido o único meio.
Eu, enfim, havia seguido em frente, assim como ela tinha feito. Estava, inclusive, com um encontro marcado no dia seguinte com uma garota que havia conhecido no tinder. Nunca pensara que realmente chegaria o dia que eu usaria um aplicativo de namoro, porém Isis parecia uma garota legal - cursava letras e estava começando a escrever uma trilogia de romance, cujo primeiro título estava publicando no wattpad. Não custava nada arriscar, afinal.
Abri a última caixa de enfeites e logo começamos a pendurar os pequenos rostinhos de Papai Noel na árvore com minha mãe cantando jingle bell rock animadamente ao fundo.
- E, por último, a estrela! – dona Laila disse extasiada ao colocar o enfeite no topo da árvore, olhando para sua obra de arte finalizada com admiração.
- Eu nunca canso disso. – falou.
- Eu sei. – ri fraco em resposta.
- Bem, agora você tá liberado para tomar um banho. – disse enquanto recolhia as caixas de papelão para guardar no depósito. – Luce vai vir almoçar conosco. Esteja apresentável.
Franzi o cenho com a menção do nome de minha ex-sogra, mas nada disse, apenas segui para meu quarto para separar uma roupa antes de ir para o banheiro.

[...]


- Sua árvore está incrível como sempre! – escutei a voz de Luce do corredor.
Havia acabado de sair do banho e meus cabelos ainda pingavam um pouco, já que nunca o secava direito. Estava vestido de forma casual, com uma bermuda, camisa e chinelos – o que era praticamente um uniforme durante o verão do Rio de Janeiro – mas, assim como minha mãe pedira, não estava parecendo um sem teto.
- Oi, tia Luce. – disse ao avistar a mulher na sala, que abriu um largo sorriso ao me ver e veio me cumprimentar com um abraço.
- , querido! Que saudade! – falou e então se afastou, me observando ainda sorrindo. – Como você está?
- Ah, tá tudo bem... Finalmente formado! Só falta a colação agora. – ri fraco, um tanto sem jeito.
- Sabe que eu vou estar na primeira fileira, né? Junto com sua mãe. – falou divertida. – Independente de qualquer coisa, eu o considero praticamente um filho, .
Assenti com a cabeça, sem saber o que dizer, e então a mulher se retirou para a cozinha com minha mãe, conversando e rindo sobre algo que eu não consegui entender.
Fiquei na sala assistindo uma reprise de Friends que passava na tv e, não muito tempo depois, minha mãe me chamou para almoçar. Sentei ao seu lado na mesa da cozinha e me servi com um pouco da macarronada que estava posta no centro desta.
Comi em silêncio, participando da conversa esporadicamente, até que o toque do celular de Luce fez com que todos se calassem por um instante.
- Alô? ? – ela falou, atraindo subitamente minha atenção, por mais que odiasse admitir isso.
- Filha? O que houve? Você tá chorando? – sua voz demonstrava preocupação e a mulher se levantou, seguindo para a sala para ter mais privacidade.
Fitei minha mãe com certa angústia, desejando saber o que estava acontecendo, porém seu olhar me disse para que eu aguardasse – e assim o fiz. Ficamos em silêncio durante todo o período que Luce permaneceu no telefone e, quando ela voltou, automaticamente nossos olhares se ergueram para ela, que parecia mais aliviada do que quando atendera à ligação, mas ainda preocupada.
- O que houve? – minha mãe perguntou preocupada.
- Ah, Laila... – suspirou enquanto voltava a se sentar. – A descobriu algo que deixou ela arrasada. – falou e tanto eu e minha mãe a fitamos com a expectativa de que ela continuasse a explicar.
- Ela tem... Tinha esse amigo, que ela fez em Londres. Ela o considerava muito, sabe? Disse que foi a pessoa com quem mais se identificou quando chegou lá e, claro, de quem ficou mais próxima. – explicou e eu pude sentir meu rosto arder em um ciúme inevitável, mas nada demonstrei.
- A questão é que esse garoto, Erick, não queria só amizade, sabem? E a não retribuía esse interesse e ele dizia estar tudo bem... Que entendia, que a amizade dela era mais importante do que qualquer coisa e todo esse blá blá blá que macho usa quando quer entrar debaixo da saia da gente. – sufoquei um riso e neguei com a cabeça, indicando que ela podia continuar.
- Mas ela descobriu que ele estava mexendo no celular dela quando ela não estava vendo, apagando e respondendo conversas como se fosse ela, atendendo e apagando ligações... Enfim. Ela tá muito magoada e decepcionada e, ... – me chamou, fazendo meu coração acelerar em ansiedade para saber o que viria a seguir. – Você tentou falar com ela no aniversário dela?
Franzi o cenho, não entendendo a pergunta de imediato, porém, quando parei para analisar, todas as peças se encaixaram.
- Foi esse filho da puta que me atendeu quando eu liguei para ela! – conclui, recebendo um olhar de repreensão de minha mãe pelo palavrão.
Eu tinha 21 anos na cara, mas quando se tratava de “linguajar sujo”, dona Laila me tratava como se eu tivesse 5.
- Eu liguei para ela no aniversário dela e um cara atendeu e... – suspirei, rindo num misto de nervoso e alegria. – Isso explica tudo.
- Ela pensou que você tivesse feito de propósito. – Luce falou, voltando a chamar minha atenção – Ela nunca mais entrou em contato com você por isso... Ela estava tão magoada, ... Por isso nunca mais tentou contato e agora está se sentindo culpada... Com medo de ter perdido você por causa disso. Por isso ela estava tão mal quando me ligou.
O impacto de suas palavras me deixaram mudo por um instante, sem saber o que dizer, como reagir.
- Eu não deveria falar nada disso, até porque ela nem sabe que eu estava aqui quando ligou... Mas nada disso é justo. – desabafou e eu permaneci em silêncio.
- Você quer ir para Londres? – minha mãe perguntou de repente, me fazendo franzir o cenho em confusão.
- Você tá doida? – perguntei, sem acreditar que ela estava realmente falando sério.
- Eu não comprei seu presente de natal ainda. Se você quiser ir, quiser encontrar e resolver toda essa situação, nós entramos num site de reservas agora e fechamos um pacote para semana que vem. – falou com tamanha determinação que chegou a me assustar – Você quer ou não?
Engoli seco, meu olhar alternando entre Luce e minha mãe antes de responder:
- Eu quero.

[...]


A ponta de meu nariz estava congelando e eu podia ver a fumaça aparecer diante de meu olhar conforme eu respirava, tamanho era o frio que eu sentia. O inverno sequer havia chegado oficialmente a Londres ainda, mas para alguém que tinha acabado de sair dos 40ºC do pré-verão do Rio de Janeiro, a cidade parecia uma réplica do Alasca.
Havia chegado à terra da rainha na noite anterior e tudo o que eu fizera fora seguir direto para o hostel onde ficaria hospedado – dividindo o quarto com um cara asiático – falar com minha mãe e Luce por uma chamada de vídeo e dormir. A mãe de havia decidido passar os dias que eu ficaria em Londres junto com dona Laila e, consequentemente, estava recebendo apoio moral direto de ambas em minha pequena missão.
A princípio, a ideia seria avisar sobre minha ida para que pudéssemos nos encontrar e conversar. Porém, eu queria algo especial para o nosso reencontro. Eu tinha ciência de que poderia não dar certo, que o ideal éramos conversar de maneira sóbria e séria sobre a nossa situação, mas eu não queria ser guiado pela racionalidade. Eu preferia ser guiado pela emoção, sentimento do momento, e algo me dizia que era isso que a garota precisava também.
Luce havia conseguido contato com Arianna, a roommate de , para que ela nos ajudasse com o que eu tinha planejado. A menina iria sair com ela naquele horário, usando alguma desculpa a qual eu desconhecia, e deixaria uma chave reserva do dormitório com a vizinha de quarto delas, Bella, para que eu pudesse entrar no cômodo.
Entrei no edifício onde ficava o alojamento estudantil em que morava após um longo minuto apenas parado em frente à fachada do mesmo. Minha ansiedade era tamanha que eu sequer ligara para as – muitas – libras que tinha gastado para vir até ali de táxi devido ao receio que sentira de possivelmente me perder entre as linhas e estações do metrô e acabar perdendo tempo de forma desnecessária.
Subi alguns lances de escada até chegar ao terceiro andar – o que foi um tanto difícil considerando a mochila e sacolas que carregava - onde segui até a porta de número 34, dando três batidas nesta em seguida. Não demorou muito para que uma loira atendesse a porta, a qual supus ser Bella, e eu sorri ao me apresentar: - Oi, meu nome é e...
- Você é o menino brasileiro. – concluiu com um forte sotaque irlandês e virou as costas rapidamente para adentrar o quarto, logo retornando com as chaves que eu havia vindo buscar.
- Boa sorte. – me desejou, entregando o chaveiro em seguida.
- Obrigado. – falei sincero antes de me virar para a porta de número 35, respirando fundo antes de destrancá-la e entrar no cômodo.
Qual foi minha surpresa ao encontrar sentada em meio a uma colcha disposta no centro do quarto, o qual reproduzia o cenário que eu preparara para pedi-la em namoro, junto com as comidas e bebidas, projetor e até mesmo a mesma música que tocava quando ela chegara tocando ao fundo.
- Oi, bolinho. – falou e eu pude sentir meu corpo se arrepiar pela saudade que sentia apenas de escutar a sua voz.
- Eu não acredito que você roubou minha ideia. – foi a primeira coisa que eu consegui falar em meio a um riso bobo e um pouco emocionado.
De fato, minha ideia havia sido reproduzir – conforme o possível – o cenário do dia que havia a pedido em namoro, o que podia ser comprovado pelo notebook em minha mochila e o conteúdo das sacolas que eu havia acabado de colocar no chão. Luce inclusive havia se encarregado de pedir a Arianna que providenciasse um projetor, o que a menina confirmou que era fácil de arranjar.
- Bem... – começou enquanto se levantava. – Digamos que Arianna fica perceptivelmente nervosa quando mente, pelo menos para quem convive com ela, e quando ela apareceu com o projetor... Não foi difícil arrancar a verdade e ligar os pontos. – confessou com um sorriso enquanto se aproximava, ao mesmo tempo em que eu me livrava da mochila em minhas costas.
Minhas mãos arderam para tocá-la e assim eu o fiz, envolvendo sua cintura em minhas mãos e trazendo seu corpo para mais perto, para que eu pudesse senti-la melhor.
- Eu senti tanto a sua falta. – confessei num sussurro, sentindo-a descansar a cabeça em meu peito e dando um beijo no topo desta em seguida.
- Eu também senti a sua... – falou num fio de voz. – Me desculpa por tudo...
- Shh... – murmurei. – Acho que é como minha mãe disse... A gente precisava desse tempo, mesmo que fosse para termos certeza de que o certo é ficarmos juntos.
- Dona Laila sempre sábia. – falou divertida e eu concordei, rindo.
- Eu não sei como aguentei tanto tempo longe de você... – confessou ao erguer seu olhar para mim. – Eu amo tanto você. Eu sempre tive certeza disso, mas parece que a distância intensificou ainda mais esse sentimento e...
E então eu a beijei.
Eu a beijei porque eu não precisava de palavras, promessas, confissões; eu precisava dela, somente dela.
Eu precisava senti-la, tocá-la, sanar a falta que toda aquela distância havia criado entre nós. Eu precisava amá-la no sentindo mais físico que a palavra permitia.
Nossos lábios se separaram apenas quando a necessidade de ar se tornou mais crítica do que a necessidade que sentíamos um do outro.
- Tem certeza que prefere discutir relação agora? – perguntei levemente ofegante, a expressão risonha. – Normalmente sou eu quem insiste com essas chatices. – brinquei. riu e negou com a cabeça, se afastando levemente antes de me olhar mordendo o próprio lábio.
- Verdade. – concordou. – Melhor pularmos para a parte que a gente fica sem roupa logo, hm? – falou esperta antes de tirar o próprio vestido, revelando a lingerie preta que vestia por baixo deste.
Analisei-a debaixo a cima, abrindo um sorriso largo ao chegar ao seu rosto, rindo ao mesmo tempo que negava com a cabeça.
- Você não muda mesmo.
- Por que mudaria? – perguntou retorica, voltando a se aproximar e envolvendo meu pescoço em seus braços – Você gosta. – soprou antes de morder meu lábio.
- Mais do que gosto... Eu amo. – retruquei risonho. – Eu amo você. – falei num tom mais sério antes de voltar a beijá-la com tanta urgência e paixão quanto antes.
Eu podia não ter certeza de muitas coisas nessa vida, nem de que eu e realmente ficaríamos juntos durante o resto de nossas vidas. Porém, eu tinha certeza de que eu a amaria até o meu último suspiro e, enquanto eu pudesse tê-la em meus braços para amá-la e fazê-la feliz, eu o faria.
Eu seria capaz de dar tudo de mim apenas para ver um sorriso em seu rosto, se ela me permitisse, se me amasse. Pois até mesmo a noite mais escura parecia ser brilhante com a menina ao meu lado e nada, além disto, importava.



Fim.



Nota da autora: Antes de qualquer coisa, eu queria dizer que estou realmente surpresa de ter chegado até aqui. Eu amo escrever, todo mundo que me conhece sabe disso, mas desde o ano que eu prestei vestibular – que foi em 2013 – eu desenvolvi certa ansiedade em relação a muitas coisas, inclusive a escrever, e nunca mais consegui finalizar ou até mesmo desenvolver bem nenhum projeto que eu iniciasse, por menor que fosse.
Por isso mesmo 17. Outer Space se tornou muito especial para mim. Sei que não é a melhor shortfic já escrita e que certamente não irá agradar a todo mundo, talvez nem tenha muitas leituras, mas ela representa um desafio vencido e eu estou muito orgulhosa de ter conseguido enviar essa ficstape para o site.
Dito isso, gostaria de agradecer do fundo do meu coração ao amorzinho da minha vida, Luana, que me enfiou nesse projeto. Foi ela que tomou a iniciativa para que a ficstape de Sounds Good Feels Good acontecesse e, antes mesmo de pedir minha autorização, me anunciou como a autora de Outer Space por saber o quanto eu a amava.
Lua, muito obrigada por ter me incentivado, dizendo que eu conseguia terminar todas as vezes que enviei mensagens desesperada dizendo que eu não conseguiria ou eu não era boa o bastante. Muito obrigada por ler cada palavra e me apoiar nas semanas de escrita dessa história, você não tem ideia do quanto foi importante para mim.
Também gostaria de agradecer, com todo meu coração, a uma das melhores amigas que uma pessoa desejaria ter, Camila, por ter me acompanhado durante o andamento desse projeto, dando dicas, me apoiando, pontuando o que achava ou não legal e me ajudando a desenvolver essa história, mesmo que de forma indireta. Sei que muitas vezes te perturbei em momentos não legais e, mesmo assim, você nunca me deixou de lado e sei que leu cada palavrinha escrita com todo seu amor. Nunca serei grata o suficiente a você por isso.
Por fim – até mesmo porque essa nota já tá grande demais – gostaria de agradecer a você que deu uma chance a essa história e a leu até o final. De verdade, significa muito para mim.
Espero revê-los em possíveis outros projetos!





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